— Tem certeza que você pegou tudo?

— Sim, mãe, quantas vezes tenho que repetir? — Falei amarrando o cadarço sentado nos degraus na entrada da minha casa.

— Você esquece tudo, Sakura. É claro que eu tenho que perguntar vinte vezes. E anda logo que você sempre atrasa o Gaara. — Disse minha adorável mãe.

Mama era a típica mãe classe média. Estatura mediana, cabelo loiro curto e uma voz forte com capacidade de atingir todos os cômodos da casa. Ela era enfermeira e tinha grandes esperanças de que eu me tornasse uma das médicas que ela tanto admirava — que eram poucas, já que ela odiava a maioria. Ela insistiu por um tempo, mas depois ela percebeu que eu não apenas não queria, como tinha zero aptidão para a área, então acabou desistindo.

— Ok, ok, estou indo. — Falei fechando a porta.

Saltitei até a frente da casa do Gaara, onde ele já me esperava apoiado na cerquinha.

— Sua mãe está certa. Você sempre me atrasa. — Ele disse quando eu me aproximei dele, sem se dar ao trabalho de sequer olhar na minha cara.

— Não seja dramático. Nós moramos a vinte minutos em passos lentos da escola.

Gaara finalmente guardou o celular e me olhou feio.

— Então nós não deveríamos sair de casa faltando quinze minutos para o começo da aula.

— Quinze minutos?! — Perguntei assustada conferindo a informação no meu celular. — Não, não, não… Eu estava certa de que ainda faltava meia hora. E ainda temos que passar na Hinata.

Fazia uma semana desde que eu taquei a porta na cara de Hinata e a derrubei de bunda no chão e, desde então, ela está sempre com a gente. Sou muito boa em fazer amizades, pode dizer. Ela morava ainda mais perto que Ino, por isso não apenas almoçamos juntos, mas também fazíamos o caminho de ida e volta juntos — para compensar o fato de ela não ser da nossa sala.

— Ainda bem que eu sou adiantado e já mandei mensagem pra ela dizendo para nos esperar do lado de fora que vamos pegar ela correndo.

— Oi?

— Correndo.

Ele não me deu tempo de processar a informação. Eu apenas senti a mão dele no meu pulso e comecei a ser puxada.

Chegamos na casa da Hinata em menos de cinco minutos, mesmo que eu estivesse praticamente sendo arrastada por Gaara — não sou muito atlética. Hinata estava esperando na frente da casa dela, como Gaara havia indicado, e ela sorriu brevemente quando nos viu. O fato de que sequer desaceleramos conforme nos aproximávamos pareceu assustá-la encurtando o sorriso.

Quando eu segurei o pulso dela como Gaara fazia comigo, ela tropeçou e por muito pouco não caiu, acho que o equilíbrio dela era ainda pior que o meu.

Chegamos na escola em exatamente 12 minutos depois que eu saí de casa. Na entrada, finalmente paramos. Hinata imediatamente sentou-se no banco da entrada e apenas apoiei minhas mãos no joelho respirando. Eu definitivamente não tinha preparo físico para aquilo.

— Eu acho que preferia ter chegado atrasada. — Disse para Gaara.

Quando ele não respondeu, eu fiquei ereta novamente para olhar para ele. Gaara ainda estava arfante e o rosto dele estava bastante vermelho. Ele tinha aberto os primeiros botões da blusa social branca e olhava para a rua.

Revirei os olhos pensando que era ridículo alguém ser sexy daquele tanto, mas olhei na mesma direção em que ele olhava.

— Oh, hey, Sai! — Disse sorrindo para o casal se aproximando de nós.

Sai era o namorado de Ino. Eles tinham se conhecido em uma festa e começaram a namorar pouco depois, isso foi há três anos atrás e até hoje eles estavam juntos. Ele era dois anos mais velho que nós e já estava na universidade. Era alto e um pouco pálido demais, mas ainda era bem bonito e estiloso. Embora eu tenha que confessar que quando o conheci como namorado de Ino, meu primeiro pensamento foi que ele não era bonito o suficiente para ela.

Mas isso não interessava, o importante era que Ino era louca por ele. E se ele fazia minha melhor amiga feliz, eu estava feliz.

— Hey, Saky. — Sai disse apertando minha bochecha e sorrindo. — Você está fofa hoje.

— Sério? — Falei corando. — Por quê?

