Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 4
A Cripta e O Bosque Sagrado


Notas iniciais do capítulo

Não sei se tem alguém por aí acompanhando, mas, caso esteja aí, leitor anônimo, boa leitura!



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"And I run from wolves, ooh
Breathing heavily
At my feet
And I run from wolves, ooh
Tearing into me
Without teeth"

Uma fina camada de neve cobria todo o caminho de Winterfell até o bosque sagrado, acumulando-se mais resistente nas áreas abertas, mas deixando clareiras de chão limpo debaixo das árvores e, principalmente, do grande represeiro. O riacho que aos seus pés corria ainda não havia congelado com a chegada dos tempos frios, e o som da água correndo pelas pedras era uma canção antiga que ela conhecia bem.

                Quando eram mais novos, costumavam correr à neve, fazendo bolas que derretiam em suas mãos quentes e as atirando uns nos outros. Bran sempre subia no alto, escalando os muros, e nunca era atingido por bola alguma. Arya era uma coisa louca; saindo em campo aberto e levando tantas boladas quando dava. Mesmo Sansa, que era uma dama, se libertava quase que completamente, e não tinha escrúpulos em jogar uma bola de neve no rosto de um irmão. Mas então ela, Robb e Jon haviam crescido, e os meninos passaram a se interessar por armas de aço, e ela passara a gostar de cuidar do bebê Rickon. Os dias de neve ficaram menos alegres depois disso.

                Ao seu lado, soturno como no banquete da noite anterior, Lorde Eddard guiava a caminhada. Neve caía em cima de suas cabeças, salpicando os cabelos castanhos do tio de branco, e quase não sendo vista em seus próprios cabelos muito claros. A buscara nos aposentos das meninas; um grande quarto onde ela dormia com as duas primas mais novas. Não era incomum que ela e o tio tomassem passeios; ele queria saber em que pé estava sua educação, o que sabia sobre o reino, os mestres, as Grandes e Pequenas Casas. Às vezes, quando voltava da Vila de Inverno, a presenteava com braceletes de ouro branco e prata.

                Hoje, porém, eles não conversaram no caminho, ou trocaram presentes, e, mesmo quando se sentaram na grama ainda verde debaixo do represeiro, cercados de neve branca por toda a parte, Eddard ainda pareceu hesitante em colocar as palavras para fora da boca.

—O rei. –Seu tio limpou a garganta antes de continuar, mas talvez fosse apenas o amargor das palavras. –Quer que eu o siga para o sul para servir como Mão. –Cordyra não precisava que ele explicasse qual a função de uma Mão do Rei, e também não achava que estava surpresa. Era como se já houvesse visto a cena em seus sonhos, ou talvez apenas já soubesse desde a chegada da comitiva Real. –Devo levar Arya, Bran e Sansa para o Sul. Bran deverá ser cavaleiro na Guarda Real, e fazer uma ponte entre Robert e o príncipe Joffrey. Sinto que não há muito amor entre eles. Rickon é muito novo. Robert deve permanecer em Winterfell. Você...

                Cordyra não precisava que ele dissesse nada; sabia o que se esperava dela, e estava disposta a oferecer. Sentiria falta de Sansa e Arya, e ainda mais de Bran, de quem ela trocara fraudas. Sansa seria rainha, é claro. Arya casaria com algum nobre, de preferência um homem que gostasse de mulheres ousadas e corajosas, pois ela era assim. Um dia voltariam a Winterfell, embora só de passagem. Cordyra esperaria, sempre ali, guardiã da Casa Stark.

—Ficarei ao lado de Robb. –Interrompeu o tio, mesmo que ele sempre a reprimisse por isso. Não foi o que fez dessa vez. Eddard apenas lançou os olhos escuros e cinzentos para longe no bosque.

