Doutor Estranho: Inferno escrita por De Mysteriis Dom Sath


Capítulo 7
VI - A horda


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo com bastante emoção.



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Os N’Garai frustraram a coordenação dos defensores de Kamar Taj. A violência com que os demônios devoraram os vigias nos muros espantou todos, menos Clea. Ela reconheceu de imediato que aqueles espécimes eram do mesmo tipo que o N’Garai que encontrara em Castelo Mordo.

— Tomem cuidado — gritou para Wong e Wanda, se preparando para atacar.

As chamas ainda consumiam o corpo de Stephen, lançando suas cinzas ao céu, que aos poucos voltava a surgir entre a névoa vermelha. Wanda flutuou em direção ao muro, disparando rajadas de Magia do Caos contra os demônios. Diferentemente dos ataques dos outros magos, os de Wanda pareciam de fato afetar os N’Garai, que rugiam em reação à dor. Alguns dos alunos usavam sua magia para fechar os portões de Kamar Taj, por onde outros N’Garai tentavam entrar. Outros estavam espalhados pelo pátio, atacando os demônios que pulavam dos muros. Aquilo era uma verdadeira horda, e Clea tinha suas dúvidas sobre a capacidade deles de resistir.

— Wong, tive uma ideia — disse, atacando um demônio que tentava se aproximar do monge.

— Prossiga — disse ele, usando seu cajado para levitar o demônio no ar e lançá-lo sobre outro, que atacava um dos sentinelas no muro.

— Me empresta seu cajado — pediu ela. 

Ele jogou o cetro para as mãos de Clea, invocando mandalas defensivas para manter os demônios longe. Ela tentou se concentrar e, usando seus poderes, criou duplicatas do cajado e, com um pouco mais de foco, acendeu-as com as Chamas dos Faltine. Jogou o cetro original de volta para Wong e, em um rápido movimento, fez com que as duplicatas flutuassem em direção a alguns dos magos em confronto, que as pegaram. Desviando de um ataque, Wong golpeou um N’Garai com seu cetro encandecido, fazendo com que o demônio recuasse um pouco.

— Wong, Clea — disse Wanda, que flutuava acima deles. — Me cubram, por favor. Vou criar uma barreira para impedi-los de deixar a área do templo e proteger os civis. 

Eles assentiram e se posicionaram sobre Wanda. Focada, a Feiticeira Escarlate canalizou sua Magia do Caos, criando um constructo de energia de formato hexagonal à sua frente. Seus olhos se acenderam, tomados por seus poderes, e uma linha de mesmo formato, feita de magia, começou a se formar no céu, delimitando uma área que englobava todo o templo de Kamar Taj. A linha se expandiu em uma barreira que alcançava o solo, formada de uma densa energia avermelhada. 

 — Acho que esse Hex será suficiente para mantê-los aqui — disse Wanda, descendo para o chão e usando seus poderes para dispersar alguns N’Garai que tentavam consumir um mago isolado. 

— Eles são muito numerosos — disse Wong, usando seu bastão para manter os demônios afastados. — Temos que pensar em algo, rápido.

Ele conjurou os Cristais de Cyndriarr contra alguns demônios em cima das muralhas, e continuou golpeando outros mais próximos com o cetro incandescido. Havia um aluno alguns metros à sua frente cercado por três demônios. Tentou correr em sua direção, disparando mais cristais contra eles, sem sucesso. Viu um dos N’Garai se prender ao corpo do jovem e, como um parasita, começar a extrair dele uma espécie de aura.

As portas do salão principal se abriram. Rintrah saiu por elas, portando um artefato distinto: um bastão dourado com algo como cinquenta centímetros, com projeções esféricas em cada ponta decoradas com rostos de um demônio. Clea reconheceu aquilo: era uma Varinha de Watoomb. O minotauro verde estendeu a Varinha na direção dos invasores, e os ventos começaram a soprar para onde ele apontava. Os Ventos de Watoomb arrancaram os demônios de cima do aluno, para o alívio de Wong, e também derrubaram alguns outros que estavam sobre os muros. Rintrah agitou a Varinha como um maestro conduzindo uma orquestra, e arremessou alguns dos demônios contra o Hex de Wanda, provocando neles uma reação de intensa dor. Eles caíram no chão abalados e saíram rastejando, claramente enfraquecidos.

— Podemos usar a Varinha para empurrá-los em um portal — gritou Clea para Wanda, lançando mais chamas púrpuras sobre um N’Garai que se espremia por entre a fresta aberta no portão.

