Holmes e Watson: Casos Arquivados escrita por Max Lake


Capítulo 2
Anúncios para o crime


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer aos comentários que recebi no capítulo um! Muito obrigado Sorima e Jubs!
Ainda não pude respondê-los, mas espero mudar isso logo XD



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Quando cheguei ao apartamento na Baker Street, me surpreendi como acontece muitas vezes. Desta vez não era por nenhuma excentricidade de Sherlock Holmes, mas sim por causa do jornal posto sobre a mesa e o anúncio circulado em vermelho.

Redford: Vendo xarope por 300 libras.

Eu posso estar imaginando coisas, mas acredito que ninguém pagaria 300 libras em um xarope. Acho que foi uma ameaça direcionada a Sherlock Holmes. Obviamente a ameaça teria que aparecer codificada. Não era incomum meu amigo ser ameaçado por membros de facções da máfia, de gangues londrinas ou mesmo de clientes que foram traídos por parceiros e descobriram através de uma consulta ao Holmes. 

—Bom dia, Watson.

Holmes apareceu em seu roupão azul, com o cabelo ligeiramente despenteado e, pelo visto, ele estava bastante disposto. Trazia uma caneca de café recém-preparado, percebi pela fumacinha que voava para fora.

—Bom dia. Acredito que já tenha visto este anúncio - apontei.

—Claro.

—Já tem um plano em mente? - Eu sorri para disfarçar meu nervosismo. Sherlock assentiu com a cabeça enquanto bebia o café. - E qual é o plano?

—Vou tirar férias.

Eu devo ter feito uma cara de surpresa nessa hora. Como assim? Sherlock Holmes, o maior detetive do mundo, viciado em solucionar pequenos problemas alheios para não morrer de tédio, pretende tirar férias? A ameaça de morte deve ser muito séria para ele cogitar algo assim.

—Sei o que deve estar pensando, Watson. Mas uma parte de meus planos é me afastar da Baker Street. A outra parte é encurralar quem me ameaçou.

Holmes foi à cozinha e voltou com uma pilha de jornais.

—Redford não é um nome incomum para minha memória. Então vasculhei outros anúncios deste jornal nas últimas três semanas. Os nomes Redford e Morgan se repetem três vezes. Pela sua reação, aposto que quer saber quem é Morgan. Durante seu período fora com Mary, estes anúncios apareceram:

Morgan: Cortar a raiz fora. Pago 50 libras

Redford: Ocupado demais para suas raízes. Fica para depois.

—Na semana passada, um dia antes de seu retorno, vieram esses anúncios:

Morgan: A árvore vai crescer amanhã. Venha ver.

Redford: Saio ao por do sol.

—Por fim, o anúncio de hoje que, compreensivelmente, você viu apenas aquela circulada em vermelho, mas não a mensagem de Morgan logo acima:

Morgan: Estou gripado, mataria por um xarope hoje.

—Eles estão conversando em código - falei, depois que terminou seu monólogo.

—É apenas uma pessoa. Pesquisando um pouco, descobri que Morgan Redford teve passagem pela polícia por, adivinha só, tentativa de homicídio. Claro, Watson, que isso está fácil e previsível demais, então passei um tempo observando meu suposto algoz. Tem algo muito errado, Watson. Não pode ser ele, deve ser uma armadilha para me enganar. Mas eu também preparei algo.

Antes que eu pudesse perguntar o que ele havia planejado, nossa governanta apareceu com um rapaz, uma moça e um gato em seu colo. O rapaz era forte e grande, igual a um armário, mas encaixando bem naquela roupa com um único botão no meio. Já a moça mal alcançava seu ombro, era bem esbelta e de cabelo liso, com um lenço azul envolvendo seu pescoço. O gato era preto de olhos amarelos, deitado como se fosse o ser dominante entre os três convidados inesperados. O mais impressionante, entretanto, era que o trio, de alguma forma, lembrava visualmente o Sherlock - inclusive o gato com seu chapéu quadriculado.

—John, quero que conheça Sherlock Holmes, Sherly Holmes e Sherlock, o gato.