                À menina restou pensar nas coisas que não poderia dizer: nascera no Sul, lá mesmo na Fortaleza Vermelha, e poderia passar toda a vida isolada, sem jamais conhecer o lugar onde os pais se apaixonaram, onde o pai fora morto. Jamais saberia se fora mesmo feita para as temperaturas nortenhas, ou se apenas tinha de fingir que sim, para se encaixar entre seus pares. Não conheceria grandes lordes, apenas os Karstark, o estranho lorde Bolton, e o gentil Lorde Manderly, que sempre tinha um ouvido disponível para suas ideias, mesmo quando ela fora criança.

—Há coisas que precisamos conversar. –O tio anunciou, parecendo pesar cada palavra. –Pensei que estaria mais velha, que teria mais tempo.... Não importa agora.

Os dois caminhantes pararam na entrada das criptas de Winterfell. Visitantes sentiam arrepios e tinham medo; mas Cordyra crescera brincando com os primos por entre os túmulos, e os rostos dos antigos Reis do Norte eram quase família. Na entrada da cripta, um criado trazia consigo um archote, que entregou ao seu senhor, e os dois Starks desceram às profundezas.

Primeiro, haviam os Reis de Inverno, na parte mais superficial da cripta. Brandons à fole, um Rickard, Cregan Stark, que fora amigo de Jacerys Velaryon, na Dança dos Dragões, e Torrhen Stark, O Rei que Ajoelhou. Então, os mais familiares. Cordyra estivera ali vezes o suficiente para conhecer o rosto do pai como se ele a houvesse criado. Uma ou duas vezes descera à cripta com um espelho, para procurar as semelhanças entre eles. Havia algo nas sobrancelhas, ela pensava, e no queixo teimoso. Ao lado de Brandon, a bela Lyanna. Depois desses, ainda haviam uma série de sepulturas, mas essas estavam abertas, esperando.

Por mim, pensou Cordyra. Por Robb, Bran, Rickon, e nossos filhos.

Sentiu um arrepio.

                O tio olhava as estátuas em cima dos túmulos com o olhar de sempre; pesar, saudade, e um tipo de determinação, embora Cordyra não soubesse o que significava.

                Lorde Eddard se abaixou entre dois túmulos e pegou uma bolsa grande de couro, com a aparência pesada, dispondo-a aos pés da estátua de Rickard Stark, seu pai. A bolsa devia ter sido deixada ali mais cedo naquele mesmo dia, ou certamente as crianças, a brincar, a teriam encontrado. A própria Cordyra teria brincado ali mais cedo se fosse três ou quatro anos mais nova. Se tivesse a idade de Arya ou Bran.

                Agora, ela, Robb e Jon raramente se juntavam aos primos para brincar. Jon e Robb gostavam de cruzar espadas no pátio, e se animavam quando Eddard os oferecia a segurar gelo. Enquanto isso, Cordyra tinha aulas de desenho e costura, e esperava por eles na biblioteca ao fim do dia. Às vezes, Robb ficava para trás a conversar com Theon, e ela e Jon discutiam quem era o seu herói favorito; Jon gostava de Daeren Targaryen, o primeiro rei Dragão a conseguir anexar Dorne. Cordyra gostava da Boa Rainha Alyssane, que fizera do reino um lugar melhor, e tivera muitos filhos.

                Ao pensar nisso, lembrou-se do sonho que tivera naquela noite. Haviam os lobos, e ela era um deles, no meio da alcateia. Mas quando andava na neve com seus irmãos lobos, o gelo ia derretendo em água, e ficava mais e mais quente, até que a água evaporava em vapor, e subia ao redor dela, fazendo-a cócegas...

                A demora a estava enlouquecendo, pensar no passado e nos sonhos não fazia-o falar mais rápido. O tio não era homem de adiar as palavras difíceis.

—Tio. –Chamou bruscamente. Fez cara de coragem; ele a havia ensinado. Quando Robb fez sete anos, foi permitido a ele e Jon acompanharem Lorde Stark para as execuções. Cordyra era mais velha que eles alguns meses, mas não era lugar para garotas. O tio a dissera que a permitiria ir, se fizesse uma boa cara de coragem. Cordyra fez a cara mais séria que conhecia, mas ele não cedeu. Toda vez que havia uma execução, Eddard a permitia tentar novamente. Então, lá para os onze anos, Cordyra perdeu o interesse em mortos, e passou a gostar mais de desenhos, bordado e imaginar seu vestido de casamento. –Diga-me.

