Café com Hollywood escrita por Guillherme DiCarmello


Capítulo 3
Capítulo 3: Sabáticos




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A última coisa que Manny se lembra, era sentir um grande alívio. Era o dia de encerramento da terceira e última temporada da série que tinha o elevado a um nível enorme. Depois de receber belas críticas na primeira temporada, Manny foi chamado para modelar para as grandes marcas, dar entrevista para os maiores talkshows e late shows e para as revistas mais famosas, fez participações e conquistou papéis em filmes de diretores renomados, tudo o que um ator mais queria estava acontecendo com Manny: ele estava sendo reconhecido e em grande escala.

*Beep*

Mas tinha um problema: ele não estava acontecendo da maneira que Manny queria. Manny queria escolher as marcas que ele estaria modelando, os programas que iria para dar suas entrevistas e queria escolher quais seriam os filmes e séries que ele faria as audições para tentar entrar. Recebeu um convite para estar em um filme da Marvel, e sua empresária (e mãe) recusou, o que quase fez Manny querer desistir da carreira naquele momento (“Mãe, a porcaria do meu nome artístico é baseado em um personagem da MARVEL! Como você pode fazer isso?”), não queria ir no late show do cara que fez uma piada xenofóbica com a família dele, mas foi mesmo assim. E ainda teve que fazer o papel dramático de um filho rebelde que vendia a própria irmã por drogas e que fazia outras coisas horríveis em um filme de um renomado diretor.

*Beep*

Claro, as críticas foram incríveis, os elogios estavam vindo de todas as direções, mas era ele que tinha que ficar com as memórias dos estudos e pesquisas que fez para o papel, das declarações horríveis de pessoas que passaram pela realidade do personagem, das cenas que por tantas vezes pareciam reais, sem falar da maneira que Manny era gerenciado pela mãe. Ele sentia que não tinha amigos, não tinha a vida que queria e o mais importante: não tinha o controle que queria ter. Ele já tinha vinte e sete anos, em três faria trinta. Não tinha feito muitos papéis dos quais se orgulhava, além do papel que o fez ser reconhecido, o que ele adorava esfregar no rosto da mãe, que nunca acreditou que a série faria tanto sucesso. Não tinha se aventurado em novos tipos de arte, sempre quis aprender a dançar, achava legal quem sabia cantar, fazer um esporte, queria ter uma aula de culinária e o mais importante: nunca tinha se assumido para os pais e para ninguém.

*Beep*

Manny odiava os anos de adolescência quando quiseram enfiar a todo custo uma namoradinha para fazer o lindo e jovial Manny Moraez parecer um garoto “crescidinho” e que já estava amadurecendo. Se sua mãe soubesse que ele era gay, ela iria surtar completamente, falar de quantos artistas saíram do armário e foram pra lista negra de hollywood, ou que não foram, mas que não tiveram tantas oportunidades assim e honestamente? Pra Manny, isso não importava. Nunca quis ter uma carreira de ator para ser rico e sim porque gostava dos sets, dos palcos, da habilidade de contar histórias diferentes, de ser pessoas diferentes. Era isso que ele gostava.

*Beep*

E tudo o que ele queria sentir, era aquela paixão de novo.

*Beep*

Ah, e que esse barulho de bipe desaparecesse o mais rápido possível. De onde que esse barulho tá saindo?

—- Oi, Manny. – Ele ouviu uma voz rouca dizer – Como cê tá se sentindo?

—- Hã? – ele olhou para o lado e percebeu que o tal do bipe estava vendo de um monitor que estava monitorando sua atividade cardíaca – Aonde eu tô?

Manny se virou para o outro lado e percebeu que a voz que estava conversando com ele, era de seu primo, Yadriel. Sua expressão parecia estar cansada, mas seus olhos castanhos pareciam estar brilhando ao olhar pro rosto dele e a maneira como a mão do seu primo segurava a sua mão o fazia sentir uma sensação de segurança.

