Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 29
O Despenhadeiro




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Aqueles na cabeça do exército tiveram a primeira visão do castelo conhecido como Despenhadeiro ao fim de uma longa subida por uma colina íngreme e inclinada, com o sol incidindo em seus olhos durante todo o tempo. Os homens suspiraram. Se pela beleza do lugar, um castelo de tamanho modesto, mas em cima de uma falésia com vista para o mar do Poente, ou por alívio de terminarem a subida, era difícil dizer.

                Robb e seu garanhão cinzento cavalgaram para junto dela, com Vento Cinzento à tiracolo. Cordyra o deixou se aproximar o observando pelo canto do olho.

—Não são montanhas muito impressionantes, não é? –Ele perguntou baixo, como se fossem crianças novamente, aos sussurros para não chamar atenção dos adultos.

—Colinas e montes, isso é tudo. –Ela disse, pensando nas gigantescas e verdejantes massas de montanhas e cordilheiras do Norte, que se estendiam até onde a vista alcançava, ficando mais e mais claras à distância até que fossem apenas uma sombra azulada no horizonte.

—Mas o mar... –Robb começou a dizer, e pareceu não encontrar as palavras para continuar. Cordyra compreendeu, porém. Aquele mar azul cobalto, com ondas suaves adornadas por espuma branca em nada se parecia com o mar nortenho; uma coisa cinza-esverdeada, sempre agitado, e tão frio quanto gelo. Era o Mar Tremente que banhava a costa nordeste de Westeros, e não era um mar amigável.

                Ela concordou com um aceno de cabeça, apenas. Estava cansada da longa viagem de Cinzamarca até ali. Começava a desejar ter aceitado ficar em Correrrio, ou ao menos ter voltado com a senhora Maege quando ela fizera a viagem levando suprimentos para as Terras Fluviais. O bebê chutava e se movia o tempo todo agora, principalmente nas suas costelas. Cordyra nunca reclamava, mas o cansaço começava a levar o melhor dela.

                O senhor do Despenhadeiro era o Lorde Westerling, que fora capturado na Batalha dos Acampamentos, nas Terras Fluviais, e levado como prisioneiro por Lorde Mallister até Guardamar. Ainda assim, Cordyra supôs que, se tivesse uma esposa, filhos e filhas, eles estariam em casa, e deviam dar algum trabalho resistindo à incursão nortenha.

                Robb organizou o exército de forma que Cordyra, suas senhoras e mais de uma dúzia de guardas esperariam exatamente ali, em cima da colina com vista para a batalha, mas longe o suficiente para estarem seguros, com o terreno alto para caso alguém decidisse investir contra o grupo da rainha. Robb organizou sua infantaria para descer na frente, com a cavalaria logo atrás. O Westerling não tinham muros particularmente confiáveis, e seus soldados já esperavam do lado de fora –certamente tinham os visto chegando de longe, ou já esperassem sua chegada por conta de Cinzamarca.

                De longe a batalha ocorria de uma forma diferente. A acavalaria, mais rápida que a infantaria, rapidamente passou na frente, e os dois exércitos se chocaram com a força de mil ondas sobre o despenhadeiro. Cordyra agarrou-se com força ao pedaço de sela à sua frente, as unhas deixando sulcos profundos no couro. De tão longe, ela não poderia ver Robb, e não ousava fazer com que Aurae sobrevoasse o campo. Às vezes ela podia sentir a consciência do dragão procurando pela dela, mas nunca respondia ao chamado. Ao seu lado direito, Jocelyn tinha uma expressão austera, observando a batalha com os olhos estreitos, e segurando nas mãos um verdadeiro machado de guerra, de aço, tão pesado que ela o levava com as suas mãos. Cordyra sabia que Robb havia mandado o ferreiro de Sarsfield fazer a arma, mas nunca chegou a perguntar o motivo.

                Quent estava com o cavalo à sua esquerda. Ele levantou um braço forte como um tronco de árvore e apontou para o meio da batalha.

—Acho que vejo Hal, Vossa Graça. –Ele disse. Cordyra murmurou em resposta como se concordasse, mas na verdade nada via. –O cavalo malhado dele é inconfundível.

                Para ela, poderiam muito bem ser um exército de formigas cruzando umas com as outras. Nem mesmo Vento Cinzento era distinguível de tão longe, embora ela pudesse reconhecer seus uivos com facilidade, destoando do som de metal que batia com tanta força que o vento levava até lá.

