Immortalem - O Pacto com o Inimigo escrita por MiTó Videira Ramalho
Chamo-me Katherine, mas todos me tratam por Katie. Tenho 20 anos e sou uma rapariga normal como todas as outras neste mundo. Tenho o cabelo um pouco abaixo dos ombros, encaracolado e castanho com balayage caramelo (o meu maior arrependimento). Os meus olhos, como todos os da minha família, são castanho-claros raiados de verde e com um círculo quase preto à sua volta.
Nunca soube muito bem que curso tirar. Sabia que queria frequentar a universidade, mas não sabia que curso escolher. Só quando no final do secundário tive de fazer a candidatura, ou por influência ou por um chamado das "forças superiores" é que escolhi enfermagem.
Os meus pais também são enfermeiros, o meu pai, a eterna criança que há dentro dele, fez com que se especializasse em pediatria, já a minha mãe gosta mais daqueles mais graves, é enfermeira especialista em médico-cirúrgica.
Eles adoram o que fazem e penso que foram eles que me influenciaram para seguir a mesma carreira.
Já estou no segundo ano e até agora não me arrependo da escolha que fiz. Mas hoje a vontade de ir para a universidade é muito pouca.
O problema é que o meu ex-namorado João (ou como tenho de me habituar, o defunto) e a bruxa da Elisa também estão a tirar enfermagem e são da minha turma. Por isso a vontade de sair da cama não é nenhuma. Mas a muito custo lá me levantei e preparei-me.
É o primeiro dia de aulas após as férias, e mesmo não tendo vontade, cheguei mais cedo à universidade e tive de ficar à espera da Sofia e da Rose, elas são as minhas melhores amigas.
A Sofia é muito bonita, possui uma beleza exótica, tem cabelos loiros, lisos que acabam em cachos perfeitos, o seu bronze faz qualquer rapariga ter inveja, os seus olhos são azuis-claros. É muito inteligente e passa os seus tempos livres na biblioteca, conheci-a no curso e ficamos logo amigas.
Eu e a Rose (ou melhor Rosalina) já nos conhecemos há anos, andávamos no jardim-de-infância juntas e desde então somos inseparáveis. A Rose é uma das pessoas mais humilde e verdadeira que conheço. Ela é linda, tem cabelo ruivo, parecem fogo, é longo e liso (porque faz alisamento químico frequentemente, porque se não parecia a Mérida), os olhos são esverdeados que faz um contraste incrível com o seu cabelo, é alta como uma modelo e tem um estilo único e elegante.
Estava tão distraída nos meus pensamentos que não me apercebi da Rose chegar ao pé de mim.
— Adivinha quem é? – perguntou com a voz disfarçada e a tapar-me os olhos com as mãos.
— Oi Rose! – disse com um sorriso no rosto.
— Oh! Como sabias que era eu? – perguntou triste.
— Os teus dedos cheios de anéis denunciaram-te. – disse a sorrir – A Sofia? Pensei que viessem juntas.
— Foi buscar café. – respondeu – Então como estás? As férias ajudaram?
Acenei com a cabeça – Sim ajudaram, mas não quero falar disso.
— Do que é que não queres falar? – perguntou a Sofia quando chegou a mesa onde estávamos sentadas.
— Nada. – respondi - Falem-me antes de vocês? As vossas férias como foram? Já estava com saudades vossas.
— Dizemos o mesmo. Foste embora logo no início das férias que nem deu para aproveitarmos. – repreendeu a Sofia.
— Olha quem fala! Quem é que também foi viajar? – perguntei-lhe na brincadeira.
— Sim, sim, já sabemos que só aqui a triste é que tem de passar as férias em casa. – queixou-se a Rose.
— Deixa lá, para a próxima se quiseres vens comigo. – disse para a consular, porém ela já não me estava a ouvir, tinha recebido uma mensagem no telemóvel e estava toda sorridente a olhar para ele enquanto respondia – Terra chama Rose!
— Diz, desculpa, estava distraída.
— Pois estavas, estavas bem longe daqui. Conta, o que é que ele te disse? – perguntou a Sofia.
