Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 23
As Terras do Oeste




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"She told me not to step on the cracks
I told her not to fuss and relax
Pretty little face stopped me in my tracks
But now she sleeps with one eye open
That's the price she'll pay"

 

Na manhã seguinte, ela acordou com Robb a sacudindo pelo ombro, cheirando a suor, metal e couro, indicando que acordara muito antes dela. Cordyra acordou rapidamente. Já não enjoava nas manhãs, e, sempre tensa, não demorava a acordar, com medo que fosse um ataque. Era um milagre que Robb tivesse sido capaz de sair da cama sem atrair sua atenção, mas de alguma forma lá estava ele quando ela abriu os olhos; todo vestido em cota de malha e com um justilho de couro. Seus cabelos estavam ligeiramente úmidos com o que parecia ser suor. Ele sorria.

—Vento Cinzento encontrou uma passagem entre as montanhas, minha senhora. –Anunciou. –Estamos partindo.

                Partindo estavam, de fato. Todo o acampamento havia se levantado enquanto ela dormia. Jocelyn não estava em lugar algum para ser vista, então Robb se colocou atrás dela e a ajudou a vestir a camisola de linho, o espartilho que a apertava no busto, mas não na barriga, a anágua e o vestido de seda por cima. Ele, por fim, colocou uma capa de lã por cima de seus ombros (sua pele de urso, a preferida que tinha, era quente demais para o outono nas Terras Ocidentais).

                Quando ele terminou de ajuda-a com as roupas, Robb, postado atrás dela, colocou uma cabeça em seus ombros.

—Já escolheu um nome de menina?

                Cordyra lembrou-se da sugestão dele para que fosse um nome valiriano, como era o dela. Pensou em Daenerys, do outro lado do Mar Estreito, e em Viserys, que podia estar vivo ou morto. Saberia seu tio deles? Não parecia provável que Porto Real não soubesse dos únicos herdeiros do Trono de Ferro Targaryen ainda vivos. Ela mordeu o lábio com tanta força que sentiu gosto de sangue.

—Se for uma garota, se chamará Lyarra. –Disse, decidida.

                Ela sentiu, mais do que viu, a boca de Robb abrindo e fechando na pele de seu ombro enquanto ele preparava uma resposta. Então ele deu um passo para trás e a girou com delicadeza, de forma que eles ficaram frente à frente. Ela ergueu o queixo bem alto, o desafiando a dizer alguma coisa. A respiração de Robb era quente em contraste com o ar da manhã.

—Um nome nortenho. –Ele comentou cuidadosamente.

                Ela ergueu as sobrancelhas.

—Isso o surpreende? –A pergunta era verdadeira.

                Robb pensou sobre o assunto por um momento.

—Pensei que os dragões haviam mudado algo em você. –Ele a olhou com cuidado. –Você chama por “Daenerys” enquanto dorme. Achei que escolheria esse nome.

                Robb tinha muito em seu prato, para qualquer um dos assuntos que ela discutira enquanto estivera na Muralha. Quando o encontrara no Sul, nada daquilo parecera real. Mortos se levantando no frio da noite era um conceito sem sentido num mundo de rios correntes e colinas verdejantes. Crianças fugindo exiladas durante a guerra parecia um presságio muito terrível para ser contemplado. Então Cordyra mantivera o silêncio sobre aquele assunto também. Agora, porém, parecia que ao menos um deles tinha que vir à tona.

                Era preciso partir, mas o acampamento não se levantaria sem o seu rei. Então ela fez Robb sentar-se, e foi até a porta, onde mandou que Olyvar Frey e Olyvar Forken, um nascido no castelo, o outro numa fazenda, impedissem qualquer um de entrar. Os dois assentiram com seriedade, então ela sentou-se do outro lado da mesa improvisada, junto à Robb.

—Quando a Revolta de Robert teve com o Saque de Porto Real, haviam quatro crianças Targaryen no mundo. Dois deles estavam na Fortaleza Vermelha, e eram os filhos de Rhaegar e Elia Martell. –Ela contou como quem conta uma história, tentando lembrar das palavras que o Meistre Aemon havia dito a ela, letra por letra. –Esses dois foram mortos pelas tropas Lannister. Outros dois estavam em Pedra Dragão, Viserys, com sete anos, e Daenerys, recém-nascida. Quando as tropas de Lorde Stannis chegaram na fortaleza dos Targaryen, eles já haviam sido levados para o outro lado do Mar Estreito, e estavam longe demais para serem perseguidos. A Rainha Rhaella morreu dando Daenerys à luz. Daenerys e Viserys parecem ainda estar vivos. Sonho com eles às vezes, embora em meu último sangue, tenha visto Viserys morrer implorando por misericórdia.

