Destinos Improváveis escrita por Nara


Capítulo 3
Futuro - A carta




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09/08/1992

—Epsonnnnn desça imediatamente - era uma ordem, a Sra. Manchester chamou num tom agudo que irradiou pelos seus tímpanos, e ela sabia que era melhor se apressar, Mancha, o apelido que aquela mulher asquerosa tinha recebido das meninas não costumava ser nada paciente, Shara conhecia muito pouco sobre o passado dela, mas o pouco era mais que suficiente para determinar que Mancha era uma mulher amarga e dura e estava sempre disposta a denunciar qualquer uma das garotas por razões tolas para Noah, e isso sim seria um pesadelo completo, melhor não provoca-la e verificar logo de uma vez o motivo do seu sobrenome ser dito em alto e bom som naquela casa bem no meio da manhã, Shara correu escada abaixo, se recompondo ao chegar na presença dela.

—A senhora me chamou?

—Veja só - ela disse ajustando seus óculos desengonçados - quem diria em todos esses anos, algo inédito aconteceu - ela começou, o que fez Shara repensar todas as suas atividades dos últimos dias, será que ela não havia esfregado suficiente os pisos?

—Senhora? - ela perguntou confusa, não se recordando de nada que pudesse ter causado problemas, depois da última surra Shara andava mais comportada, e ela estava crescendo também e entendendo a lógica de que recuar era as vezes a melhor opção, Cati tinha razão. Cati, Catarina era a única pessoa no mundo que Shara confiava, ela estava lá para ela desde o dia que Shara chegou ao lar, ela era mais velha e nunca teve uma infância, parte dela passou cuidando das meninas mais novas que ia chegando, Cati era um anjo naquele lugar

—Uma carta… sim você criatura recebeu uma carta - ela disse mostrando o envelope que carregava nas mãos, ela notou que tinha um brasão em vermelho e estava lacrado, era bonito, ela nunca tinha recebido uma carta antes, era de fato curioso e Shara olhou para o envelope sem saber se deveria pegá-lo.

—Então eu me pergunto quem perderia seu precioso tempo e mandaria uma carta para você? - ela disse e obviamente que isso não a surpreendeu, todas as meninas eram tratadas como fardo naquele lugar, mas ela por uma razão especial era muito mais, ela era de fato esquisita coisa que Noah fazia questão de repetir, vez por vez, e entre tudo que ele dizia, essa era uma das muitas coisas que ele tinha razão, Shara fazia coisas que não tinham explicação e que nenhuma outra criança conseguia fazer, acontecia principalmente quando ela se sentia ameaçada de alguma forma por algo ou alguém, e o pior é que ela não podia controlar e Shara se sentia mal por ser assim tão anormal, as coisas já eram difíceis e assim ninguém iria facilitar as coisas para ela, ela merecia tal tratamento, então ter aquela carta, custaria um preço, é claro e honestamente ela não sabia se estava disposto a pagar - Me diga sua garota imunda, você merece essa carta?

—Não senhora - ela disse baixando a cabeça, era a resposta certa ela tinha aprendido.

—Muito esperta - ela sorriu - amanhã às 6hrs da manhã esteja na minha sala, tenho algumas atividades especiais para você e dependendo de como você se sair, eu pensarei a respeito – ela disse enquanto balançava a carta no ar.

Shara ouviu um pio lá fora, e se aproximou da janela para espiar, ela nem tinha percebido que havia deixado a Sra Manchester sem resposta, haviam algumas corujas no quintal, aquilo era estranho, ela nunca tinha visto corujas juntas assim, principalmente nessa época do ano e naquela região.

—Estenda a mão - ela ouviu Mancha dizer e Shara sabia o que isso significava, ela se encolheu de pavor mas fez conforme solicitado, e recebeu uma palmada forte com uma régua de madeira pesada que ela carregava pra cima e pra baixo ameaçando as crianças da casa, a palma da sua mão ficou vermelha imediatamente e Shara segurou as lágrimas, aquilo doía, mas antes ser repreendida por ela do que por Noah - isso é por não me responder de forma adequada, minha sala amanhã cedo não se esqueça - e ela saiu deixando Shara sozinha.

