Sentir o aroma suave de shampoo e sabonete era certamente uma fonte de alívio para a comandante Spock depois de mais uma missão com um aspecto estranho. Dessa vez, ela, Jim e McCoy tinham se aventurado numa pequena vila de aldeões no planeta que estavam orbitando no momento, conferindo se necessitavam de alguma ajuda. O lugar era apenas classificado pela Federação e não parte dela. Foi justamente no final da visita, quando tudo que precisavam fazer estava feito, em que passaram pela floresta do local, dando de cara com alguns animais nativos. Não tinham um formato muito definido, apenas retângulos com grandes olhos amarelos que tinham uma forma peculiar de se defender.

—São malditos gambás do espaço! – McCoy tinha gritado irado, ao sentir o mal cheiro extremamente forte vindo dos animais, que atingiu ele e os companheiros de missão.

Se livrar do mal cheiro tinha dado um bom trabalho ao trio, até que Spock acabou de fazer isso finalmente, desfrutando de um tempo de descanso depois de um bom banho.

Fora das roupas da Frota e dentro dos longos robes vulcanos, Spock parecia um tanto diferente. Ela mesma chegou a essa conclusão ao ver seu reflexo de relance no espelho e se deixar um tempo ali. O cabelo estava um pouco mais comprido e quanto mais crescia, mais liso ficava, o que era curioso, talvez fosse uma característica dos vulcanos a qual ela nunca tinha visto antes. Talvez acontecesse só com ela mesma, justamente por ser metade humana e metade vulcana.

Os robes longos e claros a deixavam mais alta, quase como uma figura sobrenatural, ainda mais ficando parada ali. Deixando essas observações para trás, ela apenas se sentou em sua área comum do aposento, encontrando a velha harpa vulcana, algo que a fazia se lembrar de seu lar.

Ela tomou o instrumento em suas mãos e começou a dedilhar as cordas, uma suave melodia começou a surgir. Tão reconfortante que Spock chegou até a fechar os olhos de contentamento.

Aquele momento pacífico acabou sendo interrompido com um alerta da porta, de um primeiro e único Jim Kirk. Spock deixou a harpa, surpresa, porém não irritada, contente por ver o namorado ali, tão limpo e cheiroso quanto ela, também com trajes não oficiais.

Ver Spock com outras roupas além do uniforme causou um certo espanto em Jim, seus olhos se sobressaltaram de encanto e sua boca se contorceu num sorriso, de um tipo diferente. Não era o típico sorriso de lado, charmoso, mas de admiração, até mesmo tolo, mas certamente apaixonado.

—Olá, Jim – Spock disse quietamente - não esperava uma visita sua.

—Eu espero não estar atrapalhando, sei que não combinamos nada, mas queria te ver, ver como... bem, se recuperou do nosso pequeno incidente – ele se recompôs e respondeu.

—Levou um tempo, porém estou limpa novamente – ela disse, prática, estendendo os braços de forma automática.

—Limpa e linda, devo acrescentar – James elogiou abertamente, chegando até a dar mais alguns passos para dentro do aposento.

Spock entendeu que ele gostaria de entrar, então apenas deu espaço para que ele fizesse isso, mas enquanto andava ao lado de Jim, ele chegou a notar as orelhas dela ficarem num tom de verde mais forte. Coraram por um motivo que ela estava sentindo.

—Eu estou te atrapalhando? – Jim disse em voz alta sua preocupação.

—Por que diz isso? – Spock rebateu, tentando mais buscar uma resposta para isso do que despistá-lo do que ela estava sentindo.

—Meu elogio a deixou desconfortável, isso tá muito claro – ele foi sincero, mas sem deixar de delicado.

—Isso – Spock citou e assentiu, concordando – creio que devo elaborar uma resposta mais clara, sente-se comigo, Jim, por favor.

Ele deu um sorriso compreensivo e fez como ela pediu, se sentando onde Spock estava há minutos atrás.

—Qual o problema? – ele perguntou, enquanto se aproximava dela, tentando desfazer a distância entre os dois, mas Spock se afastou mais um pouco, deixando o rosto abaixado, num gesto muito atípico dela.

