Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 28
Cinzamarca


Notas iniciais do capítulo

Agora estamos nos dirigindo para a reta final dessa segunda parte da fic. Não tenho tido muito tempo para escrever ultimamente e, portanto, estou sem tantos capítulos à frente. Esperem que a partir de agora as postagens fiquem mais espaçadas, mas não estou desistindo da fic! Penso nela sempre.
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Cinzamarca era um castelo no alto de uma colina, com a vila de casas amarelas e queimadas do sol subindo em seu caminho como se o monte fosse feito pelas construções, e um fino curso de água que era a nascente do rio Pedregoso descendo a colina. Também era assim por dentro; ligeiramente queimado de sol. Cordyra nunca havia pensado muito sobre as Terras Ocidentais, onde tudo parecia arenoso e seco e, mesmo quando chovia, o solo tinha uma tintura vermelha da cor das bandeiras dos Lannister. Tudo dizia que ela estava longe de casa. Se estivessem em Winterfell, a cor seria branca, apenas.

                Mas não estavam. Ela sonhara com Winterfell na noite anterior, e, em seu sonho, havia água ao invés de neve, mas os lobos de Bran e Rickon nadavam por ela, nadavam por cima das muralhas, e tudo era branco como a névoa de outono, e tinha cheiro de casa.

                Os nortenhos tiraram os brasões de árvores queimando em laranja e cinzas das paredes de Cinzamarca, e substituíram com os estandartes de Winterfell. Se tinha esperanças de que isso a fizesse se sentir em casa, Cordyra teria ficado desapontada. Por outro lado, Elyria, quando entrou no salão, olhou ao redor com interesse e disse:

—Lembro-me de uma vez que fiquei hospedada aqui quando criança. –Comentou. –Cinzamarca tem quartos com banheiras grandes o suficiente para um leão, e preciso mesmo de um banho.

                Com isso, pediu licença, e sumiu com sua criada por um corredor, apinhado de soldados e trabalhadores que tiravam os quadros, e procuravam por riquezas que pudessem estar escondidas no castelo. Quando a própria Cordyra se virou para perguntar a Sor Brynden onde ela poderia se alocar, encontrou a visão de Robb, vindo em sua direção. Ele parecia atormentado, e um pouco fatal, com o sangue marcando as maçãs do rosto apenas para deixar o azul dos olhos ainda mais marcante. A batalha por Cinzamarca não havia sido das mais perigosas, e ela podia ver que o sangue não era dele.

—Senhora, venha comigo. –Ele pediu em voz baixa. Ele estava andando rápido, tentando ser discreto. Não adiantava. Os homens viravam-se à sua passagem, e murmuravam os parabéns por mais uma batalha. Robb acenava e agradecia, mas, quando pegou sua mão, foi levando-a para fora do castelo com pressa.

                Cordyra gostaria de se recolher, mudar de roupa e lavar a poeira dos cabelos, mas se deixou ser levada de qualquer forma. Eles desceram a escadaria principal que levava ao hall do castelo, mas, ao invés de se dirigirem ao portão por onde haviam entrado, deram a volta na construção de pedra, pisando ainda mais a grama seca e amarelada, descendo a colina. O rio crescia ali tão próximo, que Cordyra se pegou pensando que não seria difícil utilizar-se dele para irrigar as terras do castelo, mas os Marbrand pareciam não ter pensado no assunto.

                Eles continuaram dando a volta, de forma que Cordyra estava se perguntando se Robb a havia chamado para algum tipo de patrulha do perímetro, quando, por de trás do castelo, uma construção de vidro e metal surgiu, com hera subindo suas paredes, e uma maçaneta em formato da árvore em chamas do brasão dos Marbrand. Em comparação ao castelo, era pequena, mas, quando Robb a posicionou bem de frente para a porta, Cordyra estava sorrindo.

—Uma estufa, Vossa Graça? –Ela perguntou, embora soubesse a resposta. –Como sabia que isso estava aqui?

                O rosto de Robb estava ligeiramente corado, mas nem isso disfarçava o brilho do sangue. Cordyra estendeu uma mão, e tentou limpá-lo, mas estava seco e grudava-se aos pelos de sua barba também vermelha. Robb segurou sua mão.