As 6hrs da manhã seguinte Shara estava batendo na porta do inferno, era assim que Shara se sentia, e para sua infeliz surpresa quem abriu a porta foi o Noah, ela tinha pego leve com inferno, nem o inferno poderia ser tão ruim, Shara queria correr, mas ela sabia que aquilo pioraria ainda mais as coisas, e ela não entendeu por que ele estava ali ao invés dela, onde estava Mancha? Ela optou em não perguntar.

—Entre - ele disse e ela fez sem muita opção - Mudança de planos, recebi as cartas, digo a carta ontem e decidimos eu e Morgan - Morgan era o primeiro nome da Sra. Manchester e apenas Noah a chamava assim - que deixaríamos você ler essa carta amaldiçoada, se isso fizer com que aquelas malditas corujas vão embora daqui.

Então ele também tinha notado as corujas e o que exatamente uma coisa tinha haver com a outra, mas ela não teria coragem para perguntar e ele disse cartas no plural? Ele estendeu a mão entregando o envelope, e Shara estava se perguntando se aquilo era algum tipo de pegadinha, ela pegou, estava destinada a ela, e o remetente era uma escola, ela abriu a carta se certificando que havia mesmo lido o nome da escola corretamente, escola de magia e bruxaria de Hogwarts, sim isso era uma piada, ela não terminou a leitura, ela dobrou a carta e guardou dentro do bolso do seu casaco, ela estava esperando ele começar a rir a qualquer momento, mas ele não fez.

—Você deve estar se achando muito especial não é mesmo? - ele disse com desgosto, se aproximando dela e tirando uma mecha de cabelo que estava na frente do seu olho, Shara odiava ser tocada por ele e ela congelou.

—Desculpe senhor - Noah a olhou com repulsa.

—Saia – então era só isso, e as coisas que ela tinha que fazer? As tais das atividades especiais.

—A Sra Manchester… - ele a interrompeu

—Eu disse saia, AGORA, sua criatura repugnante - ele gritou e ela saiu correndo, melhor assim.

Shara tinha lido e relido aquela carta incontável vezes naquele dia, era uma piada, ela estava convencida, afinal que escola normal ensinaria aquelas matérias, a mais estranha de todas era defesa contra a arte das trevas, não que as outras matérias também não fossem suficientemente exóticas, mas aquela superava qualquer uma, artes das trevas, como assim? Alguém tinha sido muito criativo com aquela brincadeira, e sem falar na lista de materiais didáticos, onde se compra caldeirão de bronze fundido? Ela nem sabia o que significava fundido, será que alguém da Loja de utensílios de cozinha poderia ajudar? E o pior Penas? Quem usa penas pra escrever, era quase como voltar no tempo, pergaminhos? Tinteiro?... Onde foi parar o velho papel, caneta e lápis?... O pior é que Noah estava agindo estranho desde então, quase que embarcando naquela loucura, ela não sabia o que fazer, mas sabia que dependeria dela descobrir qual o significado de tudo aquilo.

No dia seguinte Shara saiu mais cedo da escola, ninguém nunca se importava com sua ausência, Shara até achou que as coisas ficariam mais rígidas depois do fatídico episódio no banheiro, mas honestamente, além da assistente social, que apareceu mais algumas vezes fazendo perguntas, ninguém mais se importava com crianças como ela, então ela saiu antes da última aula, e por desencargo resolveu parar em uma livraria que ficava em um shopping próximo, ela queria se certificar sobre a lista de livros, poções nível um tinha lhe causado interesse, Shara era boa em química na escola regular e achou que aquele título de toda a lista seria o que menos chamaria a atenção, de antemão Shara notou que a atendente não tinha se familiarizado com o título e por mais que ela fosse simpática e estivesse disposta, consultando com paciência no sistema que integrava várias livrarias, o que levou um certo tempo, ela não encontrou nada, nem similar e o nome do autor era completamente desconhecido, Shara suspirou, por pura insistência Shara resolveu consultar um guia com o nome de todas as escolas da Inglaterra e a prova de que tudo isso não passava de uma história criativamente elaborada era de que não havia nenhuma escola com aquele nome, era uma brincadeira de muito mal gosto.