Wanda, que arremessava rajadas de energia contra alguns N’Garai próximos ao que agora era as cinzas de Stephen, pousou no chão novamente e invocou uma lâmina de energia, com a qual golpeou outro demônio, salvando dois alunos que estavam tentavam lutar contra mais um dos invasores.

— E pra onde mandamos eles? — gritou Wanda em resposta.

— De volta para o Limbo — respondeu Clea, pensando rápido enquanto desviava de uma tentativa de um demônio de agarrá-la com suas garras. 

A Feiticeira Escarlate chegou mais perto de sua colega, usando seus poderes para erguer o N’Garai que havia tentado atacá-la e jogá-lo para longe. 

— Não temos as Pedras de Sangue para isso. 

As duas ficaram de costas uma para a outra, com alguns alunos de Kamar Taj junto a elas. Continuaram atacando os demônios que tentavam se aproximar, ainda espantados com o tamanho daquela horda. 

— Kamar Taj possui uma — disse Clea, lançando mais chamas contra os demônios. — Foi parte do acordo com a menina que depôs Belasco. 

Wanda afastou os N’Garai com uma explosão de energia e virou a cabeça na direção de Clea. 

— Talvez dê para abrir um pequeno portal com ela — respondeu. — Posso usar meus poderes para isso. Mas vamos precisar de ajuda para mandar todos para lá. 

Antes que ela prosseguisse, ouviu um som alto vindo da sua frente. Quando olhou, viu uma mandala de energia a separando das garras de um N’Garai. Fora salva por um dos alunos que estavam com elas. Irritada, flutuou em direção ao demônio e, com seus poderes, tentou matá-lo, sem sucesso. Contentou-se em acertá-lo com força no piso e enviá-lo para longe, voltando, então, para perto de Clea e dos outros magos.

— Obrigada — disse, olhando para o aluno que a salvara. 

Ele sorriu, tímido e surpreso com a reação de Wanda, e voltou a atacar outros N’Garai. Ela voltou a falar com Clea, agora focada no que estava diante de si.

— Você sabe onde está a Pedra, Clea? 

— Na coleção do Ancião. Posso ir buscá-la. 

— OK. Vou tentar chegar até Wong para deixá-lo a postos. Temos que ser rápidos. 

Clea assentiu e observou enquanto Wanda se ergueu no ar, cruzando o pátio em direção a Wong, mas disparando rajadas de sua Magia do Caos para dispersar demônios no caminho. 

— Aguentem mais um pouco — disse para os três magos ao seu redor. 

Ela invocou duas lâminas de energia, uma em cada braço, e as cravou no chão, girando até formar uma circunferência ao seu redor. Um portal se abriu sobre si, e se permitiu cair dentro dele. Do outro lado, aterrissou dentro de Kamar Taj, na biblioteca. Fechou o portal e olhou em volta, certificando-se de que estava no lugar certo. Correu por entre as estantes para chegar até um acesso para um corredor amplo, onde diversos pedestais estavam dispostos de ambos os lados. Antes de adentrar o corredor, porém, notou algo de diferente. Todas as tochas estavam apagadas, tornando difícil identificar qualquer um dos artefatos. Mais do que isso. Ao fundo, no escuro, parecia haver algo se mexendo. Clea olhou atentamente, e conseguiu distinguir algo na escuridão. Era uma silhueta, bastante alta e de ombros largos, mas humanoide, ao menos até onde Clea conseguia notar. Aquilo era inesperado. Imaginou que fosse estar sozinha, já que todos estavam lá fora defendendo Kamar Taj.

Pensou em dizer algo, mas seria tolice. O que quer que fosse aquilo, não estaria do seu lado. Em vez disso, abriu os braços e conjurou Chamas dos Faltine em suas mãos. Não disparou, porém. Antes que agisse, viu a figura se voltar em sua direção, os olhos largos e vermelhos como os dos N’Garai brilhando na escuridão.

Filha de Umar — disse a criatura, a voz delicada e baixa como o sibilar de uma serpente. — Não há por que lutar. Vocês já estão todos condenados.

Clea deu um passo adiante.

— Não se mova. 

A criatura a ignorou, e também deu um passo na direção de Clea. Ainda estavam bastante distantes, mas o contorno daquele ser começava a ficar um pouco mais claro.

Vocês não podem parar o despertar da Criança Peregrina.

Não tinha certeza de como responder, mas tentou agir rapidamente.

— Nós o faremos. Você vai voltar para o inferno de onde saiu. 