                Robb ouviu a história com olhos atentos, mas não respondeu imediatamente quando ela terminou. Ao invés disso, passou a mão nos cabelos uma, duas, três vezes.

—Haviam cinco crianças Targaryen quando a Guerra de Robert terminou. –Ele a corrigiu. –Uma delas vivia em Winterfell.

—Eu não quero ser uma criança Targaryen, Robb. –Ela disse suavemente. –Meu pai é um Stark. Não são as crianças nomeadas pelo pai?

                Robb olhou para ela com um tipo de tristeza.

—São os dragões. –Ele explicou. –Ninguém a verá como Stark por conta deles. Pensei na Rainha Cersei. Todos a chamam de Lannister, embora ela tenha casado com um Baratheon, porque é assim que ela se parece. Você parece um dragão.

                Nunca antes ela se ressentira tanto de sua aparência, mesmo quando era criança e os vassalos sabiam que ela era a bastarda legitimizada de Brandon mesmo antes que ela dissesse seu próprio nome. Nem quando Lorde Karstark tentara fazer com que Alys seduzisse Robb bem na sua frente.

—O que você vê? –Ela perguntou.

                Robb sorriu. Um sorriso de menino, como se eles tivessem treze anos novamente, nos Bosque Sagrado, e tivessem medo de serem pegos juntos e sozinhos.

—Vejo Cordyra. Você foi Cordyra para mim, lembra?

                Ela lembrava. Quando eram crianças e Robb ainda não conhecia a etiqueta própria para tratar uma senhora de alto nascimento, muito menos a sua noiva, ele a chamava simplesmente pelo nome. Apenas com seis anos, ela virara “senhora Cordyra”, e então, quando ele se descobriu apaixonado por ela, “minha senhora”. Na frente dos vassalos, um lorde não chamava sua esposa pelo nome de batismo.

                Ela confirmou com um aceno de cabeça.

—Agora. –Ele continuou. –Por que não me contou de seus meios-irmãos?

                Robb teria entendido melhor que ninguém, ela sabia. Como explicar para ele que o Rei Robb era diferente do Robb Menino que ela amara em Winterfell, embora Cordyra amasse a ambos? Robb menino teria lamentado como ela pelos irmãos que jamais conheceria, e ansiado pela irmã ainda viva. Mas Robb, o rei, apenas conhecia inimigos, e outro Targaryen, se elevado ao trono, ainda menos que os Lannister, jamais teria um reino dividido.

                A existência de seus irmãos significava apenas que haveria mais guerra por vir antes que eles pudessem ir para casa, ou até mesmo depois.

                Ela contou tudo isso a Robb, e ele reconheceu seus temores com um aceno.

—Minha mãe mandou notícias essa manhã. –A voz dele era cheia de sombras. –Rei Renly foi assassinado em seu próprio acampamento, com as forças do irmão, Stannis, à sua porta. Stannis, aliás, também se coroou e tem um novo Deus, vindo do outro lado do Mar Estreito. A senhora minha mãe teve que fugir do acampamento para não ser acusada pela morte do Rei Renly.

—Um rei a mais e um a menos. –Ela notou. –E quanto às tropas?

—Parece que uma boa parte se juntou ao Rei Stannis. –Robb declarou. –Mas não os Tyrell da Campina. Haviam casado a filha, a senhora Margaery, com o Rei Renly.

                Cordyra sentiu na espinha um arrepio denso como um mal presságio. Ela olhou para Robb sombriamente.

—Os Tyrell foram servos dos Gardner da Campina na Era dos Heróis. Com as Guerras da Conquista, se elevaram a senhores, e mais que isso: Protetores da Campina. Agora, coroaram uma rainha.

                Havia a sombra de um sorriso no rosto de Robb.

—Quem diria que as aulas de Meistre Luwin serviriam para alguma coisa, afinal. –Comentou com um levantar no canto da boca, mas apenas por um segundo. Logo estava sério novamente. –Há apenas um Rei sem rainha que poderia coroá-la.

—Esse rei está prometido a Sansa.

                Um músculo se moveu na garganta de Robb à menção da irmã.

—Ela pode ser facilmente posta de lado. –Ele admitiu, parecendo esperançoso. –Talvez até concordassem em devolvê-la a nós.

