Desarmonia: Os 4 deuses da Harmonia Livro 1 escrita por Alice P Shadow


Capítulo 10
Capítulo 09




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— Você tá ferrado. – Ramier exclamou, sentado ao lado de Axel naquele colchão fino, no porão do bar. – Muito ferrado.

— É só uma pulseira. E fala baixo. – Repreendeu o amigo, deslizando aquela pulseira de ouro puro entre os dedos. Durante a confusão da noite anterior, havia roubado de uma garota que acompanhava o príncipe. Ela mal havia notado que havia feito isso enquanto dançavam. – No final, ter feito aquele papel patético de dançarino, me serviu de algo.

— Não é patético. É parte da nossa história.

— Desde quando você é patriota assim? – Wiven deslizou uma tábua de madeira pequena para o lado e escondeu a pulseira ali dentro do buraco. O tampou em seguida. – É mais dinheiro pra fugirmos daqui.

— Axel, você roubou isso de uma das escolhidas do príncipe Mark. Isso vai dar problema. 

— Eles nem vão saber que fui eu. Vão achar que foi alguém durante aquela confusão quando o brasão explodiu na porra do céu. – Ele bocejou, o que fez com que Ramier também bocejasse – São quatro da manhã, vamos dormir.

— Vai pro lado. 

Wiven sorriu e abriu um espacinho no colchão pro amigo. Não havia, claro. Os dois ficavam com metade do corpo pra fora, mas, não havia muita diferença dele pro chão. Ramier dormia de favor na casa de uma família estrangeira que havia vindo de Bragi uns anos atrás, mas, às vezes ficava ali apenas para o fazer companhia. Ou quando estava cansado demais para atravessar a cidade até em casa. Não demorou muito para que ele dormisse.

Axel se virou e o olhou por alguns segundos. Podia ver seu peito subir e descer com serenidade, a respiração calma. Ramier dormia de barriga pra cima, com a boca levemente aberta, mas sem roncar, o que era um alívio. Wiven tinha um sono leve demais. Mas mesmo que seu melhor amigo roncasse, não ousaria o expulsar dali. Sabia que ele havia aguentado uma barra no período que havia sido preso.

Se tinha alguém que podia confiar nesse mundo, era Ramier. E nem sabia o primeiro nome dele.

Era um costume idiota, na verdade. Mas ali no bar, era regra que todos se tratassem pelo sobrenome. Ninguém poderia saber o seu nome verdadeiro. O único que sabia o nome de todos era Poul. E ele também era o único que todos chamavam pelo primeiro nome. “Isso se esse for realmente o nome real daquele canalha”. 

E não é como se pudessem simplesmente quebrar a regra. Ao serem contratados, e assinar o contrato, um feitiço os impedia de pronunciar seu próprio nome em voz alta ou de escrevê-lo. Axel não sabia o motivo, e, quando foi contratado, nem se preocupou com isso.

Mas, havia momentos como aquele, que queria saber quem Ramier era. Não que um nome te definisse. Só que… ele queria se sentir mais próximo. É aquilo: você só dá valor a algo, depois que perde. Mesmo que saber um nome fosse algo consideravelmente bobo, ele sentia que era importante agora.

O ladrão se levantou devagar, sem conseguir dormir e cobriu o amigo com o único cobertor que tinha. Ele caminhou para fora do porão e saiu silencioso pela porta dos fundos do bar. 

O céu da madrugada ainda estava avermelhado por conta do brasão, que reluzia em um vermelho puro no céu. 

— Babaca. – Resmungou sozinho, praguejando contra Orion. 

Não o conhecia, obviamente. Havia o visto poucas vezes em toda sua vida, e, todas elas, a visão era de um homem cavalgando no cavalo preto pela cidade com Mark, Christopher e Amita. Isso tudo na época em que eles andavam juntos para cumprir as missões de coroação. O desgraçado sempre andava com a armadura completa. Cobria o rosto o tempo todo.

Com toda certeza, era pra esconder algo. Faltava um olho? Tinha uma cicatriz enorme? Ou só era feio mesmo? Wiven não sabia, e, se os deuses o ajudassem, nunca saberia. Ele precisava acreditar que o príncipe Kouris resolveria aquele incidente. 

E que o babaca do Rei Reyes tivesse mais cérebro e menos músculos, e entendesse que era loucura atacar um reino como aquele. 