Shara estava voltando para o lar quando ela notou aquela ave que voava acima da sua cabeça, ela a estava acompanhando desde quando ela havia descido na estação de metrô, era quase engraçado, mas ela estava achando que aquele pássaro a estava seguindo, Shara estava mesmo ficando maluca com essa história toda, e ela sorriu sozinha e com esse pensamento que ela notou que o pássaro estava chegando cada vez mais perto o que fez ela diminuir os passos, havia algo no bico dele, havia um envelope … outra carta? Ela arqueou as sobrancelhas, o pássaro era bonito, ele era grande, tinha os pelos negros nas costas e brancos na parte do dorso, olhos negros e profundos que a encaravam, Shara se aproximou e ele não recuou, um pássaro trazendo uma carta, nada mais estava acontecendo normalmente na sua vida, ela olhou para todos os lados para verificar se mais alguém estava vendo aquilo, mas não era só ela e a ave.

—Olá passarinho - ela disse baixinho - eu presumo que posso me aproximar para pegar o envelope correto? - ela fez menção em se aproximar, afinal ser atacado por um pássaro daquele porte não era algo que ela desejava - e sim eu devo estar mesmo louca por estar falando com um pássaro que carrega uma carta no seu bico bem no meio da rua, um dia depois de receber a carta mais estranha que alguém poderia receber na vida - ela disse alto, embora mais para si mesma, porém Shara tenha ficado com a sensação que aquela ave havia entendido cada palavra do que ela havia dito, sem perder mais tempo ela pegou com cuidado o envelope e notou um certo peso, abrindo cuidadosamente o envelope que parecia antigo, havia um colar dentro, uma corrente prateada com um lindo pingente com uma pedra verde esmeralda, era discreto, mas era muito bonito, a pedra brilhava na luz do sol, e havia também um pequeno bilhete com um texto em excelente caligrafia, ela leu.

"Shara minha princesinha, enquanto você dorme tranquilamente em seu berço, prestes a completar 2 anos nos próximos dias, sinto meu coração queimando de dor ao escrever cada palavra nesse pedaço de papel, infelizmente as coisas saíram do controle e terei que partir cedo demais, querida não se assuste, tudo que eu fiz foi pensando unicamente em você, o pássaro é inofensivo e essa foi a única maneira que encontrei de me comunicar com você no futuro, inacreditável pensar que quando estiver lendo essa mensagem, estará com quase 11 anos de idade, minha menina, você deve ter muitas perguntas eu sei e sinto muito por não poder responde-las, eu tentei e fiz o possível para te isolar do perigo, te afastando até onde pude da sua origem, mas entendo que algumas coisas não estão ao meu alcance e não poderei evitar, você é tão especial e não passará despercebida, eles vão te encontrar e sendo assim em alguns dias você embarcará em um mundo novo onde eu sei que você irá procurar pelas respostas, nem sempre vai ser fácil querida e talvez você não as compreenda, mas apenas use o colar, ele está na família a anos, eu mesma o usei, use-o sempre, ele será a lembrança daquilo que eu fiz por amor, te trará a segurança a partir daqui onde eu não consigo alcançar, e apesar de todo o meu esforço eu sei que de alguma forma ele te aproximará de quem pode verdadeiramente te ajudar, as aparências podem enganar, mas acredite ele trará luz na incerteza. Tenha cuidado, com amor sua mãe"

Shara estava tremendo, ela sentiu as lágrimas queimando, descendo pelo seu rosto, fazia tempo que ela não chorava assim, Shara releu mais de uma vez, com cuidado para não perder nenhum detalhe, ela não entendia, aquilo era completamente surreal, uma carta da sua mãe, escrita com a letra dela, um colar, um presente enviado por ela de algum lugar no passado... Shara estava soluçando, ela abraçou aquele pedaço de papel, não tinha como aquilo fazer parte da brincadeira, primeiro por que ninguém conseguiria controlar um pássaro daquela forma e segundo por que Shara sentia, ela conseguia sentir de uma maneira que ela não saberia como explicar que aquilo era real, ela colocou o colar para aprovação da ave que continuava ali a olhando de forma triste, aquele pássaro conheceu a sua mãe, ela sorriu em meio as lagrimas e sussurrou para ele – obrigada - ela colocou o pingente para dentro do seu casaco, pois possivelmente iriam achar que ela tinha roubado ele ou algo assim, falar a verdade estava fora de cogitação, não funcionaria nem para uma explicação simples, quem dirá para algo tão mirabolante, Shara precisava voltar, ela guardou com muito cuidado a carta no bolso, estava ficando tarde e a ave voou para o alto, embora continuasse a seguindo por todo o trajeto.