— Ele? Ele quem? Alguém me pode atualizar? – perguntei a olhar tanto para uma como para a outra.
— A Rose arranjou namorado! – disse a Sofia quando viu que a Rose não ia dizer nada.
— Namorado!? E o Ed... - comecei.
— Ele não é meu namorado. – a Rose olhou-me com os olhos bem abertos e deu-me um pontapé por baixo da mesa de maneira que a Sofia não visse – A Sofia está a exagerar. Vamos para a aula que já estamos atrasadas.
— Não vamos para a aula enquanto não me contares tudo. – protestei.
— Eu conto durante a aula, pode ser? – perguntou.
— Não te livras de me contar. – disse, sabendo que o professor da próxima aula seria impossível falarmos.
— Eu conto-te, não te preocupes. Prometo-te! – tranquilizou-me.
No caminho para a sala de aula, íamos todas divertidas e a rirmo-nos devido a uma das aventuras que a Sofia tinha passado, porque o seu irmão mais novo tinha desaparecido no parque de diversões durante as férias, quando vejo junto à porta da sala o defunto e a bruxa juntos aos beijos. Não tive a reação que estava à espera, pensava que me ia desfazer em pedaços pelo que eles me fizeram, que o meu coração ia ficar bem apertado com tinha sentido antes de viajar, mas depois apercebi-me que não me fazia diferença, eles podiam estar juntos à vontade que não me interferia em nada, eu iria ser muito mais feliz sem eles na minha vida.
— E o que fizeram quando o teu irmão apareceu? – perguntei para que pudéssemos continuar com o assunto, ia mostrar a toda a gente que estava feliz e muito melhor de que quando estava com aquele anormal.
— Demos-lhe um sermão e agora está de castigo. – continuou a Sofia, apercebendo-se da minha intenção de continuar com o assunto – Agora está sem consola, sem computador e sem telemóvel, quem é que o mandou ir para os carrosséis sem nos avisar, é muito bem feito.
O professor ainda não tinha chegado, como sempre estávamos todos na palhaçada, a falar sobre as férias, o que tínhamos feito, onde tínhamos ido, as curiosidades de sempre após as férias. Estava a turma toda distraída que nem nos apercebemos quando ele entrou na sala.
— Estou a ver que vêm todos muito bem-dispostos das férias. – cumprimentou – Vamos ver se continuam assim por muito mais tempo.
Tinha que ser, para começarmos bem as aulas, o pior professor da universidade, Louis Owl, ele não tem respeito nenhum por nós alunos, acha-se superior a todos, está sempre a rebaixar-nos e sempre a prejudicar-nos nas frequências.
— Tenho a dizer-vos que as notas da frequência estão uma desgraça e, que nem mesmo com mais uma frequência vocês conseguiram fazer a cadeira. Mas como eu sou vosso amigo decidi dar-vos outra oportunidade. Vão ter que fazer um trabalho em grupo para apresentar até à próxima frequência, dependendo dos trabalhos eu depois logo decido se estes substituem a primeira frequência ou se têm um peso na nota final.
— E de quantos elementos serão os grupos? – perguntou alguém no fundo da sala.
— Serão de três a quatro elementos. – respondeu o professor – Mas não estejam já todos animados, quem vai fazer os grupos sou eu.
O barulho de fundo aumento acentuadamente, ninguém estava à espera daquela, já não estávamos na escola primária para que os professores fizessem os grupos de trabalho.
— Porquê professor?
— Não é justo.
— Deixe-nos fazer a nós.
— Sim professor, nós já estamos habituados a trabalhar com certas pessoas.
— Sem mais discussões! Se não aceitam as condições que eu proponho não se faz trabalho e, o mais provável é que vão todos a exame. – pôs fim à discussão – Isto é para o vosso bem, por estarem habituados a trabalhar com certas e determinada pessoas é que têm de trabalhar com outras. No vosso futuro também não vão poder escolher as pessoas com quem vão trabalhar.
Não havia volta a dar, quando ele colocava alguma coisa na cabeça, não havia maneira de impedir que não se realizasse.