Não foi o suficiente. A criatura deu mais um passo, e, desta vez, sua silhueta se tornou um pouco mais clara, devido à luz emitida pelas chamas de Clea. Pôde notar uma longa cauda entre as pernas, e as compridas garras nas mãos e pés. Agora sabia o que era aquilo. Era um Mabdhara, uma espécie de casta superior dos N’Garai.

O Limbo já nos pertence. Mas ele é pequeno demais para o que o futuro trará. O leito de morte do Mago Supremo será o berço de uma nova era.

A menção a Stephen foi demais para Clea. Sem pensar, atirou as chamas corredor adentro, acertando a criatura. Não pareceu causar nenhum efeito. No entanto, o demônio se irritou, e começou a correr em direção a Clea. Quando deixou as sombras, ela conseguiu ter uma visão melhor dele: era alto e mais humanoide do que os N’Garai, com a pele vinho, em vez de cinza. Era bastante robusto, de ombros largos, e se movia rapidamente. 

Ela se jogou para o lado, escapando, e abriu uma mandala protetiva para escapar de um ataque da cauda. Se ergueu no ar, flutuando, em uma tentativa de sair do alcance do demônio. Não foi o suficiente. O Mabdhara tinha dentes compridos, como presas, e ergueu a cabeça em uma tentativa de abocanhar Clea. Ela recuou de volta para a biblioteca, tentando pensar no que fazer, e invocou novamente as lâminas em seus braços, desta vez para lutar. Desferiu um golpe no demônio, que desviou, e flutuou para longe novamente para fugir de suas garras. Ele pulou em sua direção, porém Clea conseguiu esquivar, e apenas o viu aterrissar em uma mesa, esmagando-a.

Sua luta é em vão, Filha de Umar. O Caos irá consumir esta dimensão. 

Ela pousou entre o Mabdhara e o corredor. Sabia que insistir naquela estratégia seria suicídio, mas não sabia se seria seguro. Viu o demônio começar a se virar e teve que decidir rápido. Tinha que fazer aquilo. Se era a Filha de Umar que ele queria, era a Filha de Umar que ele teria. Fechou os olhos e se deixou flutuar no ar, sentindo as Chamas começarem a percorrer o seu corpo. Conseguia sentir a energia da Dimensão Negra, a sua dimensão, a preenchendo. Imagens invadiam sua mente: lembranças de sua mãe, de Dormammu, dos Acéfalos. Seu corpo já estava coberto pelas chamas, e sua forma Faltine estava completa. Sua visão mudara, tomada por uma espécie de filtro que lhe permitia perceber as coisas por suas auras e pela energia que as cercava. A Magia do Caos que emanava do Mabdhara lhe era mais do que evidente. 

Aceite a sua essência, disse uma voz em sua mente, grave e áspera. Sabia a quem ela pertencia, mas buscou ignorá-la. 

Avançou sobre o demônio, jogando-o ao chão e desferindo golpes sucessivos com seus punhos. Liberou as Chamas sobre ele, e as fez envolverem seu corpo. Com isso, ergueu-o do chão, e, abrindo as mãos, fez com que as chamas penetrassem em sua pele. 

A Dimensão Negra é parte de você, disse a voz, insistindo. 

Clea intensificou seu encantamento, e ouviu o Mabdhara rugir de dor. Estava funcionando. Sua pele vinho começou a se desfazer, consumida pelas Chamas. Clea não parou, mantendo os braços rígidos, mas sentiu sua visão começar a escurecer. Estava perdendo o controle. 

Entregue-se a mim, prosseguiu a voz.

Ela gritou, intensificando seu ataque, e o demônio cedeu, se desfazendo em uma explosão de energia no centro da biblioteca. Clea caiu para trás, confusa, e olhou em volta. Sua visão misturava a sala com trechos da Dimensão Negra, como se os dois ambientes estivessem sobrepostos. Do outro lado da sala, o dono da voz se erguia. Vestia uma túnica preta e comprida, que contrastava com a chama alaranjada que formava o seu rosto. Era Dormammu. Clea olhou para os olhos vazios de seu tio, tentando resistir. 

Venha, Clea. Volte para o lugar a que você pertence

Dormammu era poderoso. Mas Clea sabia como escapar daquilo. Mudou o foco de seus pensamentos para Stephen. Lembranças começaram a percorrer sua mente: o dia em que se conheceram, quando Stephen a resgatou; o casamento dos dois; as muitas batalhas que travaram lado a lado; os momentos a sós em Sanctum Sanctorum. Fechou os olhos, se concentrando, e viu a memória do corpo de Stephen vir à tona. A pele acinzentada e sem vida lhe lembrava da triste verdade da qual não podia mais escapar. Uma lágrima brotou de seu olho esquerdo, percorrendo seu rosto até cair. Foi quando percebeu. Abriu os olhos e viu que estava de volta à forma humana, em Kamar Taj.