As próximas semanas haviam passado normalmente, Noah não a tinha chamado mais, aparentemente ele a estava ignorando fato que ela considerou uma benção, exceto naquela manhã, dia primeiro de setembro, Shara acordou cedo, ciente de que esse era o dia que ela deveria estar na estação central de Londres logo mais as 11hrs da manhã, para pegar o expresso de Hogwarts, Noah a havia chamado em seu escritório e ela estava apreensiva provavelmente era o dia que ela teria o desfecho para aquela história sem sentido que ele havia inventado, ou algo assim. Shara estava descendo as escadas colocando as mãos sobre o peito, para sentir o colar, habito que estava se tornando bastante comum, era quase como sentir que sua mãe estava ali com ela, ela bateu na porta da sala e ele pediu que ela entrasse.

—Esteja pronta em uma hora, vamos sair - ele disse sem olhar para ela e ela não se moveu - eu sei o que você está pensando – na verdade ela estava pensando que aquilo era uma completa loucura, mas não era isso que ele estava cogitando e ela achou melhor se manter em silêncio - você deve estar se achando superior a todos aqui não é mesmo - e ela gesticulou apressada de forma negativa - mas eu ainda posso te alcançar e terminar aquilo que bem você sabe, comecei…- Shara congelou com aquele comentário – e ainda tem as férias de verão, você não vai se livrar de nós, portanto sem nenhuma gracinha garota ou… - ele sorriu com malícia e ela sentiu seu estomago embrulhar, aquela era a deixa e ela saiu correndo - UMA hora - ele gritou.

Shara havia deixado as coisas prontas, ela tinha muito pouco e ela não tinha nada daquele material e nem uniformes, mas ela pensou bem e tanto ela como Cati perderam horas meditando sobre aquele assunto nos últimos dias, e elas haviam chegado a conclusão mais lógica de que ele estava usando aquele enredo fantasioso para se livrar dela e abandona-la na estação essa manhã, principalmente depois do que ela tinha feito com ele… bom ela só queria esquecer aquilo, esquecer aquele episódio, e ele, bem ele só queria descarta-la, Shara de alguma forma representava um perigo para ele, ela tinha voz, podia causar uma rebelião, afinal ela tinha sido a única dentre todas as meninas que tinha conseguido aquele feito, Cati e tantas outras que passaram por ali tinham marcas profundas de abuso, um passado que elas não gostavam de falar, e Shara sentiu pela segunda vez seu estômago embrulhar naquele dia, agora ela precisava vomitar, e era melhor que ela fizesse isso ali do que vomitar no carro dele.

As 10hrs em ponto após se despedir da única pessoa que se importava com ela naquele lugar deixando uma Cati abatida e completamente inconsolável para trás, que Shara embarcou na parte de trás do carro, Noah estava no banco do motorista e a Sra. Manchester no carona, Shara estava completamente desconfortável a viagem levaria um pouco menos que uma hora, mas era tempo demais com eles, naquele pequeno espaço, mas por sorte ambos resolveram não falar nada o trajeto todo.

Assim que chegaram a estação ele a mandou sair do carro sem ao menos olhar para trás, e ela o obedeceu e então ele partiu a ignorando, era isso então? ela estava sozinha naquele lugar, ela segurou com força o colar, buscando ajuda, ela tinha um bilhete que havia vindo com a carta, que dizia que o trem iria partir da estação 9 ¾ ela se aproximou da estação 9 e depois havia a estação 10, eram quase 11 horas e ela sentou no banco próximo segurando as lágrimas, ela havia sido abandonada, mais uma vez, abandonada.


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