Laços Inquebráveis escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 6
Capítulo 06 — Um Longo Caminho




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Cansado e decepcionado, era como Emmett se sentia nas últimas horas. Em quase quinze horas de viagem, não conseguiu que Makena tivesse uma conversa, no mínimo, sociável. Quando não era agressiva, estava sendo evasiva. Luna, mesmo sendo mais nova, deu menos trabalho que a irmã.

Na viagem de volta, as paradas para usar o banheiro e se alimentar, foram bem mais frequentes que quando estava sozinho. Mesmo com toda comida que levaram para viagem, teve de parar mais vezes para alimentação também. Tentou agradar Makena, levando-a para comer o que queria, nem assim, nem por um segundo, a menina abaixou a guarda.

Ninguém se importou, quando saiu da rodovia e entrou no estacionamento de um hotel, onde descansariam por algumas horas. Com o carro parado no estacionamento, Emmett olhou para trás. Makena continuou olhando pela janela, nada em especial. Não queria mesmo era ter de olhar para ele. Luna cochilava na cadeirinha; a almofada para pescoço, mantendo-a confortável. 

— É aqui que você mora? — zombou Makena.

Emmett não deu importância à provocação, virou-se para frente, retirando o cinto de segurança.

— Valeu à tentativa — disse. — Vamos descer — avisou. — Voltaremos para a estrada no início da manhã.

Makena retirou o cinto de segurança, pronta para sair do carro, quando o ouviu falar:

— É provável que preferisse uma viagem de avião… — algo na expressão do rosto dela, fez com que se arrependesse no momento em que as palavras deixaram sua boca.

Os olhos dela se encheram de lágrimas, no segundo que antecedeu a saída do carro.

— Não queria, não — respondeu, com a voz embargada.

Emmett apertou os punhos, se recriminando pelo uso das palavras erradas. Saiu também do carro, indo atrás da filha. Conseguiu segurar no braço dela, impedindo-a de correr para longe.

Disposta a se livrar do pai, Makena sacudiu o braço o máximo que conseguiu.

— Eu não queria… — falou chorando. — Eu não queria.

Ele a abraçou, mesmo ela se recusando.

— Eu sei. Eu não queria dizer isso. Não queria te magoar. Nunca faria nada para te machucar. Eu te amo.

— Dói muito… — a confissão soou como um lamento.

Emmett beijou no alto da cabeça dela.

— Faz parar de doer — implorou.

Nesse momento, Emmett sentiu como a antiga Makena estivesse pedindo por conforto, fazendo dele seu lugar seguro mais uma vez.

— Faz parar de doer, papai.

— Eu faria se estivesse ao meu alcance — respondeu comovido.

— Não quero mais sentir isso, papai.

— Eu sei.

— Essa dor… Esse vazio — falou, apertando os lábios como forçasse se livrar de sentimentos tão fortes. Assim, ela chorou. Chorou tudo que pôde. Minutos se passaram até que estivesse mais calma. Então, perguntou pela irmã: — Luna? — a voz soou anasalada.

— Ela continua no carro. — Desfez o abraço que amparava Makena. Chegou perto da lateral do carro, olhando no interior dele. Deparou-se com a cadeirinha vazia. — Luna — chamou seu nome em voz alta. — Luna.

Makena o empurrou, tentando enxergar dentro do carro.

— Cadê ela? — a voz soou amedrontada.

Emmett olhou dentro do carro, desejando que ela estivesse apenas escondida.

— Luna? — Ele olhou ao redor do carro e também embaixo dele. Tentando entender em que momento, a menininha havia saído.

Makena, ela também chamava pelo nome da irmã.

Emmett olhou para o céu, com as mãos na cabeça.

— Não me castigue dessa maneira. Se eu mereço ser punido, que seja comigo mesmo. Não com minha garotinha.

— Papai — Makena chamou, mais adiante, a caminho de um canteiro de flores, onde avistou a ponta dos tênis cor-de-rosa, que Luna usava, entre os arbustos.

— Agora não.

A menina foi até lá.

— Ela está aqui — gritou. — Luna está aqui, papai.

Emmett apressou-se em ir ao encontro dela. Enquanto se ajoelhava, aliviado por vê-la bem, Makena notou as roupas da irmã, molhadas.

— Ela fez xixi na roupa — avisou.

