Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 6
Ave Atque Vale


Notas iniciais do capítulo

Vou começar a avisar o nome das músicas nas notas iniciais, para quem quiser ler o capítulo as ouvindo (eu os escrevo assim).
A música deste capítulo é What The Water Gave Me, de Florence and The Machine.



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"Time it took us
To where the water was
That's what the water gave me
And time goes quicker
Between the two of us
But oh my love, don't forsake me
Take what the water gave me"

 

Não havia calor em Winterfell, não mais. Cordyra não tinha percebido quanto do calor do castelo era não do castelo em si, mas das risadas que trocava com os primos, das brigas entre Arya e Sansa, das brincadeiras entre Jon e Robb, acompanhadas de perto por um Bran ansioso em ser tão grande quanto os irmãos. Naquela época, Cordyra pensava ser uma observadora; não era um dos irmãos Stark, e sua permanência na família era assegurada pela bondade de seu tio, pelo laço que tinha com Robb e pelo amor pelo caçula, Rickon.

                Em um único lugar, ela ainda encontrava superfície quente. Todas as vezes que tinha algum tempo, corria aos seus ovos, para ver se ainda estavam onde os deixara. Afinal, Tyrion Lannister fazia um grande número de visitar à biblioteca diariamente, enquanto a corte real esperava que o rei e a Mão estivessem prontos para partir. Cordyra sentava-se ao lado dos ovos por alguns minutos, e contava sobre tudo que se passava. Pareciam quentes quando punha as mãos neles, então ela encostava o rosto para tirar a dúvida, e tinha mais certeza; talvez guardassem o fogo de seus pais, o que havia até suas mortes, ou talvez fosse apenas sua vontade. Fosse como fosse, ela logo os guardava de volta, e corria aos seus afazeres.

                A senhora sua tia há quase quinze dias não saia da cabeceira de Bran, que respirava a arquejos curtos e contínuos. Fora levada comida, banho e cama para ela no quarto do filho, mas ela mal desfrutara dessas coisas. Lorde Eddard parecia uma sombra de si mesmo; o rosto de repente velho demais. Lamentara terrivelmente, mas tinha coisas a organizar, uma partida para gerir.

                Robb por outro lado, crescera incrivelmente. Não tinha quase nada do garoto magro que, aos doze anos, criara coragem para roubar o primeiro beijo deles, embora estivessem noivos há muito mais tempo. Enquanto a mãe se enfurnava no quarto do filho alquebrado, Robb tomou para si as tarefas de organizar as finanças, que estavam cobrando alto pela estadia do rei, e pensar em pessoas para tomar os cargos que seu pai deixaria vagos quando levasse cinquenta homens para o sul; precisavam de um novo intendente, um novo cavalariço, e assim por diante.

                Cordyra gostaria de ajudá-lo, tornar o peso mais leve para os seus ombros. Porém, com a ausência de Catelyn, uma nova função se abriu no seio da família; Cordyra arrumou as malas de Sansa e Arya, disse a elas que se comportasse, que fossem gentis, designou servas para acompanharem-nas, ajudou a tosar um pouco dos pelos dos lobos, para que não sentissem muito calor no Sul.

                Além disso, tinha de cuidar do abandonado Rickon. Com pouco mais de dois anos, o mais novo dos Stark não entendia porque, de repente, quase não via sua mãe, e seu pai estava ocupado demais para falar com ele. Chorava o tempo inteiro, e seu lobo ficava tão agitado quanto o dono quando isso acontecia. Os lobos Stark eram todos em tons de cinza, exceto por três; o lobo branco-neve de Jon, o lobo castanho-avermelhado de Cordyra, e o lobo negro de Rickon. Felpudo, apesar do nome, tinha a aparência mais assustadora de todas, e agora seu comportamento também parecia indicar um perigo iminente.

                Na noite anterior, o tio a havia visitado em seus aposentos. Dera alguns nomes de aliados em quem ela podia confiar caso precisasse –era sempre bom ser prevenido, especialmente agora, com Bran. Perguntou se ela ainda tinha seus ovos. Cordyra prometera cuidar de Robb e Rickon. Ele fez um gesto para passar a mão em seus cabelos, como fazia quando ela era criança. Mas então se segurou no meio no caminho, pegou sua mão e a beijou.

—Não teremos tempo de nos despedir amanhã. Quando voltar, precisaremos conversar sobre algumas coisas. –Ele acenou com a cabeça, e sorriu o sorriso de pai; o que os lordes e os guardas não conheciam, aquele que era apenas para as crianças. –Adeus, Cordyra.

                Saiu pela porta, e Cordyra percebeu que nunca seria criança novamente. 

                No dia da partida, o castelo fervilhava com o desmontar do acampamento; o tecido das tendas era guardado em bolsas de couro, espadas eram afiadas e embainhadas, enquanto cavalariços puxavam cavalos, e homens gritavam ordens. Entre eles, erguia-se Robb, alto e largo, falando tão grosso quanto qualquer um dos outros, e suas ordens eram ouvidas e obedecidas rapidamente.

                Como sempre acontecia, seu coração apertou-se em torno de si mesmo com a visão dele. Queria se aproximar, colocar as mãos em seu rosto cansado, dizer que fosse dormir um pouco, que ela cuidaria de tudo. Queria abraça-lo, os braços ao redor do tronco largo, o rosto enfiado em seus ombros fortes. Queria tanto que era uma sensação física, forte como náusea.