                Algo na expressão do tio mudou quando olhou para ela; talvez finalmente pudesse reconhecer sua cara de coragem e dar a ela algum crédito.

—Será Senhora de Winterfell em alguns anos. –Disse o tio. Eles já haviam conversado sobre isso; ela sabia ser verdade. Mas não ainda. –Muitos anos, se os deuses forem bons.

                Cordyra quis dizer que seriam, mas não era inocente. Eddard devia ter ouvido maus presságios; isso explicaria as nuvens cinzentas sobre seu rosto desde do dia anterior, quando devia estar tão feliz com a chegada do rei.

—Sonhei com a Mesa Pintada. –Disse subitamente, lembrando-se do sonho. Já faziam dias. Eddard olhou para ela, curioso. Era temente aos deuses antigos, e não era um homem mais crédulo que isto. Mas sempre escutava seus sonhos. –Eu estava de frente para o mapa de Weasteros. Winterfell pegava fogo.

                Quando Cordyra falava de seus sonhos para o tio, ele achava graça e a garantia tratarem-se apenas de sonhos. Ela esperou ver o sorriso no rosto dele, mas, se alguma coisa, seu semblante pareceu mais obscuro. Ele jamais havia falado a ela sobre a Mesa de Pedra de Aegon. Será que estava pensando nisso? Quem a poderia ter dito?

—Foi apenas um sonho. –Ele disse como sempre dizia, mas sem nada da leveza de sempre. –Você conhece a história da Dança dos Dragões?

                Sempre tendo gostado de ter seus conhecimentos testados, Cordyra se empertigou toda.

—Foi uma guerra civil entre dois ramos diferentes da Casa Targaryen, protagonizada pelos apoiadores da Princesa Rhaenyra, e os apoiadores do Príncipe Aegon, e sua mãe, Alicent Hightower. O reino dividiu seus apoios. Rhaenyra era a filha mais velha, do primeiro casamento do rei Viserys com Aemma Arryn, e tinha apoio do pai. Porém, Aegon era o mais velho, e Westeros nunca teve uma rainha que não fosse consorte.

—Qual foi o papel dos Stark nessa guerra?

                Cordyra hesitou.

—Cregan Stark era Lorde de Winterfell à época. O príncipe Jacerys Velaryon veio à sua procura, e ele ofereceu seus homens para a causa da princesa Rhaenyra.

—E Vermax?

                Agora a jovem senhora teve de forçar a memória.

—Sim. –Lembrou-se. –Vermax era o dragão de Jacerys. O trouxe até aqui.

—Isto é o que ele deixou.

                O tio fez um gesto para que ela investigasse a bolsa de couro. Cordyra não esquecera que ela estava ali, e não podia deixar de notar que o tio, um dos homens mais corajosos que ela conhecia, parecia hesitante em se aproximar, sondando ao redor do pacote suspeitosamente.

                Estava escuro, mesmo com o archote. Cordyra colocou as mãos dentro da bolsa de couro, encontrando alguns tecidos macios, e algo duro por baixo. Ela puxou e puxou e puxou a seda e o linho, até que descobriu o que parecia ser pedra, dura e quente debaixo de suas mãos.

                Ela levantou o olhar para o tio, e ele aproximou o archote para que ela visse melhor.

                As pedras tinham formato arredondado e cores como ela jamais vira. A maior delas era negra, inteiramente negra. A pedra não era lisa, mas texturizada, e refletia a luz das chamas como se estivesse se movendo. Haviam outras três. A segunda era branca, pálida, tão clara quanto a primeira era escura, com um brilho duro como o gelo. Cordyra passou a mão por ela também, e achou ter sentido uma vibração, como se algo batesse ali dentro, um coração constante. A terceira era rosa-empoeirada e bronze, e devia ser a coisa mais bela que já vira na vida. As cores se juntavam em padrões de arabescos e dançavam em cima uma da outra. A última era também a menor. Azul e prata; o azul na parte de cima, descendo e mudando até ser uma prata tão profunda embaixo que Cordyra podia ver seu próprio reflexo, como no espelho.