Não que fossem indefesos, mas, sem a proteção mágica do príncipe, Kouris-Regnum era uma casca que facilmente seria esmagada. Eles seriam trucidados. Talvez exterminados. E a Harmonia ruiria, abrindo uma brecha ao Encontro e os seres aterrorizantes que habitavam lá. Qualquer um poderia enxergar isso. Até mesmo um ladrão da ralé como ele. 

O corpo esguio de Wiven pareceu flutuar na noite escura, sem emitir um único som. Todas as casas estavam com as portas trancadas e as janelas fechadas. Era possível sentir no ar o medo que assombra cada cidadão naquela noite fria. Não parecia que poucas horas antes, aquelas ruas estavam tomadas por uma festança.

Aproveitando que muitos vendedores haviam deixado suas barracas para trás, ele encheu a bolsa surrada e velha de suprimentos. Comida, bebida, um casaco, cadernos e até mesmo algumas moedas que encontrou. Todas as ruas estavam desertas exceto por uma guarda quase escassa que ele despistava com facilidade. Era patético ver isso, na visão dele. O brasão era só um aviso. Correr para dentro de casa não adiantaria nada. Muito menos se realmente fosse um ataque. Aquela gente esperava que uma porta de madeira impedisse um exército?

Mas ele agradeceu mentalmente.

Quando traçou o plano para realizar sua tarefa, imposta por Poul, não imaginava que conseguiria se preparar tão bem. Talvez tivesse que agradecer ao maldito Orion por isso. 

Depois de coletar tudo que precisava, ele fechou a mochila e voltou a andar. Enquanto caminhava solitário, seus pensamentos se voltaram para Ramier novamente. Não havia se despedido. Provavelmente aquilo magoaria o coração do amigo, mas, iria voltar. E quando voltasse, teria dinheiro pra os tirar daquele bar fedorento. Poderia comprar uma casa do outro lado da cidade, ou até mesmo se mudar para outro Regnum. E seriam só os dois. Sem roubos, sem Poul e sem a pressão de sobreviver. Faria isso por eles. Por sua amizade. 

Ramier entenderia. Ao menos, ele torcia para que sim.

Axel voltou para o bar de forma silenciosa e deixou a bolsa ao lado do melhor amigo. Ele precisaria mais do que si.

Em seguida, saiu novamente para a madrugada fria.

 

─━━━━━━⊱✿⊰━━━━━━─

— Está se entregando? – Um dos guardas piscou aturdido enquanto tateava o corpo de Wiven em busca de armas. Ao não encontrar, apenas amarrou suas mãos e o fez andar até a sala de interrogatório. – Ficou com medo do brasão e acha que aqui estará mais seguro, aposto. 

— Claro, vocês são meus heróis. – Disse num tom monocromático, o olhar vazio. – Não há lugar mais seguro que o castelo do cara que Orion quer matar. 

— Olha a boca. O "cara", é o Príncipe Kouris. Mais respeito.

— Eu já tô sendo preso, caralho. Não tem lugar pior.

— Você se surpreenderia se soubesse. – O homem o sentou numa cadeira e amarrou seu corpo nela. Em seguida, se sentou em outra de frente pra ele, apenas com uma mesa os separando.

Em poucos segundos, mais dois guardas apareceram. Tinha uma mulher de cabelo branco preso num coque, mais velha, com olheiras profundas e uma expressão de cansaço. Ao seu lado, um cara mais jovem, baixinho e com algumas cicatrizes no rosto, repousava a mão sobre o pomo da espada embainhada. Ele também estava com uma feição exausta. Era justificável, afinal, o relógio marcava por volta das seis e meia da manhã.

— Vamos ver… – O guarda a sua frente voltou a falar, a caneta rabiscando algo no papel. Aparentemente uma ficha. – Qual seu nome?

— Axel.

— Axel? – A mulher ergue uma sobrancelha. – Vamos prender quantos Axels esse mês? 

— Sou só eu, na verdade. – Ele ficou confuso. Ainda não haviam descoberto sua fuga? – Eu fui preso e fugi quatro dias atrás.

— Impossível. – Foi a vez do baixinho. Ele tinha uma voz grave. – Ninguém escapa das nossas prisões. E teríamos sido informados.

— Apenas alguns sabiam. Não queríamos que a notícia se espalhasse. – Com um olhar mais atento, Wiven notou o broche no peito do guarda. Havia se entregado justamente para um dos Esmeralda, da guarda pessoal do príncipe. – Ironicamente, Vossa Majestade pediu para que a gente te capturasse. Poupou muito trabalho, sabia? Eu deveria te recompensar por isso. 