                Mas não descera ao pátio atrás de Robb, lembrou a si mesma quando os brilhantes olhos azuis dele encontraram os dela. E, de qualquer forma, ela não parecia como se precisasse de sua ajuda. Parecia no lugar ao qual fora destinado; comandando.  

                Embora claramente estivesse ocupado, o garoto se destacou do grupo para falar com ela. Aproximou-se e pegou suas mãos pequenas nas próprias mãos. Ele estava quente, apesar da neve e do vento frio que corava suas bochechas em tons de vermelho próximos ao seu cabelo.

—Jon vai partir em breve, tio Benjen já está esperando por ele. –Anunciou Robb com uma voz baixa e rouca, e o amou, porque ele sabia exatamente o que ela procurava, do que ela precisava. Detestava ver Jon partir, mas não demonstraria isso; não tinha necessidade. Robb entendia.

                Robb devia estar se sentindo igualmente incomodado. Sempre soubera que os outros partiriam; em busca de maridos, ou de glória própria. Mas, em seus planos para o futuro, Jon estava sempre lá, por perto.

                Como se lesse seus pensamentos, Robb disse a ela:

—A Muralha não é tão longe quanto o Sul. –Embora ainda falasse com ela, seus olhos voltaram-se para a desorganização que tomou conta do pátio quando ele parou de dar ordens. –Veremos Jon de novo.

                Apertando sua mão, ele sorriu para ela e voltou para o seu lugar. Cordyra sabia que tinha pouco tempo livre, enquanto Rickon dormia, mas não sabia por onde começar a procurar por Jon. Tinham de se despedir. Haviam sido amigos, independente dos rancores que ele pudesse nutrir por ela, e não partiria sem se despedir, ela queria crer que não. Então voltou para dentro do castelo, para caminhar apenas um pouco perdida.

                Pensando sobre isso, a própria Cordyra não era totalmente inocente de rancores. Mais de uma vez havia almejado a proximidade que Jon tinha com Robb. O herdeiro de Winterfell a amava, mas havia partes dele que pertenciam aos amigos; o gosto pelos jogos de guerra, pelo bater de espadas. Sabia que algumas vezes Theon havia levado os dois mais novos até a Vila de Inverno, e jamais perguntara a Robb o que lá se passara, mas não conseguia tampouco esquecer.

                Não queria ser Catelyn Tully, para sempre amargurada por uma criança que não pedira para nascer.

                Quando ela pensou nele, encontrou o primo saindo do corredor do quarto das meninas. Cordyra devia ter sabido, mesmo que inconscientemente; é claro que ele estaria ali.

                Foi isso que disse em voz alta:

—Sabia que se despediria de Arya. –Jon levantou o rosto, surpreso. Ela o pegara desprevenido, e, por um segundo, o rosto dele ficou encantado ao olhar para ela, como se visse o amanhecer depois da Longa Noite. No segundo seguinte, não havia mais nada, além daquela seriedade típica dos Stark. Cordyra fingiu não ver. –Vai se despedir de mim também?

                Jon hesitou na outra ponta do corredor, mas Cordyra não deixou que tomasse decisão alguma. Cortou o espaço entre eles, mais rápido do que o primo poderia ter previsto, e se jogou com os braços abertos no peito do primo. Jon tinha um cheiro sóbrio de neve e floresta, e Cordyra não pôde deixar de notar que tinha escolhido roupas escuras, como se para diferenciar-se dos outros irmãos. Marcava que era agora um homem da Patrulha.

                Lentamente, ele baixou os braços ao redor dela. Jon era magro, mas forte. Seu corpo era longo como o rosto, e ele inspirou os cabelos dela profundamente enquanto o abraço durou, ela pôde sentir a respiração dele espalhando seus fios.

—Sempre pensei que você ficaria. –Admitiu ela. –Envelheceríamos juntos.

                O coração dele batia tão forte que ela podia senti-lo através das peles, do couro e da lã.

—Meu lugar nunca foi em Winterfell. –A voz de Jon era suave, mas as palavras resfriaram o corpo de Cordyra.

                Ela afastou o rosto para encará-lo nos olhos, e o olhar dele era aberto e honesto, e ela detestou que ele pudesse soar tão derrotado, sendo tão jovem. O coração dela doeu. Estava perdendo todos que amava, e amava Jon demais.

—Seu lugar é onde você é amado. –Disse ferozmente, então suavizou. Nunca conseguia manter a fúria por muito tempo. –É amado aqui, Jon. Sempre terá um lugar à mesa de Winterfell.

                Ele engoliu um seco, mas sorriu ainda assim.

—Sim, senhora. –Brincou.

—Vamos visita-lo quando as coisas se acalmarem. –Cordyra o soltou e deu um passo para trás. Jon pareceu como se houvesse bambado, sem forças nas pernas. –E você deve vir também. Logo eu e Robb casaremos, e não será uma festa sem você.

                O rosto dele virou outra coisa por um segundo, mas então retornou à solenidade de sempre.

—Voltarei quando for chamado. –Prometeu. –Tenho de ir.

                Sem mais uma palavra, ele se lançou pelo corredor como uma sombra de negro, e em poucos passos havia sumido. Todo o frio do Inverno voltou para o corpo de Cordyra, mas ela endireitou a coluna e o enfrentou, como uma Stark tinha de fazer.


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