                Ela já estava esquecida do teor da conversa com o tio, pois perguntou tolamente, enquanto passava as mãos na superfície:

—São ovos...?

                Eram tão quentes que Cordyra queria encostá-las na pele do corpo, como se ainda fosse verão.

—São ovos de dragão.

                Cordyra afastou as mãos rapidamente, mas hesitou em levantar-se para longe deles.

—Estão aqui já há... –Ela fez as contas rapidamente. –Quase duzentos anos.

—São apenas pedra agora. –Ele concordou.

                Mas não podia ser. Estavam quentes ao toque –a luz da tocha dançava sobre eles como se os chamasse. Haviam se movido debaixo de suas mãos, isso mesmo antes de ela saber o que eram, então não poderia ter imaginado. Pensou na conversa que tivera com Tyrion apenas na noite anterior, e tirou o pensamento da mente.

—Por que os mostra a mim? –Perguntou, finalmente.

—Porque valem muito. –Respondeu diretamente o tio, e jogou de volta as sedas por cima dos ovos, como se isso o deixasse mais confortável. Cordyra apenas achou que a cripta ficou um pouco mais escura sem os reflexos de luz. –Se Winterfell sofrer necessidade...

—Não vai. –Agora Cordyra sabia que estava sendo inocente de verdade, mas crescera no castelo, e conhecia seus poderes. Jamais passaria necessidade. As minas de prata estavam a todo vapor, assim como as minas de carvão. Quando o Inverno chegasse, e não faltava muito agora, venderiam carvão para toda Westeros.

—O inverno está chegando. –Limitou-se a responder o tio. –Cordys... –Este era o seu apelido. Lá pelos doze anos dissera a todos que parassem de chama-la daquele jeito, e às vezes o tio esquecia-se disso. Só que Cordyra não se importava quando ele chamava. –Mantenha os ovos por perto. Não agora. Não devem chamar atenção dos Lannister. Mas depois que eu partir para Porto Real, deve mantê-los perto de você.

                Ela tentou se imaginar levando discretamente aquele fardo enorme e pesado consigo pelo castelo. Não parecia de forma alguma uma boa ideia. De qualquer forma, ela acenou solenemente.

                Ela queria perguntar a ele sobre a conversa que tivera com Tyrion. Queria que o tio a assegurasse de sua linhagem, a dissera que era Stark, e Velaryon, inverno e mar, e nada mais. Não perguntou, porém. No escuro frio da cripta podia sentir um calor vindo dos ovos, e de seu próprio coração. Haviam coisas que não perguntaria, pois tinha medo da resposta, como nunca tivera medo de outra coisa.

                Quando era apenas Cordyra Stark, sabia o que esperar; veria Robb se tornar um homem, e veria o tio se tornar um velho. Robb seria senhor, Bran seria cavaleiro. Sansa e Arya seriam as senhoras mais lindas do sul. Ela se agarraria a isso, quando não pudesse se agarrar a outra coisa.

                Quando Cordyra e o tio emergiram de dentro da cripta, a luz do sol quase a cegou por um momento. Sentiu, mais do que viu, Norte, sua loba, se aproximar e esfregar o focinho em sua mão. Já estava grande o bastante para isso, e Cordyra era uma menina baixa. Junto com Norte, vieram os ventos frios de Winterfell, e ela apertou sua nova bolsa pesada mais perto do peito.

—Esconda-os. –Ordenou o tio, e Cordyra sentiu-se como se tivesse dez anos de novo, brincando de esconde-esconde com os primos, a adrenalina da brincadeira real, e a urgência de se fazer desaparecer. Ela se apressou.

