Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 30
As Crianças




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A risada alta de Elyria cortou o ar como facas através do silêncio. Ela tinha adoráveis olhos escuros como piche, mas quando os colocou sobre Cordyra estavam cheios da malícia costumeira.

                As quatro garotas estavam reunidas no quarto da senhora Mallister. Cordyra se sentia mais nova em noites como aquela; em que as jovens se sentavam juntas, com Rosey trançando o seu cabelo com as mãos suaves de uma menina. Parte dela tinha o coração pesado; pensando que devia mesmo estar com Robb, especialmente desde que ele ainda estava se recuperando. Mas no dia anterior começara a andar, e isso o deixara impaciente, quase ponto sor Brynden louco com sua vontade de agir. Desde então vários conselheiros viviam entrando e saindo do quarto do rei, planejando seu próximo movimento, antecipando cada um dos movimentos de Lorde Tywin.

—Não deve demorar agora. –Dizia Alys, com a voz tensa como uma corda esticada, aninhada como um gato entre as cobertas de Elyria, o rosto banhado pela luz acesa da lareira. –Lorde Tywin vai vir, e então sairemos daqui.

                Estava tão tarde que não havia sons no castelo além de suas vozes e o crepitar do fogo. Parecia que todos dormiam, embora Cordyra estivesse certa que não era verdade. Afinal, ela estava esperando que Robb terminasse seu conselho para voltar aos seus próprios aposentos.

—E morreremos ou sobreviveremos. –Elyria disse, em um tom sombrio.             

                Cordyra fez uma careta.

—Sobreviver? –Questionou, as sobrancelhas levantadas em sua testa. –Estava pensando em vitória. O rei sabe o que faz.

                Ela acreditava nisso com cada pedaço de seu ser, e com o coração inteiro. Mesmo assim, Elyria encolheu os ombros, e trocou um olhar com a Rosey Frey.

—Lorde Tywin não chegou aonde chegou sendo descuidado, Vossa Graça. –Elyria meditou, lentamente. –Certamente esperamos vitória, mas penso que terá um preço. Os Lannisters não vão cair sem lutar.

                Cordyra se pegou concordando com ela, mesmo contra a sua vontade. Sombriamente, pensou em qual deles cairiam na luta contra Tywin. Se perguntou quem Robb colocaria nas posições mais perigosas; provavelmente si mesmo e aqueles em quem mais confiava. Mas talvez ele surpreendesse Lorde Tywin; o exército Lannister certamente achava que conhecia Robb o suficiente para saber onde ele se posicionaria.

                Atrás dela, Rosey murmurou que havia terminado o penteado, e Cordyra levantou a mão ao cabelo, sentindo a textura das madeixas separadas em mechas trançadas. Faziam uma coroa no alto de sua cabeça; era um penteado sulista, do tipo que Sansa teria adorado aprender, e pediria para ser feito nela todo o tempo.

                Ela se virou para Rosey, com seus grandes olhos castanhos.

—Você deve me ensinar como fazer isso, Rosey. –Pediu. –Sansa vai adorar que eu faça nela.

—Se o bebê for uma garota, também pode querer que faça tranças nela. –Elyria apontou, sem prestar muita atenção.

                Cordyra mordeu o interior da bochecha com tanta força que sentiu o gosto metálico de sangue na língua. Sabia que era uma possibilidade igual à de nascer um menino, mas nunca pensava sobre aquilo; era simplesmente demais. Robb precisava de um herdeiro, então ela providenciaria um.

—Vi algumas pessoas entrando na água do mar ontem. –Ela disse, mudando de assunto. –Mergulhando nele.

                Ela havia observado fascinada o modo como a luz batia nas ondas, refletindo em mil direções, diferente de como fazia nos lagos nortenhos. Então, as crianças começaram a entrar na água, espirrando-a por todos os lados, jogando-a umas nas outras, gritando e correndo. No Norte, as praias eram de pedras regulares e arredondadas, mas, ali, o chão era de areia granulada que afundava quando as crianças corriam.

—É comum é Guardamar também. –Elyria comentou. –A levarei para lá um dia, Vossa Graça. Há uma torre que se ergue diretamente das águas, ligada ao resto do castelo apenas por uma ponte. Os móveis não duram, pois são comidos pela maresia. E as crianças crescem a brincar nas águas.