Balançou a cabeça de um lado para o outro, como que para afastar os pensamentos, e se pôs de pé. O Mabdhara estava derrotado. Deu meia-volta e foi para o corredor, passando os olhos pelos muitos artefatos em exposição. Bastões, livros de encantamentos, joias, baús. Finalmente, encontrou o que procurava. A Pedra de Sangue se assemelhava a uma pérola, completamente lisa e esférica, porém rubra e densa. Pegou-a de seu altar e, sem hesitar, abriu um portal de volta para o lado de fora. 

A batalha parecia estar difícil. Viu o corpo de alguns alunos de Kamar Taj caídos no chão, por vezes com N’Garai grudados a eles, consumindo seus poderes. Olhou em volta e viu Wanda à distância, sobrevoando o pátio e tentando dar conta de múltiplas frentes.

— Wanda! — gritou, chamando a Feiticeira. 

Foi ouvida. Wanda se afastou de onde estava e, rápida, voou até Clea. 

— Você conseguiu. Estava preocupada.

— Tinha um demônio lá embaixo. Ele estava buscando algum dos itens da coleção do Ancião. 

— Vamos pôr um ponto final a isso. 

Wanda olhou na direção de Wong, que usava seu bastão para golpear um N’Garai. 

— Wong, está na hora! — gritou.

O mago assentiu.

— Mestres das Artes Místicas, preparem-se! — disse ele, alertando todos os alunos que ainda lutavam. — Teremos apenas alguns segundos para nos livrar deles. 

A Feiticeira pegou a Pedra de Sangue de Clea e a pôs entre suas mãos, uma por cima e uma por baixo do artefato, que flutuava no meio. A Magia de Caos de Wanda brotou de seus dedos, percorrendo a superfície lisa da Pedra. Ela sussurrou algumas palavras, canalizando mais energia, e algo aconteceu com o artefato: quatro feixes de luz vermelha brotaram dele, formando réplicas da Pedra de Sangue feitas de pura magia. As agora cinco pedras saíram das mãos de Wanda e começaram a girar, pairando no ar sobre o pátio. A cada volta elas giravam mais rápido, até que se tornou impossível distinguir qual delas era a original. No centro desse círculo, um vórtice começava a se formar. Ele se expandiu mais e mais, até chegar a um tamanho grande o suficiente para eclipsar o portão de Kamar Taj. Do outro lado, como que coberto por um véu translúcido alaranjado, estava o Limbo. 

— Agora! — gritou Wong. 

Rintrah assumiu a dianteira. Ergueu a Varinha de Watoomb e começou a girá-la acima da altura de sua cabeça. Um a um, os demônios foram erguidos no ar pelos Ventos, tentando resistir e nadar em direção aos chãos. 

— Sejam rápidos — disse Wanda. — Não sei se consigo manter o portal aberto por muito tempo. Há alguma força estranha tentando interferir nele. 

O minotauro apontou a Varinha para o portal, arremessando com sucesso vários dos N’Garai para a outra dimensão. Alguns, porém, se agarravam ao chão com suas garras. Os magos começaram a atacar os demônios remanescentes, permitindo que os Ventos fizessem o seu trabalho. 

— Mais rápido! — gritou a feiticeira, lutando para manter aquele elo entre os dois mundos. 

Clea sobrevoou o pátio, golpeando com suas lâminas os N’Garai que tentavam se manter no chão. Algo, porém, a incomodava. O Mabdhara havia dito que o Limbo agora pertencia a eles. Ela tinha certeza que aquilo estava ligado com Scratch. A “Criança Peregrina”, fosse o que fosse, tinha que ter algo a ver com isso. Olhou para Wanda. Ela não conseguiria manter o portal aberto por muito mais tempo. Faltavam poucos N’Garai, o que significava que o risco para Kamar Taj seria baixo ou até nulo. Clea não pensou duas vezes. Quando Rintrah empurrou alguns últimos demônios que estavam à vista, ela voou por cima de Wong e disse:

— Tome cuidado até eu voltar. 

Em seguida, mergulhou dentro do portal, segundos antes dele se fechar. Ouviu Wanda e Wong gritarem seu nome, mas já era tarde. Junto com ela, a Pedra de Sangue havia sumido.


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