— Porque suas bochechas estão vermelhinhas e seu cabelo está todo assanhado.

Rapidamente comecei a passar a mão no meu cabelo na esperança de parecer menos bagunçado.

— Eu tive que correr até aqui. — Falei baixinho me justificando.

— Da próxima vez, você pode falar comigo, eu não tenho qualquer problema em passar e buscar vocês quando vier trazer a Ino. — Ele disse trocando o olhar de mim para Gaara.

Gaara abriu um sorriso estendendo a mão para cumprimentá-lo.

— Não precisa, nós gostamos do exercício. — Ele respondeu sem hesitar. Fale por você, patinho. — Faz um tempo que não nos vemos.

— Ah, sabe como é a faculdade. Semana de provas é sempre um terror.

— Sim. Bem, deveríamos marcar alguma coisa.

Gaara estava sorrindo e sendo até mesmo carismático, mas eu o conhecia bem demais para comprar a atuação. Ele nunca gostou muito de Sai, mas todos os insights do relacionamento dele com Ino que recebíamos pela própria só aumentou o desgosto do ruivo por Sai.

Todas as vezes que ele fazia Ino chorar, eu ficava igualmente com raiva, mas quando eles se acertaram, eu voltava a amá-lo, só por Ino estar feliz. Contudo,  Gaara não parecia funcionar dessa forma, era como se todas as coisas ruins se acumulassem na cabeça dele.

Mas como eu disse, Ino era louca por Sai, portanto, ele não ousaria maltratá-lo, principalmente quando Ino ainda estava meio chateada por causa da discussão deles da semana passada, então Gaara ainda estava sendo extra legal para a nossa sorte.

— Sai, essa é a Hinata. — Ino falou puxando Hinata que olhou para o garoto com os olhos arregalados.

— Muito prazer, Hinata. — Ele disse estendendo a mão a qual ela pegou timidamente. — Ino falou muito de você, então você deve ser especial para ela.

Hinata sorriu envergonhada.

— Prazer.

Eles ainda estavam apertando as mãos quando o sinal tocou.

— Merda! Já? — Ino falou. — Tchau, amor. — Ela disse dando um beijo rápido nele, mas Sai a puxou para um segundo beijo.

— Falou. — Gaara disse correndo para a porta.

— Tchau, Sai. — Gritei correndo atrás de Gaara.

Quando chegamos na sala de aula, o professor já estava fazendo a chamada, portanto deixei Ino ir na frente para amansá-lo.

— Professor, deixa a gente entrar só dessa vez.

Asuma suspirou com a expressão fechada.

— Eu já deixei o sr. Uchiha e o sr. Uzumaki entrarem depois do horário, então suponho que tenho que permitir a entrada de vocês também. Entrem.

A menção do sobrenome de Sasuke me fez corar.

Ino e Gaara entraram primeiro claramente tentando ser silenciosos e eu os segui de cabeça baixa. Observei os dois se sentarem e só então reparei no único lugar que sobrou para que eu me sentasse.

Como eu disse, eu estudo na mesma sala que o Sasuke há muitos anos, porém, nem uma única vez aconteceu de sentarmos lado a lado. Isso porque Sasuke sempre chegava cedo e todo mundo sempre queria sentar perto dele, enquanto eu queria sentar o mais longe possível para observá-lo. Então, mesmo quando eu chegava atrasada — situação não tão rara —, nós acabávamos nunca sentando perto.

Mas hoje, aparentemente, nós dois chegamos atrasados e o único lugar que sobrou para mim era ao lado dele, no fundo da sala. Tentei chamar a atenção de Gaara para que ele trocasse de lugar, mas ele parecia estar em outro mundo, olhei para Ino suplicante, mas ela apenas me deu um sorriso malicioso e virou o rosto.

Vadia.

— Algum problema, srta. Haruno? — A voz de Asuma soou pela sala e todo mundo olhou para mim.

— Não, professor, nenhum problema. — Disse me sentando com um sorriso amarelo.

Eu senti o olhar de Sasuke, ao meu lado esquerdo, sobre mim e me esforcei para não olhar minimamente na direção dele me ocupando em retirar meu caderno da mochila.

Asuma continuou a chamada e eu continuei me esforçando para não olhar para o lado esquerdo, felizmente as cadeiras eram individuais.