                Então o uivo mudou. Foi uma mudança sutil; ela não achava que seus companheiros poderiam sentir. Lá embaixo, o exército dos Westerling já estava cedendo espaço, se quebrando diante do assalto nortenho, mas, quando Vento Cinzento uivou, Cordyra sentiu que não era um uivo de vitória. Ao invés de enchê-la de coragem, pavor congelou o sangue em suas veias. Não medo do lobo, mas por ele.

                Para a sua surpresa, foi nesse momento que as portas dos Westerling foram abertas, e ela pensou que os soldados diminuíram o ritmo. Agora latejava em seu peito. Ela agarrou as rédeas de seu cavalo com força.

—Vamos. –Chamou os companheiros. Então olhou para trás, observando cada um dos rostos, e os animais entre eles. –Quent, você fica com os dragões.

                Eles pareceram hesitantes; não era claro se a batalha havia de fato terminado, mas Cordyra não podia esperar. Havia uma dor em seu peito que ardia e queimava, e ela tinha quase certeza de saber a fonte do problema. Ela cavalgou no ritmo das batidas do próprio coração. A batalha vista de dentro não era nada como a organização que parecia de cima. Haviam cavalos moribundos no chão, e cavaleiros que os sacrificavam. Sangue e lama misturavam-se sobre a grama verde-esmeralda como uma crosta de sujeira, e homens passavam pelos corpos caídos ao chão, tirando seus pertences. Norte não parou para cheirar os corpos, apenas seguiu perto dela.

                Cordyra procurou rostos conhecidos; tanto naqueles de pé quanto nos que estavam jogados na lama. Viu apenas soldados rasos e nada dos homens que os comandavam. A maioria dos caídos estava com o rosto virado para o chão. Cordyra sentiu um impulso de parar para verificar se estavam mesmo mortos, ou se apenas precisavam de ajuda, mas havia uma imobilidade nos corpos que nada tinha de natural.

                Os portões do despenhadeiro pareciam feitos de mármore branco ao longe, refletindo a luz. De perto, Cordyra notou que na verdade eram portões de madeira comum, porém recobertos de conchas de todas as cores e tamanhos; a maioria branca e clara, mas algumas cor-de-rosa claro e azul céu.

                Na porta, um rapaz não muito mais velho que ela esperava, usando uma armadura tão recoberta de conchas quanto as portas de entrada. O cavaleiro das conchas sorriu por baixo de um bigode hirsuto. Jovem, esguio, com um ar rude, tinha bons dentes e uma espessa cabeleira castanho-claro. Devia ser o filho mais velho dos Westerling.

                Ele se ajoelhou quando ela se aproximou com seu garanhão negro, sujas patas batiam no chão violentamente.

—Vossa Graça. –Ele disse, e Cordyra entendeu que os Westerling haviam se rendido antes do fim da batalha. –O rei...

—Está ferido. –Ela completou, impaciente com o modo lento com o qual ele escolhia as palavras. –Sei disso. Agora, onde?

                O cavaleiro saiu de seu caminho, indicando que ela passasse na sua frente.

—Mostrarei o caminho. –Disse, e partiu. Aparentemente era mais rápido com as ações do que era com as palavras.

                Enquanto a guiava pelos corredores do castelo, o rapaz foi a contando tudo que ela precisava saber: seu nome, Raynald, que os Westerling tinham ouvido falar da vitória de Robb sobre Cinzamarca, que era a sua última esperança. Disse que seu pai, Gawen Westerling, era prisioneiro em Guardamar e, sendo assim, não poderiam arriscar a ira do rei, com medo que as consequências caíssem sobre o chefe da casa.

                Cordyra estava mais interessada no castelo. Não achava que já houvesse visto uma construção tão bela. Winterfell era imponente, claro, e tinha cheiro de casa. Correrrio também era poderosa, dava para ver. Porém, o Despenhadeiro tinha quadros por todos os corredores –homens, mulheres e crianças com os mesmos olhos e cabelos castanhos, e um rubor adorável nas bochechas. Conchas do mar e desenho de algas marinhas adoravam as paredes em tons pastéis, e as maçanetas tinham o formato de tartarugas em algumas portas.

                Eles pararam na frente de um quarto com grandes portas fechadas. Sons baixos vinham de dentro, mas nada de gritos. O peito de Cordyra ainda ardia. Norte arfava levemente ao seu lado. Raynald empurrou as portas pesadas para que ela entrasse. Cordyra fez um gesto para entrar sozinha, e Jocelyn, Quent e as suas senhoras ficaram para trás.