— Não tem problema. — Ele se pegou falando ao ver Luna abaixar a cabeça, envergonhada. — Tenho certeza que foi um acidente — disse para a menininha. Estendeu a mão para ela. — Venha com o papai — pediu. — Você pode vir com o papai. Está tudo bem.

Luna deu dois passos para frente, segurando o coelho de pelúcia.

— Ela precisa de um banho — Makena observou.

— Todos nós precisamos — concluiu Emmett. E beijou no rosto de Luna. — Não se afaste de mim, nenhuma das duas. — Ele buscou a mão da filha mais velha com a sua.

— Você quase a perdeu — Makena fez questão de lembrar.

— Por favor, agora não. Meu coração ainda pulsa em desespero.

Makena olhou para cima, no rosto dele. Viu que em seus olhos havia verdade. Respirou, aliviada, e se permitiu andar de mãos dadas com o pai rumo à recepção do hotel. Luna deitou a cabeça no ombro dele. Emmett as manteve perto até que fosse seguro deixá-las livre.

Bastou abrir a porta do quarto, Makena entrou apressada. Jogou a mochila no chão e foi sentar-se na cama de solteiro ao lado da cama de casal. Alcançou o controle da tevê. Num instante, o som estava cortando o silêncio do quarto e Makena zapeando os canais.

Emmett deixou a bagagem de mão, dele e também de Luna, aos pés da cama de casal.

— Preciso que ajude sua irmã com o banho. — Ele ainda segurava Luna nos braços.

— Não posso.

— Por quê?

Sem deixar de olhar a televisão, respondeu:

— Ela é sua filha, não minha.

— Makena.

— Não vou ser mãe dela.

— Está sendo cruel com sua irmã. Nunca diria para fazer o papel de mãe, é apenas uma criança.

— Tudo e todos têm sido cruéis comigo.

— Não sou cruel com você.

Ela moveu a mão que segurava o controle remoto.

— Me arrancou de minha casa… duas vezes.

— Não vou discutir sobre isso. Não agora.

— Tanto faz. — Deu de ombros.

Ele começou ir a caminho do banheiro.

— Não vá deixar ela se afogar no chuveiro.

Emmett respondeu, sem mesmo olhar para trás:

— Eu cuidei de você por bastante tempo.

— Até que me abandonou…

As palavras usadas por ela fez finalmente Emmett olhar para trás.

— Lamento tudo o que aconteceu — admitiu. — Isso é algo do qual irei sempre me arrepender. De não ter feito mais.

Ele enxergou nos olhos de Makena um vislumbre de medo ao ouvi-la dizer:

— Você quase a perdeu lá fora. Não pode perdê-la. Nem a mim.

Emmett desejou voltar e abraçar a filha mais velha, mas limitou-se em dizer:

— Não vai acontecer. Não perderei você ou Luna.

Reconheceu que Makena aceitou o que disse, porque começou retirar os calçados e deitou na cama.

— Luna está fedendo a xixi — se queixou.

Emmett olhou no rosto de Luna.

— Só um pouquinho — disse para a menininha em seus braços. — Sua irmã é muito exagerada. — Ele pôs a mão no coelho de pelúcia. — Vamos deixá-lo na cama para não molhá-lo no banho. Tudo bem?

O olhar de Luna dizia não gostar que fosse assim.

— Ele vai ficar fazendo companhia para o senhor coala. — Pegou o coala de pelúcia de cima da bagagem de mão e colocou sobre a cama.

Luna aceitou deixar o coelho. Emmett se inclinou, de modo que Luna alcançasse a cama e pudesse deixar o coelho ao lado da outra pelúcia.

— Makena vai cuidar deles — garantiu.

— Não vou, não.

Luna esticou os braços, pedindo a pelúcia de volta.

— Makena, por favor — pediu Emmett. — Me ajude.

— Tá bom, eu cuido.

— Obrigado. — Ele entrou no banheiro com Luna.

Makena ficou olhando as pelúcias. Levantou para ver de perto o coala. Lembrou o momento da chegada do pai à fazenda. A lembrança a levou jogar o coala de pelúcia do outro lado do quarto. Ouviu o pai conversando com Luna, embora somente ele falasse. O monólogo se tornou uma canção infantil. Houve um tempo que cantou com ele aquela mesma canção. Motivada pela saudade, se aproximou da porta do banheiro.

Luna estava cheia de espuma pelo corpo pequenino. Os cabelos presos no alto da cabeça com um coque irregular. Ela se segurou no braço dele, enquanto a enxaguava.