—Se Lannister e Tyrell reunissem suas tropas, teriam o maior exército de Westeros. –Cordyra verbalizou, apenas para lembra-lo que nem tudo seriam flores. Ou melhor, haveriam flores, mas estariam desenhadas em escudos manchados de sangue.

—Sim. –Ele hesitou. –Devo mandar alguém para negociar com a Campina?

                Cordyra considerou o assunto por um momento, com a mão por cima da barriga. A Campina era longe ao Sul. Não fazia sentido ter um reino dividido ao meio, e Robb não aspirava ao Trono de Ferro. Mas, se os Tyrell se juntassem aos Lannister...

—Não. –Ela aconselhou. –Não temos nada a oferece-los. A mão de Bran não será glória o suficiente, e não temos como fazer Margaery Tyrell uma rainha, o que certamente é o que o pai dela quer. Além disso, estamos reivindicando o Norte, não Westeros. A Campina sairá cara, e pode não ser um amigo útil.

                Exceto pelos seus exércitos.

—Vamos torcer para que fiquem tão ocupados com Stannis que não tenham alternativa a não ser deixar-nos em paz. –Robb observou. –Lorde Tywin deve morder a isca. Não pode deixar as Terras Ocidentais serem saqueadas. Quando vier até nós, o derrotaremos.

—Certamente. –Cordyra concordou. –Há mais algo na carta?

                Robb hesitou agora com mais ênfase. Foi um silêncio longo o suficiente para que Cordyra percebesse as linhas de tensão que agora cortavam o seu rosto, embora não soubesse dizer quando haviam surgido.

—Joffrey mandou embora Sor Barristan, o Ousado, de sua Guarda Real. –Anunciou. –Fez de Jaime Lannister seu comandante, e deu um Manto Branco ao Cão de Caça.

                Cordyra ficou em silêncio. Nunca antes um homem de Manto Branco havia sido mandado embora pelo seu rei. A Guarda Real era conhecida por servir até a morte, e ainda melhor se morresse em defesa de seu rei. Além disso, Sor Barristan não era qualquer cavalheiro, mas o Comandante da Guarda. Nem mesmo uma centena de Cães da Caça valeriam as armas de Sor Selmy, o Ousado.

—Sabia que era um tolo, mas nem tanto. –Foi tudo que Cordyra pôde dizer.

                Robb, no entanto, a olhava com curiosidade.

—O que há? –Ela perguntou.

—Não acha que ele virá por você? –Perguntou o marido. –A essa altura, já deve ter chegado em Porto Real a notícia dos dragões, e da senhora Targaryen que os tem. Sor Barristan foi um homem do Rei Aerys, e passou para o lado do Rei Robert apenas depois que todos os Targaryen estavam mortos. Não há chance de ele vir atrás de você?

                Esperança e medo, grandes demais para serem explicados, lutavam dentro de seu peito. Ter um Manto Branco ao seu lado significaria que tinha um clamor definitivo ao Trono de Ferro, pois seria inegavelmente reconhecida como Targaryen, mesmo que não fosse filha de Aerys, o Louco. Mas ela não queria o Trono de Ferro. Queria o cadeirão de Winterfell, que fora negado ao seu pai pela morte precoce, e tomado de seu tio pelos leões. O cadeirão em Robb se sentaria como rei, com ela ao seu lado. Queria o frio, e o jardim de inverno, e as muralhas duplas.

                Queria apenas voltar para casa.

                Por sorte, antes que pudesse responder, ouviram a voz de Grande-Jon Umber do lado de fora, pedindo pelo rei, e gritando com os dois Olyvar que seus direitos de Lorde estavam sendo jogados em sua cara. Robb olhou para ela com exasperação, embora houvesse afeição em sua ira, e saiu porta afora, a capa cinzenta flutuando atrás de si. Cordyra não demorou a abotoar as presilhas de prata de sua própria capa –Robb se esquecera dessa parte –e foi atrás dele.

                Do lado de fora da tenda, Jon-Umber estava abaixado em um joelho enquanto Robb balançava a cabeça de cachos vermelhos para ele, em negação. Jon parecia envergonhado, mas não particularmente arrependido. Quando olhou na direção dela, Cordyra escondeu o sorriso que ameaçava cortar seu rosto, e foi atrás de suas senhoras.

                Encontrou Elyria, vestida com simplicidade, mas com uma presilha de ouro na cabeça que ia de uma orelha à outra, conversando com um rapaz alto e magro, de cabelos e olhos escuros como asas de corvos. Também corvos estavam estampados no brasão em seu escudo, que ele usava para a caminhada que fariam pelas montanhas que cerceavam o Dente Dourado.