—Vai se sujar, minha senhora. –Ele disse. Havia terra em seus cabelos, e sangue em seu rosto.

                Cordyra olhou para as próprias mãos; unhas amendoadas limpas, de pontas brancas, em pequenas mãos macias de punhos roliços. Ela o ignorou, e continuou esfregando o sangue, até que não estivesse mais na pele dele, mas debaixo de suas unhas.

—Agora nós dois temos sangue nas mãos. –Ela brincou. Os olhos dele brilharam, mas Robb não sorriu. –Agora, diga-me.

                Ele abriu a porta da estufa enquanto falava, e se postou na entrada.

—Lembra-se quando pediu ao senhor meu pai que tivéssemos uma estufa de flores em Winterfell? –Ele perguntou. Lá dentro, nada era arenoso. Haviam cores que Cordyra havia visto apenas em tinta aquarela; amarelo cárdamo, azul pátina, rosa choque. As cores se encontravam em centenas de pétalas de diferentes tamanhos e formatos; algumas longas e estreitas, outras pequenas e redondas. Robb continuou falando. –Pedi a Meistre Luwin que me dissesse onde encontrar uma estufa de flores, de forma que, quando eu fosse senhor de Winterfell, pudesse construir uma para você.

                Olhando para cima, o teto de vidro formava um domo acima de suas cabeças. Quando a luz passava pelo vidro de cima, se partia em pedaços de mil cores que nem mesmo ela poderia nomear. Ela acreditou não haver tinta o suficiente no mundo conhecido para que ela pudesse pintar aquela cena, então tentou absorver tudo com o seu olhar; a bancada de madeira ligeiramente úmida, os vasos, as folhas mais finas e mais grossas, de um rico verde escuro, e algumas de um verde tão claro que era quase amarelo. Acima de tudo, tentou memorizar o olhar no rosto de Robb; mesmerizado. Mas ele não olhava para a estufa.

—Não achei que você tinha prestado atenção. –Cordyra respondeu, sentindo as bochechas ficando quentes como se ela tivesse doze anos de novo, o vendo se inclinar em sua direção, sabendo que pretendia roubar um beijo, e sem saber como reagir.

                Ele sorriu como um segredo.

—Sempre presto atenção. –Garantiu. –Mas foi Jon que entreouviu você fazendo o pedido ao pai. Então ele me contou.

                Cordyra tentou lembrar que idade tinha na época. Uns dez ou onze anos, pensava. Lembrava-se de Jon também naquela idade; magrelo, de joelhos ossudos e o rosto longo, muito parecido com Arya. Arya, naquele tempo, estava numa fase em que vivia a perguntar a Jon se ele ainda gostaria dela se ela fosse ruiva, se ela tivesse olhos azuis, se ela soubesse bordar. Estavam numa fase tão próxima, os irmãos, que Cordyra não se lembrava de ele ter prestado muita atenção nela.

—Eu também presto atenção. –Ela pontuou. –Notei que parecia preocupado quando me procurou. Achei que houvesse recebido alguma notícia.

                Ela viu o movimento em sua garganta quando ele engoliu e desviou o olhar.

—Recebi, na verdade. –Disse. –A senhora minha mãe mandou que fosse avisado que Ponta Tempestade caiu para o rei Stannis, e que Lorde Tywin se pôs em marcha para Oeste. Além disso, sor Rodrick disse que Benfred Tallhart e um grupo que se autointitulava As Lebres Selvagens foram mortos na Mata dos Lobos.

                A notícia pesou em seu coração. Ela podia se lembrar de Benfred como o bom rapaz que a acompanhou na travessia pelo Norte em direção à Muralha. Ele a havia ensinado a montar uma barraca de acampamento, e torcido por ela quando empunhou a Irmã Negra. Quando eram mais novos e os Tallhart visitavam os Stark, Robb ficava vermelho a cada vez que ele a chamava para dançar, mas isso havia sido há muito tempo. Cordyra apertou as mãos em punhos, de forma que as unhas machucaram as palmas suaves. Então soltou, sentindo arder onde ela havia apertado com força.