No automático, Makena cantarolou um trecho da canção.

Emmett olhou para trás ao som da voz suave da filha.

— Você lembra? — se pegou falando.

Makena saiu rapidamente de lá.

— Amor — ele chamou. — Filha. — Sorriu. — Você se lembra — então falou com Luna. — Sua irmã lembra. — Beijou a menininha no rosto. Embrulhou na toalha e a pegou no colo. Ela levou ambas as mãos pequenas ao seu rosto e balançou a cabeça. Cutucou os lábios dele com os dedos indicadores. Emmett entendeu que queria ouvir mais da música. — Cante com o papai — pediu.

Luna queria cantar, ele percebeu. Ela moveu os lábios, porém, não saiu qualquer som. Isso doeu no coração dele.

A levou para o quarto. Terminou de secá-la e ajudou vestir o pijama.

Luna notou a ausência do coala na cama e passou procurar por ele.

Emmett olhou para Makena e sorriu:

— Você lembrou.

A menina fingiu não ouvir. Em seguida levantou-se, entrou no banheiro levando as coisas que pegou na bagagem e fechou a porta.

Luna chegou pertinho dele e tocou em seu rosto.

— O que foi minha pequena?

Ela mostrou o lugar onde deveria estar o coala.

Emmett olhou em volta e o avistou no chão, do outro lado do quarto.

— Makena — resmungou. Foi até lá recuperar a pelúcia.

Luna moveu o corpo como comemorasse ter encontrado o senhor coala.

Emmett o devolveu, com um sorriso no rosto.

Luna avaliou a pelúcia como para ter certeza de que estava bem.

— Ele é muito forte — garantiu Emmett.

Luna abraçou o senhor coala, depois se deitou ao lado das duas pelúcias.

Emmett cobriu as perninhas dela com o cobertor encontrado em cima da cama. Na bolsa para viagem, encontrou o que precisava para fazer o leite de Luna. Enquanto a menininha se acomodava ao travesseiro com o copo infantil cor-de-rosa, ele foi atrás do celular. Sentou-se na poltrona junto à janela com o telefone na mão. Olhou Luna, que levantou a cabeça para ver onde ele estava indo.

— Papai vai ficar bem aqui — garantiu. — Pode tomar seu leite, tranquila.

Luna voltou deitar a cabeça ao travesseiro, levando o bico do copo à boca.

Quando buscava o contato de Rosalie na agenda do celular, Makena saiu do banheiro. Ela usava um pijama azul cheio de estrelas brancas.

Nesse momento, ele sentiu que estava sendo observado. Abaixou a mão com o celular, para olhar no rosto da filha mais velha.

— Aconteceu algo? — pediu.

Indiferente à pergunta feita pelo pai, Makena começou guardar as roupas sujas na mochila, com gestos brutos.

— Ei — Emmett chamou atenção. — O que foi?

Ela parou, segurando o zíper, e olhou para ele.

— Quem é ela? — pediu.

Emmett olhou da tela do celular escura, para a filha.

— Do que está falando?

Um rolar de olhos demonstrou a impaciência de Makena.

— Você sabe — respondeu. — Sempre que tem oportunidade, está falando com ela.

Emmett olhou o telefone.

— Rosalie, esse é o nome dela. Rose, como alguns costumam chamá-la.

A expressão de desdém, disse não estar gostando da descoberta.

— E essa Rosalie, ela é sua namorada?

— Bem. — Ele olhou o telefone novamente. Ajeitou a postura na cadeira. — Rose, ela é mais que minha namorada. — Ele ficou de pé.

Makena estudou cada movimento dele e expressão à medida que respondia às perguntas. Ele sentou na beirada da cama, a mochila fazendo uma barreira entre eles.

— Rose… — continuou ele.

Num movimento brusco, Makena levou ambas as mãos aos ouvidos.

— Não quero ouvir.

Ele afastou a mochila, chegando mais perto.

— Por favor, querida. — Tentou segurar na mão da menina, mas ela se afastou de forma arredia.

— Não me toque — exigiu.

Emmett recuou.

— Preciso que você me escute.

— Não quero — recusou Makena. — Não quero saber.

— Rose é minha esposa. Estou com ela há algum tempo.

Makena pulou da cama no chão, tapando os ouvidos.

— Não quero saber. Pare de falar.

— Eu teria te contado antes, mas não me deu chance. — Fez uma pausa. — Você vai gostar dela. Rose é…

— Cale a boca — gritou Makena. — Cale a boca, papai.