                Os dois colocaram-se de joelhos quando ela se aproximou, e Cordyra fez gestos para que se levantassem. Tentava ser graciosa sobre isso, como Robb estava sendo, como se houvesse nascido com uma coroa na cabeça, mas, embora fosse filha de uma rainha, devia ter algo de bastardo em seu sangue que não se sentia confortável com todo o ajoelhamento. Se fosse uma senhora, apenas uma mesura bastaria, mas não estavam em Winterfell.

—Senhor Blackwood, seu pai partiu do acampamento na noite de ontem, de volta às suas terras. –Ela anunciou. -Não quis acompanha-lo?

—Receio que neste momento meu lugar seja ao lado do rei, Vossa Graça. –Ele respondeu polido. –O senhor meu pai é jovem e vigoroso e vai dar conta dos leões que invadiram nossas terras. Mas meu irmão acompanha a senhora Catelyn, e eu espero sua volta.

                Cordyra duvidava que Robb fosse trazer sua mãe com o exército. Havia algo no cuidado e no zelo da senhora Catelyn que incomodava o Rei Robb, embora o Robb criança houvesse amado isso nela.  

—O Rei me disse que há uma passagem por entre as montanhas. –Cordyra incitou a conversa.

—Sim. –Blackwood se apressou em confirmar. –O lobo dele achou a passagem durante a noite. É grande o suficiente para um exército, mas longe dos grandes castelos o suficiente para passarmos despercebidos. Já um exército sendo reunido em Cruzaboi pelo Senhor Sttaford Lannister, irmão de Lorde Tywin, para repor as tropas que perderam nas Terras Fluviais.

                Cordyra lembrou-se do sonho que teve na noite anterior. Ela e vento cinzento correndo pelo terreno montanhoso, as árvores ficando cada vez mais esparsas até que sumissem por completo no ar rarefeito das montanhas pedregosas.

                Ela precisaria falar com Robb sobre o sonho.

 

Cordyra não demorou a perceber que possível era diferente de fácil. A passagem pelas montanhas era pedregosa, com rochas nuas e grosseiras que se erguiam do chão em direção ao seu em um intervalo de espaço irregular. Havia também areia, e nenhuma árvore que oferecesse proteção à cabeça. No verão, seria pior. Como era outono, haviam nuvens no céu para impedir que seus cabelos queimassem, mas o tempo estava abafado, sem vento. Homens ao seu redor suavam em suas celas e armaduras, mas Cordyra permanecia seca. Ela não se lembrava, na verdade, de já ter suado alguma vez na vida.

                Ao seu lado, suando mais que todos juntos, cavalgava Sor Wendell Manderly, o segundo filho de Lorde Manderly, de Porto Brando, vassalo dos Stark. O mais leal dos vassalos, segundo seu pai, desde que falasse isso longe das orelhas de Grande-Jon ou os dois podiam acabar levantando as espadas para decidir aquela questão. Naquele ponto da subida, eles conseguiam andar com os seus cavalos lado a lado, com espaço para pelo menos mais um par. Em alguns pontos, porém, haviam tido que andar em fileira, um atrás do outro, correndo o risco de, de outra forma, cair pelo despenhadeiro.

                Robb cavalgava à cabeça do grupo, abrindo caminho com Vento Cinzento ao seu lado. Dos dragões, Aurae era a única que havia permanecido com ela, enrolada ao redor de seus ombros como uma echarpe de dragão. Os outros três voavam. Baelon, em especial, ela não via desde da noite anterior. Aquele era um assunto que Meistre Huggin não deixara passar.

                O Meistre Huggin era meistre em Guardamar, mas os Mallister o haviam emprestado para viajar com o rei, uma vez que um rei não poderia viajar sem um meistre e correr o risco de morrer de gripe ou de uma pequena ferida de batalha. Além disso, o Rei do Norte em especial, viaja com sua esposa, grávida do herdeiro de Winterfell, e alguém precisava aconselhá-la sobre o que comer e o que não comer, quão apertada podia ser a sua roupa e o quanto de esforço ela estava permitida a fazer.

—Onde está o quarto dragão, Vossa Graça? –O meistre perguntou, os olhos no céu. Acima deles, mergulhando, aparecendo e sumindo nas nuvens, tão longe que eram pequenos como abelhas, Meleyna e Espectron voavam no céu. Um mais visível que o outro. Baelon não estava à vista.

