—  Certeza que a velha não desconfiou de nada? —  ele pergunta assim que ela entra no quarto, olhando pros lados pra ter certeza que ninguém viu o que pareceria o Bakugou entrando de fininho no quarto da Uraraka alguns minutos antes do toque de recolher acabar.

—  Certeza. Ela acha que você tá doente… —  ela pensa um pouco mais — Acho que ela tava preocupada…

—  Tsk, vai nessa! —  ele resmunga — Aquela velha só sabe me encher o saco!

—  Não fala assim, sabia… sabia que tanto ela quanto seu pai se orgulham muito de você? Sua mãe tem caixas e mais caixas de fotos suas de criança!

—  E como é que você sabe de tudo isso, hein, Bochecha? —  ele se aproxima, olhando-a desconfiadamente.

—  Ah, porque… ela me disse, e… me mostrou as fotos. —  ele bufa de raiva e dá as costas — Você… era uma gracinha, Bakugou-kun!

—  Vai se foder! —  ele esbraveja, e algo a diz que ele só deu as costas porque está corando de vergonha, hahaha —  Ficou o fim de semana inteiro brincando de casinha com aquela velha ou fez algo de útil, tipo ver as fotos que eu te mandei?

—  Ah, eu vi sim! E… eu tenho uma ideia sobre isso, pra falar a verdade.

—  Uma ideia? —  ele torce o nariz, como se não acreditasse —  Tsk, não quero nem ouvir.

—  E nem vai, porque eu só vou te contar no fim de semana! —  ela cruza os braços e sorri triunfantemente — Minha ideia é tão boa que você ia querer segui-la hoje mesmo, mas acho que a gente deveria ir com calma nas nossas buscas em dias de semana, então… só sábado que vem, “Cara de Lua”.

—  Tsk, que seja. Duvido ser tão boa assim… agora some daqui porque se te virem, vai ser mais um castigo no meu nome.

—  Ah sim, só mais uma coisa: toma aqui. —  ela estica os braços em direção a ele — Sua mãe que te deu pra passar a semana.

Bakugou olha para ela em desconfiança, depois para o dinheiro, e para ela de novo.

—  Você quer dizer que ela deu pra você, né, Cara de Lua? O filho da velha é você, não eu.

—  Até onde ela sabe, né? Mas eu e você sabemos que não é bem assim, então pega logo! —  ela acentua as palavras com gestos mais insistentes pra ele pegar o dinheiro — É muito, e… eu não acho que seja certo eu usar. Por favor, pega.

Ele revira os olhos e pega o dinheiro como se o dinheiro tivesse acabado de xingá-lo, tamanha a má vontade.

—  Tsk, não vai pensando que eu vou gastar tudo em doce, falou? —  ele olha pro quarto dela — Eu vou gastar com coisas mais úteis, tipo um tênis de corrida decente ou um sutiã esportivo reforçado porque esses seus são uma m-

—  Não é pra gastar comigo! Guarda pra você gastar quando voltar pro seu corpo! —  ela o interrompe, com certeza não querendo entrar nesse assunto com ele.

—  A grana é minha, Cara de Lua, eu faço o que quiser com ela. —  ele sorri debochadamente — Agora vaza do meu quarto, seu tarado, se não eu vou chamar o Quatro-Olhos! —  o tom dele é sério, mas tem algo no jeito que ele fala que soa como se estivesse a provocando.

Ao longo dos dias seguintes, Ochako percebeu que esse comportamento tem se tornando cada vez mais comum. Parece que ele gosta de deixá-la irritada e/ou constrangida do nada, só pra dar um sorrisinho sarcástico em resposta. Por quê? Ela não sabe, talvez ele esteja tentando forçá-la a gritar pra tudo igual ele faz, talvez ele só goste de irritá-la por ser uma das poucas diversões que pode ter nessa situação ou talvez porque… o Bakugou esteja se sentindo menos tenso desde que eles conseguiram uma pista concreta sobre o menino e só precisam achar uma maneira de agir? É, deve ser isso.