— Então os grupos de trabalho são... - foi numerando os grupos um a um e, como eu andava numa maré de sorte, o meu grupo foi nada mais, nada menos do que: - Grupo 5: Adrian Martins; Katherine França, João Oliveira e Eliza Cardoso.
— Queres que pergunte ao professor se pudemos trocar de grupo? – sussurrou a Sofia perto de mim, preocupada por eu ter de ficar no grupo dos outros dois.
— Deixa estar, obrigada. Porque haveria de trocar? Tenho que continuar com a minha vida para a frente e não vão ser eles a prejudicar-me. O professor fez de propósito e, não lhe vou dar esse gosto de pedir para trocar. E, para além disso eu até gosto de trabalhar com o Adrian. – respondi-lhe também num sussurro.
— Não pode haver trocas entre elementos de cada grupo. Escolham um porta-voz e no final da próxima aula quero que me entreguem uma folha com o nome e respetivo e-mail, para que possa enviar os temas do trabalho. Agora, continuando com a matéria. - e continuou com a aula, como se nada fosse.
A aula demorou uma eternidade a passar, queria falar com a Rose para que ela me contasse sobre o tal rapaz, mas sabia que nesta aula não podíamos conversar nem muito menos passar papeis com recados sem que o professor desse conta e nos envergonhasse em frente à turma toda. Por isso abri o caderno numa das folhas do final e pôs-me a desenhar. Estava tão distraída que nem sequer dei conta do que estava a fazer.
— O que é isso? – perguntou-me a Sofia, quando a aula terminou.
Só aí é que reparei o que tinha desenhado. Era um olho em que no lugar onde deveria estar a iris estava as ondas do mar. Porque é que eu tinha desenhado aquilo? – É simplesmente um desenho, nada de mais. – disse fechando o caderno de repente.
Quando chegamos ao bar, tinha o meu grupo de trabalho à espera.
— Kate, temos de decidir quem é o porta-voz do nosso grupo. – informou-me o Adrian.
— Já vou ter convosco. – disse à Sofia e à Rose. Virei-me para eles – Ok! Vamos despachar isto que tenho mais que fazer!
— Então como é que vamos fazer isto? – inquiriu o João.
— E que tal por sorteio? – sugeriu o Adrian.
— Por mim tudo bem. Mas não me importe de ficar de fora. – falei.
— O mais justo é escolhermos entre todos. – reforçou o João. Escreveu em quatro papéis os nossos nomes: Adrian, João, Kate e Elisa. E perguntou: - Quem quer tirar?
— Eu! Eu tiro! – disse a Elisa colocando-se à frente do João.
O João misturou os papéis nas suas mãos e deu-lhe para que ela pode-se retirar o eleito. Após retirar o papel passou-o novamente ao João para que ele pudesse abrir e ler: - Kate! – e mostrou o papel que tinha o meu nome escrito.
— Não pode ser! Ela fez batota! – acusou a Elisa.
— Desculpa! Estás-te a passar? Foste tu que tiraste o papel e passaste-o ao João para o ler, como é que a Kate fez batota se nunca pegou no papel? – defendeu-me o Adrian.
— Ela fez qualquer coisa, ela quer sempre tudo que é meu. Eu é que devia ter sido a porta-voz. – excedeu-se a Elisa.
— Elisa, baixa o tom, não é preciso esse escândalo! Eu não quero nada que foi teu, que é teu ou que será teu. E para tua informação tu e que tens ficado com os meus "restos", não sei se já deste conta. Eu estou-me pouco importando para o que tu pensas ou deixas de pensar. Se queres mesmo ser a porta-voz do grupo, tinhas dito logo no início, conforme eu disse que não queria ser e não acusares-me de coisas que eu não fiz, eu nem sequer toquei nos papéis, estás a dizer que agora sou feiticeira e alterei o nome do papel que tiras-te? Cresce que assim não vais longe! Mas fica lá tu a porta-voz é um favor que me fazes. – disse-lhe calmamente sem elevar o tom de voz. Virei-lhe as costas e fui ter com as minhas verdadeiras amigas.
Quando cheguei ao pé delas, inquiriram logo:
— O que foi aquilo?