                Cordyra era orgulhosa demais para simplesmente dizer que não sabia, então apertou os lábios.

—Caçando. –Respondeu. –Ele aprende mais rápido que os outros.

                Isso ao menos era verdade. Baelon voara antes dos outros, e aprendera a soltar fogo primeiro também. Dos quatro dragões, Espectron era o único que ainda não tinha fogo. Cordyra às vezes, observando suas escamas brancas, se perguntava se não havia gelo nele, como a constelação do Dragão de Gelo, cujo olho azul apontava para o Norte no céu à noite.

                O meistre ainda olhava para o céu, pensativo. Cordyra o quis avisar que mantivesse os olhos no chão se não quisesse descer o despenhadeiro em voo livre.

—Bem, isso pode ser vantajoso aqui no Oeste, para a guerra, digo, se eles queimarem as plantações dos senhores do Oeste. –Disse, pensativo. –Animais terríveis, os dragões. Queimam os campos inimigos, mas o que os saciará quando forem para casa? Queimarão os próprios campos, pois essa é a sua natureza. São feitos para a guerra.

—Houveram muitos anos de paz no reinado Targaryen. –Cordyra apontou. –O Reinado do Velho Rei Jaehaerys, Daeron, o Bom.

—Maegor, o Cruel, Aegon, o Indigno, Aerys, o Rei Louco. –O Meistre Huggin continuou a contagem por ela. –Todos gostam de nos lembrar que os Targaryen unificaram Westeros, como se fosse uma boa coisa. Mas passaram apenas trezentos anos no poder. Casas como os Stark, e os Martell datam da Era dos Heróis. Além disso, para que unificar, se agora todos querem seus reinos de volta?

                Cordyra quis defender-se. Meistre Luwin já devia ter dito o porquê de a unificação de Westeros ter sido uma boa coisa, mas dessa aula ela não podia se lembrar. Conseguia pensar em leis, como a abolição da Primeira Noite, proclamada pela rainha Alyssanne, que fora uma boa coisa. Diziam que os Targaryen e seus dragões haviam escapado a Perdição de Valíria por causa de um sonho de Daenys, a Sonhadora. Aegon, o Conquistador, também tivera um sonho que o levara a unificar Westeros, mas ela não conseguia se lembrar do que fora. Havia uma canção, ela achava. Meistre Aemon teria sabido.

                Mas de qualquer forma o Meistre já havia terminado o assunto, e partira para conversar com Wendell sobre suas dores nas costas e colocar a culpa do peso de sua barriga. Cordyra o ficou olhando com desgosto por algum momento, mas apenas até que visse pelo canto do olho um movimento ao seu lado, e notasse Jocelyn vindo em sua direção.

                Ela olhou para Jocelyn com impaciência mal contida.

—Onde estava esta manhã? –Perguntou bruscamente. Então acrescentou, em tom mais baixo. –Robb não poderia amarrar meu espartilho nem que sua vida dependesse disso.

                Era verdade. Foi uma sorte que estivesse usando vestidos mais frouxos por conta da barriga crescente, ou passaria vergonha.

—Estive com Baelon, Vossa Graça. –Jocelyn não baixou a cabeça ao responder. Não era de seu feitio, e Cordyra nunca havia a corrigido nisso. Agora, pensava que era inadequado à criada da rainha. Seria diferente se ela fosse apenas senhora de Winterfell. –Alguns escudeiros foram para cima da caça dele esta manhã, e foi por pouco que não foram tostados. Alguns cavaleiros podem procurar pela senhora, reclamando de queimaduras nas mãos e cabelos de seus rapazes.

                Aquela noticio desceu amarga pela sua garganta. Torceu ardentemente para que não se espalhasse até os ouvidos do meistre. Ele sussurraria para os lordes de seu marido que seus dragões eram perigosos, e logo pediriam que ela ficasse para trás ou coisa pior.

—Onde está Baelon agora? –Cordyra perguntou.

—Caçando de novo. –Havia um tipo de orgulho na voz de Jocelyn. –Baelon sente mais fome que os outros.

                O resto do dia se passou lentamente. Pararam uma vez para comer, e Cordyra viu Elyria mais uma vez cavalgando ao lado do herdeiro Blackwood. Rosey e Alys não estavam tendo tanta sorte. Cordyra acompanhou Alys por uma parte da cavalgada, pois os lordes gostavam de se aproximar dela para pedir favores e para ganhar sua amizade para favores futuros, mas poucos deles prestaram atenção em Alys. A menina Karstark era parecida com área: magrela, de cabelos castanhos e olhos escuros. Não chamava tanta atenção quanto as meninas sulistas, embora houvessem poucas senhoras com eles. Cordyra seria uma má rainha se não arranjasse casamentos para as suas próprias senhoras.