Embora ela entenda o sentimento, é difícil partilhar dele. Ochako continua tensa, sempre com a sensação de ser uma intrusa nesse corpo, nesse mundo dele que parece ser uma batalha diária contra a pressão de ser um estudante tão visado em praticamente todos os sentidos. Mas bom, pelo menos não em todos… Bakugou pode ser um dos mais inteligentes e fortes. Mesmo que ele não queira ou finja não notar, é meio que o líder no grupinho dele, e não tem uma pessoa nessa escola que não tenha ouvido o nome Bakugou Katsuki pelo menos uma vez, mas tem uma coisa em que Bakugou Katsuki não se destaca, e mesmo que seja bem pequeno, ainda é um reconfortante alívio para Ochako: Bakugou Katsuki não é popular entre as meninas.

Ou pelo menos não era…

—  Boa tarde, Bakugou-senpai! —  duas kohai acenam e sorriem amistosamente ao passarem por ela durante a troca de turmas que usarão o Ground Beta em aulas práticas. Ochako acena de volta por educação, e as garotas coram, dando risinhos uma pra outra.

—  Hehehe, que isso hein, cara? —  Ochako suprime um gritinho ao levar um tapa na… bunda, é, ela acabou de tomar um tapa na bunda, e o autor da ação, Kirishima, parece zero preocupado com o que acabou de fazer —  As meninas todas querendo fazer o senpai notá-las!

—  Não é… não é nada disso! —  Ochako se contorce quando o ruivo a agarra pelo pescoço, ela nunca esteve tão perto de um menino assim, os braços enormes e o cheiro de gel do cabelo do Kirishima são impossíveis de se ignorar.

—  Ah, não é? Porque minhas fontes me contaram que você é o assunto entre a mulherada esses dias que você tá… hã, menos babaca.

—  Se “suas fontes” forem a M- a Rosinha e a Orelha de USB, então é besteira pura! —  ela resmunga, soando muito mais natural e sentindo-se quase orgulhosa disso.

—  Hehehe, tem mina falando que você é “fofo”. Coitadas… —  o Kirishima ri, e Ochako não consegue não ruborizar — Hahaha, viu? É disso que tão falando!

—  É, é, tá bom… —  ela o empurra, respirando aliviada quando ele a solta. Honestamente, o Kirishima é de longe um dos garotos mais legais, mas em se tratando de provocar o Bakugou, ele é o único que não para mesmo depois de muita reclamação e ameaças —  Você vai ser meu parceiro hoje?

—  Hã, claro. Com quem mais eu iria?

—  Com o Ka- o… Pikachu, ué. —  para surpresa dela, agora é o Kirishima que fica envergonhado.

— Ah, seria bem daora, mas ele geralmente é parceiro da Jirou, né? É o lance deles, eu não vou me meter.

—  Hum, é… a Jirou-chan já ficou meio chateada por causa da Yaomomo-chan, se ela perdesse o Kaminari-kun porque ele tá namorando também, ela… —  Ochako se lembra que ela não é Ochako, logo não pode falar nada dessas coisas — Enfim… eu… te entendo, mas se você quer fazer dupla com ele, vocês precisam conversar, sei lá.

—  Hã… claro. Só me diz uma coisa, Bakugou: desde quando você dá conselho que não seja sobre como quebrar a cara de alguém? E desde quando você sabe sobre esses dramas de namoro? —  Kirishima não parece perplexo, mas sim achando tudo muito divertido pelo jeito que ele sorri — Hum… será que… Uraraka?

Ochako engole em seco. Ele acabou de… será que o Kirishima percebeu? Será que ele sabe que é ela? Bakugou vive dizendo que o ruivo não é lá muito inteligente, mas ela sabe: ele é observador e extremamente empático, ainda mais em relação ao melhor amigo. Ele perceberia se o Bakugou tivesse um fio de cabelo fora do lugar —  quer dizer, o cabelo dele todo é… fora do lugar, mas enfim — então com certeza notaria se o melhor amigo trocasse de corpo com outra colega depois de um estranho acidente.

