À Luz da Lua, Bloodshed escrita por Obscuro


Capítulo 6
V | Vampiro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809422/chapter/6

STILES

LYDIA ESTAVA GELADA QUANDO A ENVOLVI em meus braços, assim que chegamos na delegacia, como se o corpo afetado pela morte fosse o seu e não a garota que provavelmente já estava sendo revirada em uma mesa de aço cirúrgico da legista. 

Seus olhos verdes estavam repletos de pavor e seus lábios tremiam enquanto ela balbuciava, aninhada em meus braços, que a garota ainda estava viva quando ela chegou na reserva e que ela não pôde fazer nada para salvá-la, inúmeras vezes, sem parar. 

Havia sangue por toda a saia de seu vestido florido, em suas mãos e alguns respingos em seu rosto, mas ela não parecia sentir nada disso, com a mente presa em seu pesadelo pessoal. Mesmo que não fosse a mesma coisa, eu conseguia entender a ruiva graças às experiências no banco do passageiro da minha própria cabeça enquanto a raposa degustava da dor de inocentes e de suas mortes. Por isso, apenas mantive o aperto firme ao redor do corpo trêmulo, como se aquilo pudesse diminuir todo o choque em sua mente.

Depois de quase uma hora na sala do meu pai, Kira e eu a levamos até o vestiário da delegacia, onde eu acabei ficando preso para fora — mesmo com a relutância de Lydia em me soltar — e a morena entrou para ajudá-la a trocar suas roupas por roupas limpas e se livrar de todo o sangue. 

Scott ficou para trás, conversando com Parrish e meu pai, tentando entender o motivo de Lydia ter sido atraída para o local da morte, mas nem todas as cartas estavam na mesa ainda, como em todas as vezes que não tínhamos a menor ideia do que estava acontecendo. 

Minha teoria só parecia mais concreta com o envolvimento de Lydia. 

Talvez fosse mais fácil acreditar na existência de vampiros com o envolvimento de uma banshee e, depois de tudo, parecia inegável. Mesmo que eu soubesse quão difícil seria acreditar em mim, era inevitável. A contagem já havia aumentado para cinco corpos e três eram mais que o suficiente para um alerta vermelho. Cinco vidas arrancadas sem uma justificativa natural. 

Respirei fundo e pressionei o corpo de Lydia — que, mesmo depois de tanto tempo, permanecia tremendo — contra o meu com mais força, como se isso fosse impedir qualquer mal de se aproximar. 

Encarei o relógio na parede atrás da mesa do xerife, em busca de uma prova da realidade e suspirei aliviado quando consegui ler os números. 9:35. Estávamos na sala do xerife há mais de duas horas, tentando acalmar a ruiva — que, ao menos, havia parado de balbuciar — o suficiente para obter um depoimento mais concreto e compreensível.

— Acho que você vai bater o seu recorde — sussurrou, com a cabeça apoiada em meu ombro, fazendo-me enrugar as sobrancelhas.

— Que recorde? — questionei, esticando minha mão livre para acolher as suas geladas, levemente envolvidas pelas mangas do meu casaco, grande demais para ela.

— Tempo sem falar nada — soprou, risonha. Um sorriso nasceu no canto dos meus lábios, inevitavelmente, e ri baixinho.

— Achei que você precisasse de silêncio — confessei, dando de ombros, e ela suspirou. O ar quente batendo em minha garganta. — Você quer falar sobre alguma coisa? — questionei, tentando mascarar minha ansiedade e curiosidade. 

Para minha infelicidade, a ruiva apenas balançou a cabeça, em uma negativa muda, ainda deitada em meu ombro.

— Tudo bem — sussurrei, decepcionado, deixando-a brincar com meus dedos enquanto esperávamos Scott voltar com um copo de café e alguma comida. 

Desviei os olhos para Kira, que nos assistia, sentada em uma das cadeiras de couro preto colocadas na frente da mesa de John. Ela me encarou, assim que notou que eu a encarava, e forçou um sorriso que não tocou seus olhos sérios e se desfez rapidamente, assim que ela voltou a pressionar os lábios em uma linha dura com o olhar vago. A menina alegre e comum que estava na minha sala há algumas horas não parecia mais existir, em seu lugar estava um ser sobrenatural buscando uma resposta sobrenatural para um assassinato. Não havia nada de comum em relação a nenhum de nós.

— Você ainda está com frio? — questionei depois de alguns segundos no silêncio inquietante. Ela balançou a cabeça, mais uma vez, em uma negativa silenciosa, colocando um de seus anéis em meu dedo mindinho. 