                Cordyra internalizou a ideia daquela infância idílica. Mas talvez todas as infâncias de jovens nobres fossem um tanto idílicas. A sua própria, fazendo guerras de neve nos terrenos de Winterfell, e beijando Robb no Bosque Sagrado, não havia sido tão diferente. Haviam conflitos, mas eles eram jovens demais para ser envolvidos. Mesmo as longas viagens de diplomacia que se tio fazia com Jon e Robb mais pareciam aventuras que qualquer outra coisa.

—As Gêmeas cortam o Ramo Verde. –Disse Rosey, com uma voz pequena, que quase não se fazia ouvir. –As águas ali são muito truculentas para atravessar, mas, no auge do Verão, quando vem a seca, são boas para banho, embora Branca Walda sempre risse de Gorda Walda, e Roslin não gostasse de molhar os cabelos. Mas, ao menos, os rios têm fim, e sabemos aonde vão os corpos dos que somem neles. Não dá para saber no mar.

                Já tendo estado nas Gêmeas antes, aquilo Cordyra conseguia imaginar com clareza; embora o terrível rio caudaloso que corria por debaixo da passagem entre as duas torres que davam nome ao castelo não exatamente parecesse amigável para que crianças brincassem em suas águas.

                Ela abriu a boca para compartilhar suas próprias experiências de infância; não estivera com tanta frequência no Lago Longo, apenas algumas vezes enquanto tio Eddard a ensinava a nadar, e mais tarde quando os meninos ficaram amigos de Benfred Tallhart. Mas então houve uma batida na porta, e as quatro meninas aninhadas na cama pularam levemente com o susto. Cordyra pôs a mão em cima da barriga, mas o bebê não estava chutando naquele momento.

—O conselho deve ter chegado ao fim. –Ela anunciou, embora houvesse uma sensação ruim em seu peito. Alys e Rosey também começaram a se levantar, tencionando deixar Elyria sozinha em seus aposentos. Todas fizeram reverências quando Cordyra disse algumas palavras de despedida e foi em direção à porta.

                Ela esperou encontrar Quent, Hal, ou um dos dois Olyvar na porta –ou o guarda de Winterfell ou o escudeiro Frey de Robb. Não era nenhum homem na porta, porém.

                Jeyne Westerling pairava palidamente junto à porta, os braços cruzados na frente do corpo, e os ombros encolhidos como se pensasse estar fazendo algo de errado. Quando Cordyra saiu para fazer companhia a ela no corredor, seus olhos castanhos correram pela rainha, então de volta ao chão rapidamente.

                Cordyra sentia como se houvesse um zumbido em seu ouvido, a impedindo de pensar com clareza.

—Senhora Jeyne. –Cumprimentou. –O conselho chegou ao fim?

—Não sei dizer, Vossa Graça. –A menina tinha uma voz baixa, melódica. Devia ser uma boa cantora. Cordyra fora sempre mediana naquele aspecto; não fazia vergonha, mas era sempre melhor deixar Sansa brilhar.

Notou que Jeyne trazia um papel em suas mãos.

—O que é isso?

                Ela o segurava com força o suficiente para que suas juntas ficassem brancas.

—A senhora minha mãe pediu-me para transmitir as notícias para o Jovem Lobo. Chegaram de Correrrio, Vossa Graça. –Ela disse tudo muito rapidamente, como se quisesse se livrar de um fardo. –Ela me proibiu de avisar a qualquer um antes de ao Rei, mas pensei que gostaria de estar lá.

                Cordyra sabia que não podia exigir saber o que estava ocorrendo antes de Robb, então silenciosamente concordou em acompanhar Jeyne pelos corredores bruxuleantes do Despenhadeiro em direção ao seu próprio quarto.

                As duas garotas, uma clara e a outra escura, Cordyra dois dedos mais baixa que Jeyne, e com quadris mais redondos, andaram lado a lado. Ela tentou evitar apertar os dedos nas mãos, mas fez isso até que não aguentou mais o silêncio:

—Apenas me diga se são más notícias, senhora Jeyne. –Pediu Cordyra, a voz vulnerável.

                A outra garota a olhou apenas pelo canto do olho.