—  Kirishima-

—  Isso tudo é o efeito Uraraka, é? —  ele ri provocativamente — Desde que vocês começaram a treinar, você tem agido bem diferente… —  esquece, ele não percebeu nada.

—  Nada a ver… —  Ochako murmura, ainda tentando se acalmar.

—  Jura? Porque faz muito sentido, vocês tão sempre juntos esses dias, não seria estranho se um pegasse algumas manias do outro… que treino é esse que vocês fazem, aliás?

Ochako pensa bastante na resposta, deveria ela mentir e dizer que eles tão trabalhando em uma super técnica secreta em conjunto? Porque ela não pode falar que eles tão só aprendendo o básico da individualidade um do outro pra não levantarem suspeitas e darem conta de lutar caso seja necessário para ir atrás do garoto que os transformou… mas aí ela se lembra do Bakugou e como ele vem agindo com ela ultimamente, e percebe que a resposta é bem simples:

—  Você tá com ciúmes, Cabelo de Ouriço? —  ela ergue uma sobrancelha e sorri sarcasticamente.

Kirishima arregala os olhos e parece ficar um pouco sem-graça, coçando a cabeça e evitando encará-la, mas logo depois ele sorri suavemente.

—  Não, só preocupado que você comece a confundir as coisas. A Uraraka é mó gente boa, e deve ter uma paciência de santo pra te aguentar, —  bom, isso… não é mentira… — e é por isso que eu fico preocupado se você não vai achar que ela… tem outras intenções além de ser sua parceira de treino e amiga.

—  Como é que é? —  ela ri em escárnio. Por que o Kirishima tá falando isso?

—  É só que… tem um monte de menina por aí, cara, ela… já gosta de alguém, você sabe disso, né? Todo mundo sabe.

—  Tsk, é lógico que eu sei. —  Ochako fica na defensiva, sabe-se lá porquê —  Por que raios a gente tá falando sobre isso?

—  Porque na boa, você já é difícil, imagina você tendo que superar uma desilusão amorosa. —  ele ri, mas logo fica sério de novo — O que eu tô querendo dizer é que eu não quero que você se magoe, bro.

Ochako quer muito rir, porque como pode o Kirishima ter entendido tudo tão errado? Mesmo se essa troca de corpos nunca tivesse acontecido e por um milagre o Bakugou realmente quisesse treinar com ela, não teria a menor chance de algo desse tipo acontecer! Ela tem certeza que ele pensa nela como a “mina chata que anda com os otários, mas tem uma individualidade que dá pro gasto” e mesmo eles sendo amigos, nunca passaria disso, ainda mais se o menino que ela gosta é ninguém mais ninguém menos que o Deku. O Kirishima conhece o melhor amigo dele o suficiente pra saber disso, caramba!

—  Tsk, eu agradeço o sentimento —  e é verdade, apesar de ela fazer soar como sarcasmo —  mas não preciso de nada disso.

—  Ok, se você diz… —  o Kirishima aparenta dar de ombros —  Enfim… eu vou falar com o Kaminari e a Jirou, mas a gente ainda vai ser dupla hoje, né?

—  Claro, né?

—  Ok! Eu sei que você tava louco pra formar dupla com a Uraraka, mas… não tem jeito, hoje você vai ter que se contentar comigo, amigão. —  ele sacode a cabeça dramaticamente.

Ochako bufa em resposta, mas é só pra reprimir a vontade de rir. O Kirishima é ótimo e, mesmo que ele esteja completamente errado, é muito bonitinho vê-lo tentando proteger os sentimentos do melhor amigo. Se algum dia, o verdadeiro Bakugou sofrer uma desilusão amorosa, ele terá muita sorte em ter o Kirishima por perto pra apoiá-lo, e, se o Bakugou quiser, também pode contar com ela… é pra isso que amigos servem, não?