                O castelo todo ainda estava apinhado com os homens do rei, além dos homens-leão, com suas capas vermelhas e estandartes dourados. Ninguém prestou atenção nela, pequena e pálida, atravessando o pátio, não em direção ao castelo principal, mas em busca da torre da biblioteca, mesmo que a loba Norte a seguisse por todo o caminho. Esta estava sempre vazia, especialmente naqueles dias. Meistre Luwin ali ensinara os meninos a escrever, a ler, e a história de Westeros.

                A torre de biblioteca tinha duzentos e três degraus. Cordyra costumava conta-los todas as manhãs quando criança; uma boba brincadeira, mas, no fundo, sempre que ia chegando ao final da contagem, se perguntava se haveria contado errado todas as outras vezes, e chegaria a um número diferente agora. Às vezes errava, e subia tudo de novo para checar se estava louca. Imaginava que um degrau crescera à noite, ou que desaprendera a contar enquanto dormia.

                Era uma grande biblioteca, das maiores entre os Sete Reinos, e suas estantes dobravam-se uma por cima das outras, serpenteando o espaço circular que a cabia, de trás de pesadas portas de mogno. Cordyra serpenteou todo o espaço, procurando um talhe na pedra, ou um quadro solto. No fim, afastou alguns livros sobre a dinastia Targaryen e colocou os ovos por de trás dos exemplares, encaixando-os de volta em seus lugares.

                Depois disso, foi atrás de Robb.

                A atenção de Robb era frequentemente alvo de disputa nas terras de Winterfell. Theon sabia que Robb o admirava com a um primo mais velho, e ria de suas piadas quando não eram muito indecentes. Gostava de levar Robb à Vila de Inverno com ele, para passearem em seus alazões, à vista do povo comum. Cordyra trancara à mandíbula para o garoto, mas nunca abrira a boca para falar mal dele.

                Jon e Robb eram irmãos de verdade. Riam seus pequenos segredos em voz baixa, participavam, às vezes, do conselho do pai, sempre ouvindo, nunca falando, exceto quando Lorde Stark pedia a opinião de seu herdeiro para testá-lo. Dividiam bebida que saqueavam da cozinha, batiam lâminas e depois riam das marcas roxas na pele um do outro.

                Cordyra e Robb tinham uma relação mais que excelente; de amor, confiança e amizade. Sabia que, em algumas casas, haviam os “homens do Lorde”, leais ao seu senhor, e os “homens da senhora”, geralmente a parte da criadagem, e cavaleiros menores em busca de favores em troca de seu rosto bonito. Intrigas ocorriam entre os dois grupos, e fofocas eram levadas para cada lado do casal. Cordyra gostava de pensar que seu futuro não seria esse. Seus homens seriam os homens dos Stark, e pertenceriam a ela e a Robb igualmente, pois não haveria rivalidade entre eles.

                Ainda assim, sabia que haviam partes do jovem senhor que não pertenciam a ela; o amor por espadas e batalhas, a camaradagem com os outros garotos. 

Em sua distração cortando o pátio de volta, no caminho para o Bosque Sagrado dentro das muralhas de Winterfell, Cordyra teria passado direto por Jaime Lannister, não tivesse ele se colocado diretamente à sua frente, impedindo seu caminho. Cordyra tropeçou por cima dele, e teria ido ao chão, se Jaime não houvesse a segurado; uma mão em sua cintura e outra a pegou pelo ombro, um dedo deslizando pela pele nua do seu decote alto. Sua mão era surpreendentemente áspera, de batalhas e torneios, e quente. Quando ela olhou para cima, ele sorria brilhantemente.

                Ocorreu a ela, contra a sua vontade, que o sorriso de Jaime Lannister era de ouro, tanto quanto seus cabelos, ou sua armadura.

—Sor Jaime. –Ela o cumprimentou com surpresa. A levou um minuto encarando seus olhos muito verdes antes que se lembrasse da boa educação que recebera, e se afastasse. Ele a ajudou a ficar ereta. –Tem tido boa estadia em Winterfell? As atividades do Norte o agradam?