—- Qual a última coisa que você se lembra, Manoel? – Yadriel o questionou

—- Deixa eu ver – Manny hesitou – Ah, sim. Eu estava na festa de encerramento da última temporada de “O Segredo nas Nuvens”.

—- Sim, sim. E você se lembra de algo mais? – o primo continuou com o questionamento

—- Eu lembro de estar conversando com Juliette Lewis sobre o próximo projeto dela e então ela foi para o banheiro e eu recebi uma mensagem e... – Manny se lembrou da razão e parou de falar – O que houve? Aonde eu estou?

—- Manny, você desmaiou naquela festa, alguns disseram que você se levantou, começou a ficar com falta de ar e então...desmaiou. – Yadriel disse – Acho que ninguém percebeu que você acordou, seus pais e meu pai estão aqui e me deixaram de olho enquanto iam comer algo. Então, que tal você não se desesperar e fazer esse monitor avisar os enfermeiros e assim, a gente pode ter uma conversa sobre o assunto enquanto você se relembra de tudo e seus pais forem te bombardear de notícias?

Yadriel sorriu e piscou para Manny e o primo retribuiu o sorriso. Se sentia abençoado e feliz de ter um primo como Noah (que mesmo tendo esse nome, Manny sempre o chamava pelo segundo nome), que o aceita pelo que ele é, que sempre deu o seu apoio e que sente orgulho dele. Ele respirou fundo e tentou dizer o mais importante o mais rápido possível antes que alguém chegasse.

—- Minha mãe falou que já tinha o meu próximo papel pronto antes mesmo da última temporada da série sequer ir ao ar, Yadriel – Manny bufou – Eu quero uma pausa! Mamãe ta fazendo com que eu odeie a minha própria carreira há alguns anos. Eu quero poder escolher os projetos para eu fazer o teste, me aventurar em outras carreiras, eu quero...

—- ...amar quem você quer amar? – Manny e Yadriel se entenderam pelo olhar – Eu sei, Manny. Mas se você quer fazer isso, você vai ter que deixar o Manny de lado e trazer o Manoel Oswaldo Alvarez Junior pra fora.

—- Você fala isso como se fosse fácil – Manny revirou os olhos

—-Não, eu falo isso por que isso é o necessário – Yadriel fez um carinho na mão do primo – Você já fez tantas vontades da tia Agnes, tá na hora dela entender que ela tem um filho de 27 anos. A única razão da família toda estar na situação boa que a gente tem é você. Chegou a hora de você faze...ai droga, eles estão chegando. Rápido, finge que eu to fazendo as perguntas obrigatórias do médico! Ah, e finge que você acabou de acordar!

—- Mas eu acabei de acordar, Yadri...

—- Então finge que você tá grogue, ainda, cacete, vai logo!

—- Manny, você acordou!

A mãe de Manny, Agnes foi a primeira a entrar pela porta. Quando fosse comparar os dois pais dele, você diria que Manny herdou os olhos verdes e o tom caramelizado da pele da mãe pois o resto, era uma cópia da pessoa que entrou logo atrás dela, o pai, Manoel. Eles tinham o mesmo formato de nariz, mesmo com o pai tendo um nariz mais fino, os lábios que os dois tinham eram grossos e seus sorrisos abertos e nada discretos, mas que mostravam apenas os dentes e não as gengivas, a mandíbula que era invejada pelo outros mas que estava escondida em Manoel pela sua barba, estava em destaque no rosto do filho.

Entrando atrás de Manoel, entrava o irmão de Agnes, Edoardo, tinham aqueles que se perguntavam se aquele podia ser mesmo o pai de Yadriel, já que o filho dele puxou a mãe em cada traço que ele pode puxar, porém, se aguardasse um pouco até pai e filho conversarem, perceberiam que enquanto o filho saiu parecido com a mãe na genética, sua personalidade se moldou a base do pai. As piadas, os gestos com as mãos quando ficavam nervosos, as risadas e até a cara de choro (que quando um faz, faz o outro querer chorar também)

—- Filho não faz isso com a gente de novo, não. – Manoel deu um suspiro de alívio, botando a mão no peito – Você nos deixou de um jeito...