Luna soltou o copo com o leite e foi rapidamente de joelhos até a beirada da cama. Desceu escorregando no lençol e foi se esconder detrás da cortina.

— Makena.

— Não, não, não.

— Por favor, se acalme.

— Você me abandonou.

— Não abandonei você, querida.

— Abandonou. Abandonou, sim.

Emmett levantou, abraçando-a ainda que o empurrasse.

Enquanto lutava contra a verdade, Makena mergulhou em uma lembrança, até aquele momento, esquecida.

[…]

O carro em que ela e Aurora estavam, alguns dias após a ida para a fazenda, parou a poucos metros do novo endereço de Emmett.

Makena estava feliz, porque iria ver o pai outra vez, e também porque contariam sobre o novo bebê a caminho.

A porta do carro de aluguel foi aberta.  Aurora saltou e em seguida, Makena fez o mesmo. Ela segurava um urso de pelúcia que vestia terno e gravata. Seu sorriso banguela se alargou no rosto apenas com a ideia de estar outra vez com o pai.

Mais adiante, sem saber de sua aproximação, Emmett saiu para o jardim. Em seguida, a moça de cabelos louros veio atrás dele. Eles deram as mãos. Emmett abraçou aquela moça, sorrindo um para o outro. Ele pôs a mão no rosto dela e eles trocaram um beijo. Makena pensou que aquele beijo deveria ser na mamãe. Apenas para a mamãe. Ele voltou a sorrir antes de beijar no pescoço daquela mulher. E ela o abraçou com força.

Iria chamar por ele, quando Aurora encobriu sua boca com a mão. Seus olhos se encheram de lágrimas, ao encontrar os olhos da mãe, e perceber que não falariam com o papai.

— Foi por ela que seu pai nos deixou.

Makena balançou a cabeça, se negando aceitar.

Aurora insistiu:

— Sim. Ele nos trocou. Seu pai escolheu a ela. Tirou-nos da vida dele, para sempre.

As lágrimas de Makena alcançaram os dedos de Aurora, ainda encobrindo sua boca.

— Não deveríamos ter vindo. Foi um erro.

A menina quis olhar o pai mais uma vez, mas Aurora a forçou permanecer olhando para ela.

— Ele não merece suas lágrimas. Você tem a mim. Eu te amo. — Conduziu a menina de volta para o carro. Makena olhou o urso de pelúcia, então deixou cair aos seus pés. Percebeu a mãe levar ambas as mãos à barriga e murmurar algo. Olhou pela janela, seu pai ainda estava lá fora com aquela mulher.

— Eu, sim, nunca irei te trocar por ninguém — Aurora continuou.

[…]

A lembrança se desfez com Makena repetindo:

— Você me deixou. Você me deixou.

Emmett acreditou que estivesse falando dele, por isso, se remoendo de culpa, ele a envolveu em um abraço protetor.

— Me perdoe, filha. Não era para ser assim… Não deveria ser desse jeito. — Se sentou no chão, enquanto a matinha segura em seu abraço. Makena chorou e chorou. Ele permitiu que chorasse, aliviando toda angústia e raiva que sentia. Após algum tempo, mais calma, ela se afastou em silêncio e foi se deitar na cama, virada de costas para ele.

— Todo mundo mentiu para mim — murmurou.

Emmett levantou do chão, e logo notou a ausência de Luna na cama.

— Luna — chamou. — Onde você está, Docinho?

Makena chamou sua atenção para o que disse:

— Não era para você conhecer Luna. Mamãe não queria. Luna era nosso segredo. Só nosso.

Emmett percebeu pezinhos aparecendo embaixo da cortina. Respirou com uma mistura de alívio e graça.

— Aí está você — disse ao se aproximar. Afastou a cortina, pegando a menininha nos braços. Ficou angustiado ao ver que chorava. — Está tudo bem. — Beijou no rosto dela. Movimentou-se pelo quarto, tentando acalmá-la. — Fale para o papai o que você quer, meu amor. Fale com o papai, Luna. — Ele deitou na cama, deixando que Luna permanecesse sobre seu peito largo. Minutos se passaram. A noite se tornou madrugada. — Makena — tentou. — Eu sei que está acordada. Eu preciso que me diga, se há algo que eu possa fazer para ajudar sua irmã. Algo que sua mãe fazia. Que tranquilize Luna.

