Os Irmãos Park escrita por André Tornado


Capítulo 14
O tabuleiro do jogo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/809338/chapter/14

Na segunda-feira, Mike, Brad e Rob estavam de regresso à escola e era como se fosse novamente o primeiro dia. Estavam determinados em cumprir com o plano que tinham delineado no sábado, depois de terem saído, humilhados, da casa e da festa do Charles Elliot.

Se tivessem de hipotecar aquele primeiro semestre para terem paz nos semestres seguintes até ao fim do secundário, quatro anos depois, fá-lo-iam de bom grado. O tempo estava sempre a seu favor. Eles tinham a possibilidade de esperar e de esperar infinitamente. A única baliza que os condicionava era a sua própria vontade. No presente caso, eles queriam ficar naquela cidade e desejavam completar os seus estudos no Instituto para o Ensino e Ciências Castle of Glass. Era nesse equilíbrio entre o poder e a submissão que eles, normalmente, existiam.

Mike apertou o ombro do Brad, depois de ter acenado a Rob com a cabeça. Não disseram nada e seguiram para a primeira aula, que era Inglês. Entraram juntos e foram dos primeiros alunos a ocupar as respetivas cadeiras. Brad notou que duas moças comentavam qualquer coisa aos segredinhos depois de terem acompanhado Mike com os olhos. Teriam estado na festa ou o que acontecera com o Johnny já era notícia corrente na escola.

Ignorou os comentários – que podia ter escutado, bastando ter ativado a sua audição apurada. Abriu os livros e os cadernos, dispôs os lápis e as esferográficas, levantou-se quando o professor entrou na sala, sentou-se depois de receber a indicação de que o podia fazer. Escutou a aula toda, do princípio ao fim com toda a sua atenção.

Na segunda aula, iriam separar-se. Estiveram no pátio a aproveitar o intervalo, mas sem dizerem nada uns aos outros. O Elliot apareceu, esbaforido, correndo na direção deles. Mike encarou Brad e ele negou com a cabeça. Não o tinha chamado, nem sequer o tinha visto. Estavam no início da manhã. Tiveram a aula de Inglês e mais nada, estiveram sempre juntos. O que um sabia, sabiam os outros dois.

— Ei, Mike! Estás aí! Como estás? Está tudo bem contigo? – perguntou o Elliot de rajada, quando parou junto dos irmãos.

Rob passou o peso de uma perna para a outra. Brad espetou o queixo e Mike percebeu que fora um pouco rude com toda aquela desconfiança e censura.

— Sim, está tudo bem comigo – Mike pigarreou, porque a sua voz soava seca e rude.

— Já não tens as marcas na cara… ainda bem. Ficaste muito maltratado? Queria pedir-te desculpa, meu. O que aconteceu contigo foi muito chato… Não quero que fiques a pensar que as minhas festas são violentas. Não são, está bem?

O outro estava nervoso. Mike disse-lhe, sério e contraído:

— Tudo bem, Charles Elliot. Acredito que nas tuas festas não acontecem cenas como a do passado sábado.

— Os meus convidados não costumam ser sovados. Trato muito bem os meus amigos. Isso é um facto verdadeiro e comprovado.

— Fico feliz com isso.

— A sério? A sério que está mesmo tudo bem, Mike?

— Sim. Está tudo bem.

Mas falava num tom tão monocórdico, a sua atitude mantinha-se tão rígida e distante, que o Elliot tinha dificuldade em acalmar-se ou crer na sinceridade das suas palavras. A campainha tocou, a chamar os alunos para a próxima aula. O Elliot sobressaltou-se.

Brad deu-lhe uma palmada nas costas.

— Está mesmo tudo bem. Sem ressentimentos. O Mike não ficou zangado.

— Não ficou? – quis o Elliot assegurar-se.

— Pelo menos, não ficou zangado contigo. Com o Johnny é outra história…

— Ah, sim… o Johnny. Ele… o Johnny é especial. Vocês sabem…

— Sabemos, claro. Depois falamos melhor.

— Ele curou-se bastante depressa…

— Estás a falar dos hematomas que o Johnny lhe arranjou na cara? O Mike tem bons genes, tem um bom… sangue. Cura-se bastante depressa.

— Ah…

Mike já se tinha adiantado. Caminhava no seu passo normal, nem mais apressado, nem mais lentamente, mas havia qualquer coisa de desdenhoso naquela sua maneira de andar que deixou o Elliot apreensivo e pôs-se a morder os lábios. Rob observava o momento daquela distância segura onde se colocava sempre. Brad deu um segundo toque no Elliot e os dois começaram também a andar.