— Vocês terminaram de assistir O Império Contra-Ataca? — questionou, mexendo a cabeça para encarar Kira.

— Sim.

A garota respondeu, sem sair de sua bolha de preocupação, ainda encarando o vazio no chão, como se todas as respostas para suas dúvidas estivessem ali. Os olhos puxados estavam semicerrados, enquanto sua testa permanecia franzida. 

Apertei os lábios, tentando enviar uma onda mental para a raposa, para que ela notasse que Lydia estava, finalmente, saindo do torpor do choque.

Okay — sussurrou a ruiva, contra minha pele, entristecida.

— Ela só está preocupada — disse, tentando atenuar o desconforto. — Mas começamos a assistir O Retorno do Jedi. Kira fez pesquisas sobre que ordem assistir, ela parecia empolgada — contei, zombeteiro. — Até conseguiu o primeiro lugar de reações da cena de Darth com Luke.

— Sério? — perguntou, levantando a cabeça para me encarar. Eu sorri e confirmei com a cabeça. — Pensei que ninguém fosse superar Malia — confessou, voltando a deitar.

— Eu também! Mas ela xingou ele, completamente indignada. Você precisava ver. 

Lydia riu, em um sopro, e meus ombros começaram a relaxar em resposta.

— Obrigada, Stiles — murmurou em um fio de voz que eu teria perdido se ela não estivesse tão perto.

— Sabe que não precisa agradecer, Martin — retruquei, cutucando suas costelas com cuidado. Ela se contorceu, soltando uma risadinha, e a porta se abriu sonoramente.

Automaticamente, Kira levantou em um pulo, encarando Scott, que segurava quatro cafés em um suporte de papelão e uma sacola de papel do Beacon 's Coffee, como se ele fosse salvá-la.

— Isso é croissant? — Lydia questionou, erguendo a cabeça.

Scott abriu um sorriso amplo e infantil e anuiu com a cabeça, ainda assim, consegui ver a preocupação em seus olhos, mascarada pelo brilho caloroso da tentativa de acalmar a ruiva. Lydia levantou em um pulo, agarrando a sacola das mãos de Scott e voltou a se sentar, pegando um dos pães em formato de meia lua, devorando-o rapidamente.

— Vocês descobriram alguma coisa? — Kira perguntou, aceitando um dos copos de café sem nem perceber.

— Não. O sr. Stilinski está falando com os pais da garota — contou, entregando-me outro copo e me limitei a entortar os lábios em um sorriso de agradecimento. — Lydia...

— Agora não, Scott — cortei, irredutível, sem desviar os olhos da ruiva, que se dedicava a devorar um segundo croissant recheado com chocolate. — Deixa ela, pelo menos, colocar alguma coisa no estômago — pedi, recebendo um olhar confuso de Kira, que parecia prestes a me arrancar do lado de Lydia para me impedir de atrapalhar a investigação de mais alguma maneira.

— Tem razão, Stiles — balbuciou, movendo-se para perto de Kira como se também sentisse que ela estava prestes a me atacar. — Desculpe, Lydia.

— Está tudo bem, Scott — Lydia murmurou, depois de alguns segundos no silêncio. — Você pode perguntar, mas não tenho nenhuma informação além das que já dei a Parrish  — confessou, limpando as mãos dos farelos de pão, deixando a comida de lado.

— Você não precisa fazer isso agora, se não quiser — acrescentei, segurando sua mão. Ela apenas me olhou rapidamente e sorriu sem mostrar os dentes, antes de voltar a encarar Scott, acenando para que ele continuasse.

— Tudo bem — sussurrou, sentando-se na mesa de centro, de frente para a ruiva. — Você viu alguma coisa? — questionou, enrugando as sobrancelhas.

— Não tinha ninguém quando eu cheguei lá. Só ela, no chão — contou, encarando um ponto vago, como se estivesse se dedicando a voltar completamente para o local. — Ela estava com os olhos fechados, parecia morta, mas quando eu cheguei mais perto, eles se abriram e só havia medo. Ela tentou pedir por ajuda, mas não tinha nada que eu pudesse fazer — lamentou, com a voz embargada. Meu estômago doeu e a puxei contra meu peito novamente, apertando-a contra meu corpo, como se isso pudesse fazer seu sofrimento sumir. — Eu senti que alguém estava me observando, Scott, mas não consegui ver ninguém. Eu tentei, eu juro que eu tentei, Scott, mas estava... estava muito escuro. Eu não conseguia... não conseguia enxergar nada, estava escuro demais — gaguejou em meio a um soluço.