Sem olhar para ele, Makena respondeu:

— Sempre que mamãe a colocava para dormir, Luna ficava enrolando os cabelos dela entre os dedos.

— Eu não tenho cabelos compridos.

— É, não tem.

— Venha deitar ao lado dela. Talvez você possa fazê-la se sentir melhor.

— Não adianta, não é a mim que Luna quer. E não é a você também.

— Eu quero ser um bom pai para as duas. Quero muito. Quero ser o melhor que puder. — Passado um instante, com Luna ainda dando trabalho para dormir, ele completou: — Talvez eu compre uma peruca.

— Isso é ridículo.

— Se vai ajudar Luna se sentir melhor, não me importo em parecer ridículo.

Makena se virou para o lado, onde estava à cama ocupada pelo pai e a irmã caçula. O quarto se encontrava à meia- luz de um abajur.

— Prometo fazer o meu melhor.

— Tanto faz — ela desmereceu a atitude dele ao virar-se novamente para o outro lado.

[…]

Rosalie parou diante a porta do quarto de hóspedes transformado em um quarto para as meninas. Não conseguia dormir, estava ansiosa e, por vezes, sentia que algo não estava como deveria. Passou as últimas horas, desde que saiu da floricultura, preparando o quarto para recebê-las. A cama de casal deu lugar duas camas de solteiro. No lado que pertenceria a Makena, um local para os estudos, com escrivaninha e prateleiras para livros. Já o de Luna, ganhou um cantinho onde brincar, com tapete felpudo e cesto para guardar brinquedos.

Ela acendeu as luzes ao parar no limiar da porta, onde ficou olhando o interior do quarto. Esforçou-se, buscando na memória se estava tudo como deveria. Na mesinha de cabeceira de Makena, havia um porta-retratos com a fotografia, a mesma que prometeu a Emmett colocar lá. Na mesinha de cabeceira ao lado da cama de Luna, o porta-retratos ainda estava vazio. Poderia ter pedido uma foto da menina para o pai, mas, a verdade é que não teve coragem. Preferiu não vê-la, até que fosse realmente necessário.

Apertou os dedos no pijama, na altura do coração. Respirou fundo, fechando os olhos.

— Vai dar tudo certo — disse para si mesma. Olhou novamente o interior do quarto. Em breve as meninas estariam ali e tudo ficaria do gosto pessoal de cada uma. — Que bobagem — continuou falando para si mesma. — São apenas crianças. Para quê o desespero? Crianças que perderam a mãe recentemente. Estão feridas emocionalmente, necessitando de cuidado e carinho. Você passou por isso… — respirou fundo. Piscou os olhos, afastando as lágrimas que se acumulavam. Ao recordar a própria dor se deu conta que, embora anos houvesse passado a saudade ainda doía. — Mamãe — sussurrou. — Lily. — Fechou a porta. — Vai ficar tudo bem. — Sem pressa, começou se afastar pelo corredor. — Está se preocupando à toa, Rosalie.

[…]

Mesmo tendo se passado alguns anos desde que esteve ali, Makena reconheceu o bairro, a rua, especialmente a casa na qual o carro do pai parou na entrada para veículos, no jardim. Sentiu-se estranha, a última lembrança de ter visto o pai, havia sido naquele lugar.

Era fim de tarde, estava farta de estar dentro do carro, mas, de alguma maneira, não tinha vontade de sair.

Ela olhou para trás, para além do vidro traseiro. Nesse momento, foi como visse a si mesma aos seis anos, no outro lado da rua, com lágrimas no rosto, entrando em um carro diferente deste onde se encontrava agora.

— Chegamos! — Emmett desligou o motor do carro ao se dirigir às meninas.

Vagando na lembrança, Makena sussurrou:

— Papai…

Luna parecia avaliar onde estava, abraçada ao coelho de pelúcia. O senhor coala, no assento do meio, usava o cinto de segurança.

Emmett olhou para trás e, mesmo cansado da longa viagem e das queixas incessantes de Makena, as olhou com carinho e afeto.

— Chegamos — repetiu.

Luna olhou pela janela. Makena permaneceu olhando para trás.

— A casa não é tão grande quanto à da fazenda, mas vocês vão gostar daqui.

Ele retirou o cinto de segurança. No instante seguinte, saiu do carro. Primeiro, abriu a porta do lado onde Makena estava.

— Vamos, querida. Você já pode descer.