***

A poeira se levanta por entre ele e a Menina Sapo, que lentamente se ergue e esfrega as mãos pelo uniforme, livrando-se da sujeira. Katsuki olha pro lado, inconformado em como os uniformes dessas meninas são apertados, nenhum ganha do da Cara de Lua, lógico, mas o da Menina Sapo chega bem perto.

—  Hoje você está bem animada, Ochako-chan.

—  Você que tá baixando a guarda por besteira. Vamo de novo, agora você começa.

—  Ok, ribbit. —  a Menina Sapo se ajoelha, posicionando-se de maneira que faça jus à individualidade, parecendo uma rã.

Com saltos por entre as pedras, ela avança em direção a ele, e porra, ela é bem rápida quando vem assim. Não que Katsuki já não soubesse, a real é que ele tem uma noção decente das habilidades de mais ou menos todo mundo das turmas A e B, ele só não sai falando por aí porque não tem necessidade. Estando no lugar da Uraraka, porém, o força a pôr em prática o que ele sabe, porque ela treina com pessoas com quem ele nunca se deu ao trabalho de falar. Ao limpar o suor da testa e entrar em posição de defesa, Katsuki percebe que o que disse pra ela sobre só poder treinar com o Kirishima porque ele é o único que acompanha talvez seja besteira, tem muita gente aqui nessa sala que dá trabalho e que ele teria prazer em quebrar a cara numa luta: o Rabo de Macaco, aquele grandão beiçudo que ele esqueceu o nome, essa Menina Sapo aqui e… porra, o Quatro Olhos. Se Katsuki estivesse no próprio corpo, essa ideia nunca ia passar pela cabeça dele, imagina ter que largar o treino de todo dia pra chegar em qualquer um desses e chamá-los na chincha na frente de todos esses enxeridos? Deixá-los saberem que eles dão pro gasto como adversários a ponto de ele querer ver como se sairiam lutando com ele? Nem fodendo!

Mas, no momento, ele está em um corpo muito diferente, bem mais baixinho e macio, a voz dele agora é muito mais fina e melódica, o sorriso dele não é aquele sádico de sempre, é um sorriso simpático, que faz até aquele esquisitão do Frango das Trevas corar igual a um imbecil. No corpo da Uraraka, Katsuki pode chegar em qualquer um desses idiotas e pedir uma meia horinha de combate corpo a corpo, sorrir, e eles topam sem nem pensar duas vezes, porque “ah, é a Uraraka, ela é tão gentil e dedicada, por que eu diria não?”. Essa é uma das poucas vantagens de estar no corpo dela.

A desvantagem disso, porém, é tão perceptível quanto. O negócio é o seguinte: como a Cara de Lua é boazinha até demais, os caras topam cair no braço com ela sem levar muito a sério, mais pela companhia agradável do que pelo desafio que ela propõe… Uraraka vive sendo subestimada,e mesmo que isso acabe sendo vantagem pra quando ele usa toda a habilidade acumulada que ela tem pra pegar os adversários de surpresa (como foi com o Quatro-Olhos ontem, quando Katsuki chamou o bestão pra um combate e venceu), é uma merda não ser levada a sério como herói —  ou heroína — na porra de um curso de heróis. Caralho, nenhum desses bostas prestou atenção nela lutando? A Cara de Lua pode não ser a mais pica, mas é esperta pra caralho e, se não ficasse de desculpinha, chegaria no nível de alguém como o Kirishima, por exemplo (outro que nem sempre sabe o que tá fazendo, mas sabe se virar quando precisa), vai ver os outros idiotas percebem isso e por isso não a levam tão a sério. Tsk, que babaquice do caralho, a Cara de Lua pode levar essas coisas numa boa, mas ele não leva. Katsuki vai mostrar pra esses imbecis que com ela não se brinca.