                Por um segundo, tudo esteve escuro, e ela precisou tatear pelo quarto com as mãos estendidas, mas então seus olhos foram se ajustando à falta de luz.

Podia enxergar com clareza agora. Estava em um quarto de pedra cujo foco central era uma cama grande de dossel, a coberta de veludo agora amarrotado. Havia cortinas de tapeçarias abertas e um tapete elegante no chão que, fora isso, era vazio. Aliás, o próprio quarto era um tanto quanto despido. Não havia quadros nas paredes, nenhum enfeite nas superfícies da mobília de madeira escura. Duas cadeiras, uma diante da outra, ficavam perto da cama, com uma pequena mesa de chá entre elas. Um biombo em um canto do quarto escondia o que provavelmente se tratava de uma banheira e um lavatório.

Robb fora disposto na cama, e duas figuras, uma masculina e a outra feminina, se inclinavam sobre ele, enquanto Sor Brynden, seu tio-avô, observava da cabaceira da cama, uma mão no pomo da espada e os olhos atentos como os de um gavião. A truta negra em sua armadura estava suja de sangue. As duas figuras se afastaram de Robb quando Cordyra entrou, então ela pôde vê-lo.

                Não era tão ruim quanto pensava a princípio. Apesar de ligeiramente pálido, Robb sentava-se na cama com a força do próprio corpo, e bebia de um copo com energia o suficiente. Os olhos se acenderam ligeiramente quando a viram. Cordyra, porém, acompanhou com o olhar os outros dois no quarto.

                Havia uma menina mais ou menos de sua idade, com cabelos castanhos faziam caracóis nas pontas, e olhos da mesma cor. Tinha um sorriso doce, e suas mãos carregavam as bandagens sujas de sangue. Sangue de Robb, Cordyra percebeu com o estômago se revirando. O menino era mais novo, talvez da idade de Bran, e se parecia tanto com a menina quanto Bran se parecia com Robb. Norte se colocou no espaço entre Robb e a menina quando Cordyra se aproximou, e Vento Cinzento, que normalmente teria ido ao seu encontro, apenas cheirou o lado na sua direção, se recusando a sair de junto do rei.

                Ela se aproximou da cama, observando. Bandagens e algodão cobriam o peito de Robb, limpas. Ela pensou que devia ser um bom sinal.

—O que houve, afinal, Vossa Graça? –Perguntou. Sabia que Robb era um bom espadachim, e nunca fora ferido em batalha até aquele momento.

                Sor Brynden pigarreou com irritação, mas Robb o lançou um olhar.

—Olyvar insistiu em participar da batalha. –Ele contou. –Não vi porque não, mas parece ter sido cedo.

                Cordyra pensou com carinho no garotinho que seguia Robb pelo acampamento como se o rei fosse o sol nascente.

—Ele se feriu? –Perguntou.

—Não. –Robb respondeu lacônico, e fez uma careta de dor quando tentou se ajeitar na cama. Cordyra e a jovem Westerling se inclinaram à frente para ajuda-lo e, ao notar isso, Cordyra a lançou um olhar de lado, e a menina recuou. Quando a rainha o ajudou a sentar-se mais confortavelmente, Robb continuou. –Precisei tirar Pequeno-Jon de minha retaguarda para ajudar o jovem Olyvar, e um dos soldados viu a brecha. De qualquer forma, os Westerling se renderam, minha senhora. –Robb anunciou. Ela olhou para ele.

—Mesmo? Só vi crianças até agora. –Apontou, suspeita. –Devem ter uma mãe, ou um intendente.

                A jovem moça se pôs um pouco à frente para ser ouvida.

—Se me permitir, Vossa Graça, meu irmão Raynald já é homem-feito e o senhor nosso pai o colocou como responsável em sua ausência.

                Cordyra não deixou de notar que não foi para ela que a menina se dirigiu, mas para o rei. Um calor suspeito começou a subir pelo seu pescoço, e Cordyra desejou ter pedido para as suas senhoras entrarem com ela. Elyria teria sabido exatamente o que dizer àquela menina.

                O que ela dissera também não era tão estranho. Afinal, o próprio Robb, com apenas quatorze anos, fizera o papel de Senhor de Winterfell na ausência de Lorde Eddard. Ainda assim, parecia à Cordyra que algo não cheirava bem.

—Mas devem ter uma mãe. –Insistiu, também sem falar com a menina, apenas se dirigindo a Robb. –Não são filhos de chocadeira, são?