—- Não é como eu pudesse controlar isso, pai – Manny sorriu – Mas eu vou tentar

—- Eu vi que Noah estava te fazendo as perguntas que o médico disse para você fazer – Manoel comentou

—- Sim! Eu estava! – Noah olhou para o primo e depois para os tios – Ele sabe quem é, qual a idade, e só se lembra de estar conversando com a Juliette Lewis na festa do elenco. Ela se retirou, ele se levantou e aí... ele não lembra de mais nada.

—- Pode ter sido algo que ela falou? – Agnes perguntou

—- Não, eu lembro da nossa conversa – Manny respondeu – Ela falava sobre planos de carreira e o que queria fazer agora que a série terminou.

—- E você aproveitou para dizer que vai ser o protagonista do próximo filme do Yules Van Thorpe? – Agnes anunciou – Eu sei, eu sei. Vocês não sabiam, mas já que o Manny está bem, é uma ótima hora de contar a novidade.

—- Agnes, o Manny disse que queria uma pausa antes do próximo papel – Manoel sussurrou para a esposa, mesmo com o filho, o cunhado e o sobrinho ouvindo o que ele disse – O garoto acabou de desmaiar, mal disse que está bem e é isso que você pensa? No próximo papel?

—- Ai, Manoel, até parece que ele vai querer seguir com uma pausa depois da proposta do Yules Van Thorpe! – Agnes revirou os olhos – Ele é jovem, bonito, um Alvarez! Recupera a sapude rapidinho, mas isso daqui, é a oportunidade de uma vida. Um diretor que não só foi indicado, mas ganhou um Oscar. E não só um, três! TRÊS!

Noah olhou para o primo e apontou com o olhar para os tios. Manny retribuía o olhar e os dois pareciam discutir pelos olhares.

“Conta pra eles”

 

“Eu não vou contar.”

 

“Conta. Pra. Eles”

 

“Não. Conto.”

 

“Se não contar, eu conto. E ainda te tiro do armário como um bônus”

Os olhos de Manny se arregalaram.

“Você não ousaria”

 

“Será mesmo? Ou será que eu ousaria?”

—- Na verdade – Os olhos de Manny mostravam quem foi o vencedor da discussão – Tem algo que eu quero anunciar pra vocês dois.

—- Ah, sério? – Agnes arqueou a sobrancelha – Então, vamos lá, faça seu anúncio.

—- Bom, eu quero anunciar que... – Manny respirou fundo – Eu vou fazer tirar um ano sabático.

—- O quê?! – Agnes gritou e depois repetiu em um tom mais baixo ao levar uma bronca do marido – O quê?! Como assim, Manny? Como que você decide tirar um ano sabático depois do filme do Van Thorpe? E a sua carreira?

—- E quem disse que vai ser depois do filme do Van Thorpe? – Noah disse e arregalou os olhos ao perceber o que foi dito – Desculpa. É que eu pensei que tava já óbvio na maneira como ele falou, né e assim, se fosse depois ele teria...

—- Filho, só para – Edoardo colocou a mão no ombro do filho – Deixa o Manny se explicar e qual foi a decisão e suas razões, tenho certeza que seu tio e sua tia – Ele deu ênfase na última palavra, chamando a atenção da irmã e dando um olhar sério para ela – irão entender e apoiá-lo.

—- A verdade é que eu to me sentindo extremamente sobrecarregado, mãe. – Manny explicou – Eu to nessa desde os 10 anos, eu passei pelo fim da infância, minha adolescência inteira, e são 17 anos de carreira onde as únicas oportunidades onde eu pude descansar é quando a minha equipe te aconselhava para não saturar a minha imagem.