—A senhora minha mãe pediu que eu dissesse ao rei, de preferência quando sozinho. –Jeyne disse muito lentamente, em contraste com a sua afobação anterior. –Ela teve esperanças de que eu o consolasse em seu lamento.

                Cordyra fechou os olhos; o que pesasse no coração de Robb devastaria também o seu, ela tinha certeza. Rezou para que a senhora Catelyn estivesse segura; da última vez que mandou notícias estava em Correrrio, afinal. Rezou também por Sansa e Arya; que estivessem em Porto Real, mesmo que cativas. Os deuses seriam cruéis se as levassem logo agora, quando estavam tão próximos a combater contra o exército Lannister.

                Ela nem se deu ao trabalho de considerar as palavras de Jeyne sobre a mãe; sentira no momento em que entrara no Despenhadeiro que havia algo podre na casa dos Westerling. Era bom que ao menos o rosto da traição houvesse sido descoberto, mas Cordyra não podia se importar menos com Sybell Westerling; a rainha era a única a possuir o coração do rei, e nada poderia muda-lo.

                Ela tentou deixar de sofrer em antecipação, mudando sua atenção para outra coisa.

—Fez bem em me contar. –Cordyra disse em voz alta para Jeyne, então olhou o rosto da garota com mais cuidado. –A senhora sua mãe não vai gostar.

—Não. –Jeyne concordou com cuidado. –Mas nada poderá fazer se me aceitar como sua senhora.

                Cordyra tentou esconder a surpresa com as palavras de Jeyne, mas pensou que não devia ter se saído bem. Apertou os lábios um minuto, então concordou com a cabeça. Teria que falar antes com Robb, é claro; afinal, a Casa Westerling era vassala dos Lannister, e o próprio pai de Jeyne teria que concordar com aquele arranjo, afinal, eles poderiam sofrer fortes reprimendas caso Lorde Tywin ganhasse a guerra; coisas que talvez Jeyne fosse muito jovem para entender.

                Elas pararam diante das portas duplas com conchas entalhadas na madeira e archotes de ambos os lados; lá dentro, Robb se reunia com seus senhores de maior confiança: Sor Brynden, Patrek Mallister, Pequeno-Jon, Dacey Mormont e Lucas Blackwood.

                Foi Jeyne quem bateu, e as meninas esperaram na penumbra até que, para surpresa de Cordyra, Raynald Westerling, o Cavaleiro das Conchas, abrisse a porta. A rainha não havia percebido que ele agora era um homem de confiança do rei; e fez uma nota mental para si mesma para avisá-lo sobre a matriarca Westerling.

                Ele passou os olhos pela irmã, e depois os focalizou na rainha.

—Vossa Graça, temo que o conselho tenha se estendido até tarde demais. –Ele disse, em tom de desculpas, abaixando a cabeça um pouco, um sorriso cansado no rosto.

                Cordyra não achou em si forças para sorrir de volta.

—Sor Raynald, recebemos notícias que requerem atenção urgente do Rei do Norte. –Ela o avisou. –Por favor, permita que entremos.

                Imediatamente ele abriu a porta inteiramente, deixando que ambas entrassem. A pequena mesa de café de seu quarto estava transformada, com um mapa jogado por cima dela, cheio de bonecos de madeira em forma de trutas, lobos e leões, que representavam números num exército. Todos lá dentro levantaram as cabeças para olharem-nas quando entraram. Cordyra trocou um olhar com Jeyne antes de levantar a voz.

—Meu Rei, chegaram notícias de Correrrio. –Devia haver algo em seu rosto, porque Robb se empertigou rapidamente, levantando-se ereto. –A senhora Jeyne Westerling tem uma carta.

                Os conselheiros lentamente começaram a se organizar para sair da sala, mas Robb não deu licença para que saíssem, especialmente por Sor Brynden que era família próxima, e estaria interessado caso fossem notícias da Senhora Catelyn. Mesmo os irmãos Westerling ficaram conforme Robb pegava a carta com o lacre rompido, e a lia lentamente.