Sem olhar no rosto dele, ela respondeu:

— Não — a voz soou anasalada. — Não — repetiu.

— Makena — Emmett olhou dela para Luna. — Não faça isso, por favor. Pense um pouco em sua irmã. — Ele pôs a mão no cinto em volta dela para soltar. Makena agarrou sua mão de forma inesperada.

— Não vou descer — reafirmou a menina, apertando os dedos em volta no pulso dele.

— Não pode permanecer dentro do carro.

— Eu não quero.

— Não quer o quê, filha?

— Não quero ficar nessa casa. Não quero estar com você.

Mesmo contra a vontade dela, Emmett conseguiu soltar o cinto de segurança.

— Me leve de volta para a fazenda.

— Não posso fazer isso.

Em um ato de rebeldia, Makena agitou os braços e pernas, atingindo o pai algumas vezes.

— Você pode. Você pode, sim — repetiu com agressividade.

Emmett segurou suas pernas de modo que não conseguisse mais chutá-lo.

— Se acalme — pediu.

— Quero ir para casa — ela implorou, chorando. — Quero a minha mãe.

Doeu no coração dele vê-la daquele jeito. Mas doeu também ver o choro silencioso de Luna. As lágrimas molhavam o queixo e pingavam na cabeça do coelho de pelúcia.

— Me leve para casa, papai.

Emmett abraçou a filha. Makena era uma explosão de emoções. Enquanto Luna, um lago silencioso; uma dor contida.

— Você está em casa — ele falou com tranquilidade e carinho. — Nós vamos ficar aqui… Todos juntos.

— Não — lamentou.

— Eu sei que é difícil, mas, acredite em mim, vocês duas irão se acostumar.

— Nunca irei me acostumar, papai.

Emmett segurou o rosto dela entre as mãos.

— É claro que você irá. — Beijou na testa. — Já viveu na cidade antes.

[…]

Rosalie chegou mais cedo da floricultura para terminar de arrumar a casa para receber as meninas. O jantar, porém, teve de comprar pronto. Apesar da ansiedade e nervosismo, fez seu melhor para tornar a chegada das crianças confortável. Não sabia o que esperar, apenas desejou estar fazendo tudo do jeito certo.

Levou um instante, criando coragem em abrir a porta. Quando finalmente o fez, encontrou Emmett com metade do corpo para dentro do carro. Nesse momento a verdade a atingiu; eles seriam quatro agora.

Ela saiu para o jardim, chegando mais perto do carro. Emmett segurava o rosto da filha mais velha entre as mãos enquanto falava com ela. O olhar no rosto dele era de amor. O amor que presenciava sempre que ele olhava a fotografia da menina.

— Que bom que chegaram — sua voz soou estranha aos próprios ouvidos.

[…]

Makena viu o pai afastar as mãos de seu rosto e sair totalmente do carro. Ele sorriu para a mulher de cabelos louros e ela sorriu para ele. Já tinha visto aquela cena antes, ali mesmo naquele jardim.

Rosalie quis correr para os braços dele, em vez disso, indicou o interior do carro. Emmett assentiu com um menear de cabeça.

Finalmente, sem qualquer esforço, Makena saiu de dentro do carro. Ao olhar para Rosalie, seus olhos demonstraram raiva.

— Seja bem-vinda — Rosalie falou com cautela.

A menina a olhou com desdém. Colocou-se ao lado do pai sem se dar ao trabalho de cumprimentá-la.

— Sinto muito por tudo o que aconteceu.

A maneira como Makena a olhava e sua falta de respostas estava deixando Rosalie bastante desconfortável.

— Luna — disse Emmett.

Outra vez, todos se voltaram para o carro.

Ele deu a volta, e quando Rosalie fez menção de ir atrás, Makena cruzou seu caminho. Não teve escolha que não fosse recuar.

Emmett abriu a porta do carro, e soltou imediatamente o cinto de segurança, pegando a filha no colo. Ele limpou na palma da mão o rosto molhado de lágrimas de Luna. Beijou seu rosto e voltou se aproximar de Rosalie, que ficou olhando a criança com atenção. A menininha mais nova se parecia com Emmett muito mais do que imaginou. Porém, seus olhinhos azuis pareciam tristes demais para uma garotinha.

 


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Notas finais do capítulo

Desejo um feliz natal a todos.

Se você leu até aqui e está gostando de acompanhar a história, deixe seu comentário para que eu possa saber.

Valeu!



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