Mas era uma merda ainda assim, eu não conseguia admirá-lo estando sentada ao lado dele na última cadeira. Se fosse pelo menos atrás dele, eu ainda teria minha dose suficiente de admiração da beleza de Sasuke Uchiha hoje.

Talvez não tivesse problemas se eu apenas dirigisse um olhar rápido.

Lentamente, para não chamar a atenção da visão periférica dele, eu me virei. Com a minha sorte, é claro que isso deu muito errado, não é mesmo?

Ele já estava olhando para mim, o que já seria demais para o meu coração, porém ficou ainda pior, eu me assustei ao perceber que ele me pegou no flagra e derrubei meu caderno e o estojo no chão.

E como o cavalheiro que era, Sasuke rapidamente apanhou para mim e se inclinou na minha direção para colocar sobre minha mesa.

— Obrigada. — Murmurei sem saber como consegui fazer a palavra passar pela minha boca.

— Por nada. — Ele sussurrou de volta com um sorriso.

Depois disso, eu me esforcei muito mais em não olhar na direção dele e foi uma tortura, especialmente porque eu conseguia sentir os olhos dele em mim vez ou outra e eu fiquei literalmente contando os minutos para o intervalo.

Quando o sinal tocou, eu praticamente pulei da cadeira e antes que Gaara se levantasse, eu já estava parada ao lado da cadeira dele. Sentindo os olhos de Sasuke em mim e ele se aproximando para sair para o intervalo, eu falei a primeira coisa que veio na minha cabeça.

— Preciso te pedir uma coisa.

Gaara olhou para mim parecendo entediado e o olhar dele caiu rapidamente em Sasuke, que passou tão perto de mim que eu tive que me inclinar sobre a cadeira de Gaara para não encostar nele. Ainda assim, eu senti a mão dele passar de leve nas minhas costas e isso foi o suficiente para fazer com que todo o meu corpo reagisse na forma de calafrios e arrepios.

— E o que é? — O olhar de Gaara ainda estava em Sasuke, agora na frente da sala ao lado de Naruto.

— Queria que você fosse comigo até a escola de artes para entregar minha aplicação para o programa de primavera.

Gaara levantou franzido o cenho.

— Hn. O prazo para aplicações não acabou sexta passada? — Ele perguntou enquanto fazíamos o caminho para sair da sala.

Nesse momento a cena que eu fazia para Sasuke não me achar uma perdedora desmoronou. E eu até mesmo esqueci que estava ao lado de Sasuke naquele momento.

— O QUÊ? Não, não acabou.

— Tenho bastante certeza de que acabou.

— Não, não é possível. Nós estamos lascados.

— Na verdade, você está. Eu entreguei a minha aplicação semana passada. — Gaara disse com toda a casualidade da face da terra.

— E por que você não me avisou?

— Eu tenho bastante certeza que avisei. Você e a Ino.

Levei a mão à cabeça desesperada.

Apesar do meu óbvio descaso, não havia nada no momento que me fizesse mais ansiosa do que para o início das aulas de artes. Esse curso era tudo que eu havia falado sobre em casa por seis meses. Eu irritei tanto meus pais que eles acabaram cedendo em pagar para mim.

Não era possível que eu não iria participar por ter perdido a data de entrega da aplicação.

— Não, não, não! Tem que ter uma maneira, aposto que a Ino vai conseguir dobrar a monitora. Isso, ela vai dar um jeito. Eu só preciso revisar minha aplicação e correr atrás disso hoje.

— Vem, você tem que me ajudar. — Disse arrastando Gaara pelo pulso.

— Mas eu realmente quero um sanduíche.

— Gaara.

— Argh, tá bom. Vamos.

Eu o levei para a biblioteca que estava completamente vazia e lá nós revisamos toda a minha aplicação juntos e eu terminei de responder as poucas perguntas que faltavam.

— Então… Como foi sentar ao lado do amor da sua vida? — Gaara perguntou com um sorriso sugestivo.

— Tortura. Não me lembre disso.

— Você tentou falar com ele?

— Claro. Eu murmurei ‘obrigado’ depois que eu derrubei todas as minhas coisas pelo simples fato de que ele estava olhando para mim. Acho que ele está apaixonado agora.

Gaara apoiou a cabeça na mão e olhou para mim com aquele sorriso de “eu sou mais maduro e tenho mais conhecimento que você”.

