Immortalem - O Pacto com o Inimigo escrita por MiTó Videira Ramalho


Capítulo 3
Capítulo 3




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— Mãe? Pai? Cheguei! – disse ao entrar em casa – Está cá alguém?

Ninguém me respondeu. Estava sozinha em casa, os meus pais já deviam ter saído para trabalhar. 

Não estava com vontade para fazer alguma coisa, muito menos para estudar. Fui à cozinha e preparei uma taça de cereais para comer enquanto via um pouco de televisão. Sentei-me no sofá e liguei a televisão e fui fazendo zapping, acabei por deixar ficar num canal de música, pois nos outros não estava a dar nada de interessante, mas havia um contra, a música fazia-me pensar em coisas que eu não queria e estava-me a deixar triste. Tinha que me distrair, fui até ao meu quarto e vesti um fato de treino e calcei as sapatilhas de corrida e saí de casa.

Vivo numa vivenda germinada que tem um jardim em comum em frente a casa. Do outro lado da rua há uma grande e sombria floresta, no seu interior há um lago enorme lago que eu adoro ir quando tenho que arejar as ideias. Penso que apenas eu conheço a sua existência, pelo menos nunca lá vi ninguém antes e já para não falar que os moradores do bairro já são todos adultos, que têm os seus empregos, então não lhes sobra grande tempo para explorar a zona e, os únicos que ainda não trabalham sou eu e o Edgar que mora na casa ao lado. Ele também nunca foi ao lago, pois tem receio de entrar na floresta sozinho e sempre que vai comigo, eu não o levo lá.

Estava a sair de casa quando o encontrei. O Edgar é simpático, humilde, verdadeiro e tem um enorme sentido de humor, é da idade do meu irmão e desde miúdos que eles são os melhores amigos, andavam sempre juntos, então é como se ele também fosse um irmão mais velho. 

— A viajante já chegou e não me disse nada, devo ficar ofendido com isso? – perguntou na brincadeira.

— Cheguei à noite e hoje já tive aulas. – desculpei-me e dei-lhe um abraço. 

— Então e o senhor "músculos", já decidiu dar o nó? – perguntou referindo-se ao meu irmão.

— Por enquanto nada. Deve estar à espera que tu arranjes um par para levares ao casamento. – disse na brincadeira.

— Cá nada. Por agora vou-me dedicar aos livros. Enquanto não acabar o curso não quero saber de mulheres. – ele estava a tirar medicina, ao contrário do meu irmão que é um cabeça no ar no que dizia respeito aos livros, o Edgar só está bem com a cabeça enterrada neles. – E por falar nisso, tenho que ir. Tenho umas coisas da universidade a resolver. E tu, ias a algum lado?

— Vou correr.

— E para onde vais correr? – perguntou.

— Para onde achas? Para onde sempre vou. Para a floresta. – respondi.

— Para a floresta? Mas é perigoso ires para lá sozinha. Espera que eu chegue e depois vamos os dois. – ofereceu.

— Obrigada, mas deixa lá, eu estou habituada a ir à floresta sozinha, já a conheço tão bem ou melhor que a palma das minhas mãos. Não te preocupes. – tentei tranquilizá-lo – E eu prometo-te que não me afasto muito.

— Como se eu acreditasse nisso. Tu gostas de ir mesmo para o interior. – lá nisso ele tinha razão – Então, já que estás decidida a ir e nada que te diga te faz mudar de ideias, leva a Adrenalina contigo. 

Adrenalina é a cadela dele, é uma Boxer. Desde pequena me lembro dela e sempre a adorei, sempre me dei bem com ele, apesar de ser uma tonta e brincalhona, cheia de energia, sempre me obedeceu e respeitou, era como se fosse também dona dela.

— Não levo nada a Adrenalina. Depois os teus pais chegam e ficam preocupados porque não sabem dela.

— Leva, os meus pais estão a fazer o turno da tarde, para além disso a Adrenalina também está a precisar de correr, está fechada há algum tempo. – explicou – E eu só fico descansado se a levares.

— Ok, convenceste-me, eu levo-a.

— Fixe! Anda vamos buscá-la. – disse ele.

— Deixa estar, eu vou lá. Já deves estar atrasado. Onde está a trela? – perguntei.

— Está ao lado da casota. Realmente já estou atrasado. – disse ele  — Depois logo falamos melhor.

