Entre o Céu e a Terra escrita por Helgawood


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Mudei algumas coisas nesse capitulo em comparação ao do Spirit.



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Estavam diante do calabouço, numa alta noite em que o vento era frio e o silêncio era perturbador naquela região. Os soldados estavam certos; não havia indício de que algum grupo havia entrado ali antes deles: mesmo tendo o clã Kouga do lado e, há quilômetros de distância, o império Kou. O mais certo era que aventureiros, caravanas e contrabandistas se reunissem por ali, mas nada – além dos dois – estava presente.

Apreensiva, Muna segurou com força o cabo de sua cimitarra. Esperou tanto por aquele momento e o imaginou de diversas formas, mas agora não sabia como agir.

— Está bem, Muna? — indagou Tamujin, acenando a mão diante do rosto da irmã. Automaticamente, ela aquiesceu, embora não tenha ouvido o que ele dissera. — Então vamos.

— Ah? — ela piscou, surpresa.

Ela observou o irmão caminhar a passos largos em direção à torre. Deveria ser ao contrário, pensava, naquele momento era para ela está tomando a iniciativa e incentivando o irmão a segui-la. Mas tudo se invertera. Era ela que estava com medo e hesitando.

— Me espera! — gritou e correu em direção a ele. — Temos de entrar juntos, se não podemos nos perder e algo perigoso pode acontecer e…

— Eu sei. — Colocou a mão sobre os ombros da irmã. — Fique calma, Muna.

Ela o olhou surpresa e aquiesceu. Sua calma era surpreendente. Tamujin empurrou o que seria a porta do calabouço e, assim que abriu, foram cegos pela forte luz que surgiu que os engoliu e puxou para dentro.

 Muna estremeceu. A estranha sensação de estar atravessado uma membrana mucosa lhe dava arrepios. Sentia que caia em queda livre, mas ao abrir os olhos, percebeu que estava sentada no chão de um corredor escuro.

No final dele provinha uma pequena luz bruxuleante.

— Tamujin! — chamou ela, assim que percebeu a falta do irmão mais velho. — Tamujin!

Não houve resposta. Além da sua respiração descompassada, nada mais era ouvido. Era um silêncio total.

 Hesitante, pôs-se de pé. O corredor era pequeno, mal conseguia esticar os braços ali. Só havia um caminho a seguir: aquele no qual a luz brilhava. Do outro lado, havia uma escuridão densa, terrível, no qual não sabia se havia uma parede ali ou era mais uma extensão do corredor.

Tamujin está do outro lado, pensou, seguindo o brilho.

A luz cegou Muna temporariamente. Quando se acostumou com a luminosidade, encontrou-se num amplo espaço verdejante repleto de fauna e flora. O teto alto era de vidro e espécie de animais desconhecidos passavam por ela tranquilamente sem se incomodar com sua presença. A sua frente tinha um caramanchão de madeira coberta por vegetação e nele voava o que parecia vaga-lumes minúsculos, sendo apenas visível a luz que emitiam.

— Você está aí!

Muna se espantou ao ver o irmão do outro lado do caramanchão. Ele sorria de orelha a orelha, e atravessou a sustentação de madeira e agarrou a mão da irmã, puxando-a para o outro lado.

— Por que não me esperou? — indagou ela.

— Você demorou muito. Pensei até que ficou para trás.

— Impossível… — murmurou ela.

Tentava calcular se aquilo era possível, pois haviam entrado juntos e, ao seu ver, não tinha como terem ficado separados por, pelo menos, cinco minutos ou mais.

Mas Tamujin não estava afim da indignação da irmã. 

— Olhe o que achei, Muna. — disse ele. — É incrível!

Ao atravessar o caramanchão chegaram a um jardim radiante. Um riacho de águas cristalinas cortava todo jardim. O som de sua água era tão tranquilizador e magico que, por um momento, Muna desejou ficar ali.  Sob uma frondosa árvore, havia uma extensa mesa arrumada para um piquenique.

A princesa olhou para trás, para o outro lado do caramanchão, vendo a entrada no corredor escuro.

— Sente-se, por favor. — disse Tamujin, puxando a cadeira. — Pode comer à vontade.

Ela olhou para aquilo curiosa. A mesa era farta de pães, geleias e entre outros alimentos. Mas por que tudo isso estaria dentro de um calabouço?

— Não temos tempo para comer. — disse ela. — E como você achou esse lugar?

Ele deu de ombros.