                Naquele momento, soube que estava sendo infantil, e ficou alegre que não houvesse ninguém além deles e de sor Brynden para testemunhar, embora o Peixe Negro já fosse uma testemunha a mais do que ela gostaria. Robb, porém, abriu um sorriso de lado em diversão.

—A senhora Sybell Westerling está no castelo, minha senhora. –Ele disse. –Já tive palavra com ela.

                Brynden fez uma expressão de desprezo que não passou despercebida à Cordyra.

—Eu vejo. –Cordyra cedeu. Então olhou ao redor. –Pois bem, me parece que o rei precisa descansar. –Sabia que, como convidada, não poderia tomar decisões dentro do castelo, mas era uma rainha, e o castelo havia sido tomado, então virou-se para os três Westerling presentes. –Deixem-nos.

                Os três saíram um a um. A última a passar pela porta foi a garota, sem olhar para Cordyra. A rainha teve ganas de esganá-la sem entender bem o motivo. Pensou na primeira vez que conhecera Alys Karstark, por algum motivo. Mas agora amava Alys como a uma irmã –a Arya que fora roubada dela.

                Mas não tinha tempo. Virou-se para sor Brynden com uma pergunta em seus olhos.

—Sybell. Quando Robb falou o nome, o que pensou? –Perguntou ao cavaleiro.

                O sorriso de Brynden teria cortado aço.

—-Os Spicer são uma casa recente, Vossa Graça; fizeram seu nome com a venda de mercadorias, e ganharam um título de nobreza. –Contou sor Brynden. –O castelão deste castelo é Sor Rolph, o herdeiro da Casa. Os Westerling são uma Casa mais antiga, porém empobrecida. Gawen não deve ter achado uma noiva de sangue nobre para casar.

—Entendo. –Cordyra disse.

                O que Brynden dissera entre linhas, é claro, é que os Spicer deviam ser uma casa de interesseiros; certamente a ligação com os Westerling os colocavam em contato com outros nobres, elevando sua posição. Tinham dinheiro, mas também ganância se haviam se dado ao trabalho de comprar um título de nobreza. Robb trocou um olhar com ela; também tinha entendido.

                Ela se virou para Robb, e se aproximou até estar sentada ao seu lado na cama.

—Quanto tempo até estar recuperado, meu senhor? –Perguntou Cordyra. –Quanto mais rápido pudermos sair daqui, melhor.

                Ao invés de parecer alarmado, os olhos de Robb eram pensativos.

—A mulher pode ser Spicer, sim, mas as crianças são Westerling. –Ele apontou, a voz dura. –Raynald se recusou a lugar comigo porque não pude erguer a espada com o ferimento. O lema de sua casa é “Honra, não honras”. O jovem Rollam e a irmã, senhora Jeyne, cuidaram do meu ferimento.

                O lema deles poderia ter sido “lealdade”, que Cordyra não teria se importado. Mas não foi isso que disse a Robb; havia uma dureza teimosa em seu queixo que ela pensava que conhecia. Já havia visto aquela expressão em seu rosto quando a senhora Catelyn o tentara convencer a mandar outra pessoa que não Theon Greyjoy a Pyke. Ou quando Sansa torcia o nariz para Jon em Winterfell.

—Muito bem. –Ela disse, estreitando os olhos, focando nas bandagens em seu peito. Ela gostaria de ter visto por baixo, com seus próprios olhos, o quão ruim estava, mas não sabia se teria tido forças para tanto. Robb sempre parecera imbatível; era desolador saber que era apenas humano. –Vai precisar de descanso para se curar.

                Sor Brynden se levantou.

—Sim. –Concordou com ela. –O rei deve descansar. Enquanto isso, organizarei duas tropas. Minha senhora, tenho permissão para levar as suas senhoras para seus lugares adequados? Certamente os Westerling podem ceder quartos para elas.

                Cordyra hesitou, apenas um pouco assustada em fazer companhia a um Robb de cama.

—Sim. –Acabou por concordar, com um aceno mínimo. –Leve-as, sor Brynden.

                O Peixe Negro virou os olhos para Robb, esperando a despensa de seu rei. Robb tinha os olhos grudados em Cordyra quando falou com ele:

—Vá, tio. –Disse, e o Peixe Negro os deixou sozinhos, fechando a porta com um clique atrás de si.

                Assim que Brynden saiu, Cordyra se deixou cair numa das duas poltronas que estavam dispostas no quarto, uma mão tocando pensativamente no próprio peito, na altura onde doera quando ela percebera que Robb estava ferido. Os olhos de Norte eram amarelos como a lua cheia, e não estavam fixos nela, mas no rapaz na cama, como se a loba também não tivesse certeza de que ele estava em condições apropriadas.