— Sim! Até logo! – despedi-me.

Ele entrou no carro e partiu. Voltei para trás e fui buscar a Adrenalina. Assim que me viu levantou-se logo e veio ter comigo a abanar a calda. Soltei-a da casota e prendi-lhe a trela.

— Oi traquina, como estás tu? Vamos dar um passeio, Adrenalina?

Fui até ao lago a correr, com a Adrenalina ao meu lado. Quando cheguei ao destino que pretendia, sentei-me numa pedra e encostei-me a uma árvore. Soltei-a para que ela pode-se ser livre por alguns momentos.

— Vai lá Adrenalina, vai dar a tua volta, mas não te afastes! – disse-lhe e virou-se e correu livremente.

Fechei os olhos e respirei profundamente. Aquele silêncio e o ar puro eram tranquilizantes, faziam-me relaxar.

Logo no primeiro dia de aulas e já me tinha chateado, este semestre estava a prometer ser complicado.

Decidi não pensar nisso. Afinal estava ali para relaxar e não para pensar em coisas más.

Fechei mais uma vez os olhos e relaxei. A última vez que me tinha sentido tão tranquila tinha sido antes do Natal, na praia com o estranho dos profundos olhos azuis. Nada ou muito pouco eu sabia sobre ele, mas sentia a sua falta, ele pareceu-me sincero, apesar da história confusa que me tinha contado, fez-me sentir bem, mesmo quando estava mal.

Depois de algum tempo a pensar no estranho da praia, senti uma sensação estranha, parecia que estava alguém a observar-me, abri os olhos e olhei em volta.

— Está aí alguém? – perguntei.

O silêncio foi a única resposta que obtive. Olhei para o lago e pareceu-me ver uns olhos verdes a olharem para mim, mas quando olhei melhor já não estavam lá e na superfície do lago que antes estava completamente calmo que parecia um espelho, agora havia uma ligeira ondulação em círculos como se alguém ou algo tivesse mergulhado.

— Devo estar a ficar maluca. – falei alto para mim mesma – deve ser o cansaço. Adrenalina! – chamei.

Ouvi um ladrar nas proximidades.

— Vamos Adrenalina. Está na hora de voltarmos. – chamei novamente.

Senti-a a chegar ao pé de mim. Prendi-a novamente com a trela e regressamos a casa, demoramos mais tempo pois fomos a caminhar, para que pudesse aproveitar aqueles últimos momentos de tranquilidade. Pois assim que voltasse ao mundo real deixava de a ter.

Quando cheguei a casa, notei um carro estranho estacionado em frente ao portão. Não o reconheci, porém quem estava encostado a ele reconheci-o muito bem.

Ouvi o rosnar da Adrenalina ao meu lado, ela também não gostava muita da companhia indesejada.

— Calma Adrenalina, ele não faz mal. – tentei acalmá-la – O que estás aqui a fazer, João?

— Vim falar contigo. – respondeu.

— Belo carro! – disse.

— É novo, foram os meus pais que me ofereceram no Natal, a minha mãe teve um acidente com o outro e não teve concerto. – explicou.

— Ela está bem? – podia não o querer ver mais a minha frente, mas a mãe não tinha culpa do imbecil que era o seu filho e eu até gostava da senhora.

— Sim, está. Só sofreu alguns hematomas e escoriações mas de resto está bem. – respondeu.

— Ainda bem. – disse com sinceridade – Mas não foi para falares do acidente da tua mãe que vieste cá, ou foi?

— Não, não foi! – respondeu – Queria te pedir desculpa pelo que aconteceu hoje.

— Não tens de pedir desculpas por isso. Quem devia pedir era a Elisa e não tu. Ela sim é que se armou numa criancinha parva. – retorqui.

— Sabes como ela é, é muito orgulhosa para pedir desculpas pessoalmente. – afirmou.

— Se foi só por isso que cá vieste, desculpas não aceites. Tenho mais coisas para fazer do que ficar aqui contigo e para além disso a Adrenalina já está a ficar suficientemente nervosa. – e caminhei em direção a casa.

— Espera, não é só isso! – chamou-me – Há mais uma coisa.

— O quê?

— Também te queria pedir desculpas pelo que aconteceu antes do Natal.

— Não sei do que estás a falar. – afirmei.