— Acalma-te, Charles – pediu Brad. – O Mike não ficou zangado contigo por causa do que aconteceu. Se o convidasses hoje mesmo para uma outra festa, no próximo fim-de-semana, ele iria sem hesitar. Nós iríamos também. Foi uma pena não podermos ter ficado até ao fim, estava a ser bastante divertido. Nem aproveitámos os nossos fatos que arranjámos para a festa e que nos deram tanto trabalho.

— O Mike não me pareceu muito… digamos, acessível. Pedi-lhe desculpa…

— E ele disse que estava tudo bem. O Mike é tímido…

— Está bem, Brad. Vou acreditar em ti.

— Podes acreditar. Conheço o meu irmão.

Espreitou o Elliot que lhe pareceu mais convencido. Depois decidiu que teria de abordar o assunto do Johnny, fazer a sua parte no plano quando o rapaz estivesse mais calmo, quando se sentisse menos culpado. Agora não iria funcionar como era suposto. O Elliot estava demasiado emotivo.

O que precisavam era de menos emoção. Tinham de ser racionais, frios, atentos, concentrados. Tinham de entrar em modo de caçadores. Recuperar os seus instintos primitivos e básicos que faziam deles as criaturas perigosas que foram ensinados a deixar de ser.

Uma grande tristeza apoderou-se de Brad. Seria tudo incrivelmente mais fácil se atacassem, simplesmente, o Johnny num beco escuro, numa noite sem lua. Umas boas dentadas, um susto de o fazer mijar-se todo era engraçado. A seguir cada um iria à sua vida com a certeza de que nunca mais o valentão invadiria o espaço alheio. Mas o Mike era cauteloso, o Mike gostava de fazer as coisas à sua maneira e era deixar o Mike liderar o plano.

— Ouviste o que eu disse?

— O quê? Não… o que estavas a dizer, Charles?

O Mike tinha-se posto à escuta, dissimulado, para saber se o Brad estava a cumprir a sua parte do que tinham combinado e depois sentiu-se mal por estar a duvidar do empenho dele.

«Concordo. Devias parar de ser tão controlador e desconfiado, Mike. Se nós dissemos que vamos ajudar-te, e repara que fomos nós que nos disponibilizámos desde o primeiro dia para entrar nesse barco contigo, é porque vamos mesmo ajudar-te.»

«Sai da minha cabeça, Rob!»

«Eu saio da tua cabeça se parares de escutar o Brad às escondidas.»

«Já deixei de escutar o Brad!»

Mike voltou-se de repente e Rob acenou-lhe, braço ao alto, parecendo que estava a troçar dele. Viram-se só por esse breve momento, pois Rob seguiu para o campo de jogos e ele tinha uma aula de Computação Gráfica.

— Ei, tu foste à festa na casa do Elliot no passado sábado?

Mike estacou a poucos passos de entrar na sala. Um colega interpelava-o.

— Sim… – respondeu, arrastando a palavra na sua língua.

— Estavas… estavas vestido de vampiro, não era? Usavas uma capa como a do Drácula. Muito fixe!

Desta vez, não concordou, nem discordou. Ficou à espera. O rapaz deu-lhe um soco amigável no braço.

— Gostei da tua fantasia. Eu era um dinossauro.

— Ah… Não te vi. Quero dizer, não cheguei a ver nenhum dinossauro na festa.

— Tinha uma t-shirt verde e usava um chapéu felpudo com o focinho do bicho. Era uma fantasia simples. Não me admira que não me tenhas visto… Poucas pessoas conseguiram identificar a minha máscara. Depois soube que houve confusão com o Johnny.

— Então, não viste a confusão armada pelo Johnny – arriscou o Mike interessado.

— Não. Só me contaram depois.

Os dois entraram na sala e sentaram-se à frente do monitor respetivo. Estavam em lugares contíguos, mas Mike admitia que era a primeira vez que via aquele rapaz. Este estendeu-lhe a mão e apresentou-se:

— Hilton, Brian. E tu és o Mike.

— Mike Park.

— É um prazer.

— Não gostas do Johnny? – perguntou o vampiro, casualmente.

— Ninguém gosta do Johnny, a não ser as suas namoradas, que ele muda com a mesma frequência com que muda de peúgas. E aqueles parasitas que se intitulam amigos dele, mas que no fundo não passam de uns falhados que não seriam ninguém sem a cobertura do Johnny. Sabes quem foi o idiota que apanhou do Johnny na festa do Elliot? Contaram-me que levou uns murros e que ficou a dormir.

— Hum… não, não sei. O que me podes contar sobre o Johnny, Brian Hilton?

