Desarmonia: Os 4 deuses da Harmonia Livro 1 escrita por Alice P Shadow
Amita acordou naquela manhã sentindo que o mundo iria acabar. Mas estava tão habituada com aquela sensação horrível que pressionava seu corpo a não sair da cama, que simplesmente se levantou. Estava acostumada a conviver com o desespero dos seus pensamentos. E só relaxou um pouco quando ligou o chuveiro na temperatura mais quente que ele permitia.
O vapor logo se formou e se alastrou por todo o banheiro. As gotas de água desciam por suas costas e um suspiro de alívio e contentamento escapou de seus lábios. Ela pegou o shampoo e deslizou por seu cabelo crespo loiro e longo, o lavando com mais lentidão que o habitual. Não queria sair dali. Faria questão de demorar o dobro no condicionador só para poder ser apenas Amita Dízon por mais tempo, antes de ter que vestir a máscara de rainha.
Infelizmente, em algum momento, seu banho acabou. Ela saiu do chuveiro e se secou rapidamente, com o frio de estar fora d'água a fazendo tremer. Colocou o roupão branco felpudo que sempre usava e voltou para o quarto. Teria um dia longo.
— Vamos ver… – Murmurou ao abrir o guarda-roupa. Como sempre, estava lotado de roupas brancas com detalhes dourados, as cores oficiais do reino. – Hoje vai ser você.
Amita pegou um vestido branco simples. Ele tinha mangas compridas, gola alta e um corset delicado com detalhes dourados que faziam uma ótima transição para a saia solta. Também gostava de como deixava seu corpo cheio mais bonito. Pegou alguns brincos no formato do brasão de sua família e saiu do aposento.
— Bom dia. Tedros. Clari. – Sorriu amigavelmente e fez um aceno com a cabeça aos seus guardas pessoais. Em seguida, seguiu seu caminho para tomar o desjejum com eles logo atrás de si. – Imagino que minha irmã volte hoje.
— Na verdade ela chegou ontem pela noite, Majestade. – Tedros começou a falar, seu sotaque do interior de Dízon-Regnum bem evidente. – Não a acordamos porque era tarde.
— Minha irmã chegou de madrugada?
— Sim, Majestade. – Clari falou séria, a mão próxima da espada, todo tempo em alerta. – Ela estava escoltada por 3 guardas do reino do príncipe Kouris e dois dos nossos que a levaram.
— Entendo. Por favor, combinem para que o meu almoço seja junto do dela. Quero me atualizar. E dar um puxão de orelha por ela viajar a noite.
Tedros assentiu com o pedido e fez uma saudação de retirada, indo diretamente falar com um dos guardas de Dalila. Enquanto isso, Amita e Clari adentraram na grande sala de refeições do castelo Dízon. A rainha se serviu prontamente e se sentou com graciosidade, as mãos delicadas parecendo deslizar pelos talheres ao escolher o ideal para a refeição.
O sol entrava pelas janelas gigantescas que ocupavam toda a parede frontal do aposento. Amita fechou os olhos por um segundo, serena, sentindo a pele se aquecer de maneira aconchegante.
— Majestade, seu primeiro compromisso começa logo. Precisa se apressar.
— Eu já vou. – Suspirou e abriu os olhos, de repente com menos fome que o habitual. Comeu um pãozinho recheado e se levantou antes de acabar. – Vamos nessa.
— Certo. Te esperam na sala de estratégias. Tivemos o retorno dos seus enviados para acalmar Orion.
— E com certeza não deu certo. – Amita andava com a postura perfeita, mas Clari sabia que sua Majestade estava tensa. – Era para eu ter ido.
— Não poderíamos arriscar a sua segurança.
— Eu arriscava minha vida todos os dias nas missões pra me tornar rainha e estou aqui até hoje. Não sou indefesa.
— Sei que não, Majestade.
— Por favor, para de me chamar assim.
— Sinto muito, Majestade.
Amita entrou na sala que deveria, alguns conselheiros e chefes da guarda já em volta da mesa com o mapa do Mundo Acima. Eles conversavam sérios, mas, assim que a rainha adentrou no ambiente, endireitaram a postura e sorriram genuinamente felizes pela presença dela. Amita era como uma brisa suave na vida de cada um daqueles homens e mulheres. Ela sorriu e os cumprimentou com um aceno, caminhando calmamente até a ponta da mesa. Levou a mão delicadamente até a pequena escultura de ouro que a representava e colocou na mesa à sua frente, como mandava o costume. Ela estava ali para falar.
— Me atualizem de tudo.
— Antes de falarmos dos que enviamos para negociar, há algo importante que precisa saber, Majestade. – Um de seus conselheiros começou, colocando a estátua de pedra à sua frente. – Dalila voltou de Kouris com notícias alarmantes.
— Minha irmã está bem? – A preocupação subiu à base da garganta da rainha. Era por isso que sua irmã havia voltado no meio da noite? Algo grave havia acontecido? – Ela se machucou?
— Está perfeitamente bem, Alteza. Chegou em segurança e sem arranhões. Mas, Orion conjurou o brasão no céu. Está pairando por Kouris-Regnum até agora. Usamos o observatório para conferir.
— O brasão? – A pergunta saiu em meio a um sussurro. Aquilo poderia significar tantas coisas. – Ele não atacou ninguém, certo?
— Pareceu um alerta. Não sei se apenas para assustar ou se tinha algo mais.
— Me pareceu uma ameaça. – Uma mulher mais velha, da equipe sênior dos Conselheiros, levantou sua estátua também de pedra – O Rei Reyes não costuma avisar.