—Senhorita Stark. –Ele a cumprimentou de volta. Algo em seu sorriso lembrava o de Theon, como se ele estivesse se divertindo. Exceto que o sorriso de Jaime dava a entender que eles se divertiam juntos, e não que ela era o motivo da piada. Algo em seu interior ficou inoportunamente quente. –Atividades. Quer dizer caçar e comer o que foi caçado? Me apraz o suficiente, suponho. Não há a diversidade de rostos da capital, mas isso é vantagem. Aqui a paisagem é mais bela.

                Cordyra teve medo de compreender o que ele queria dizer, então sorriu de forma cortês e fez como se fosse continuar seu caminho. Jaime não se moveu, porém. Não havia terminado de falar.

—Que sorte a sua. –Ele comentou, como se tivesse apenas notado agora. –Será sempre uma Stark. É difícil para a maioria das mulheres receber o sobrenome e o novo costume de seus maridos. Mas me contaram que está noiva de seu primo, Robert.

—Robb. –Ela o corrigiu automaticamente. –Não é tão incomum. Seus pais são primos.

                Ele pareceu pego de surpresa que ela soubesse daquela informação; o rosto congelado por um segundo num sorriso indeciso.

—Claro. –Disse. –Devo estar em seu caminho para algo. Senhora Stark.

                Quando ele se afastou, com uma ligeira reverência cavalheiresca, ela ficou o observando ir embora, perguntando-se o que Jaime Lannister ganhara naquela conversa sem sentido. Ocorreu a ela que o tio não gostava ou confiava em Jaime Lannister e, olhando para o castelo de pedra sombreada que se erguia ao seu lado, procurou por alguma testemunha da estranha interação. Para a sua surpresa, os dois olhos verdes da rainha a observavam de uma janela. Cordyra fez uma reverência, e apressou os passos para longe de seu olhar.

                O Bosque Sagrado de Winterfell era recheado com altas árvores sentinelas e um número ainda maior de represeiros brancos, altos e fantasmagóricos. Tinham a cara do Norte, e cheiro de casa; almiscarado, amadeirado, cheiro de terra, frio e das coisas que crescem na terra e no frio. A luz passava por entre as folhas como um desenho em aquarela com pinceladas vigorosas de luminosidade.

                Robb, igualmente familiar, se encontrava como um ponto de cor no meio das árvores fantasmas, os cabelos vermelhos refletidos no lago calmo. Era um dia de sol brilhante no alto, portanto o lago mostrava a imagem de um céu azul, e do garoto que Cordyra amava. Jaime Lannister em um minuto saiu de sua cabeça. Havia apenas o aperto no peito de vê-lo tão lindo.

                Ele levantou a cabeça quando a viu se aproximar, e ensaiou um sorriso tenso. Cordyra juntou as saias de seu vestido forrado de pele e sentou-se no chão duro e frio ao lado dele. Virou o rosto em sua direção. De perto, Robb tinha um rosto de maxilares largos, nariz reto e olhos proporcionais. Tivesse nascido numa nobre família sulista, seria aclamado por todas as jovens donzelas nas justas, mas não haviam brincadeiras de guerra no Norte.

                Cordyra levantou uma das suas pálidas mãos para alcançar a dele. Robb revirara o solo mais mole à beira da água, e seus dedos estavam sujos de terra escura e rica e molhada. Cordyra tirou a sujeira com batidinhas, enquanto ele olhava. Quando terminou, levou a mão dele até o próprio rosto, e ela era quente e tinha cheiro de chuva, e Robb passou um polegar levemente pelas suas bochechas altas, desenhando o formato curvilíneo de suas maçãs do rosto.

—Agora, o que há, meu senhor? –Ela poderia tê-lo chamado de Robb, mas era sempre assim com eles; começando mais formais até que a intimidade tomava conta sem ser chamada.