— Eu estava te procurando e acabei aqui. A comida é boa. Experimente.

— Isso não é nosso, e ninguém nos convidou para comer, Mujin. — Afastou a cadeira e levantou-se. —Vamos sair daqui. — estava apreensiva, olhando ao redor. Algo não estava certo.

— Mas você mal chegou… — lamentou ele.

Muna o encarou desconfiada.

— Tamujin… não temos tempo.

Ele riu e pôs as mãos sobre o ombro da irmã.

— É claro que temos, maninha. Na verdade, temos todo o tempo do mundo! Sente e coma agora. Quando estiver cheia poderemos prosseguir.

 Ela desvencilhou do irmão e recuou alguns passos.

— Estamos numa dungeon. Isso não é um lugar para passear, tampouco para comer ou descansar. Fique se quiser, mas eu me vou.

Ela virou nos calcanhares e caminhou de volta para o caramanchão: no entanto, antes que pudesse atravessá-lo, Tamujin agarrou seu braço com força.

— Onde pensa que vai?! — sua voz saiu grossa, obscura. Seu rosto parecia manchado e retorcido como uma máscara medonha. Os lábios estavam repuxados e a esclera do olho, escura.

Muna o encarou assustada.

— Quem é você? — Indagou ela.

Tamujin, ou aquilo que fingia ser ele, riu, jogando a cabeça para trás num ângulo impossível para o ser humano. Quando voltou, seu rosto estava escuro, sem olhos, sem nariz e sem boca.

Você.

A voz ressoou medonha e cruel.

A mão larga do quarto príncipe transformou-se numa menor, com dedos longos e manicurados. Muna olhou espantada para o próprio rosto retorcido que lhe sorria maliciosamente.

— Gostou? — a voz era grave. — Tenho uma melhor.

Desta vez não jogou a cabeça para trás. Sutilmente se transformou em uma mulher de longos cabelos acobreados, trajando uma túnica brocada e calções. Um véu estrelado cobria seus cabelos.

Muna sentiu as pernas fraquejarem com aquela visão aterradora. Tremeu dos pés à cabeça e, sem sua permissão, as lagrimas começaram a transbordar de seus olhos.

— N-não… — balbuciou.

— Vem me dá um beijo, garotinha — disse a mulher com a voz baixa e aveludada.

— Não… — Seu rosto estava molhado ao encarar o rosto daquela bela figura. —Não…

— Eu senti muito, muito sua falta. Você sentiu a minha? — Ela inclinou a cabeça.

Muna fechou os olhos e deixando que mais lagrimas rolassem por seu rosto. A dor no braço não lhe incomodava mais, mesmo que aquela coisa lhe apertasse com força. Aquilo era impossível e horrível. Como podiam brincar com aquilo?

— Abrace sua mãe!

Muna abriu os olhos, seus lábios tremeram e, bruscamente, desvencilhou dos braços daquela que dizia sua mãe. Deu alguns passos para trás, afastando-se dela, e desembainhou a cimitarra da bainha. A espada tremia em sua mão.

A mulher não gostou. Pôs a mão na cintura e a encarou com o cenho franzido, como se repreendesse uma criança.

— Você me deixa triste, Muna. O que lhe ensinei sobre espadas e a violência dos homens? Coloque isso no chão e venha pra perto, minha menina. Vem me abraçar mais uma vez… — Ela abriu os braços e sorriu afetuosamente.

Por um instante, Muna fraquejou e sentiu como se a espada pesasse uma tonelada em suas mãos.  Vai atacar sua própria mãe? Uma voz em sua cabeça lhe indagou. Muna olhou para a espada e quase ia respondendo a si mesma que não.

Mas aquela não era sua mãe.

De braços abertos a mulher se aproximava.

Com o peito subindo e descendo, Muna berrou em pleno pulmões:

Não!

Levantou a cimitarra acima da cabeça e desferiu um golpe direto, cortando a mulher do ombro ao quadril.

Ela deu um grito gutural, afastando-se com uma expressão horrenda de dor. No local do corte não verteu sangue, mas sim uma fumaça preta. Sua forma foi se perdendo, dissipando numa fumaça negra e malcheirosa.

Quando não restou mais nada daquela figura, Muna caiu de joelhos fraca e assustada. Cobriu o rosto com as mãos e chorou amargamente até soluçar.

Levou um tempo para que deixasse de chorar e se acalmasse.  Enxugou as lagrimas e levantou a cabeça; o jardim havia sumido. A mesa, o riacho, o caramanchão tudo tinha desaparecido. Estava agora em uma sala octogonal de paredes altas, sem janelas ou portas.

