Doutor Estranho: Inferno escrita por De Mysteriis Dom Sath


Capítulo 5
IV - Pela memória


Notas iniciais do capítulo

Voltamos com mais um capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809413/chapter/5

Clea estava de volta a Kamar Taj antes do sol nascer, como prometido. Deixara a residência de Mordo bastante surpresa com as informações que ele lhe dera voluntariamente. Não apenas com isso, na verdade. A postura pacífica e, de certa forma, um tanto derrotista de Mordo lhe fora igualmente surpreendente. Ainda não confiava nele, é claro. Sabia que aquilo era apenas um reflexo das circunstâncias extremas em que se encontravam. No fundo, pensava Clea, Mordo devia estar assustado com a morte de Stephen e a subsequente visita de Nicholas Scratch a seu castelo. Se ele fora capaz de matar Stephen, algo que o próprio Mordo nunca conseguira fazer, o que o impedia de ir atrás do Barão em seguida, especialmente diante da recusa de seu plano? O N’Garai parasita apenas tornara tal ameaça mais concreta. Não fossem Clea e Kaecilius, Mordo teria, sim, sido a vítima seguinte de Scratch.

Entretanto, as informações que Mordo trouxera não eram de todo novas. Na verdade, elas apenas corroboravam com as investigações que Strange vinha conduzindo antes de sua morte. É claro, Clea não conhecia a fundo todos os detalhes do que Stephen estava fazendo, porém o pouco que sabia era suficiente para  adicionar mais peças àquele tabuleiro. Algo perturbava o Doutor Estranho em seus últimos dias de vida. Ele havia sentido um desequilíbrio de forças permeando diferentes dimensões, mas a fonte de tal turbulência não estava clara. Stephen passara noites consultando o Orbe de Agamotto e dias visitando dimensões das mais distintas, sem sucesso em sua busca. Mas, em uma dessas muitas noites, uma visita supresa batera à porta de Sanctum Sanctorum. Uma velha amiga, dos tempos em que ainda trabalhava com os Vingadores. Wanda Maximoff.

Foi Clea quem a recebeu na porta. Stephen estava imerso em suas buscas no Orbe de Agamotto quando Wanda chegou, e nem sequer notou sua presença. Para seu alívio, no entando, ela trazia informações que ajudariam a iluminar suas buscas infrutíferas. A energia que vinha perturbando o tecido da realidade era de um tipo que Wanda conhecia muito melhor do que qualquer outro mago. Era Magia do Caos, a própria fonte dos poderes da Feiticeira Escarlate. Uma das formas mais poderosas de magia negra, criada pelo próprio Chthon no princípio de tudo e intimiamente conectada a um dos mais poderosos — e traiçoeiros — códices das Artes Místicas: o Darkhold.

Por mais que trouxesse luz para algumas das dúvidas de Stephen, o relato de Wanda era por si só repleto de muitas lacunas ainda sem explicação. Ela conseguia sentir que, agora, uma quantidade maior de Magia do Caos estava presente no plano terreno. Sentira esse excedente inundando o tecido da realidade, mas não conseguia determinar ao certo a causa. Mas Wanda tinha a convicção de que alguém, algum mago, devia estar provocando tal inundação de propósito. 

As informações trazidas pela Feiticeira Escarlate deram novo fôlego às buscas de Stephen. Wanda o ajudou a mapear possíveis usuários de Magia do Caos pelo globo, e Clea participou disso ao lado dos dois. O nome de Scratch apareceu pela primeira vez nesse momento. Sua mãe, Agatha Harkness, já fora detentora do Darkhold e o usara mais de uma vez, e, no que tangia a manipulação de fontes subversivas de poder, Scratch era uma versão muito piorada de sua mãe, como todas as suas vítimas em Nova Salem mostravam.

Clea agora se perguntava em que momento da busca Scratch tomara conhecimento de que estava sendo visado. Com alguma antecedência, isso era certo. Ele agira antes mesmo de Strange alcançá-lo, surpreendendo o Mago Supremo. Mesmo assim, a conclusão de que Scratch era o mago que buscavam não foi tão simples de se alcançar. É claro, seu histórico de violência e abuso de seus poderes fazia dele um suspeito provável. Diferentemente do movimento feito por sua mãe, o tempo não parecia sugerir que Scratch estaria se moderando. Muito pelo contrário, como o assassinato de Stephen agora demonstrava. Seu nome se tornou mais forte nas buscas de Strange apenas quando Stephen, buscando descartá-lo de seu quadro de suspeitos, percebeu algo de estranho: o Orbe de Agamotto era incapaz de localizá-lo. Claro, magos e entidades poderosas eram, por vezes, capazes de ocultar seu paradeiro do poderoso radar em posse do Mago Supremo, mas algo era particularmente marcante naquele caso: como Stephen confirmara com Wanda, o que mascarava a localização de Scratch era Magia do Caos. Teria sido essa tentativa de localização que avisara Scratch sobre a busca de Stephen?

Ela refletia sobre isso sentada no coração de Kamar Taj, no quarto que um dia pertencera ao próprio Yao, o Ancião. Estava esperando Wong, o atual morador daquele quarto e, portanto, atual mestre de Kamar Taj, para conversar sobre sua visita a Mordo. Clea sabia que não seria uma conversa fácil. O ódio de Wong por Mordo era profundo, por mais que ele tentasse negar que um sentimento tão obtuso encontrava morada em seu ser. 