— Shh. Tudo bem, Lydia. Tudo bem — sussurrei, tentando acalmá-la novamente, esfregando a mão em suas costas, em círculos. Lancei um olhar de aviso rápido na direção de Scott e ele suspirou, passando as mãos no rosto tomado pelo cansaço e pela tristeza.

— Aqui — disse Kira, esticando o copo de café na direção de Lydia. A ruiva o acolheu entre as duas mãos, usando o calor para se esquentar antes de tomar um gole.

— Eu senti um cheiro esquisito, mas eu não sei o que era — contou Scott, olhando para Kira, como se tentasse confirmar a história. 

— Talvez seja um dos lobos que conseguem camuflar o próprio cheiro — arriscou a garota, dando de ombros.

— Não sei. É difícil, mas é possível — murmurou Scott. — Talvez seja algo que não conhecemos ainda.

Meus ossos vibraram sob minha pele quando o silêncio da possibilidade se estabeleceu.

— Eu tenho uma teoria — expus, à contragosto. — E não vai ser muito fácil acreditar nela — adiantei, erguendo a cabeça para encarar Scott. Os três me encararam, confusos e curiosos, esperando que eu continuasse e eu levantei do sofá em um pulo, com os membros formigando demais para continuar parado. — Eu conversei com Cora na última vez que ela veio aqui. Ela encontrou uma nova espécie, no Brasil. Quer dizer, ela sabia que eles existiam, mas nunca havia encontrado um cara a cara. Não tão de perto. O que deve ser bem assustador... Porque se ela viu eles, eles viram ela, o que não deve ser uma coisa boa...

— Eles quem, Stiles? — Lydia perguntou, me interrompendo e fazendo-me parar de andar de um lado para o outro. Mastiguei meu lábio antes de respirar fundo e dizer sem pensar muito no que aquilo representaria:

— Vampiros.

A palavra desencadeou um silêncio sepulcral que tornava tudo mais parecido com um filme estranho de terror. Eles trocaram olhares entre si antes de voltar a me encarar, como se confirmassem que todos haviam ouvido a mesma palavra ou se estavam ficando loucos.

— Ok. Você disse que ia ser difícil acreditar, não pensei que seria tanto assim — confessou Scott, forçando uma risada.

— Por que é tão difícil? Temos kanimas, banshees, cães do inferno e raposas, mas vampiros são demais? — questionei, incrédulo. — Temos provas, evidências, que eles existem. Por que é tão difícil acreditar? São cinco casos, Scott, cinco.

— Eu sei, eu sei. — Scott balançou a cabeça e suspirou.

— Talvez não seja tão impossível assim — apoiou Kira, roendo as unhas. Seus olhos pareciam mais escuros, sua expressão manchada pelo medo. — Eles são criaturas horríveis e, se parar para pensar, é possível. Quer dizer, qual história de lobisomens vocês já ouviram que não tinham vampiros?

— Drácula de Bram Stoker? — supôs Scott, dando de ombros. — Eu não sei, cara.

— Cara, você já leu ou assistiu Drácula de Bram Stoker? — questionei, semicerrando os olhos em sua direção.

— Não — confessou dando um sorriso amarelo e eu ri, esfregando o rosto.

— Eles também aparecem. Quase todas as histórias com vampiros têm lobisomens.

— Eu não deveria sentir alguma coisa estranha, então? — perguntou Lydia, levantando do sofá. — Quer dizer, eles estão mortos. Eu deveria sentir a morte ou alguma coisa assim?

— Não sabemos muito sobre eles, Lyds. Pode ser diferente — contrapus, oferecendo-lhe um sorriso de acalento. — Mas você foi atraída até lá e a garota ainda não estava morta. 

Eu ainda lembrava de quando Lydia começou a testar seus poderes e quando ela precisou de seus poderes. Não queria que ela voltasse para o mesmo estado de sensação de inutilidade. Não sabíamos nada sobre vampiros, mas nenhuma obrigação seria depositada nela.

— Ok. Vamos assumir que é um vampiro — pontuou Kira, erguendo a mão se pedisse a vez para falar. — Como paramos essa coisa? — perguntou, encarando-me preocupada.

— Fogo, cruzes, alho, estacas, água benta. O tradicional é sempre a primeira opção — afirmei, passando a mão na nuca. — Precisamos falar com o Argent. Talvez ele saiba de alguma coisa.