O rapaz musculoso tirou, de dentro do casaco tweed quadriculado, um cachimbo e o levou até a boca. Fez o mesmo olhar de detetive que o Sherlock original costuma fazer quando analisa

—Você deve ser médico, pela sua postura posso deduzir que esteve no exército.

—Além disso, meu caro Holmes - foi Sherly quem assumiu a palavra, as mãos estavam no bolso de seu casaco preto -, a aliança no dedo mostra que ele é casado. Pelo desgaste deve estar casado faz alguns anos.

Olhei para o gato, esperando que ele fizesse alguma dedução sherlockiana, mas ele me encarou de volta com um tom debochado e lambeu a pata traseira.

—Elementar, meu caro Watson! - disse Sherly, eufórica. - Você foi ferido na perna e por isso voltou a Londres. Muito bem, Sherlock!

O Sherlock original sorriu para parecer simpático. Acredito que, assim como eu, ele não estava impressionado com essas deduções ensaiadas. Foi até a cozinha para reabastecer seu café e eu o segui.

—Seu plano é usar impostores?

—São atores, Watson. Eles estudaram todos os seus textos para essa performance. Por mais que sejam fisicamente diferentes de como me descreveu em suas histórias, estou certo de que vai funcionar. Eles ficarão em meu lugar enquanto investigo mais a fundo essa ameaça.

—Não era mais fácil deixar isso para a polícia investigar?

—Não me faça rir agora, John. Meu detrator deve tentar meus serviços ao longo dos próximos dias. Fique atento.

Sherlock subiu com a caneca de café e voltou quase 10 minutos depois, bastante diferente. Despenteado, todo desleixado, sujo e descalço. Viraria sem-teto outra vez. Ele acenou para mim e para os outros Sherlocks, então saiu.

Os primeiros dias com os falsos Sherlocks foram desafiadores. Sherly Holmes teve mais dificuldades, pois, sendo mulher, causava um susto no cliente que automaticamente pensava que o grande detetive Sherlock Holmes era um homem. Felizmente, a arte da atuação permitia a improvisação.

—Eu tenho muitos inimigos, senhorita Simmons. Se eles pensarem que Sherlock Holmes é um homem, vão deixar a verdadeira Sherly Holmes em paz.

Sherly convencia facilmente nossos clientes pela forma convicta com que dizia aquelas palavras. A senhorita Simmons desconfiava que seu irmão estava traindo a esposa. Sherly prometeu dar uma olhada - um caso que o verdadeiro Holmes dispensaria com rudeza.

O Sherlock Holmes ‘malhado’ escondia um talento invejável no violino. Não era tão bom quanto o verdadeiro Holmes, porém, como em diversas ocasiões expliquei que Sherlock gosta de praticar até aperfeiçoar seu talento, era tão convincente quanto o argumento de Sherly sobre a confusão de gênero.

—Conte sua história do início - dissera ele para uma cliente que, a cada dois minutos, caía em prantos, pois teve sua casa roubada. Em nenhum momento o Sherlock falso se incomodou com aquilo, demonstrando uma personalidade mais calma e atenciosa.

E quanto ao gato? Então, eu disse que Sherly teve mais dificuldades para enganar e não era mentira. O gato Sherlock era estranhamente convincente com quem o via, talvez porque Sherly se tornava Beatrice, a sua tradutora. Na verdade, o louco acabava sendo eu, que saía como o inventor do maior detetive do mundo me baseando no felino de uma moradora do 221B na Baker Street.

Em outras palavras, não tinha clientes para o gato.

O mistério finalmente se desenvolveu no sétimo dia após esse plano mirabolante entrar em ação. Era a vez de Sherly Holmes se passar pelo maior detetive do mundo. Eu estava lendo o jornal enquanto ela regava algumas plantas - na ausência de habilidades no violino, Sherly decidiu que era uma mãe de plantas. Sherlock, o gato, também estava presente, mas fazendo suas coisas de gato.

Eu lia a parte dos anúncios e reconheci os nomes Morgan e Redford:

Morgan: É hoje!

Redford: B. Street, 22:10, não se atrase.

Não havia sutileza naquela mensagem. Quando fui falar com Sherly sobre o anúncio, um casal apareceu pela porta. O homem era um sujeito bem vestido, exalava o cheiro de perfume francês. A moça, trajada num vestido escuro, também era bem apessoada. À frente do homem, ela olhou para Sherly de cima a baixo, analisando-a sem aparente julgamento.