—Acha que os Lannisters estão fazendo incursões no Norte? –Ela perguntou, tentando manter a emoção longe de sua voz.

                Robb estreitou os olhos.

—Não, eu... eles não têm como passar por fosso Cailin sem se fazer notar, e não dispõem de barcos para ir por mar. –Ele parecia confuso. Passou uma mão pelos cabelos vermelhos; um gesto nervoso. –Vi fantasma na noite passada, acho que eu estava tentando conseguir notícia de casa. Sabia que Jon está Para-lá-da-Muralha?

                Cordyra olhou para ele. Robb nunca tinha dito que conseguia comunicação com outros lobos além de Vento Cinzento, mas ela também não tinha dito a ele que tinha uma relação Warg com Aurae, então pareceu justo. Ela pensou em Jon, do modo como ela o vira, irmão juramentado da Patrulha. Pensar nele seguro em Castelo Negro havia sido um consolo que ela agora não tinha mais. Pensou sobre a mão morta e azul, e se perguntou se devia contar a Robb; mas ali, no quente da estufa, parecia apenas um sonho ruim, e ela mesma já não sabia se fora verdade.

                Ainda assim, ela se perguntou se aquela incursão tinha alguma coisa a ver com os mortos, ou se era apenas trabalho com os Selvagens.

—Ele é um homem da Patrulha agora. –Cordyra lembrou a Robb.

Robb olhou para as próprias mãos por um instante sem responder. Eram mãos esguias, os dedos e juntas marcados por calos antigos. O dorso tinha linhas brancas de cicatrizes. Eram mãos de um soldado e de um rei, não de uma criança com dezesseis anos completos apenas. Mas ele havia manejado sua primeira espada de madeira com seis anos, quando podia se equilibrar nos pés com o peso.

—Ele poderia ter avisado. –Robb rebateu. –Mandado uma carta.

                Cordyra balançou a cabeça.

—Em marcha, nenhum corvo teria sido capaz de nos encontrar. –Ela pontuou. –Eu o vi, Robb. Estaria aqui se pudesse, mas não vai quebrar seu juramento.

                Ele não é Jaime Lannister, ela pensou em acrescentar, mas ali estava um nome que não faria bem algum em ser citado.

—Gostaria que o pai nunca houvesse deixado Winterfell. –A voz de Robb era pouco mais que um suspiro. Eles nunca falavam naquele assunto, porque Lorde Eddard fora embora, e a vida deles nunca mais seria a mesma desde então; não tinha volta. Desejar não ressuscitava os mortos. –Ou Jon. Ou Theon.

—Então estaríamos na porta da sala de reuniões, tentando ouvir as novidades. –Cordyra brincou.

                Eles haviam feito isso muitas vezes, se empilhado com os ouvidos colados na porta enquanto Lorde Eddard se reunia com algum vassalo, ou com um comerciante trazedor de notícias. Cordyra colocava um olho na brecha, mas a mesa era posicionada fora da vista. Se Bran tivesse uma idade mais parecida com a deles, certamente poderia ter escalado os muros do castelo para espiar, mas era novo demais naquela época. Theon era muito orgulhoso para se ajoelhar à porta à procura de informações, e nunca participava de brincadeiras entre os três, porque Jon não gostava dele.

—Sem saber que somos mais felizes sem ela. –Robb acrescentou amargo, mas, ao ver a expressão frustrada de Cordyra, alcançou um sorriso dentro de si para apresentar a ela. Ela fez um gesto de cabeça para as inúmeras plantas ao seu redor. Ele apontou para uma de cor roxa, com veios azuis profundos. –Vê essa? Chama-se Cordyra.

                Um sorriso cresceu em seu rosto sem ser convidado.

—É mesmo? –Ela perguntou, fingindo acreditar.

—Sim. –Robb confirmou. –Mas só pode ser colhida por homens Stark.

—Que flor caprichosa. –Ela comentou, sufocando uma risada em sua garganta.

                Ele apontou para outra, amarelo-dourada, com grandes pétalas abertas.