— Foi um ato de misericórdia pelos anos de amizade. – Outra conselheira pontuou – Ele não atacaria um dos seus melhores amigos sem avisar.
— Me pergunto até quando essa "amizade" vai segurar aquele cara.
Amita percorreu os olhos de maneira inquieta pela mesa. Num movimento suave de dedos, uma névoa branca e fina se formou. A mesa se abriu e de dentro surgiu um mapa aéreo de todos os quatro Regnum. Acima de Kouris, havia o brasão vermelho de Reyes. Ela estreitou os olhos e se sentou na cadeira. Apoiou lentamente os cotovelos no móvel e entrelaçou as duas mãos. Seu olhar não desviava do mapa.
Não havia tropas saindo da área que Orion dominava, então, não havia uma ameaça urgente com a qual lidar. Era apenas um aviso. "Como você deixou isso chegar nessa situação, Mark?".
— Orion não vai atacar. – Concluiu, mais para si do que para os outros. – Não ainda.
Ela se endireitou na cadeira e ergueu o rosto. Seria passageiro. Orion estava sofrendo com a perda de Christopher e estava fora de si. Pelo que havia visto com seu primo, o plano do rei era entrar no Astral e chegar ao Encontro, de forma a realizar um ritual que trouxesse seu melhor amigo de volta.
Aquilo não só era loucura, como destruiria Orion e talvez até o Mundo Acima. "Ele tinha que ser tão emocionado assim?". Amita se culpou no segundo seguinte pelo pensamento. Não deveria julgar o luto dos outros. Só que não podia evitar pensar que o plano era exagerado e insano.
Para seu alívio, Mark havia roubado um dos itens essenciais para o ritual e o guardava a sete chaves em Kouris. O problema é que Orion havia descoberto e não estava pegando leve para recuperar o objeto.
— Ficaremos de olho nas movimentações. Por favor, redobrem as rondas no observatório. – Ordenou de maneira firme, os conselheiros assentindo e não discordando da decisão. – Continuaremos neutros. Por enquanto.
— Majestade, uma hora teremos que escolher um lado.
— Ficamos sustentados no céus. É mais fácil Orion invadir Kouris direto pelo mar. Se ele quiser fazer um desvio por aqui, seria mais tempo, mais recursos e pura idiotice.
— Mas lembre-se que o inimigo dele é seu primo. E Mark poderia se esconder aqui, atraindo o foco para Dízon-Regnum. Qualquer um pensaria nessa possibilidade.
— Mark não vai se esconder, e Orion sabe disso. Estamos seguros. Eu prometo.
Ela não tinha tanta certeza. Mas precisava confiar.
— Quanto a minha comitiva que voltou de Reyes… que notícias tivemos?
— Nada animador. Informaram que aquele maluco não tem intenção alguma com a gente, para nosso alívio. – Um dos conselheiros mais jovens comentou despretensioso – Mas informaram que ele está diferente. Meio sombrio.
— Sombrio?
— Na verdade… – Outra conselheira interrompeu – A palavra usada foi "macabro" e "fora de si". O clima lá estava péssimo. Os servos estão com medo dele. O povo parece incerto e alguns estão tentando se mudar. Orion não fez nada ainda, mas… Dá pra sentir. Ele tem aquela coisa de…
— Infestar o ambiente com os sentimentos dele e fazer todo mundo adoecer só pela presença imbecil dele.
— Não falem assim dele. – A rainha interrompeu, o olhar cortante. – Ele só está passando por um momento difícil.
— Eu também passo por momentos difíceis. Mas penso nos outros e não só em mim, Alteza. – A mais velha havia voltado a falar. Ela sobrava um origami de pássaro enquanto sua voz inundava o ambiente. – Se Orion não percebe o que está fazendo, acredito que ele não deveria estar no cargo que está. E se nos aliarmos a Kouris, podemos o tirar do poder.
— E por que eu tiraria ele do poder? – Amita quase exclamou, enojada com a possibilidade.
— Amita, querida… Você já está cuidando de Bragi até todos entendermos o que fazer com a morte precoce do príncipe, que se foi sem deixar herdeiros. E está fazendo um trabalho excelente. – Agora ela dobrava as asas do animal – Kouris não vai durar com os conselheiros. Por ser prima de Mark, é questão de tempo até que você assuma aquele reino também. Só restaria… Reyes.
— Eu não vou acabar com o legado dos nossos antepassados. – A rainha cerrava os punhos, a raiva inundando suas veias e o maxilar trincando de ódio. Como aquelas pessoas podiam pensar naquilo? Como podiam estar tão sedentos de poder? – Somos os Reis da Harmonia por um motivo.
— Querida, já não existe harmonia há muito tempo e você sabe disso. Olha pra você… está fraca. Todos os três estão. Mark é o mais afetado, obviamente, pelas condições passadas. Mas é esperado que um de vocês assuma como era nos tempos mais antigos.
— Eu não vou assumir nada. Nem Orion e nem Mark. Vamos achar uma saída.
— Christopher não deixou herdeiros. Os pais dele estão velhos demais para ter outra criança. A linhagem deles está fadada a acabar, Amita. E Mark vai se destruir nessa guerra com Orion. Se você se aliar a ele, destroem Orion juntos, e Mark pode ser seu ajudante.
— Essa conversa acabou.
Amita derrubou a própria estátua e saiu da sala. O origami de pássaro saiu voando pela janela quando ficou pronto.
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