Brian encolheu os ombros. Pousou a mão no rato, mexeu-o para os lados e o monitor acendeu-se.

— Sei o que toda a gente sabe. Que ele é um idiota convencido.

O professor entrava na sala e eles não puderam continuar com a conversa, no imediato. Mas Mike insistiu, daquela maneira que utilizava para conseguir o que queria, numa distração fingida aqui, uma palavra aparentemente inocente ali, um pedido disfarçado acolá… Tiveram de se concentrar, porque o professor deu matéria nova e depois pediu-lhes dois exercícios que deviam ser entregues antes do fim da aula e que iriam contribuir para a nota. Nos entrementes, Mike fazia o seu jogo e ia obtendo informações que determinou como valiosas.

Era uma guerra e em qualquer guerra vencia o lado que tinha mais informações. Na hora do almoço, quando se reuniu com o Brad e o Rob na cantina, numa mesa dos fundos discreta e afastada das demais, suficientemente separada das outras para que ninguém tivesse a tentação de lhes fazer companhia, Mike trazia um sorriso. Sentou-se com tanta confiança que Brad assobiou e fez sinal ao Rob que, como habitualmente, estava num quase transe.

— Ei… o Mike traz novidades.

— Pois claro que trago! E novidades… excelentes. Encontrei um informador.

— No caso do Johnny?

— Sim. É uma boa estratégia falar com quem está disposto a falar. Pelos vistos não será muito difícil, pois muita gente não suporta o Johnny na escola.

— Um valentão é igual em todo o lado, Mike – lembrou Brad fazendo um ar compungido. – O nosso problema é que nunca tivemos de lidar diretamente com um valentão. Sempre o fizemos indiretamente, para ajudar outras pessoas vítimas desse tipo de rapazes irritantes.

— É verdade.

— Então, quem é o teu amigo novo? Estás a ouvir isto, Rob?

— Hum?... Sim, eu estou sempre a ouvir tudo… – retorquiu e todo o seu corpo oscilava, a cabeça pendia.

— Rob, não adormeças aqui! – pediu Mike inquieto.

— Deixa-o! Ele adormece durante todos os almoços. Depois acorda, vai para as suas aulas de futebol e joga como um craque endiabrado. E dizia que não gostava da área de desporto… por aquilo que faz em campo, a jogar à bola, não parece.

— Se fosse indolente nas aulas de desporto, teríamos de arranjar uma justificação qualquer para a sua saúde fraca, porque de certeza que a secretaria quereria saber a razão da sua inaptidão na área que escolheu.

— Mike! Para de te distrair. Fala-nos sobre o teu amigo novo e fala-nos sobre o que descobriste, de uma vez por todas.

Mike colocou as mãos uma de cada lado do tabuleiro da comida e contou que tinha sido o Brian Hilton, um colega da aula de Computação Gráfica, que lhe fizera o relato. Na prática, o Johnny funcionava daquela maneira desde o início do secundário, cheio de manias e de vícios. Por ter conseguido assumir a posição de rapaz mais importante, ou temido, da escola, todos os seus defeitos tinham ficado mais vincados.

As semanas do Johnny costumavam ser sempre idênticas. Nas aulas, ele trabalhava pouco. Ninguém lhe reconhecia inteligência ou algum brilhantismo numa matéria específica onde pudesse sobressair. Mike pediu ao Brad que descobrisse mais sobre como conseguia ele passar de ano, mas desconfiava que os professores tinham receio de lhe dar más notas por causa da influência do seu pai poderoso. Nos intervalos das aulas, ele aparecia constantemente rodeado pela sua corte. Sim, a palavra era mesmo essa. Uma corte governada por um rei absoluto que adorava refletir-se nos seus súbditos que, por sua vez, refletiam a sua autoridade e poder. Todas as semanas o Johnny exibia uma namorada diferente de um harém que orbitava em seu redor, formado por umas sete ou oito miúdas que eram selecionadas pelos dois grandes amigos do Johnny – o Tommy e o Sean. Esses rapazes eram os guarda-costas do valentão, os seus mais fiéis seguidores e admiradores, que o protegiam e que lhe garantiam a superioridade na escola.

— Então… os nossos alvos serão o Tommy e o Sean.

— Precisamente, Brad. Para chegarmos ao Johnny temos de afastar primeiro esses dois. Eliminá-los… não no sentido literal, obviamente…

— Obviamente, embora me apeteça deixá-los fora de combate e numa cama de hospital depois daquilo que o Johnny te fez no sábado.

— Nada de responder com violência, Brad Park! E o Johnny não me magoou.