                Primeiro, ele fez um gesto de mão, dispensando a importância. Mas Cordyra insistiu. Deu três batidinhas na mão dele com um dedo rápido. Tap, tap, tap. Era a língua que Robb não poderia ignorar. O rosto de Robb ficou ligeiramente vermelho ao responder, e ele tirou a mão de seu rosto e a passou nos cabelos, um gesto de estresse.

—Sor Rodrik não nos deixa lutar com espadas de gume, e estou cansado do príncipe Joffrey rindo. –Ele contou, não em tom de reclamação, mas de relato, apenas. Era lugar de uma senhora consolar o seu marido, mas eles também eram primos, amigos, e Robb não queria parecer um bebê. –Ele não é tão bom assim com a espada; mesmo Arya teria dado um jeito nele. Bran ganhou do príncipe Tommen dezenas de vezes, e Jon nem mesmo é autorizado a bater espadas com ele.

                Cordyra não sorriu, embora quisesse. Os garotos eram sempre sensíveis em relação a quem era o melhor com as espadas. Quando crianças, Jon e Robb fingiam ser os melhores cavaleiros de Westeros; Jon era Aemond, Cavaleiro de Dragão e Robb, Sor Arthur Dayne, a Estrela da Manhã, com sua espada lendária.

                Os garotos ainda se encontravam discutindo quem havia sido melhor muito depois de as espadas serem guardadas. Às vezes, levavam a discussão até a mesa de jantar, e a senhora Catelyn os reprimia, e Jon perdia o fogo pela discussão, pois estavam sempre à procura da aprovação da senhora Stark, e vivia procurando um lugar fora da linha de fogo de sua fúria.

—Quem teria coragem de desafiar o príncipe com aquele cão ao seu encalço? –Cordyra reclamou, tomando as dores de Robb. –Podiam tê-lo colocado no canil com os nossos lobos.

                O fantasma de um sorriso abriu-se no rosto de Robb como o sol por de trás das nuvens de chuva num dia cinzento.

—Gostaria de vê-lo contra a alcateia. –Riu-se. –Como é que diz o pai?

                Ela conhecia as palavras bem demais.

—Quando a neve cai e os ventos brancos sopram, o lobo solitário morre, mas a matilha sobrevive.

                Ele assentiu em reconhecimento às palavras. Os dois trocaram um olhar. O inverno estava chegando, e ele estava prestes a se tornaram o alfa da matilha. Cordyra seria sua loba. Anseio e medo brigavam furiosamente dentro dela. Assim que a coorte do rei fosse embora, sua tia voltaria aos preparativos do casamento. Já estavam escolhendo flores, e escrevendo convites.

                Robb, que sempre sabia o que ela pensava, sorriu.

—O meu pai mandou fazer um belo par de mantos Stark para a cerimônia. –Segundo a tradição dos Sete Reinos, a garota deveria ir ao casamento usando um manto de donzela, com as cores e o símbolo de sua Casa. O noivo também levava um manto com as cores de sua família e, na cerimônia, tirava o manto da noiva e o substituía pelo seu próprio, simbolizando a proteção que a oferecia. Seria um casamento engraçado, já que Robb tiraria dela um manto Stark para colocar outro manto Stark. –Também uma roupa cinza e branca para mim. –Ele parecia ruborizado novamente, mas agora toda a raiva saíra de seu rosto. –E vi minha mãe escolhendo os tecidos para o seu vestido.

—Você não deveria! –Respondeu Cordyra imediatamente. Mas não se importava de fato. Não era comum que os homens participassem diretamente de seus casamentos; geralmente eram organizados pelas famílias, e pela noiva. Gostava que Robb estivesse excitado com o assunto.

                Sem poder se conter, ela se inclinou e deu um beijo no rosto dele, bem perto da boca.

                Robb olhou para ela com intensos olhos azuis, tão diretamente que ela pôde ver o momento em que escureceram até serem um céu sem estrelas. Eles olhavam em seus olhos, mas também para a sua boca, e a pouca pele do pescoço que não era coberta pelo alto e felpudo colarinho de pele que adornava seu vestido de mangas boca de sino.