                Cordyra e Sor Brynden esperaram lado a lado; enquanto Robb lia a carta uma vez, e depois passava os olhos nela novamente, como se não pudesse acreditar em seus próprios olhos, a cor sendo drenada de seu rosto, que ficou como papel, destacando as olheiras escuras de noites acordado, fazendo planos. Cordyra imediatamente compreendeu que, qualquer coisa que ela houvesse pensado, tinha de ser pior.

—Bran e Rickon estão mortos. –Robb disse, a voz tão morta que era como se ele tampouco estivesse entre os vivos. Os olhos dele encontraram com os dela. –Theon Greyjoy tomou Winterfell com um grupo de Homens de Ferro e os matou.

Cordyra foi banhada por uma tontura, como se o ar tivesse sido sugado da sala. Tentou recuar, mas tropeçou e atingiu a Dacey com o ombro, sendo amparada pela outra mulher. Olhou para Robb. Parte da cor havia voltado a seu rosto, mas as marcas escuras embaixo dos olhos ainda eram manchas cinzentas na pele. Cordyra esperou que dissesse mais alguma coisa, mas ele parecia satisfeito em apenas encará-la com um horror evidente.

—Ninguém jamais teria pensado... –Começou a dizer Pequeno-Jon.

Mas Robb não esperou para descobrir o que mais ninguém pensaria. Em vez disso, virou as costas e foi até a janela com vista para o mar. Ficou ali por um instante, a luz que entrava da janela deixando as pontas de seus cabelos brilhantes como chamas. Em seguida se moveu tão depressa que Cordyra não teve tempo de reagir. Quando viu o que ia acontecer, já era tarde demais. Houve um barulho — o som de algo espatifando — e uma rajada repentina de vidro quebrado como um banho de estrelas estilhaçadas. Robb olhou com um interesse clínico para a mão esquerda, as juntas em escarlate enquanto grossas gotas de sangue se formavam e pingavam no chão.

Cordyra olhou de Robb para o buraco no vidro; linhas irradiavam do centro vazio, uma teia de aranha de finas rachaduras prateadas. Sangue escorria do punho fechado de Robb pelo seu braço erguido. Os nós dos dedos estavam feridos, lembravam estrelas vermelhas explodindo. Havia sangue espalhado pelos dedos, uma luva vermelho-vivo.

Cordyra desejou conseguir se mover, poder se esticar e tocá-lo, mas não conseguia. Os braços pareciam congelados nas laterais.

                Estava pensando em como, uma vez, fora capaz de segurar o pequeno Rickon em seus braços, aninhado nela como um filhote de lobo. Lembrou-se com a clareza da memória, no dia em que Robb e Jon haviam chegado com os lobos, o modo como o garotinho se esquivara de Felpudo, que mais tarde viria a se tornar o seu melhor amigo. E Bran. Cordyra havia pensado que perderia ele uma vez, mas então ele sobrevivera, e ela jamais se imaginara passando mais uma vez por aquela dor novamente.

                Por que os deuses haviam de devolvê-lo se o tomariam de volta mais tarde com o mesmo afinco?

                Pior, como ela e Robb não haviam percebido que aconteceria. Ela havia visto a morte de Viserys, tão longe do outro lado do Mar Estreito, sem nada que ela pudesse fazer por ele, porque os deuses não a haviam enviado uma visão de Bran e Rickon, por quem ela poderia fazer algo?

                Ela encontrou os olhos de Robb novamente; estavam selvagens com o luto.

—Eu devia ter ficado em Winterfell. –Ela murmurou, tão baixo que pensou que ninguém ouviria, mas todos ouviram. –Se eu tivesse ficado em Winterfell com eles, e meus dragões...

—Os lobos não ajudaram, os dragões também não iriam. –Robb disse asperamente. –Theon sabia sobre eles.

                O tom de sua voz cortou tão profundamente quando o vidro no chão teria cortado. Cordyra sentia como se alguém houvesse amassado seu corpo em uma bolinha de papel, e então tentado puxar de volta para a forma original. Tudo nela doía; dentro e fora de seu corpo.

—Pobre Cat. –Murmurou Brynden. –Vossa Graça, minhas lamentações pelos seus irmãos.

—Sim. –Dacey concordou. –Lamentamos muito, Vossa Graça. Mas... eram seus herdeiros.