—- Eu sei, Manny, mas você tem que entender...

—- Não mãe, agora, é você que tem que entender. Eu não desmaiei por causa de um mal-estar súbito – Manny esclarece – Eu desmaiei por causa de uma crise de ansiedade que eu tive depois de ler a sua mensagem.

—- Quê? – Agnes riu de nervoso – Como uma mensagem pode te fazer tanto mal, Manny?

—- Depois de todos esses anos, eu peço por uma pausa e logo quando eu penso que eu consigo fazer você me ouvir – Manny disse – Você vai lá e me coloca em outro projeto – Manny levanta o dedo, fazendo a mãe se calar antes de abrir a boca – que você nem me avisou e muito menos pediu a minha opinião.

—- Ele tem razão, Agnes. – Edoardo falou – Além disso, Manny daqui a pouco chega nos trinta. Me desculpe, mas não acha que na hora que quando ele voltar a atuar...

—- Isso se ele voltar... – Noah sussurrou, mas percebeu que foi ouvido – Mas é claro que ele vai voltar!

—- Noah, shiu. – Edoardo continuou – Quando ele voltar a atuar, você não acha que ele tem que ter o controle sobre a própria carreira?

—- Acho isso uma ótima ideia, tio Doardo. – Manny assentiu com a cabeça – Como ele disse, daqui a pouco, eu já faço trinta. Eu não sou mais um adolescente e nunca te dei problema pra você ficar me controlando desse jeito.

—- Ai, Manny, vamos parando por aí que desse jeito você tá me pintando como a vilã da história. Como se eu fizesse algo contra a sua vontade.

—- Amor, me responde, quem é que aceitou fazer o filme do Van Thorpe? – Manoel perguntou e a esposa ficou calada – E me diz, quando que o Manny aceitou fazer aquele filme infantil quando o coitado tava passando pela puberdade?

—- Manny me mandava mensagem falando que tinha que regravar várias falar porque a voz dele ficava falhando – Noah deu uma risada – AI, desculpa, primo, mas era muito engraçado te imaginar daquele jeito.

—- Viu, mãe? Esse foram só dois exemplos e eu posso dar muitos outros – Manny ameaçou – Outros que até o pai não sabe...

—- Como é? – Edoardo arqueou a sobrancelha

—- Tudo bem, tudo bem. – Agnes disse – Mostrando que eu sou sim uma boa mãe, eu vou cancelar o contrato que nem foi assinado e você pode tirar o seu ano sabático.

O pai, o tio e primo bateram pequenas palmas de comemoração e em um dos raros momentos nos dezessete anos de carreira de Manny, ele sentiu uma sensação de alívio para ele. Atuar era algo que ele amava e era claro que ele voltaria um dia, mas até lá, ele já estaria descansado e com o controle que ele queria na sua carreira. Agora, tudo o que ele queria, era poder se sentir...normal.

—- E agora, o que você, Manoel Oswaldo, não Manny Moraez, quer fazer como uma pessoa em um ano sabático? – O pai questionou

—- Acho que eu gostaria de... – Manny pensou – Ah, aprender a cozinhar! E talvez, arrumar um trabalho...comum.

—- Era só o que me faltava – Agnes revirou os olhos – Você quer o que mais também? Viver como um assalariado?

—- Trabalhar? – Noah disse, incrédulo – Você literalmente tem um ano sabático, para não trabalhar e o que você quer fazer é literalmente viver uma vida menos glamurosa do que a sua atual?

—- Yadriel, eu quero um ano sabático da atuação, mas não quero ficar fazendo nada. – Manny riu – Algo simples, só por enquanto, até eu decidir me juntar em alguns hobbies.

—- Eu tenho uma proposta – Edoardo disse, deixando a sala em silêncio – Que pode juntar o útil ao agradável.


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