—Essa é uma Cersei, mas cuidado; é venenosa. –Continuou. Cordyra cruzou os braços sobre a barriga.

—As flores receberam o nome das rainhas, ou o contrário? –Ela deixou que um pouco de ironia escapasse de sua voz.

                Robb a olhou com os grandes olhos azuis bem abertos, cheios de inocência.

—Ora! Acha que que estou mentindo, senhora? –Ele não esperou que ela respondesse, e virou-se para uma feia flor de pétalas deformadas em diferentes tamanhos. Ele baixou a voz para ela em segredo. –Eu receio que essa seja uma Sra. Hornwood.

                Daquela vez Cordyra não segurou a risada, pensando no rosto enrugado da velha mulher. Antes que Robb pudesse abrir a boca para adicionar um nome absurdo a uma bela flor de cor pálida como leite, as portas da estufa se abriram atrás deles e, por ela, passaram Pequeno-Jon, Dacey Mormont e Sor Brynden Tully, Alys Karstark e Elyria Mallister.

                Pequeno-Jon, sozinho, ocupava todo o espaço do vão da porta. Sor Brynden era quase tão alto, mas muito mais esbelto, com cabelos grisalhos e estatura dura. Dacey era menor, mas ainda alta, com cabelos castanhos grossos, e suas duas senhoras foram imediatamente tomar lugar ao seu lado. Eles fecharam as portas atrás de si quando passaram.

—Vossa Graça, recebeu as notícias? –Foi Brynden quem falou.

—A carta dizia que Lorde Tywin se põe em marcha, sor. –Robb respondeu.  

—Há outra. –O sorriso de sor Brynden era um esgar. –Stannis prepara suas frotas para assaltar Porto Real.

                Robb não hesitou.

—Um mapa. –Pediu.

                Pequeno-Jon tinha um já em mãos. Robb afastou uma dúzia de pequenos vasos da bancada com um movimento de braço e estendeu o mapa, fincando uma adaga em sua ponta mais distante para impedir que voltasse a se enrolar. Os sete, Cordyra à esquerda de Robb e Brynden à sua direita, se inclinaram sobre o mapa, enquanto Robb tinha o cenho franzido.

—Não poderão mandar um exército pela Estrada do Ouro, pois precisarão de cada soldado de Porto Real para resistir à investida de Stannis. Lorde Tywin ficará decepcionado, não tenho dúvidas de que sua ideia era nos pegar entre dois exércitos sem ter para onde recuar. –Disse Robb, observando o mapa. –Serão obrigados a tomar a Estrada do Rio, de Harrenhal para cá. Precisamos encontra-los no Dente Dourado, então empurrá-los de volta até Correrrio, onde serão esmagados contra as tropas Tully.

                Robb não se moveu, mas, ao seu lado, Cordyra podia sentir a tensão emanando de seu corpo em ondas. Não era medo; apenas antecipação. Finalmente teria a chance que tanto lhe fora negada. Lorde Tywin tinha experiência em batalha, certamente, mas Robb era um estrategista nato, e tinha Brynden Tully, que fizera seu nome na Guerra das Nove Moedas, ao seu lado. Além disso, o mais importante: forçara Lorde Tywin a fazer o seu movimento, não o contrário.

—Não podemos nos deixar ficar desleixados, porém. –Brynden apontou. –Pode ser que ele ainda nos surpreenda por trás. Devemos deixar uma retaguarda forte para segurá-lo.

—O senhor meu pai está em Castamere, Vossa Graça. –Pequeno-Jon apontou o lugar no mapa. –Mande-o uma mensagem e ele ficaria alegre em chutar alguns Lannisters.

                Mas Robb apenas apertou a boca em uma linha fina. Quando soltou, seus lábios pareciam brancos.

—Temo que, se alguém merece algum sangue Lannister, será Lorde Karstark. –Decidiu. Quando ele fechou o mapa diante deles, Cordyra sentiu, pela primeira vez, que estaria voltando para casa em breve. Quase sorriu.

—O senhor meu pai certamente ficaria satisfeito, Vossa Graça. –Disse Alys, e havia algo em sua voz que dizia que ela mesma teria apreciado o sabor da vingança.


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