— Você deveria falar com ele. Vai saber… Talvez ele retribua seus sentimentos.

Sorri irônica.

— Claro, até parece que— Sasuke! — Disse assustada quando o vi passar pela porta. — Rápido, se esconde.

Sem hesitar, eu me escondi debaixo da mesa, Gaara, no entanto, não fez o mesmo e eu belisquei a coxa dele para que ele se juntasse a mim.

— O que diabos você está fazendo? — Ele perguntou sussurrando e me olhando como se eu tivesse enlouquecido de vez.

— Me escondendo. Não estou preparada para revê-lo ainda, eu só passo vergonha na frente dele. — Gaara abriu a boca para falar algo, mas eu rapidamente acrescentei. — Shiu! Ele está se aproximando. — Falei tapando a boca dele.

Eu consegui ver apenas as pernas de Sasuke, mas mesmo assim, ele era inconfundível. Ele se aproximou da nossa mesa e meu coração começou a bater tão forte que eu achei que ele iria escutar. Olhei para Gaara com minha mão ainda na boca dele, ele me dirigiu um olhar que pareceu um aviso e nós observamos Sasuke dar a volta na mesa para ficar no lugar onde antes eu e Gaara ocupávamos. Ele parou ali por algum tempo e depois se afastou um pouco.

Eu já estava quase acreditando que ele estava indo embora quando algo caiu e ele se abaixou para pegar. Eu senti meu mundo caindo conforme Sasuke abaixava, ele pegou o pequeno objeto enquanto eu rezava desesperadamente para que ele não olhasse para o lado.

Obviamente não deu certo e ele olhou. Eu senti minha alma sair do meu corpo e minha mão finalmente saiu da boca de Gaara para cair tão sem vida quanto eu me sentia ao meu lado.

Sasuke piscou algumas vezes como se não compreendesse o que seus olhos estavam vendo.

— Sakura? — Ele perguntou soando extremamente confuso.

— Hey, Sasuke. — Disse tentando sorrir.

— Você está— o que vocês estão fazendo debaixo da mesa?

Eu olhei para Gaara que sorriu carismaticamente.

— Eu gosto de ficar aqui.

Senti o olhar de Gaara em mim e olhei para ele. Ele estava me dirigindo um sorriso sem qualquer humor e um olhar de incredulidade.

— Debaixo da mesa?

Dei uma ombrada em Gaara para que ele me ajudasse, pois eu não estava mais aguentando a situação.

— É uma coisa nossa. Nós gostamos de passar o tempo debaixo da mesa. — Ele disse com naturalidade.

— Oh, ok. — O olhar de Sasuke caiu em mim e eu sorri. Ele assumiu uma expressão mais séria. — Desculpa ter interrompido vocês.

Nós permanecemos ali mais algum tempo, até que as pernas de Sasuke sumissem completamente da nossa visão.

— Eu não consigo acreditar que isso aconteceu. Aaah, eu quero morrer. Eu nunca me senti tão envergonhada em toda a minha vida. Você acha que ele acreditou? — Perguntei para Gaara que estava sacudindo o cabelo, retirando as teias de aranha.

— Claro que não.

— O quê?

— Só um idiota iria acreditar naquela desculpa ridícula, Sakura.

— Acho que vou morrer. Imagina o que ele deve estar pensando.

— Provavelmente que a gente estava se pegando.

— Quê? Por quê?

— Porque foi o que eu dei a entender.

Dei um tapa no ombro dele.

— Por que você fez isso?

— Porque era menos vergonhoso do que o que nós realmente estávamos fazendo. Eu estou começando a acreditar que a Ino estava certa, você tem que falar com ele ou deixar outra pessoa falar, porque isso não está dando certo. Você não pode continuar fugindo e se escondendo dele e, principalmente, você não pode continuar me envolvendo nisso.

— Mas eu—

— Eu lavei meu cabelo hoje de manhã, Sakura e já vou ter que lavar de novo porque tem teias de aranha nele.

— Desculpa.

— Fala com ele.

— Mas você sabe o quanto é difícil para mim.

Gaara olhou para mim e eu soube que consegui afetá-lo com meus olhos de criança perdida, mas então uma aranha começou a andar na cara dele e ele se deu um tapa para tirar rapidamente o inseto do rosto. Gaara olhou para mim com os olhos procurando por sangue.

— Fala com ele!