                Ele a segurou pelos pulsos, firme, mas gentil, ao trazê-la para mais perto, e as mangas do vestido deslizaram pelo seu braço, deixando a pele fina e pálida de seus pulsos exposta. Ele olhou para baixo, trouxe os pulsos dela à boca e beijou a ambos, bem onde as linhas finas de suas veias púrpuras eram visíveis. Ela sabia que ele adorava os seus pulsos, onde a pele era fina, e ele podia sentir sua pulsação cada vez mais rápida.

—Diga o meu nome. –Ele pediu, a voz ligeiramente desigual.

                Cordyra não confiava em sua voz para falar, mas tentou mesmo assim:

—Robb. –A palavra foi um sussurro, uma prece no silêncio do Bosque Sagrado.

                Haviam tido seu primeiro beijo ali. Seu tio estava em reunião com alguns lordes, e os lordes haviam trazido suas crianças para brincar com os pequenos Stark. Beth Cassel, Cley Cerwyn e Benfred Tallhart, além de, é claro, um Theon mais novo e menos mal-humorado brincavam todos de Filhos da Floresta e Primeiros Homens, ali mesmo no Bosque.

                Eram dois anos e um pouco mais novos, e todos eles ainda bricavam juntos à época. Sansa não gostava de brincar de correr e se esconder, mas Cley Cerwyn dissera que só teria graça com ela, então, lisonjeada, aceitara. Arya não fazia questão de que Sansa brincasse, já naquela época, e se colocara no grupo contrário à irmã.

                Com os grupos separados, os Filhos da Floresta foram se esconder para que os Primeiros Homens os encontrassem. Cordyra e Robb eram ambos Filhos da Floresta na brincadeira, e se esconderam juntos, bem no fundo do bosque. Cley Cerwyn e Benfred Tallhart não conheciam o bosque como eles conheciam, e demoraram muito a encontra-los. Os dois noivos aproveitaram o meio tempo para rir e brincarem, então, no meio de tudo, Robb se inclinou e beijou-a.

                Havia sido apenas um toque nos lábios, um roçar de uma boca na outra. Cordyra corara profusamente e saíra correndo do esconderijo, sendo encontrara logo em seguida, com o rosto vermelho brilhante.

                O beijo que eles trocavam ali, dois anos depois, não era nada como aquele.

Quando eles se tocaram, tudo sumiu para Cordyra — preocupações, medos, frustrações, abandono. A boca de Robb era quente contra a dela, e ele cambaleou para trás contra uma árvore. Robb a beijou fervorosamente, de novo e de novo, entrelaçando os dedos no cabelo de Cordyra. Cada beijo era mais ardente, mais intenso do que o anterior. Ele tinha um gosto doce e cítrico, como geleia de limão. Cordyra deixou suas mãos percorrerem Robb por cima da roupa, o corpo esguio, os braços que ela admirara antes, o peito por cima da camisa de lã, a pele de Robb ardendo com fervor ao seu toque. Ela mergulhou os dedos no cabelo espesso dele e segurou o rosto de Robb entre as mãos. Ele descartara as luvas e a tocava também, as mãos contra a pele grossa do vestido dela. Cordyra gemeu baixinho e sentiu o corpo inteiro dele estremecer. Robb enterrou o rosto na lateral do pescoço dela. A pulsação dele estava acelerada como fogo de alquimista.

—Nós precisamos voltar para dentro, Cordyra —Sussurrou ele, beijando o pescoço de Cordyra. —Precisamos voltar, meu Deus, antes que eu desgrace a mim mesmo e a você diante de toda Winterfell.

                O seu nome, saído da boca dele, era uma canção. Ela acenou. Os dois saíram.


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Notas finais do capítulo

Um comentário pode fazer o dia de uma escritora ainda mais especial! O próximo capítulo vem na outra semana. Espero que estejam gostando até agora!
XOXO
A música do capítulo é "Wolves Without Teeth", de Of Monsters and Man.



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