— Como sabe que é esse aí? Devem ter milhões de caras com esse nome.

— Dá pra ver que é. Estou com a ficha aqui do fugitivo e as descrições batem. 

— Me capturar? – Uma pulga atrás da sua orelha o incomodou. Aquilo definitivamente não era um bom sinal. – O que ele quer comigo?

— Não sei. Não tivemos detalhes. – Os olhos castanho-escuro do Esmeralda focaram em Wiven com certa curiosidade. Do tipo que chegava a incomodar. – Estou curioso pra descobrir. Algo me diz que vai ser algo pior que a prisão, o que será muito divertido de ver.

O ladrão xingou aquele cara, que apenas riu da ofensa. Nos próximos minutos, apenas tiveram que preencher um questionário infernal dos "crimes" cometidos por ele. Havia só confessado coisas supérfluas. Roubos de carteira e objetos não muito valiosos. Não era mentira, havia feito essas coisas. Apenas havia feito mais que isso. Só que ninguém precisava saber. 

— Perfeito, agora que acabamos, vamos à sua cela.

— Quis dizer quarto, não? Sou um convidado do príncipe.

— Engraçadinho.

O guarda o levantou com certa agressividade da cadeira e praticamente o enxotou dali. Ele empurrava Wiven a sua frente conforme passavam por alguns corredores. O ladrão aproveitou para memorizar o caminho, os olhos se movendo de maneira discreta, e sua visão periférica lhe serviu para agregar detalhes importantes para possíveis rotas de fuga. 

Só que a caminhada demorou. E chegou num momento que seu cérebro já havia virado um nó. Quando desistiu de memorizar os padrões, finalmente chegaram na cela. Infelizmente não era a mesma que ele ficou da última vez. Essa de agora parecia mais fria, úmida e fedorenta. 

O guarda o jogou ali dentro, e, com um estalar de dedos, as cordas sumiram com magia. Axel passou a mão esquerda pelo punho direito, massageando a área que havia ficado vermelha.

— Tente não parecer tão deplorável quando o príncipe vier.

Ele revirou os olhos quando o homem disse aquilo e agradeceu mentalmente quando ele foi embora. Se lembraria de, no futuro, dar um soco naquele cara. 

Sem muito o que fazer ou pensar, Wiven apenas se sentou na cama. Se é que aquilo poderia ter esse nome. Era apenas um pedaço de madeira forrado com feno e suspenso no ar por correntes enferrujadas. Sua bunda pinicava com o desconforto.

E então… apenas esperou.

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Já era de tarde quando alguém apareceu. O sol entrava rasante pela pequena janela da prisão e inundava a cama com seus raios quentes. Wiven estava encostado na parede, do outro lado, longe do calor aconchegante. Ele trincava os dentes com o frio. Mas preferia isso. 

A mulher alta e corpulenta vestida de armadura também portava o broche dos Esmeralda. Ela abriu o cadeado com uma chave prateada, que reluzia. Parecia ser nova, ao contrário daquele recinto fétido. Sem dizer uma palavra, ela segurou os pulsos dele com força e o escoltou para fora. Poucos segundos depois, ele estava com as mãos amarradas de novo e voltava a caminhar para outro lugar. 

Eles saíram por uma porta diferente, então, ele nem ao menos pôde tentar ver se lembrava do caminho que havia feito com o outro guarda. Ao invés disso, tentou acrescentar o novo percurso no seu mapa mental do castelo. Dessa vez, eles subiram algumas escadas, até que, em algum momento, saíram no meio de um jardim com uma fonte. Wiven olhou assustado para trás e não viu mais a escada. Era um portal então. 

Isso complicaria as coisas caso precisasse fugir. Teria que aprender onde era o acesso. 

O sol forte agora cobria todo seu corpo. Pela posição no céu, provavelmente era por volta de uma hora da tarde. Sua barriga roncava de fome e sentir o cheiro vindo de uma das direções do castelo, não ajudou muito. Sua barriga roncou. E alto. 

— Poderá comer depois de ficar mais apresentável. 

— Apresentável? 

Ele continuou a andar com a mulher. Apesar de ter o dobro de músculos do guarda anterior, ela era um pouco mais delicada. Pelo menos não o empurrava como se fosse um saco de bosta. Ele era como adubo. Uma bosta que tinha utilidade no final. Wiven teve que segurar o riso com a comparação que fez na sua cabeça. Era idiota, mas coisas idiotas o faziam rir. 