—Há mais. –Robb disse, sem preâmbulos. –Edmure lutou contra as forças de Lorde Tywin em Correrrio, lideradas pela Montanha, impedindo sua vinda para Oeste. Lorde Tywin marcha de volta a Porto Real para lutar contra Stannis.

                O silêncio que se abateu sobre a sala era muito barulhento; havia um zumbido nos ouvidos de Cordyra durante todo o tempo –um som que batia e voltava dentro de sua cabeça, no ritmo de seu coração. Ela pensou que iria vomitar; estava pensando em Rickon, quando aprendera a dizer “não” e balançava negativamente a cabeça mesmo quando queria alguma coisa; e Bran, que sempre atirava suas bolas de neve dos pontos mais altos de Winterfell...

—Aquele tolo. –Disse sor Brynden, numa voz que era menos um esbravejo que um suspiro.

—Devemos marchar para Norte, senhor. –Disse Pequeno-Jon. –Não há Rei sem reino.

                O rosto de Robb era cinzento na luz difusa dos archotes nas paredes. Cordyra não prestava atenção; ao seu redor, o mundo caia e caia, girando como um caleidoscópio preto, branco e vermelho sangue de horror ininterrupto. Sangue ainda pingava da mão ferida de Robb, em uma poça escura no chão. Cordyra se concentrou naquilo por um momento, tentando limpar a mente. Era a segunda vez que via Robb ferido num curto espaço de tempo; se aquilo não fosse o suficiente para despertá-la, então ela se diluiria em dor e luto.

                Ela pensou apenas no que vinha à frente.

—Marcharemos ao alvorecer. –Ele determinou, mas sua voz ainda não tinha cor ou tom; um quadro em lápis carvão e nada mais.

                Pela primeira vez, o conselho se dissolveu rapidamente porta afora, como se estivesse todos ansiosos em deixar a bolha de luto na qual se encontraram o rei e a rainha. Quando a porta se fechou atrás de Cordyra, Robb deixou-se encostar na parede como se as suas pernas houvessem falhado, os olhos fechados, largas manchas roxas embaixo deles, ele deslizou pela parede, escolhendo-se em uma bola muito distinta do rei.

                Cordyra também gostaria de se encolher em si mesma até sumir, mas obrigou-se a abrir a caixa ao lado da cama, onde achou panos limpos e uma garrafa de vinho. Pegou-os, então atravessou o quarto banhado na meia-luz amarela do fogo, tateando seu caminho com os olhos enevoados de lágrimas não derramadas. De alguma forma, chegou a Robb com passos firmes, se ajoelhou ao lado dele. A cabeça estava baixa, de forma que ela encarava nada mais que cabelos densos e cachos ruivos. Aquela visão não facilitava em nada; eram os cabelos de Bran e Rickon.

                Respirou fundo.

                Ela pegou a mão de Robb, inerte, e a trouxe para o seu colo. Limpou o sangue com cuidado, enquanto manchas vermelhas tomavam formas de sonhos no tecido de seu vestido. Robb não reclamou quando ela derramou o vinho em suas feridas, ou quando amarrou sua mão em panos limpos de linho.

                Quando ele levantou a cabeça, haviam traços de lágrimas cortando o seu rosto como torrentes do Ramo Vermelho.

                Era a perda, sim, mas agravada pelo sabor desconhecido da traição. Cordyra imaginou se haveria um gosto amargo na boca de Robb se ela o beijasse, mas a boca de Robb, geralmente rosada e convidativa, estava pressionada em uma linha dura.

—Meu pai teria cortado a cabeça dele por isso. –Robb abriu os olhos para ela. Eles eram surpreendentemente cheios de fogo.

—Você também irá. –Disse Cordyra, surpresa com a dor expressa neles.

                Alguma coisa piscou por trás de seus olhos; hesitação.

—Espero ser capaz. –A sua voz agora foi baixa como um sussurro. Ela pensou em Theon, a quem Robb apresentara toda Winterfell, e que o ensinara a segurar a respiração debaixo d’água.

                Cordyra não respondeu, mas havia um fogo em seu coração que a fez pensar que, se ele não fosse capaz de manejar a espada, então ela seria. Quando o sangue vermelho de Theon fluísse por suas mãos, ela o esfregaria nas muralhas de Winterfell como um lembrete.


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