Doutor Estranho: Inferno escrita por De Mysteriis Dom Sath


Capítulo 6
V - A feiticeira


Notas iniciais do capítulo

Introduzindo uma personagem queridíssima à nossa história!



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Clea estava usando um vestido especial para a cerimônia. Era uma peça que usara apenas uma vez, em um cenário completamente oposto àquele: um jantar romântico com Stephen, em que fora pedida em casamento. “Vista sua melhor roupa” havia dito Strange naquela ocasião, ao convidá-la. Clea ainda não estava tão acostumada à vida na Terra, e não sabia ao certo o que deveria usar. Fora Wanda quem a auxiliara com isso, à época ainda uma colega de Stephen nos Vingadores. Ela a levara para um lugar onde poderia encontrar a roupa ideal, e, juntas, fizeram alterações com seus poderes para tornar o vestido, longo e de cor roxa e preta, enfeitado com algumas pedras de valor, se tornasse mais a cara de Clea.

As duas sempre se deram bem. Tinham muito em comum, dizia Strange. Isso era verdade, de certa forma, ainda que tivessem origens tão diferentes. Clea crescera aprisionada por seu tio na Dimensão Negra, com a complacência de sua própria mãe, enquanto Wanda tivera uma vida de privações, seja em sua infância nas mãos de um cientista megalomaníaco na Trânsia ou na juventude à sombra de seu pai adotivo aspirante a ditador em Genosha. Da mesma forma que Clea com Strange, Wanda apenas fora capaz de se entender melhor quando conhecera Visão, o sintozóide intelectualmente desenvolvido que se tornara seu parceiro.

Agora, as duas tornavam a se encontrar em um momento de menos felicidade. Clea a convidara sem dar maiores explicações, apenas dizendo precisar de um ombro amigo. Wanda não tinha motivos para desconfiar que haveriam outras razões, mas o fato de Kamar Taj não aceitar visitantes de fora, sobretudo alguém como ela — embebida em um tipo de magia proibido e perigoso —, poderia ser o suficiente pra levantar suspeitas. Mas eles já tinham abrido exceções no passado — para a própria Clea, por exemplo — e esse podia ser apenas mais um desses momentos.

— Senhora Clea — disse um dos guardas de Kamar Taj através da porta de madeira. — Sua convidada chegou. 

 Ela estava em um dos muitos quartos para estudantes espalhados pelo complexo de Kamar Taj, idêntico àquele em que Stephen um dia vivera. Estava de pé, olhando para si mesma no espelho sobre a escrivaninha. O Manto da Levitação de Stephen estava apoiado na cadeira de seu quarto, repousando.

— Obrigada. Irei recebê-la.

Lançou uma última olhada para o espelho e vestiu seu par de luvas pretas, complementando seu visual elegante para aquela cerimônia. Não conseguia deixar de sentir uma tristeza profunda com aquilo. Despedir-se do corpo de Strange seria aceitar de vez sua ausência. E isso ainda lhe doía muito. 

Clea abriu a porta de madeira e saiu para o corredor. Estava um pouco escuro, mas o sol entrava pelas frestas de algumas das portas, mostrando o quão claro estava o dia lá fora. Caminhou até uma das extremidades do corredor e saiu, adentrando o pátio externo central de Kamar Taj. Naquela manhã, nenhum aluno treinava ali, como seria de costume. Ao centro do pátio estava posta uma cama de pedra, com diferentes ornamentos em cada lado, representando diferentes símbolos que remetiam aos Vishanti. Sua presença ali servia de lembrete para Clea do que estava para acontecer. O corpo de Stephen seria posto ali para uma última despedida, e então seria incinerado. E aquela seria a última vez em que veria seu marido. 

Entrou no pátio pelo lado esquerdo, e logo pôde ver os enormes portões de Kamar Taj à sua direita. Estavam fechados, o que a fez concluir que Wanda já havia entrado. Rintrah e outro aluno faziam a guarda do altar de pedra, e Clea se aproximou deles para perguntar por sua convidada. 

— Me disseram que Wanda Maximoff havia chegado — disse, chegando mais perto. 

Rintrah sorriu para ela, os dentes brancos abrindo espaço entre seus pelos e pele verdes. 

— Wong disse que você estava esperando por ela, então a deixamos entrar. Ele está te esperando no salão principal. 

— Obrigada, Rintrah. 

Ela deixou o minotauro para trás, lançando um último olhar sobre o altar de pedra, e cruzou o pátio em direção à porta principal, que dava lugar a um primeiro salão onde visitantes costumavam ser recebidos. Logo que entrou, reconheceu Wanda no centro do cômodo.

— Wanda — disse, chamando a atenção da convidada.

A Feiticeira Escarlate vestia um vestido vinho, com alguns detalhes em preto, e levava em sua cabeça uma tiara de tom mais avermelhado, o símbolo de seu poder, destacada entre seus cabelos castanhos-claro. 