Quando entraram no castelo, ele sentiu falta do calor. Ali, tudo parecia frio. O vento que vinha das janelas grandiosas e abertas quase o cortava de tão gélido. 

Subiram mais uma escada, mais escondida, que era um acesso de funcionários. Eles saíram em um corredor comum e entraram numa sala mais comum ainda. Tinha um armário de madeira simples, um espelho e uma janela sem cortina. As paredes eram de um tom de creme muito claro e sem graça. Combinavam com o chão de madeira.

— Pode se trocar aí. Vou te esperar do lado de fora. E não tente pular a janela, vai quebrar uma perna fazendo isso.

Rapidamente, a mulher tirou as amarras de sua mão e saiu do quarto. A essa altura já deveria ter entendido que ele não era ameaça nenhuma e nem pretendia fugir. 

Não ainda. 

Ele abriu o armário de duas portas e encontrou uma série de roupas dobradas, separadas por tamanho em etiquetas. Pegou uma das menores e as vestiu com cuidado. O conjunto era composto de uma calça marrom de cintura alta, uma camisa verde-clara que ia por dentro e um sobretudo da mesma cor e material da calça, bem quente. Finalmente parou de tremer. 

Se olhou no espelho e respirou fundo. Seu plano não envolvia conhecer o príncipe. Tudo que havia planejado era simples: se entregar. Conquistar a confiança de um guarda qualquer. Transar com ele. Sair na calada da noite e roubar o que precisava. Por fim dar no pé e entregar a Poul. 

Claramente todo o plano já tinha ido por água abaixo. E estava nervoso. Tentou ajeitar o cabelo, mas não teve muito sucesso. Os fios castanhos não se ajeitavam de maneira alguma e suas ondas estavam deformadas. Mas ainda sabia ser simpático. Tinha carisma algumas vezes. Talvez compensasse algo. 

— Estou pronto. – Falou assim que saiu. A mulher prontamente o levou para outro local.

Em poucos minutos, chegaram numa espécie de sala de refeições para funcionários. Era grande, espaçosa, com várias mesas longas e cadeiras. Algumas pessoas ainda se serviam, mas a comida já estava acabando. 

Wiven pegou um prato, sempre com a Esmeralda ao seu lado, e se serviu até não caber mais nada na porcelana. Ele sentia os olhares sobre si. Se era pelo prato ou pela escolta, não sabia. Mas definitivamente não se importava. 

Se sentou numa mesa mais afastada e comeu seu almoço. Ou melhor, devorou. Ignorou todos os bons modos que deveria ter à mesa e pôs pra dentro o máximo de comida que podia a cada garfada, tomando goles longos de suco para ajudar a comida a descer. 

Fazia anos que não comia algo tão bom. 

— Me pergunto como era sua vida pra estar faminto assim. 

— Não uma das melhores. – Foi sincero, pegando uma batata com a mão. – Mas eu aguento. É menos pior do que parece. 

— Isso eu duvido. 

Quando o prato ficou vazio, ele precisou resistir ao impulso de pegar mais. Só não o fez porque viu os empregados já tirando a comida e começando a limpar as mesas.

— Você sabe o que o príncipe quer comigo?

— Não, ele não comentou com ninguém. – Os olhos alaranjados da mulher estavam em alerta. Ela prendeu o cabelo preto num rabo de cavalo e se levantou. Wiben fez o mesmo. – Vamos. 

Eles voltaram a caminhar, mas, dessa vez foram por um corredor majestoso. O chão era de madeira polida, linda, e sem nenhum defeito. Tapetes verdes com desenhos que não possuíam nenhum significado em particular para Wiven decoravam o chão. Ele não entendia o que eram aqueles símbolos, mas sabia que uma peça daquelas valia uma casa inteira, principalmente pelos detalhes dourados. Era ouro de verdade. Ele apostaria sua vida que era. 

Seus olhos atentos também repararam nos guardas. Havia um posicionado ao lado de cada porta, então, definitivamente estavam num corredor importante. Não demorou muito para que chegassem numa porta de madeira vermelha, gigantesca, que tinha duas aberturas. A mulher que o escoltava pegou uma das correntes que tinha em volta da cintura e amarrou suas mãos com força. Ele reclamou de dor com a forma que ela apertava, mas, tudo que ela fez, foi ignorar.

E então, a porta se abriu.


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Notas finais do capítulo

Estou com saudade dos comentários de vocês!



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