— Sabes sim. O vídeo meu e da Elisa que viste. – lembrou-me.

— Não, não sei, porque já esqueci tudo que tenha a ver contigo e com a Elisa. De vocês só me quero lembrar que tenho de manter distância. – expliquei.

— Mesmo assim devo um pedido de desculpas. – voltou a dizer.

Entretanto vi o carro do Edgar chegar. Ele estacionou e veio ter comigo.

— Está tudo bem por aqui? – perguntou ao ver as nossas caras.

— Sim, está! – respondi.

— Tens a certeza? – insistiu.

— Não te metas, a conversa é entre mim e a Katie. – disse o João.

— E quem és tu para falares assim comigo?

— Calma! Edgar, faz-me um favor. – meti-me entre eles – Vai prender a Adrenalina que ela já está nervosa o suficiente sem vocês os dois a discutir.

Ele olhou para a Adrenalina para confirmar. Após uns segundos, disse:

— Ficas bem?

Acenei afirmativamente com a cabeça. Quando ele já estava suficientemente longe para não ouvir a conversa voltei-me para o João e disse:

— Sabes, aprendi uma vez que as desculpas não se pedem, evitam-se. Era o que tu podias ter...

— O que é que se passa entre ti e aquele? – perguntou.

— Em primeiro lugar, aquele tem nome. Em segundo, não se passa nada e mesmo que se passasse não tinhas nada a ver com isso. – disse zangada – Com isso e com nada da minha vida.

— Desculpa. – repetiu.

— Não! Tu podias ter evitado isto tudo. – respondi – Podias ter vindo falar comigo primeiro, mas não, preferiste enfiar-te na cama com ela e, para além disso filmaram, é nojento. Cada vez agradeço mais por não termos tido nada mais sério.

— Querias o quê? Namorávamos há mais de um ano e nunca tivemos nada mais sério. Tens 21 anos e ainda és virgem, até devias ter vergonha.

Quando dei conta já lhe tinha dado um estalo. Pronto toda a calma que tinha conseguido em ir até ao lago tinha desaparecido.

— Desaparece daqui! Desaparece da minha frente! Daqui para a frente só me diriges a palavra se for para falarmos só do trabalho, e depois disso nunca mais quero ouvir a tua voz. DESAPARECE!

Virei-lhe costas e fui ter com o Edgar que ainda estava com a Adrenalina.

— Então, ele já foi embora? – perguntou.

Acenei com a cabeça: - E já foi tarde.

— Fico contente de já não estarem mais juntos. Não gostava muito dele. – confessou.

— Nem tu nem a Adrenalina. Não é coisa fofa! – e soltei a Adrenalina para dar uma corrida pelo quintal.

—E então e tu resolveste as coisa na universidade?

— Sim. Não era nada de muito importante. - respondeu. Foi buscar um dos brinquedos da Adrenalina e passamos o resto da tarde a brincar com ela.

 

***

 

Já passava pouco da meia-noite quando a minha mãe chegou a casa, ainda estava acordada na cama a ler um livro.

— Oi querida! – disse a minha mãe ao entrar no meu quarto.

— Oi  mãe! Como correu o turno?

— Já acabou! – respondeu – E o teu dia?

— Sobrevivi! – disse – O pai?

— Foi levar um colega a casa, como foi de mota trabalhar vim directa para casa e não o esperei. Então, mas o que é que aconteceu para teres sobrevivido?

— Um stress na escola. Mas já estão resolvidos, pelo menos espero eu. – disse esta ultima parte para mim mesma.

— Conta lá, o que aconteceu? – insistiu – Teve haver com o João?

— Sim e não! Ouve um professor que nos mandou fazer trabalho de grupo, mas fez ele os grupos. – contei.

— Mas o que é que isso tem de mal? – procurou e sentou-se no fundo da minha cama.

— Nada, se não me tivesse colocado no grupo da Elisa e do João. – e contei-lhe tudo o que se tinha passado, desde a pequena discussão que ocorreu no bar da escola até ao aparecimento do João nessa tarde em casa. Ela ouviu tudo com atenção interrompendo de vez em quando para esclarecer alguma coisa que não explicava tão bem.