—Pouco antes de você chegar estava pensando na minha aparência, como há características humanas em mim, mas também vulcanas, como os robes que estou usando, eu me sinto constantemente dividida entre os dois mundos, por isso, você achar que eu estou bela dessa maneira que estou agora, me deixa um tanto... surpresa, confusa, não sou claramente nem um nem o outro – ela explicou pacientemente, conseguindo olhá-lo nos olhos ao terminar.

—Eu entendo que se sinta dividida – Jim respondeu com a mesma paciência - no entanto, como eu já disse antes, esses dois mundos fazem de você quem você é, e quem você é, com a cultura que tiver, é a mulher que eu amo, e hoje você está linda por escolher trajes do povo que te criou, é apenas diferente, mas um diferente bom poder ver você assim, embora o uniforme da Frota lhe caia muito bem.

—Obrigada – ela entendeu a sinceridade das palavras dele, e só então, se permitiu se aproximar mais um pouco.

Spock escolheu apenas pegar a harpa de volta a seguir, o que Jim observou com curiosidade e em silêncio.

—Se quiser posso deixá-la a sós – ele compreendeu que talvez a namorada quisesse um tempo sozinha.

—Não, fique, ashayam, sua presença é agradável – ela pediu docemente.

Não havia como Jim negar o pedido.

—Do que você me chamou? – ele ficou surpreso ao ouvir, deduzindo que fosse algo em Vulcano, se referindo a uma coisa boa.

—Ashayam, significa amado – ela disse no mesmo tom, acrescentando um pequeno sorriso no final.

—Você é meu amor também – Jim sorriu lisonjeado.

Deixou que ela tocasse, prestando atenção nas notas, até que uma ideia passasse por sua mente. Pegou o PADD dela emprestado e começou a ler, uma antiga história da Terra. Aproveitaram o momento juntos, apenas em silêncio, agradecidos pela companhia um do outro.

Chegando a quase metade do livro, James parou de ouvir as notas. Olhou para Spock e ela estava reclinada sobre a harpa, acabando pegando no sono de repente. Ele riu baixinho da situação, mas com compaixão. Ajeitou-a em seus braços e a colocou sobre sua cama, chegando a cobri-la com o cobertor com todo zelo e carinho. Ela era angelical, certamente, independente das sobrancelhas pontudas ou do ar sério, dormindo, também era perfeita. Seu rosto estava certamente mais pacífico. Jim podia achar que era apenas pelo efeito da música, mas queria acreditar que era mais a presença dele ali que a deixava nesse estado. A sensação de paz por estar com ela era recíproca.

Tanto que era muito tentador se deitar ao lado dela, mas James a conhecia bem, se fizesse isso, Spock certamente surtaria. Contato físico não era algo fácil para os vulcanos e ele estava respeitando o tempo dela.

—Boa noite, ashayam - Jim se contentou em se despedir dela com um beijo no rosto.

Sentindo os lábios de James claramente em seu rosto, Spock acabou se despertando. Piscando suavemente, tentando colocar os pensamentos em ordem outra vez, ela apenas se sentou na cama, dando de cara justamente com o capitão a observando de forma doce e adorável.

—O que aconteceu? - ela questionou, tendo uma vaga lembrança de estar tocando harpa antes que adormecesse.

—Você pegou no sono enquanto tocava, eu apenas te coloquei na cama para te deixar mais confortável - ele explicou prontamente.

—Ah sim, obrigada - ela estreitou os olhos, compreendendo, e só então voltou a olhar para ele - foi muito gentil...

—Qualquer coisa por você... - Jim se aproximou, com a mesma doçura na voz, agora depositando um beijo na testa dela, o que a fez estremecer sob seu toque.

Era mais uma sensação diferente pela qual ela passava ao ter um relacionamento com ele, mas ainda assim, chegava à conclusão de que era uma sensação boa, agradável, especial.

—Boa noite - ela disse em resposta, querendo um tempo para refletir em como James podia ser ilógico, mas ao mesmo tempo, o melhor dos homens com quem ela podia estar namorando.

—Te vejo amanhã - ele deu uma piscadela e então se foi.

O gesto provou o último pensamento de Spock.