— Eu sei, Mike! Nunca faria nada que tu não quisesses. E o Rob não me deixava fazer, se queres ter mais essa garantia. Nós os dois confiamos na vigilância do Rob.

— Quando ele não está a dormir…

— O Rob não dorme, Mike.

— Está bem. Bom… outro dos caminhos que podemos utilizar será através das namoradas. O harém é muito volátil e há aquelas moças que são mais sensíveis do que outras.

— Ou seja, aquelas que não gostam de ser rejeitadas.

— Precisamente! No geral, existe um entendimento entre elas que funciona bem. Competem entre si pela atenção do Johnny e gostam de ser escolhidas para terem ascendente sobre as outras. Acho que o harém deve funcionar… como um verdadeiro harém. São um grupo que só faz sentido se existir rivalidade. Se forem todas amigas perde o propósito. O objetivo máximo deverá ser alcançar o estatuto de favorita, ou qualquer coisa parecida…

— E existe uma favorita?

— Não. O Johnny tem um coração de gelo.

— Um pouco como nós. Então é fácil compreendê-lo, atacá-lo e derrubá-lo.

— Nós podemos não ter coração, Brad – corrigiu Mike incomodado –, mas não acho que tenhamos um coração… de gelo. São dois conceitos diferentes.

— Estava só a meter-me contigo. Então, o Johnny gosta de exibir uma moça diferente… todas as semanas.

— Exatamente. Todas as semanas. Poderá repetir a namorada na semana seguinte, mas no geral são elas que se cansam e deixam o harém, porque não conseguiram manter-se como namoradas. O defeito não é delas, é dele, mas elas não têm a inteligência para verem isso.

— E o harém é renovado.

— É sempre renovado. Hoje são sete miúdas, daqui a um mês podem ser sete miúdas completamente diferentes. Carne para canhão. Elas são usadas e acham que é o contrário.

— Muito bem. Temos informações importantes, então.

— Sim, para começar, são informações extremamente importantes. Os nomes dos amigos mais chegados do Johnny e as suas namoradas descartáveis.

— Gostei desses dois elementos – concordou Brad, coçando a cabeça com um dedo que enfiou na enorme cabeleira. – Os amigos que são firmes, as amigas que são voláteis.

— O nosso plano mantém-se. Tu, Brad, vais descobrir mais sobre as ligações do pai do Johnny ao instituto e tu, Rob… estás a ouvir, Rob?

— Hum-hum – respondeu o feiticeiro com os olhos subitamente vivos e brilhantes. – Claro que estou a ouvir. Eu irei descobrir sobre as rotinas do Johnny nas aulas práticas de desporto, porque nas aulas teóricas ele está dentro da sala, mas é como se não estivesse. De resto, não faz qualquer diferença, já que as suas notas estão asseguradas pelos professores que não querem problemas com o rapaz, nem com o pai do rapaz.

— Vês como o Rob ouve sempre tudo o que dizes, Mike?

— O que descobriste é mesmo muito interessante, Mike – continuou Rob. – Vou ter em atenção esse detalhe das namoradas. Existem claques das equipas e aposto como algumas dessas namoradas do Johnny vêm daí, dessas claques. Tenho notado como as miúdas procuram, antes de apoiar cada equipa, a notoriedade que vem dessa posição. Elas estão sempre muito atentas aos jogadores… novos.

— Já olharam para ti.

— Sim, já olharam para mim, Brad.

— Rob! Enquanto o problema do Johnny não ficar resolvido não podem existir distrações.

— Eu sei, Mike. Também quero que o problema do Johnny fique resolvido de uma vez por todas. Só assim podemos ter algum sossego. Tu estás a ser perseguido pelo problema e nós estamos a ser perseguidos enquanto tu não resolveres o problema.

Mike cruzou os braços e baixou a cabeça, resmungando.

Brad desmanchou o seu prato, cortando a massa e o bife, misturando tudo como se tivesse estado a comer.

— O Rob conhece-te muito bem. O Rob conhece-nos a todos muito bem, Mike. Nunca o subestimes.

— Trarei a chave para derrotarmos o Johnny. Sei que serei eu e aceitei a responsabilidade – declarou Rob.

Mike levantou a cabeça. Sorria-lhes.

— Até ao final desta semana, meus irmãos… Até ao final desta semana o nosso plano de ataque estará encerrado. Os dias de fama e de triunfo do Johnny estão contados.

Os três punhos bateram uns nos outros sobre a mesa e sobre os tabuleiros cujos pratos estavam cheios de comida. O pacto estava selado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Irmãos Park" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.