O tamanho do quarto era considerável, mas não suntuoso o suficiente para que conflitasse com as pregações de humildade do Ancião. Na verdade, o quarto retangular mais parecia um espaço de meditação, com uma grande tapeçaria típica tibetana posta ao centro. Cada um dos lados do retângulo, exceto aquele da porta, dava lugar a um cômodo menor, sem separação completa da parte central. Era nessas extensões, um pouco mais altas do que o piso principal de pedra lisa, que ficavam alguns poucos móveis, como a cama, as estantes e uma mesa de trabalho. 

— Clea — disse Wong, abrindo a porta de seu quarto. — Que alívio ver você segura.

— Obrigada, Wong. Eu disse que tudo ficaria bem. 

A preocupação de Wong com seu bem-estar chegava a aquecer um pouco seu coração. Fazia apenas dias da morte de Stephen, mas a solidão que Clea vinha sentindo nesse período era estarrecedora. Era reconfortante ver alguém olhando por sua segurança.

— Temos muito o que conversar, imagino — prosseguiu ele.

— Sim. E acho que o teor da conversa pode não te agradar muito.

Ela viu o rosto de Wong se fechar ao ouvir aquilo. Os dois tinham construído uma boa relação nos anos que se passaram desde que Clea se aproximara de Strange, e ela sabia o quão pessoal era o tópico de Mordo para Wong.

— Sente-se, por favor — pediu ele, apontando para a cadeira posta em frente à sua escrivaninha. Ela assim o fez.

— Scratch está tramando algo perigoso com a Magia do Caos que Stephen estava investigando — começou ela, sem querer segurar mais aquilo. — E, por mais difícil que seja dizer isso, creio que Mordo pode nos ajudar a enfrentá-lo.

Wong ficou em silêncio, seu semblante sério e austero inalterado, quase indecifrável.

— Scratch visitou Mordo na noite passada — prosseguiu. — Mordo acredita que ele queria propor uma parceria, mas eu desconfio que as intenções eram outras. Ele compartilhou uma visão, uma promessa. Era um Inferno na Terra, de um tipo que Mordo disse nunca ter visto. Todos os seus alunos foram convencidos por Scratch e o deixaram. Quando cheguei com Kaecilius, Mordo estava sendo consumido por um demônio que Scratch enviou para terminar o trabalho.

— Que sorte de demônio? E o que você quer dizer com “consumido”?

— Um N’Garai, mas… não qualquer N’Garai, como os que habitam o Limbo. Algo levou Mordo a crer que aquele era um N’Garai modificado, talvez pelas mãos de seu próprio criador.

— Chthon.

— Sim, Chthon. E você sabe para onde caminhavam as buscas de Stephen.  — Clea olhou diretamente para Wong. — O N’Garai estava grudado em Mordo como um parasita quando eu cheguei com Kaecilius. De alguma forma, ele estava consumindo os seus poderes. Mordo precisou de energia da Dimensão Negra para recuperá-los e…

— Dimensão Negra? E isso não te afetou?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos.

— Desta vez, não. Não sei ao certo por quê. Mas quando precisei usar meus poderes, eu senti. 

Wong pareceu demonstrar preocupação.

— Mas este não é o ponto, Wong. Depois que Mordo recuperou seus poderes e eliminou o N’Garai, tivemos a chance de conversar. E eu senti verdade no que ele me disse.

— Clea, você sabe que Mordo…

— Sim, eu sei. E não fui disposta a confiar nele, apenas a ouvir o que ele tinha a dizer.

— Suas palavras são como veneno.

— Não sou tola, Wong. E sei me cuidar.

— Eu sei disso, Clea. Mas você está em luto. Está vulnerável.

Aquilo a irritou. Ela se levantou e foi para perto dele, os olhos se acendendo em um brilho flamejante de cor arroxeada.

— Eu não sou vulnerável — enfatizou ela. — E me desculpe se não sinto o luto da mesma forma que você. Eu poderia me trancar em Sanctum Sanctorum como você fez aqui em Kamar Taj, mas não. A morte de Stephen não pode ser em vão. Eu preciso terminar o que ele começou.

— Clea… — Wong, sempre tão introspectivo e até um pouco distante, estendeu a mão para ela, que aceitou. Seus olhos já estavam de volta ao normal, e agora lágrimas ensaiavam brotar pelos cantos. — Stephen era honrado como poucos homens. Sua morte jamais terá sido em vão. 

Ela manteve o contato visual, tentando se acalmar.

— Eu preciso terminar isso por ele, Wong. Seja lá o que custou a sua vida… É algo para o que não estamos preparados. Precisamos descobrir o que Scratch está tramando. Nem que isso signifique lutar ao lado de Mordo. 

Wong ficou em silêncio, desviando um pouco o olhar. Ela soltou sua mão e levou a sua ao ombro do amigo.

— Por onde começamos? — perguntou Wong, sério. Clea sorriu.

— Precisamos convidar uma pessoa especial para a cerimônia de amanhã. Sei que a cremação é um momento especial para vocês, mas… 

Ele balançou a cabeça positivamente.

— Me diga quem.

— Alguém que conhece a Magia do Caos como ninguém. Uma velha amiga de Stephen. A Feiticeira Escarlate.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Doutor Estranho: Inferno" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.