                Eles montaram acampamento bem no alto dos despenhadeiros que cercavam o Dente Dourado. Era uma terra de rochas nuas e afiadas, o Oeste, mas eles fizeram suas tendas e barracas mesmo assim. Quent montou a barraca real junto com Olyvar naquela noite, e Cordyra se aproximou deles.

—Isso faz com que me lembre de nossa viagem para a Muralha. –Comentou, enquanto Olyvar martelava a corda contra o chão duro.

                O garoto abriu um sorriso.

—Quent quase se sentiu tentado a se juntar à Patrulha, Vossa Graça.

                Cordyra fingiu não saber que eles estavam brincando.

—A Patrulha da Noite seria enobrecida por gente como você, Quent. –Ela disfarçou um sorriso quando o garoto, o mais jovem da Guarda que Robb montara em Winterfell, ficou bem vermelho.

—É, ele ficou tentado pelo celibato. –Olyvar adicionou em provocação.

                Por fim os dois levantaram a tenda enquanto Cordyra dava mais uma volta para deixá-los mais à vontade. Ninguém se aproximou dela, talvez porque os quatro dragões haviam decidido voltar de seus voos, e Cordyra não pôde deixar de notar que tinham o tamanho de cachorros médios agora. As chapas de suas colunas espinhais agora eram quase tão afiadas quanto os dentes que tinham na boca. Estavam ousados o suficiente para tentar roubar a carne de Norte, quando ela voltou da caça, mas a loba rosnou alto e os quatro se retraíram, desejosos.

                Cordyra perguntou por Robb pelo acampamento, mas ele parecia ter acabado de sair de todos os lugares por onde ela procurava. Não foi até que visse Grande-Jon que achou o paradeiro do marido.

—Deve estar tentando se afogar para não ter que ouvir mais reclamações de Lorde Karstark, Vossa Graça. –Disse Grande-Jon, dando palmadas nos ombros igualmente largos de Pequeno-Jon. –O homem quer que voltemos todo o caminho apenas para matar o Regicida.

                Deixando-os de lado, Cordyra voltou-se para a tenda uma vez que ela já estava posta. Cordyra estava pronta para descansar, mas, mesmo depois de eles terem decidido parar a marcha, Robb ainda cavalgara para cima e para baixo da coluna, distribuindo odres de água para os soldados nortenhos desacostumados com aquele calor seco, perguntando a soldados injuriados se seus ferimentos viam melhora. O som de água, porém, a indicou que ele já devia estar de volta de seus deveres, e havia também um vapor preenchendo a barraca, e uma cortina separava a área de dormir do lavatório.

                Havia uma ideia terrível se insinuando na mente de Cordyra. Ela tentou imaginar Robb submerso na água, mas a imaginação não parecia tão tentadora quanto a realidade, então ela se aproximou da cortina.

—Quem está aí? –Veio a voz junto do vapor. As botas de Cordyra faziam barulho contra o chão enquanto ela se aproximava. –Grande-Jon? Lorde Karstark? Sor Brynden?

                Cordyra revirou os olhos para si mesmo. Se ele começasse a supor os nomes das criadas, ela não responderia por si mesma.

                Ela podia ver a silhueta contra a cortina, os ombros fortes para fora da banheira de cobre, e os cabelos úmidos caindo pela nuca e pelas têmporas como fogo vermelho. Resoluta, ela puxou a cortina.

—Cordyra! –Robb levantou os olhos azuis para ela, surpreso demais para pensar em títulos. A agua estava limpa; sem batalhas, não havia sangue, e Cordyra podia ver o torso pálido e musculoso dele sob a água, com uma penugem de cabelos arruivados se estendendo pelo peito, em direção à barriga. A água deslizava pelo peito bem dividido, a pele brilhando de leve à luz das velas que iluminavam a tenda.

—Grande-Jon me disse que está tentando se afogar para evitar Lorde Karstark. –Ela apontou, sem tirar os olhos do corpo dele.

                Ela observou o pomo-de-adão subir e descer por um segundo, então ele se sentou mais confortavelmente na banheira.

—Eu posso ser convencido do contrário. –Ele disse, a voz lânguida.