— Tamujin! — gritou, ao reconhecer o irmão caído no chão. Uma forma humanoide preta estava ajoelhada diante dele. Assim que a forma percebeu sua aproximação, afastou-se rapidamente atravessando a parede.

Muna olhou para aquilo assustada e quando por fim desapareceu, correu para o irmão.

— Tamujin! — sacudiu ela. — Tamujin!

Ele resmungou e se mexeu. Com dificuldade, abriu os olhos e levou a mão a cabeça, atordoado.

— O que… o que aconteceu? — perguntou ele, olhando para o cenário ao redor e então para a irmã. — Muna, você estava chorando?

Ela fungou e com as costas na mão limpou o rosto molhado e o nariz.

— Não…. Eu só fiquei assustada. Você tinha sumido.

Reclamando de dores, Tamujin ficou sentado.

— O que aconteceu com você? — perguntou ela.

— Não me lembro direito... Sei que estávamos juntos, mas logo depois você desapareceu. Andei por aí e vi uma pessoa e achei que fosse você, mas quando me aproximei eu me senti tonto e devo te desmaiado.  — Respondeu. — Será que foi um truque do djinn?

— Eu não sei. —disse, ainda estava assustada com a experiência anterior e tinha medo de uma próxima. Segurou as mãos do irmão e apertou. —  Eu estou com medo do que possa ser, então vamos ficar juntos agora.

Tamujin aquiesceu, e percebendo o semblante choroso da irmã puxou-a para um abraço apertado e acariciou suas costas. Muna escondeu seu rosto no pescoço dele e chorou.

Não queria fazer aquilo, desejava ser forte e ter inabalável confiança como seus outros irmãos, mas achava que certas emoções não deviam ser guardadas.

***

 Passado o choro e o medo, puseram-se em pé decididos explorar a sala octogonal em que se encontravam. As paredes altas e sem janelas geravam uma sensação claustrofóbica, mas não havia outra escolha senão prosseguir.

Enquanto caminhavam pela sala, uma vibração estranha começou a preencher o ar. Um zunido suave que parecia ecoar através das paredes de pedra. A cada passo, a sensação se intensificava, deixando Muna e Tamujin inquietos.

O cenário nunca era o mesmo dentro daquele calabouço, a cada porta ou corredor atravessado tudo mudava e nunca se tinha certeza se estava perto ou não da sala do tesouro. Vez ou outra, vultos surgiam de relances e sumiam repentinamente. Eles não os atacavam diretamente, talvez esperassem o momento certo para isso. Um momento de vulnerabilidade, talvez.  Mas Muna mantinha-se alerta desde a experiência anterior.

— Vamos descansar um pouco, Muna… — pediu Tamujin, suspirando. — Já andamos bastante e não chegamos em lugar algum.

Muna, que seguia na frente, parou e virou para o irmão.

— Não dá pra descansar aqui. Se o djinn for capaz de mexer com nossa mente ele vai se aproveitar. Você não vê as sombras?

Ele revirou os olhos.

— Eles estão nos vigiando. — Garantiu ela.

— Ou te enlouquecendo. — ele resmungou. —Vamos parar em algum lugar.

Tamujin tomou a dianteira pelo corredor feito de pedras firmemente juntas e encontrou um espaço pequeno na parede que dava entrada ao que mais se parecia uma toca.

— Aqui parece ótimo. Vem! — E entrou.

Sentaram-se descontraidamente no local e Tamujin separou um pouco da comida que havia trazido. Deram pequena mastigada na carne salgada, dividiram o pão e beberam um pouco de água que ainda tinham.

— Será que já se passou um dia? — Muna perguntou, encarando o teto escuro.

— Não faço a mínima ideia. — Tamujin tirou o gorro da cabeça. — O tempo aqui parece não passar.

— Eu me preocupo com Nargabad. —Muna disse. — O que será que está acontecendo lá, na nossa ausência?

Tamujin tirou as botas, cruzou os braços atrás da cabeça e deitou no chão.

— É horrível está preso aqui.

Muna aquiesceu. Não saber do mundo exterior, não saber quando seria atacada ou se estavam perto ou não da sala do tesouro era terrível. Era como estivesse apenas existindo, mas não vivendo. Suspirou. Abraçou as pernas, apoiou a cabeça nos joelhos e descansou um pouco.


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