Filha de Gelo e Fogo escrita por Dafne Guedes


Capítulo 21
O Leão na Jaula


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer à Helena Holanda, pelos seus comentários na fic!
Continuamos com o segundo capítulo da Parte II agora!
A música do capítulo é Trouble, de Valerie Broussard.



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"Trouble coming in the dead of night
Trouble making everythin' alright
It's in your blood
It's in your bones"

 

                Parecia que uma grande parte dos homens estava se organizando para se porem em marcha: enchendo carroças com mantimentos, afiando espadas, separando armaduras. As forjas estavam a todo vapor, e ferreiros trabalhavam dia e noite, criando novos armamentos, ferrando os cavalos, e dando eixo às carroças.

                As mulheres, porém, estavam trancadas dentro das paredes de Correrrio. Cordyra, em particular, preferia estar do lado de fora, com Robb, que gritava ordens para os seus homens, as gotículas de chuva se acumulando em seus cabelos como lágrimas. A esposa havia corrido até ele quando o vira, e agarrara a frente de suas vestes. Sua barriga agora era uma ondulação visível abaixo do estômago, embora pequena. Todos os vassalos a tratavam a panos quentes, uma vez que trazia o herdeiro de seu rei na barriga.

—Robb, voltemos para o Norte. –Ela havia lhe implorado, os olhos secos pensando em Rickon e Bran. Pensando na lareira que ardia no grande salão, e no enorme par de muralhas que cercava o castelo.

—Pode ficar, sem estiver com medo. –Robb a disse, num agora raro arroubo de brincadeira. Era uma provocação antiga entre eles, e várias vezes havia os colocado em problemas. Era a frase que Robb proferia pouco antes de eles se encontrarem descendo às criptas de madrugada, ou colocando aranhas na cama de Sansa.

                Pela primeira vez na vida inteira, Cordyra não o deu ouvidos. Tinha a mente em Jon. Talvez se fossem os dois a provocando, ela cedesse.

—Troque as meninas por Jaime Lannister. –Ela voltou a pedir. –Voltemos para casa, para Winterfell. Diga aos homens que baixem as espadas. Vingança não trará de volta os mortos, mas paz pode nos devolver as meninas.

                Ela sabia que a tia tivera aquela conversa mil vezes, e não conseguia imaginar que diferença as palavras fariam quando saídas de sua voz. Robb colocou ambas as mãos em seu rosto. Na chuva rala que caia do céu, água escorria de seus cabelos molhados para o rosto, fazendo o caminho de sua testa para a barba ruiva que deixava crescer e o deixava parecido com seu tio, Edmure.

                Robb estava balançando a cabeça, mas havia gentileza no modo como ele segurava seu rosto.

—Um rei responde não apenas aos seus desejos, mas aos de seus homens. –Ele disse, e falou como um rei. Não de igual para igual, mas como se ela fosse alguém cujas coisas precisavam ser explicadas. Cordyra prometeu a si mesma que ninguém jamais a falaria novamente daquela forma, mas mordeu a boca por lado de dentro e não brigou; já vinham brigando demais, e à cama de um rei eram oferecidos inúmeros favores. Ela detestaria ver a filha de Lorde Cerwyn, ou uma Frey qualquer, dormindo nos braços dele à noite. –Não me perdoariam se trocasse Sansa e Arya pelo Regicida, não importa o quanto eu queira isso. Tirariam minha coroa e nunca me respeitariam novamente.

—Estaríamos de volta a Winterfell. –Cordyra tentou mais uma vez. Só mais essa, disse a si mesma. –Não perderíamos mais ninguém.

                Robb foi paciente.

—Dobraríamos o joelho? O que seria dos senhores fluviais, então? Sua colheita está arrasada pelas tropas Lannister, e sofreriam fortes sansões da Coroa. Eles tomaram minha causa sem que eu pedisse, deram as costas aos Lannister, embora pudessem não o ter feito. Não tinham de ter apoiado minha pretensão. –Ele a olhou bem nos olhos, então. –Eles pediriam pelos seus dragões, sabe disso. Iriam querer a cabeça deles, para que nunca nos rebelássemos de novo.

                Ele havia pensando nisso, havia pensado em tudo. Falara com Edmure, e com Grande-Jon, mas ambos estavam muito excitados para a guerra. Além disso, ela sabia que havia mais que o dever movendo Robb à frente; ele queria a vingança. Ah, Robb... ela quis dizer. Lorde Eddard não vai voltar, não importa o quão impetuosa seja sua luta.

—Chamaremos o bebê de Eddard, se for um garoto. –Disse ele, subitamente, lendo seus pensamentos. –Se for uma garota, pode dar a ela um nome valiriano.

                O golpe foi duro, mas Cordyra havia sido treinada para ser uma senhora durante toda a sua vida, e era agora uma rainha. Ela se obrigou a sorrir com cortesia, embora seu peito gritasse.

                Agora, lá estava ela, preparando suas novas companheiras para a viagem perigosa que tinham à frente. Robb dissera que ela deveria ficar em Correrrio, pois ele planejava uma incursão rápida; faria pilhagem e saquearia a colheita do Oeste, para compensar o estrago que Lorde Tywin empregara nas Terras Fluviais. Não tinham forças para assaltar Rochedo Casterly, mas seria perigoso mesmo assim. Ainda haviam tropas nas Terras Ocidentais, que resistiriam à sua invasão. Lorde Tywin estava preso do outro lado do Tridente, no castelo de Harrenhal, e não tinha como passá-los sem tomar o caminho de Correrrio ou das Gêmeas, que estavam ambos do lado do Rei do Norte.