                A banheira devia estra quente, porque a pele do pescoço estava ligeiramente vermelha. Cordyra pensou que ela podia deixar ainda mais vermelha.

                Ela estava sorrindo quando se aproximou mais e se inclinou sobre a água para dar um beijo nele. À princípio casto, logo a língua de Robb invadiu sua boca e ela foi se inclinando mais e mais para perto conforme o beijo ficava mais urgente.

—Espere. –Ele a interrompeu. –Você vai se molhar.

                Cordyra deu uma risada.

—Eu já estou molhada, Robb. –Respondeu.

                Ele a apertou com mais urgência, dessa vez contra o seu corpo e a puxando para entrar debaixo d’água. O beijo se tornou escorregadio e o vestido encharcado de Cordyra foi ficando cada vez mais pesado. Houve um ploft quando a capa dela foi tirada de seus ombros e jogada dentro d’água. Cordyra conseguia sentir todas as partes da compleição dele naquela posição, sentada em seu colo. Os músculos da coxa, do peito, dos quadris, a ereção através de seu vestido.

—Alguém pode chegar. –Robb apontou.

                Cordyra deu um muxoxo de prazer quando ele a apertou com força dos dois lados dos quadris.

—Eu sou rainha. –Ela respondeu.

                Robb deu uma risada contra o seu pescoço, fazendo arrepios subirem e desceram suas costas como uma forte correnteza.

—Praticamente deus, não é? –Ela podia sentir o sorriso dele contra sua pele.

—Deusa. –Ela corrigiu, mordendo o pescoço dele de volta, explorando sua barriga nua, deixando que ele desfizesse os botões atrás de seu vestido. Ela pressionou a ereção de Robb com uma mão. Em retaliação, ele apertou um de seus seios com verdade por cima do vestido, então os botões ficaram folgados o suficiente para ele puxasse ambos os seios para fora, e eles se derramaram volumosos e pálidos bem na altura do rosto do Rei.

                A ereção quente dele queimava como ferro no meio de suas coxas, e suas entranhas pulsavam freneticamente de vontade de estar mais e mais perto de Robb, até que eles fossem uma única carne, fundida em desejo. Quando ele finalmente tirou seu vestido, uma das mãos acariciou a grande barriga entre eles. Cordyra pensou em se sentir constrangida com seu novo tamanho, mas Robb a olhava como se ela fosse uma deusa da fertilidade.

                A visão de seus peitos livres o levou a toma-los com as mãos, erguendo-os em suas palmas ao mesmo tempo em que se inclinava para beijá-los. Uma das mãos dele se posicionou entre eles, e Robb passou a acaricia-la bem entre as pernas. Cordyra achava que não tinha como ficar mais molhada, e se descobriu errada.

                Ele a provocou ali, até que ela se sentisse inchada e quente. Quis pedir a ele que terminasse logo aquela tortura, pois era tão agoniante como bom, uma tensão que ia se juntando em seus músculos sem lugar para escapar além de como gemidos saindo por entre seus lábios. Mas ela não achava as palavras para dizer coisa alguma; os pensamentos racionais saindo de sua mente como quando ela sonhava com lobos. Quando ela achava que não tinha como piorar, dois dedos dele deslizaram para dentro dele, friccionando contra seu canal molhado, suas paredes apertadas se contorcendo contra ele.

                Suas pernas foram ficando mais e mais moles e, quando ela teve certeza de que não se aguentaria sobre os joelhos, Robb a segurou pelo quadril e a posicionou bem em cima dele. A ereção de Robb deslizou para dentro de Cordyra, arrancando um pequeno grito dela. Robb não se importou. Tirou os cabelos louros e molhados do caminho, e enfiou o rosto em seu pescoço, a beijando, solvendo, mordendo. Em dado momento, ele realmente mordeu com força, mas Cordyra sentia apenas prazer. Quando pareceu que ela não aguentaria tanto, seu corpo inteiro estremeceu, dos dedos dos pés até o couro cabeludo, deixando sua pele sensível e arrepiada.

                Robb não demorou muito mais para se juntar a ela, ruídos sufocados saindo de sua garganta como se fossem dolorosos.

                Os dois ainda ficaram na banheira. Cordyra teria que colocar o vestido para secar, mas não tinha energia. Havia uma languidez em seu corpo, tão poderosa que Robb teve que praticamente rebocá-la até a cama improvisada, onde os dois se deitaram sem roupas.

                Robb deslizou o olhar pelo corpo dela. Os olhos estavam escuros ao invés de claros, dois poços sem fundo visível.