Quando a Menina Sapo se lança pra cima dele, Katsuki se abaixa em um movimento rápido, mas mal tem tempo pra sair da posição quando um negócio comprido e molhado, que só pode ser a língua da Menina Sapo, vem em direção a ele em um movimento circular. Ativando a Gravidade Zero, ele se joga pra trás em um pequeno e desajeitado salto mortal e logo se libera da individualidade, caindo de pé. Os movimentos ainda não são tão fluidos, mas ele tá pegando o jeito. Falando em pegar, a língua da Menina Sapo continua vindo, e ele se defende com alguns desvios, aproveitando uma pequena brecha para enrolar o punho direito na língua da Menina Sapo e puxá-la com força em direção a ele. Surpresa, a garota aumenta a força da língua suficientemente pra erguê-lo do chão, e é exatamente o que ele queria, porque uma vez no ar, ele ativa a individualidade em si mesmo novamente e aperta a língua dela com mais força, a Menina Sapo reage tentando jogá-lo pra baixo, e quando ele sente que a altura é o suficiente, libera a individualidade com tudo, atingindo a Menina Sapo bem na barriga com os pés, e vencendo.

—  Eu não esperava que você fosse ativar e desativar a gravidade em si mesma com tanto movimento… —  a Menina Sapo comenta, notando que ele tá sim passando mal.

—  Eu preciso… perder o medo do enjoo e partir mais pra cima. —  ele responde, apertando a barriga e respirando fundo. — Melhor gorfar um monte e cair matando que ficar pensando demais e não passar mal.

—  Se você diz… —  a Menina Sapo dá de ombros —  Só sei que foi divertido, ribbit.

—  Divertido como, se você perdeu?

—  Porque você me pegou de surpresa, é mais emocionante assim, não acha? —  ela apoia o dedo na bochecha e pensa — Eu e você costumamos trabalhar juntas o tempo todo, mas é raro a gente testar nossas habilidades uma contra a outra, ribbit, você com certeza mudou muito seu estilo de ataque, Ochako-chan.

Katsuki dá um sorrisinho. Que merda que a Cara de Lua não tá por perto agora pra ver isso! Ele sabe que de primeira ela ia ficar puta e falar que ele exagerou, bla bla bla a ladainha dela de sempre sobre os amigos dela, mas logo depois ela ia perceber que ele fez uma coisa bem foda e agradecê-lo, usando a cara dele pra dar um sorriso que nem o próprio sabia que era capaz de dar.

—  Foi realmente impressionante, Uraraka-kun. —  o Quatro-Olhos se aproxima, ajustando os óculos.

—  É, eu sei. —  ele responde, tentando não rir da cara desse trouxa que fica surpreso por não ter ouvido um “Ah, imagina, Iida-kun!”

—  Eu já tinha experimentado essa sua nova gama de movimentos no nosso treino ontem, mas vê-los de uma perspectiva exterior me dá uma noção mais abrangente. —  ele comenta, e sorri — É muito animador vê-la tentar expandir suas habilidades.

Tsk, Katsuki não tá acostumado com isso. Quer dizer, ele tá acostumado em ser elogiado e em ter gente babando no quanto ele é foda e tal, mas normalmente, as pessoas que perdem pra ele não vêm comentar o quão legal foi lutar contra ele e como eles ficam felizes por vê-lo fazer coisas incríveis. É estranho como os amigos da Cara de Lua parecem ficar orgulhosos de verdade em perder pra ela. Ele não entende, e nem tem tempo pra isso, porque seguido do Quatro-Olhos, vem um outro babaca metido a besta, olhando-o com a mesma cara de peixe morto de sempre: Todoroki maldito.

—  Seus movimentos foram um pouco parecidos com os do Bakugou, não? —  o Meio a Meio pergunta no seu tom inexpressivo, fazendo Katsuki ficar tenso, o que esse merda tá querendo dizer?