—Você é Sherlock Holmes? - Sua voz era meiga e determinada, mas não reconheci surpresa ou intimidação.

—Sherly Holmes. Em pessoa - respondeu ela, sisuda. - Como posso ajudar?

Os acontecimentos que se sucederam foram surpreendentes. O homem bem apessoado sacou de seu casaco um pequeno revólver, mas ao invés de apontá-lo para Sherly, veio na minha direção. Fiquei parado pelo susto, no entanto minha reação foi olhar para o relógio na parede. Eram 10:22 da manhã, o oposto do horário no anúncio.

—Você vai morrer, doutor Watson! - gritou a mulher.

Não tive dúvidas quanto ao meu destino. Eu achei que seria minha última aventura e a parte triste era que seria longe de meu amigo Sherlock Holmes. Pelo menos foi o que eu achei até que o acompanhante da agressora passou o braço por seu pescoço e moveu o braço armado para a direita, desarmando-a logo em seguida.

—Ai! Me larga!

Uma gritaria se iniciou entre os dois parceiros até que Sherly pegou um vaso apenas de terra e bateu contra a cabeça da agressora, atordoando-a. O homem se levantou e Sherly ia repetir o ataque, mas ele pediu trégua.

—Calma! Sou eu, sou eu! Sherlock Holmes! O verdadeiro!

Passada a confusão e com os atores devidamente pagos e dispensados, Sherlock e eu nos reunimos na sala de estar do apartamento. Eram quase 5 da tarde e o chá estava sendo preparado. Ele devia explicações.

—Bom, Watson, eu sinto muito. A ameaça não era para mim, era pra você. 

—Tudo bem, até o maior detetive do mundo pode errar.

Ele riu de forma contida.

—Não, você não entendeu. Eu sabia que a ameaça era direcionada a você. É por isso que sinto muito, eu deveria ter te contado. É o momento perfeito para explicar tudo, não acha?

“Primeiramente, lembra-se que em um dos anúncios dizia ‘a árvore vai crescer amanhã’? Então, a árvore era sua chegada das férias, que ocorreria no dia seguinte ao anúncio. Eu mencionei isso, tenho certeza”.

—Mencionou - confirmei, buscando no fundo da memória aquela dica.

—Agora, quem é Morgan Redford? É a junção de dois astros hollywoodianos, Morgan Freeman e Robert Redford. E sim, eram a mesma pessoa se comunicando. No anúncio de hoje, entretanto, fui eu. Era meu aviso para você. Nossa “Morgan Redford” não ficou sabendo dele.

—Mas quem é ela, afinal? E por que queria me matar?

—O nome dela é Julie Beaumont e ela me contou que era uma ex-namorada sua. No entanto, não entrou em detalhes de sua mágoa.

—Juro que não me lembro dela.

—Acabei criando um breve vínculo com ela nos poucos dias em que planejamos te atacar. Inclusive, o ataque seria no mesmo dia de minha partida, mas apontei falhas no plano e consegui adiar o atentado à sua vida.

Holmes pôs o cachimbo na boca achando certa da graça disso e finalizou nossa conversa em seguida:

—Acredito que com essa minha traição, posso dizer que agora temos algo em comum, John: ela deve me odiar também.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! =)

Os Sherlocks atores têm inspirações divertidas que vou contar agora.

O 'malhado' é baseado no Henry Cavill, que interpreta o personagem nos filmes da Enola Holmes. A Sherly é baseada na Eva Green porque muita gente escolhe ela como modelo de fanarts para uma versão feminina do Sherlock Holmes. E o gato foi porque, enquanto eu procurava a imagem para a capa da fic acabei encontrando uma montagem do Sherlock e Watson em versões felinas.

Mas fica o registro que trazer a Sherly Holmes foi uma pequena homenagem à escritora Jupiter L, que uns anos atrás escreveu uma drabble pro desafio de outubro reimaginando o universo de Sherlock e trocando os gêneros dos personagens. É uma fic bem legal, chama-se A Woman Named Sherlock



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