—Tem de se vestir, minha senhora. –Ele disse. –Ou passarei a espada pelo vassalo que entrar e pôr os olhos sobre sua nudez.

                Ele não estava olhando para o rosto dela ao dizer isso, mas para todos o resto. Cordyra o teria provocado, mas o torpor do sexo estava passando, e ela se lembrou do porquê de estar procurando Robb mais cedo. Então concordou, se levantou e pôs-se numa camisola de linho, que a cobria as pernas e tinha uma linha para amarrar na altura dos seios. Robb ficou olhando enquanto ela dava o laço na altura do colo, com um ar decepcionado.       

                Ela se juntou a ele na cama mais uma vez, e deixou que ele a cobrisse com o manto de peles, embora não fosse tão frio quanto em Winterfell. Então ela se virou de forma que eles ficavam frente a frente. Quando eram crianças costumavam se deitar daquela forma, mas então seu tio pareceu pensar, quando ficaram mais velhos, que sua reputação poderia ser manchada ao dormir na cama de um rapaz. Os olhos de Robb pareciam estar pensando na mesma coisa, pois eram os olhos azuis e brilhantes do jovem menino que ela conhecera em Winterfell.

—Com o que sonhou noite passada? –Ela perguntou.

                O Rei teria ficado desconfortável, mas o jovem Robb não guardava segredos dela, embora parecesse surpreso.

—Com esse caminho no despenhadeiro. –Ele disse com sinceridade ilimitada.

                Cordyra considerou sua próxima pergunta.

—Era você no sonho, ou você era outra pessoa?

—Não era eu.

—Norte também estava no sonho? –Ela insistiu.

                Compreensão inundou sua expressão.

—Ah. –Ele disse, acenando pensativo. –Era você. –Ele ficou em silêncio, os olhos desviando-se dela para contemplar o teto improvisado de sua barraca de panos. –Ninguém deve saber. Targaryens são uma coisa, dragões e lobos também, mas wargs... É mais do que os sulistas, e mesmo os nossos nortenhos, estão dispostos a entender.

                Nossos nortenhos, ela notou em sua cabeça, o coração aquecido. Mas acenou para ele em concordância.

—Os Stark têm o sangue dos Primeiros Homens. Não devia ser uma surpresa. Bran os chamava de sonhos de lobo lá em Winterfell. –Ela justificou, embora não soubesse para quem.

—Os Umber e os Tallhart também têm sangue nortenho. Mas consideram warg coisa de selvagens e das histórias de terror que ouviam para dormir. –Ele fechou os olhos por um instante, como se dormisse. Cordyra aproveitou para olhar bem para ele. –Estou aliviado que você é também.

                Ela franziu o cenho. Ele entreabriu as pálpebras e notou sua expressão, então se justificou:

—Me senti um estranho à princípio. –Explicou. –Mas se você também é... então não pode ser ruim. Nada que você faz pode ser ruim.

                Cordyra pensou no que o Meistre de Guardamar dissera mais cedo sobre os dragões. Ele ainda pensaria aquilo se os seus dragões começassem a destruir o Reino dele quando voltassem ao Norte e eles tivessem o tamanho de pequenos castelos? Cordyra tinha de ser capaz de impedi-los de qualquer forma.

                Robb, porém, já tinha a mente em outro lugar. Não parecia preocupado com sua relação com o lobo, e Cordyra o tinha entendido. Ela mesma demorara apenas para perceber que havia algo a mais entre ela e Norte. A ligação entre as duas era tão natural quanto respirar.

—Tomei algumas providências sobre você depois do que me disse sobre seus irmãos. –Anunciou Robb, de repente.

                Já havia escurecido àquela altura, e o acampamento estava adquirindo o silêncio típico da noite; não um silêncio completo, pois isso não existia num grupo de quatro mil soldados, onde os homens gostavam de acender fogueiras, contar histórias entre si, e se enfiar nas camas das seguidoras de acampamento que os acompanhavam. Mas era uma quietude, uma placidez que indicava que eles precisavam ser mais escusos do que eram na luz do dia, pois a noite era mais perigosa que sua contraparte.

—Providências? –Ela repetiu, não gostando de como aquilo soava.

                Robb virou-se de lado na cama. O lado virado para ela estava no escuro, e seu rosto era cheio de sombras. Ainda assim, Cordyra conseguia identificar sua expressão. Ela conhecia o ritmo da respiração dele, e os olhos azuis brilhavam como faróis contra a penumbra.

                Ele sorria.

—O que acha de ter uma armadura?


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