—  Ah sim, eles têm treinado juntos, é natural que estejam assimilando as habilidades um do outro e as aplicando. —  o Quatro-Olhos responde e, pela primeira vez, Katsuki não quer quebrar a cara dele por ser enxerido. Porque querendo ou não, essa é uma resposta muito mais apropriada do que a que ele tinha pra esse imbecil do Todoroki, que no caso era “Vai cuidar da sua vida, Meio a Meio imbecil da porra!”

—  Você tá treinando com o Bakugou? Eu não sabia. —  claro que não sabia, esse idiota parece que vive com a cabeça num mundo separado, sempre com essa cara de bobo pra tudo —  Meus sentimentos.

—  Como é que é? —  ele pergunta, erguendo uma sobrancelha.

—  Não há dúvidas de que ele tem poder e força extraordinários, mas eu não consigo imaginar o Bakugou como um parceiro apropriado para treino conjunto, pessoas… temperamentais como ele não estão abertas a críticas e tendem a ser autoritárias. Não entendo como você o suporta, Uraraka, mas não deixo de admirá-la.

Katsuki fecha o punho em irritação, louco pra descer o cacete nesse metido do caralho. Esse moleque é maluco de falar assim dele na frente dele? —  quer dizer, não que ele seja ele mesmo agora… ah foda-se isso — Quem ele pensa que é pra chegar na Cara de Lua e falar quem é e quem não é apropriado pra ela treinar? Imbecil!

—  Eu treino com quem eu quiser. —  ele murmura entre os dentes, dando tudo o que tem pra se controlar e não virar um tapa na cara desse idiota que o fará subir até o sol.

—  A-Ah, realmente, o treino com o Bakugou-kun tem se mostrado efetivo, ontem a Uraraka-kun me desafiou em um duelo e me venceu de maneira surpreendente, você devia ter visto, Todoroki-kun! —  o Quatro-Olhos se intromete, claramente percebendo que o tempo fechou.

—  Tsk, eu teria vencido mais rápido, mas meu cabelo ficou na minha linha de visão, essa… coisa que não dá pra prender direito! —  ele resmunga, pegando uma das mechas que ficam balançando contra essas bochechas. Maldito cabelo!

—  Acho que tem um jeito de prender um pouco, ribbit, posso tentar? —  a Menina Sapo pergunta, erguendo as mãos próximo à cara dela.

Katsuki só acena com a cabeça, a cara dessa menina o deixa desconfortável, então ele só concorda pra ela parar de ficar encarando-o assim. Ela o guia até uma das pedras pra que eles possam se sentar, e ele não tem ideia do que ela tá fazendo, mas as duas mechas mais compridas do cabelo dela quase somem da linha de visão, ficando só alguns fios soltos, brilhantes num tom que parece caramelo queimado com os raios do sol batendo contra eles desse jeito.

—  Seu cabelo é mais grosso, né, Ochako-chan? Fica difícil de trançar. —  a Menina Sapo comenta — Pronto, não ficou 100%, mas acho que já te ajuda um pouco, ribbit. Peraí que eu vou ver se a Yaomomo não tá muito ocupada e pedir pra ela fazer um espelhinho pra gente.

A Menina Sapo sai pulando pro outro lado, e Katsuki se levanta pra se alongar um pouco. As lutas com ela tão acabando rápido, eles têm pelo menos mais uns 45 minutos de aula, Katsuki precisa testar mais algumas coisas com a Gravidade Zero, não dá pra ficar enrolando por causa da porra de um espelho.

—  O Iida disse que eu fui rude agora há pouco. —  o Meio a Meio se aproxima e comenta — Não foi minha intenção ofendê-la, eu só quis apontar que você e o Bakugou treinando juntos é esquisito.

—  Todoroki-kun, não é assim que se pede desculpas…—  o Quatro-Olhos suspira e o encara, inclinando a cabeça levemente —  Ah, a Asui-kun fez um bom trabalho, ficou muito bom.