— Clea! — respondeu Wanda, se voltando em direção à entrada do salão. Ela caminhou em direção à amiga e a abraçou, surpreendendo Clea. — Eu sinto muito. Muito mesmo. 

Clea retribuiu o abraço, ainda que não estivesse acostumada com esse tipo de demonstração de afeto por outros que não fossem Stephen. 

— Stephen era um homem como poucos — disse Wanda, se afastando e pondo fim ao abraço. — Ele fará falta. 

— Sim, fará.

Wanda pôs a mão sobre o ombro de Clea, seu olhar expressando ternura e carinho. 

— Desculpa por não ter vindo ontem. Não queria perder o velório, mas tive uma emergência. Vingadores e tudo mais. 

— Não se preocupa com isso. O importante é que você está aqui agora.

Ela sorriu para Clea, como que agradecendo. 

— Que horas começa a cerimônia?

— Acho que em breve. Wong deve estar terminando os preparativos. Você sabe como eles são burocráticos por aqui. 

Wanda riu, concordando com a cabeça. 

— E como. Ainda bem que não foi aqui que me ensinaram a usar meus poderes. Acho que não teria dado muito certo. 

— Comigo também não. 

As duas começaram a andar pelo salão, lentamente. Do lado oposto à porta ficava um altar, com uma espécie de tapete, onde Yao costumava meditar e ministrar suas aulas. Wong preferia ser um pouco mais discreto, mas manteve o altar como forma de respeito a seu antigo mestre. 

— Como você tem estado, Clea? Sei que fazem poucos dias desde que isso aconteceu, mas… Queria te ouvir. Imagino que as coisas estejam muito centradas em Stephen, é claro. 

— Sim — respondeu Clea. — Eu… Pra ser sincera, não sei ao certo como estou. Tenho passado meu tempo cuidando da despedida de Stephen, garantindo uma cerimônia à altura. E tenho me ocupado ao máximo, pra não ter que parar pra pensar nessa ausência enorme no meu dia-a-dia. 

— Ah, querida… Eu entendo. De verdade. Eu fiz o mesmo quando Pietro morreu. Tentei me ocupar e negar o que estava acontecendo. Mas esse não é o melhor caminho. Acredite, eu aprendi da pior forma. Você tem que se permitir sofrer, se for o que seu coração está sentindo. 

Clea assentiu com a cabeça. Estava evitando pensar naquilo, mas sabia que Wanda estava certa.

— Eu quero justiça. É isso que meu coração precisa. 

Ouviu Wanda soltar um suspiro ao ouvir isso. 

— Eu entendo. E imagino que esse seja o motivo de ter me chamado aqui. 

Aquilo não surpreendeu Clea. Já imaginava que Wanda fosse intuir isso. 

— Sim. Claro, sua companhia também me faz bem. Mas sei que você e Stephen estavam trabalhando juntos na questão de Scratch, e… Eu quero continuar de onde ele parou. 

Wanda ficou em silêncio. Sua expressão estava um pouco mais séria, pensativa. 

— Todo mundo sabe que ele não vai parar em Stephen. Ele agora criou uma brecha para atuar, sem ninguém o seguindo de perto. Alguém precisa fazer o que ele sempre fez por todos. 

— Ah, Clea… Eu imaginei que você estaria pensando em algo do tipo. Sabe, o Strange sempre falou que éramos parecidas. E isso é exatamente o que eu iria estar planejando no seu lugar. 

Clea sorriu. Sabia que Wanda a entenderia.

— Do que você precisa? 

— Eu estou pensando em um plano. Sei que você e Stephen não conseguiram localizar Scratch com o Orbe. Mas acho que sei de alguém que pode conseguir. 

A Vingadora ergueu a sobrancelha, curiosa.

— O Orbe de Agamotto é um artefato bastante sensível. Ele foi projetado pra julgar as intenções de seu usuário, e ele depende do conhecimento do usuário para funcionar. Se alguém que conhece Nicholas Scratch bem o suficiente tentar usá-lo, o resultado pode ser outro. 

— Agatha. Claro. Faz todo sentido. 

— Sim. Mas não podemos ir direto ao encontro dele. Ele está envolvido com algo que vai além da própria Magia do Caos. E não está mais sozinho. Precisamos estar preparadas. 

Wanda concordou com a cabeça. 

— Bom, você terá a minha ajuda. Te prometo isso. E imagino que a de Wong e qualquer mago de Kamar Taj que você precisar. Drumm, Druid, quem quer que seja. 

— Obrigada, Wanda. E sim, sei que posso contar com eles. Mas eles não conhecem a Magia do Caos como você. Acho que juntas temos uma chance melhor de descobrir o que Scratch está planejando. 

— OK. E por onde começamos? 