Scott me encarou, a preocupação estampada em seus olhos. O Argent havia se isolado desde a morte de Allison e vivia viajando para a França junto com Isaac, como uma dupla de luto que se curava lentamente.

— Eu vou ligar para ele — prometeu, levantando-se da mesa de centro assim que a porta foi aberta outra vez, revelando Parrish com o rosto completamente franzido. — Conseguiram falar com a mãe dela?

Scott encarou Parrish, que encarava Lydia perdida em seus pensamentos. Os ombros do delegado estavam rígidos, seus olhos expressavam preocupação desmedida na direção da ruiva e toda a minha ansiedade sobre ela diminuiu. Ele estaria ali para ela.

— Sim. Os pais estão vindo para a delegacia prestar depoimento — contou, sem desviar os olhos de Lydia. — Lydia.

A ruiva virou a cabeça rapidamente, encarando-o de volta com uma intensidade desnorteadora. Eles não disseram nada, apenas se encararam, mas aquilo foi o suficiente para parecer íntimo demais para ser assistido. Desviei os olhos para Scott, apenas para descobrir que ele se encontrava na mesma bolha esquisita de amantes com Kira. 

Eu era a peça fora do tabuleiro, mais uma vez. Grunhi enjoado e sai o mais rápido possível da sala, caminhando para o quadro de investigação, tomando liberdade para mover as pistas e acrescentar outras. 

Mesmo tendo superado minha paixonite aguda por Lydia Martin, ainda existia uma parte daquele Stiles dentro de mim, principalmente depois de tudo com o Nogitsune. Houve um período que vislumbrei a possibilidade de tentar alguma coisa com Lydia depois do nosso beijo e, por isso, meu relacionamento com Malia havia acabado.

Eu não conseguia me doar o suficiente para a relação do jeito que a coiote merecia, mantendo-me preso na fantasia do primeiro amor e, mesmo não entendendo direito as próprias emoções e não sendo capaz de entender as minhas, Malia sabia que havia alguma coisa errada em nossa relação. Eu a amava, mas não do jeito necessário para que funcionasse, mesmo depois de desencanar de Lydia, que, claramente, não deixaria de ser minha melhor amiga. 

— Ei, garoto. — A voz de  John me acordou quando eu colocava mais uma foto no painel. O rosto sorridente de Flora Williams me encarou, mesmo que ela só estivesse encarando a lente de uma câmera anos antes.

— Oi, pai — murmurei, conectando a foto de todos os adolescentes desaparecidos por um fio vermelho, guiando-o até um pino preto no centro do quadro. O assassino.

— Como você está? — Ele me encarou alguns segundos, antes de suspirar, com uma expressão cansada, ao encontrar a resposta em meu rosto. Sabendo que eu não seria honesto, ele parou do meu lado, colocando as duas mãos na cintura da calça, e encarou meu trabalho, analisando cada uma das evidências. — Há quanto tempo você estava trabalhando nisso? — perguntou, cruzando os braços. Seus olhos se enrugaram e sua testa franziu enquanto ele caminhava para mais perto do quadro, parecendo um velho sem os óculos necessários. A cena me fez rir baixinho, passando despercebido por ele.

— As férias inteiras — confessei, agarrando o arquivo de Daniele da mesa de Parrish. Passei os olhos pelas letras sem prestar muita atenção, até duas informações pularem das páginas. — Espera, ela não foi encontrada na reserva? — perguntei, enrugando o cenho. Algo havia mudado.

— Não. Lydia encontrou ela na cidade, perto da clínica de Deaton.

Deaton. Sempre o druida. Parecia que era inevitável que ele acabasse aparecendo em situações como aquela.

— E a autópsia ainda não foi feita?

— Não. O corpo foi enviado a pouco tempo para o necrotério. Melissa disse que avisaria quando estivesse pronta — informou, apontando para o quadro, para a foto da garota sorridente. — Flora Williams? Ela também?

Anui com a cabeça, preso a informação nova. Melissa avisaria sobre a autópsia. A autópsia ainda estaria sendo feita. Era o momento perfeito para encontrar a médica que sempre aparecia nos papéis. Dra. Taylor Reese. Talvez as coisas passassem a fazer mais sentido depois de vê-la.

— Eu tenho que ir ao hospital — avisei, virando-me para sair da delegacia.

— Eu vou com você — ditou Scott, saindo da sala do xerife.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "À Luz da Lua, Bloodshed" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.