—  Tá, que seja. Vocês dois são uma dupla? Por que não tão lutando?

— Ah sim, nós já vamos continuar, só viemos ver vocês duas porque… como representante de classe, creio que é meu dever acompanhar o andamento e evolução de todos meus colegas e oferecer orientações pertinentes, caso necessário.

—  Ah, é por isso? Achei que você só tava curioso para ver a Uraraka depois de ela ter te vencido ontem. —  o Meio a Meio diz monotonamente, fazendo o Quatro-Olhos engasgar de vergonha. Tsk, que dois imbecis, como a Uraraka aguenta esse povo?

—  B-bom, isso também, mas eu… hã, apenas porque eu e o Midoriya estávamos conversando e percebemos certas diferenças na sua postura em batalha, e eu precisava ver novamente para me assegurar de que-

—  Se você quer tanto me ver lutar, vamo nessa, Q- Iida-kun. —  ele sorri sadicamente, fazendo o Quatro-Olhos ficar com a cara da cor da metade esquerda do cabelo do Meio a Meio. Ha. —  Eu ganhei uma, posso ganhar duas numa boa.

A tensão no ar é quebrada pela Menina Sapo, que aparece e para entre ele e os dois idiotas, praticamente empurrando o espelho na cara dele.

—  A Yaomomo-chan fez um pra mim rapidinho, ribbit. O que você acha?

O que ele acha? Que essa cara redonda dela fica ainda mais óbvia sem aquelas duas mechas, mas… não tá uma merda. Aliás, muito pelo contrário, ele tá vendo as bochechas grandes e sempre coradas muito mais à mostra, fazendo-a parecer quase… infantil, parece aquelas esculturas de anjos em igrejas ocidentais… é bizarro que um rostinho delicado desses esconda uma individualidade tão foda e muito mais força do que aparenta. Katsuki tem olhado bem pouco no espelho desde que trocou de corpo, dar de cara com ela só o lembra do quão errado aquela missão deu, mas olhando agora, é como se ele visse o rosto da Uraraka pela primeira vez, e… talvez ele devesse parar de evitar espelhos, porque o reflexo é… algo muito difícil de se desviar os olhos.

—  Dá pro gasto. Vamo voltar a treinar… Tsuyu.

—  Ah, então não haverá uma revanche agora?  — Todoroki pergunta no mesmo tom morto, mas Katsuki consegue sentir a provocação.

—  Bom, a não ser que você se importe de trocar as duplas, eu não faço questão, Todoroki-kun. —  o Quatro-Olhos responde gentilmente.

—  Nem eu, ribbit. —  a Menina Sapo concorda.

—  Ah sim, vamos trocar! Mas a revanche fica pra outro dia, Iida-kun. —  ele diz, forçando um daqueles sorrisinhos que ela costuma dar.

—  Perdão?

—  Você quer ser minha dupla, Todoroki-kun? —  o Quatro-Olhos e a Menina Sapo pulam de surpresa.

—  Tem certeza? —  o Meio a Meio se abaixa um pouco para encará-lo mais diretamente. Que porra! Por que ela tem que ser tão baixinha?

—  Eu não tô com cara de quem tá brincando, e você também não. — Katsuki se lembra da expressão que a Carinha de Lua fez quando eles lutaram o Festival ano passado e se esforça pra imitar, sabendo que é o mais decidido e ameaçador que ele já a viu —   É melhor você vir com tudo.

O Meio a Meio parece um pouco surpreso, mas é difícil dizer. Ele apenas assente com a cabeça e abre espaço para Katsuki passar, como a merda de um cavalheiro, esse maldito!

Porque tem várias pessoas de quem Katsuki sente prazer em quebrar a cara, e esse imbecil tá entalado na garganta dele desde o Festival Esportivo do ano passado. Vai ser ótimo vê-lo achando que vai ganhar fácil da Cara de Lua e se foder bonito.