Clea não teve tempo de prosseguir. As entradas laterais do salão se abriram, e Wong adentrou o cômodo pela esquerda, seguido por diversos alunos de Kamar Taj. Eles vestiam túnicas cerimoniais, repletas de cores — verde, azul, vermelho. Do lado direito, um grupo de seis magos carregavam uma maca, o corpo de Stephen repousando sobre ela. 

— Falamos depois — disse Clea. 

Ela observou atentamente o corpo do finado Mago Supremo ser trazido ao centro do salão. Ele fora vestido com uma túnica vermelha e amarela, que lembrava aquela usada com frequência pelo Ancião. Sua pele já estava quase acinzentada, evidenciando seu estado, e não havia maquiagem para tentar disfarçar isso. Wong se posicionou à frente do grupo, acenando com a cabeça para Clea e Wanda, que se colocaram uma de cada um de seus lados. As portas principais do salão foram abertas, o sol que havia do lado de fora adentrando, e o grupo começou a avançar. Os vários magos de Kamar Taj se dispuseram em um círculo ao redor do altar de pedra, ao passo que os seis que carregavam a maca logo assumiram a dianteira, colocando-a com o corpo de Stephen sobre aquela cama cerimonial.

— Hoje nos reunimos em nome dos Vishanti para honrar a memória e a vida de um de seus escolhidos — começou Wong, se aproximando do corpo. Ele portava um cetro dourado, mais alto que ele próprio. — Stephen Strange foi mais do que apenas um Mago Supremo. Foi um amigo. Um marido. Um herói da nossa dimensão e de muitas outras. Tinha um senso de justiça como nenhum outro. Por isso, hoje nos permitimos, como Oshtur, chorar uma lágrima de tristeza pelo homem que perdemos. Mas juramos, pela bravura de Hoggoth, que honraremos o seu nome e lutaremos as suas lutas. E, iluminados pela sabedoria de Agamotto, que escolheu Strange como portador de seu Olho, manteremos vivos os ensinamentos de nosso Mago Supremo para as próximas gerações de mestres das Artes Místicas. 

Clea sentiu uma intensa vontade de chorar ao ouvir as palavras gentis de Wong. 

— Agora, Stephen se junta de uma vez por todas aos Vishanti no Plano Astral. Seguimos com a certeza de que ele olhará por nós e nos iluminará nos momentos de necessidade. 

Todos os magos, exceto Clea e Wanda, estenderam os braços em direção ao corpo de Strange. Pequenas mandalas, das mais diversas cores, se acenderam em torno do altar, e, aos poucos, chamas começaram a brotar no corpo de Stephen, sacramentando aquele momento. Clea se viu forçada a desviar o olhar. 

— Wong… — sussurrou Wanda, chamando a atenção de Clea. 

Ela olhou na direção que Wanda apontava. Aos poucos, o céu azul e ensolarado parecia estar escurecendo, tomado por uma névoa vermelha que vinha dos entornos do templo. O corpo de Strange ainda queimava quando a névoa eclipsou o sol. 

— Mestres, atenção! — gritou Wong. — Preparem as defesas de Kamar Taj. Algo está errado. 

Um vento intenso soprou, abrindo as portas de entrada do templo. Atrás delas, um grupo de três figuras parcialmente encobertas pela névoa avançava em direção a eles. Clea as analisou atentamente. Uma delas era esguia e alta, com um véu vermelho sobre sua cabeça, e a pele bastante pálida, com marcas em preto. Ao seu lado, mais à frente, estava uma figura baixa e deformada, coberta por uma multidão de vermes avermelhados que deixavam apenas sua cabeça, branca e sem vida como a de uma estátua, à mostra. A terceira figura, do outro lado, tinha uma estatura intermediária entre as outras duas. Vestia uma armadura acinzentada, com um capacete dotado de dois chifres bastante compridos, carregando uma espada enorme e com uma coroa de energia pairando sobre sua cabeça. 

Os magos se puseram entre as três figuras misteriosas e o corpo de Stephen. Elas, porém, pararam próximas à entrada, e começaram a falar, de forma perturbadoramente sincronizada. 

A Criança Peregrina despertará. Entreguem-se ou sofram as consequências de suas escolhas. 

Elas repetiam essa mesma fala diversas vezes. Wong ainda não havia ordenado uma ataque, mas já tinha seu punho erguido, a postos. Com um mínimo comando, todos os magos do templo iriam atacá-las. Não houve, porém, essa oportunidade. Tão repentinamente quanto chegaram, as três figuras se desfizeram em névoa, para a confusão de todos. Antes que pudessem conversar, porém, ouviram gritos. Todos olharam para o alto das muralhas de Kamar Taj, estarrecidos com o que viam: diversos N’Garai as escalavam, devorando os guardas sobre elas.


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Notas finais do capítulo

Reconhecem as três figuras? São bastante recentes nos quadrinhos.
E o que acharam da entrada da nossa querida Wanda?



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