Dou-me muito bem com a minha mãe, a senhora Morgana França, ou como os amigos a chamam Morgan, temos uma relação muito aberta, geralmente conto-lhe tudo o que se passa comigo e ela apoia-me em quase tudo. Ela tem 49 anos, é nove anos mais nova que o meu pai, mas de aparência não demonstram essa diferença. Ela é muito divertida, amiga, amorosa, querida, inteligente e muito moderna. De aparência, sou muito parecida com ela, mas de personalidade temos muitas diferenças. Ela é mais calma e tranquila, já eu sou ao contrário, sou muito tempestuosa e tudo o que tenho a dizer, digo logo no momento, nisso sou como o meu pai. Mas apesar das diferenças damo-nos lindamente.

— E como é que estás com tudo isso? – perguntou preocupada comigo após lhe ter contado tudo.

— Por incrível que pareça, estou bem. – respondi com sinceridade – Estou-me pouco importando para aqueles dois, que sejam muito felizes juntos e que me deixem em paz e sossego. Vou seguir com a minha vida para a frente e não vão ser eles que me vão impedir.

— É assim mesmo, filhota! Manda-os à mer... - e calou-se antes de acabar de dizer o que era para dizer.

Caímos as duas na gargalhada com se fosse-mos duas crianças.

— O que se passa aqui?

— Que susto, pai! Não dei conta de entrares. – disse eu com o coração ainda aos saltos enquanto ele cumprimentava a minha mãe.

— É, podia ser um assaltante que ninguém me ouvia. – disse ele na brincadeira.

— Até tens jeito para isso! Já sabes, quando te fartares de fazeres o que fazes podes sempre mudar. – disse eu entrando também na brincadeira.

— Então e o teu turno como correu? – perguntei-lhe.

— Foi calmo. Sem grande trabalho. – respondeu – Olha antes que me esqueça. Falei com o teu irmão à tarde e ele pediu para lhe ligares, tem uma coisa para te dizer.

— O Luke? O que ele quer? – perguntei curiosa.

— Também não sei, ele não me disse, a única coisa que contou quando ligou, foi que tinhas de ser a primeira a saber. Não percebi! – explicou o meu pai.

— Estranho. – olhei para o relógio e vi que já era perto da uma da manhã. Peguei no telemóvel e mandei-lhe uma mensagem:

"Ainda estás acordado? O pai só agora é que me disse que querias falar comigo. Está tudo bem?"

Assim que pousei o telemóvel na cabeceira este começou logo a tocar.

— Luke! Está tudo bem? – perguntei desconfiada ao atender.

"Comigo está tudo às mil maravilhas" notava-se pela sua voz que ele estava muito feliz.

— O pai disse que precisavas de falar comigo, o que se passa? – perguntei.

"Dar-te uma novidade" respondeu "Eu prometi-te que eras a primeira a saber e vais ser!"

— O que se passa? Pediste?

"Sim!" continuou "Já escolhemos até a data."

— O quê? A sério? Para quando? Já decidiram o local? – enchi-o de perguntas.

"Calma manita! Vai ser no final do Verão e em princípio estamos a pensar ser numa praia, mas isso ainda vamos pensar melhor" informou.

— Que bom! Fico mesmo contente! E fui mesmo a primeira a saber? – perguntei.

"Não, os primeiros a saberem, fui eu e a Amanda." respondeu na brincadeira.

— Vai gozar com outra que eu não estou para te aturar. Passa à Amanda, tu só me sabes chatear o juízo.

"A Amanda já está a dormir, não pode falar. Por isso vais mesmo ter de me aturar." informou.

— Haja paciência! – disse a brincar.

"Então e o primeiro dia de aulas, como correu o grande regresso?" perguntou.

— Tinhas mesmo de falar disso? Só quero esquecer este dia e seguir com a vida para a frente. – desabafei.

"Então o que aconteceu?"

— Esquece, não vale a pena falar nisso, só me ia chatear mais, já não vale mesmo a pena. À que seguir em frente e o passado, passado é! – respondi.

"Se tu o dizes, mas já sabes, estou cá longe mas conta comigo para tudo.

— Sim, eu sei mano, obrigada. – agradeci – Olha a mãe está aqui e quer falar contigo, vou-lhe passar o telemóvel.

"Ok! Beijinhos!" despediu-se.

— Beijinhos grandes, para ti e para a Amanda. – e passei o telemóvel à minha mãe.


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