— Aquilo foi a Elisa a passar-se da cabeça. – respondeu o Adrian que vinha logo atrás de mim – Mas a Kate esteve à altura e colocou-a no lugar dela. Haviam de ter visto a cara da Elisa depois, acho que se tivesse um buraco onde se esconder tinha-se atirado de cabeça para lá.
— Mas tu achas que me importo com isso? Eu estou-me pouco importando para aqueles dois. – afirmei – Eu só quero é que eles desapareçam da minha vida.
— Estiveste muito bem. Conta comigo para o que precisares. – disponibilizou-se – Eu vou ter com o resto da turma para irmos almoçar todos, querem vir?
— Já lá vamos ter! – respondi-lhe.
— Ok, então até já! – despediu-se.
Assim que o Adrian já estava longe e não nos conseguia ouvir, a Sofia perguntou logo.
— O que há entre ti e o Adrian?
— O quê? Entre mim e o Adrian? Nada. – respondi-lhe à gargalhada mais a Rose.
— Porque se estão a rir!? É verdade. Ele defendeu-te perante a Elisa e chamou-te para ires com ele. – disse a Sofia meia chateada.
— Primeiro ele chamou-nos a todas e depois não há nada entre mim e Adrian e nunca vai haver. Já conheço o Adrian e o namorado há anos. Não inventes coisas onde elas não existem. – respondi-lhe após parar de rir, frisando bem a palavra namorado.
— Namorado!?
— Sim Sofia, o Adrian é gay, ele namora com um primo meu. – explicou-lhe a Rose – Apesar de já ter assumido há algum tempo ele mantém-se na dele e, não anda a espalhar aos sete ventos isso. Pensei que soubesses.
— Não, não sabia. Mas agora muita coisa faz sentido. – pegou no telemóvel e leu a mensagem que tinha acabado de receber – Desculpem, tenho de ir ter como meu grupo, também querem já organizar tudo.
— Sem stress, vai lá. Encontramo-nos ao almoço!? – disse a Rose.
— Depois ligo-vos. – combinou a Sofia antes de sair.
— Agora que estamos sozinhas, vais-me contar tudo! – disse virando-me para a Rose - Conta-me lá melhor essa história do rapaz das férias.
— Não há muito para contar. Foi só um rapaz que eu conheci durante as férias. – disse a ficar ruborizada. - Chama-se Alexandre, anda no último ano do curso de desporto.
— Só isso? Estás a brincar comigo, quero mais informações, como é que se conheceram afinal? – perguntei.
— Não foi nada de especial. Sabes o meu primo Luís?
— O pequenito que anda sempre a tirar-te a paciência?
— Sim, esse mesmo. Durante as férias eu fiquei a tomar conta dele, enquanto os meus tios trabalhavam. Basicamente passava o tempo todo em casa, só o tinha que levar aos treinos de futebol. – explicou.
— Foi lá que o conheceste?
— Sim, ele estava a fazer um estágio, era um dos treinadores do Luís. – respondeu – Passamos o tempo todo dos treinos a falar e quando deu conta já tínhamos trocado números e já não era só durante os treinos mas sim por mensagens o tempo todo.
— Então e o Edgar? Já o esqueceste? – Edgar era o meu vizinho, era cerca sete anos mais velho do que nós, ele sempre soube que a Rose tinha uma paixão por ele desde pequena, mas nunca lhe deu esperança.
— Ele vê-me como uma irmã mais nova, não posso estar a espera de que isso mude, quando nunca vai mudar. – respondeu meio nostálgica – Eu não o esqueci e acho que nunca o vou esquecer, mas...
— Quem é que nunca vais esquecer? – perguntou a Sofia ao juntar-se a nós novamente.
— O rapaz que ela conheceu nas férias. – respondi, ninguém sabia da paixão que a Rose sentia pelo Edgar e ela queria que continuasse assim. Quando olhei para a Rose ele gesticulou-me uma obrigada com os lábios de maneira a Sofia não ver.
— Estou ansiosa para o conhecer. – disse a Sofia.
— É! Eu também. – disse – E já sabes, se ele te fizer alguma coisa que te magoe, vai ter de se haver connosco. Não é Sofia?
— É pois! – confirmou.
E rimo-nos as três em conjunto.
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