—Como soube que eu estava ferido? –Robb perguntou, com o tipo de familiaridade que ele apenas se permitia quando estavam sozinhos. –Eu disse que mandaria alguém para busca-la quando fosse seguro, mas chegou aqui sem minhas ordens. Você devia saber.

                Ela hesitou, se perguntando qual seria a reação dele.

—Eu pude sentir. –Ela ainda tocava o próprio peito, na altura onde surgira a dor, e ainda não se fora por completo.

                Ele assentiu, em compreensão. Naquela distância, ela achava que não podia ver o rosto dele bem o suficiente, com toda a extensão do quarto entre eles, então se levantou e voltou para o lugar onde ocupara antes na beira da cama. Ele observou seus movimentos com curiosidade.

—Faz sentido. –Ele disse quando ela estava próxima o bastante.

                Ela franziu a testa, um sorriso incrédulo no rosto.

—Faz? –Cordyra gostaria muito que ele pudesse oferecer uma explicação, porque ela não tinha nenhuma.  

                Robb respirou com força quando tentou ceder lugar para ela na cama, então Cordyra se esticou, apoiando o corpo dele para ajudá-lo a ir mais para o lado, deixando espaço para ela. Ele tentou encolher os ombros, mas pareceu machucá-lo, e desistiu.

—Se eu posso entrar em contato com Fantasma para ver Jon, então certamente você deve poder entrar em contato com Vento Cinzento, não? –Ele questionou, como se realmente esperasse sua resposta.

                Cordyra tamborilou os dedos no colchão, sentindo as penas por debaixo da superfície.

—Então por que não tenho visto Jon? –O que ela queria dizer é que havia sido quase tão próxima de Jon quanto Robb, embora eles compartilhassem um tipo diferente de vínculo. Não parecia justo que ela não pudesse alcançar Fantasma e Robb, sim.

                Robb não tentou dar de ombros daquela vez.

—Talvez não tenha pensado nele o bastante. –Disse com simplicidade. –Penso em Jon todos os dias.

                Cordyra sentiu seu coração esticando e quebrando um pedaço dentro de si. Ela pensara que Pequeno-Jon e Patrek Mallister vinham distraindo Robb o suficiente como companheiros, mas parecia não haver amizade grande o bastante para fechar o buraco que Jon deixara. Theon, ela pensou, talvez pudesse. Mas ele fora em busca de aliados, e jamais voltara. Robb estava sozinho naquela guerra, no fim. O Vale, e as Ilhas de Ferro, nenhum deles viria em seu nome.

                E a Patrulha da Noite não tomava lados.

                Quando aquilo tudo acabasse, e ela esperava que fosse em breve, Cordyra traria Jon da patrulha, prometeu a si mesma. Ele quebraria todas as regras se preciso fosse, para fazer Robb feliz. Pensou em como o Comandante Mormont ficara incomodado quando ela visitara. Ele não gostaria nada daquilo, mas não teria escolha; ela era apenas a Senhora de Winterfell naquela época, e agora era rainha.

                Não disse nada disso a Robb, porém. Alguns planos eram melhor executados quando eram secretos.

                Ao invés disso, pousou os olhos na Irmã Negra, brilhando ensanguentada apoiada contra a parede como uma vara. Sem tirar os olhos da espada, ela perguntou:

—Não há Bosque Sagrado aqui? –Robb sempre havia se purificado rezando aos deuses de seu pai ao fim de cada batalha, exatamente como Lorde Eddard havia feito em vida. –Ou não teve como ir a um?

                Robb fez uma careta.

—Lady Jeyne pensa que não devo me movimentar muito nesses dias. –Ele disse. Cordyra ignorou o aperto em seu peito que veio ao som do nome da menina. O rosto de Robb se iluminou, subitamente. –Talvez você possa fazer isso por mim.

                Cordyra abriu bem os olhos, alarmada.

—Não sei se você pode terceirizar suas preces. –Disse, em um tom de dúvida. Não porque não rezaria por Robb; ela o faria mil vezes, mas apenas porque parecia que estava cada dia mais distantes dos Velhos Deuses de sua família. Ela não se lembrava quando fora a última vez que se ajoelhara diante de uma árvore coração.

—Eu poderia, se fosse você quem o fizesse. –Ele insistiu. –Meu coração é seu, então que minhas palavras sejam suas.

                Com aquela expressão, ele poderia a ter convencido a quase qualquer coisa no mundo.


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