                Cordyra negara. Ao invés de insistir, Robb sorrira com confiança. A avisara dos perigos, mas ela estava pronta para tomar seu lugar na batalha ao lado do marido. Tinha Norte para protege-la, e levaria todos os quatro dragões consigo quando levantassem marcha. A senhora Catelyn, sua tia, por outro lado, estava indo para o Sul, ao encontro das tropas de Renly Baratheon.

                Antes de partir, ela procurara por Cordyra. A garota descobrira que ser rainha era ter as pessoas a pedindo por coisas. O senhor Karstark procurara por ela, pedindo para que aceitasse sua única filha, Alys, em sua pequena corte. O senhor Tallhart foi o próximo, e perguntou a ela quem a rainha acreditava ser uma boa moça para se casar com o seu Benfred. Cordyra prometera que dormiria sobre o assunto, mas, no fim, não parou de murmurar as palavras para si mesma. Era rainha.

                Por toda a vida, sonhara em ser Senhora de Winterfell, e nunca mais alto que isso. Sonhara em visitar a corte em Porto Real, e a Fortaleza Vermelha, é certo, mas nunca como rainha de coisa alguma. Sua vida se daria no Norte, e seus ossos seriam enterrados com os ossos de sua avó, Lyarra, nas criptas lá embaixo. Ela não teria uma estátua, e seu rosto seria esquecido, mas ela daria à luz e criaria os próximos herdeiros Stark, e seria o suficiente.

                Naquele momento, embora fosse rainha, e isso devesse ser mais que aspirara, tudo que desejava era voltar para a vida mais simples de Winterfell. Se era rainha, ela gostaria de ter tempo para pintar, e ter cantores itinerantes em sua corte. Não imaginava um reinado de guerra e sangue.

                Sendo assim, quando sua tia procurara por ela, também fora para pedir algo:

—Vá para Winterfell. –Ela pediu sem delongas ou voltas. –Eu tenho de ir para o Sul parlamentar com Renly, mas você não. Meistre Luwin vai trazer seu filho ao mundo como trouxe os meus, e estará com Bran e Rickon.

                Cordyra não estava surpresa, então não fez como se estivesse.

—Eu tenho pedido a Robb pelas meninas. –Ela disse a Catelyn ao invés. –Tia, não posso ir mais que a senhora. Preciso ficar ao lado de Robb, como você.

                Não havia compreensão nos olhos de sua tia, o que Cordyra também compreendia. Quando Eddard Stark partira para a guerra, a recém-casada Catelyn ficara em casa, grávida, ali naquele mesmo castelo. Colocara o filho de seu senhor no mundo, sem saber se o veria mais alguma vez. Mas Catelyn não havia amado Ned então. Cordyra amara Robb desde que soubera que ele existia.

                Catelyn olhava bem para ela.

—Sempre soube que um dia seria minha filha. –Anunciou, sem desviar os olhos. Cordyra escutou. –Nasceu antes de Robb, e assim que soube que eu estava grávida, Ned prometeu sua mão à do meu primogênito; eu ainda nem a havia conhecido, mas sabia que a filha de Brandon Stark estava alocada já em Winterfell quando a guerra começou. Fiquei aliviada. Mesmo sendo mulher, era filha do herdeiro de Winterfell, e alguém poderia usá-la para tirar a herança de meu próprio filho. Mas não gostava de você mais do que do outro garoto. Brandon já estava comprometido comigo quando se deitou com sua mãe, que na época eu pensava ser Alyssa Velaryon. Então houve essa noite. Foi uma nevasca, ainda estávamos saindo do Inverno, e você não parava de chorar. Eu tinha leite, pois amamentava Robb, e tive que dar a você o meu próprio peito para que cessasse o choro. Você não foi minha filha quando se casou com Robb. Você foi minha filha quando se alimentou em meu leite. Pode ser agora que seja a única filha que me resta.

—Não. –Cordyra disse. –Prometo, tia, que farei de tudo para trazer duas filhas de volta. Mas não farei isso de Winterfell.

                Sua tia não demonstrou raiva. Seu rosto era apenas cansado. Quando olhou Cordyra, esta pensou que talvez estivesse procurando em seu rosto o bebê choroso que um dia alimentara.

—Tenho de partir. –Disse, afinal. –Você tem garotas para recepcionar.

                De fato, Cordyra tinha. Sua pequena corte era formada por Alys Karstark, Dacey Mormont, Elyria Mallister e a recém-chegada Rosey Frey. Para a sua surpresa, Brynden Tully, que nunca prestara muita atenção a ela, se aproximou, ao vê-la com sua corte e comentou:

—Rhaella Targaryen também não tinha muitas senhoras. –Disse ele. –Era acompanhada por Joanna Lannister, Cassana Baratheon e Melaria Martell.

                Então, Cordyra passara a olhar suas quatro protegidas com um carinho renovado. Alys Karstark era alta, magra e jovial, com pequenas orelhas, que estavam sempre à mostra em seu cabelo trançado ao estilo nortenho. Seu noivo, Daryn Hornwood morrera na Batalha do Bosque dos Murmúrios, como estava sendo chamada. Alys não o conhecia bem, mas vinha usando preto como era decente para uma senhora em sua posição. Além de tudo, Alys não era uma completa estranha. Já havia visitado Winterfell mais de uma vez. Em uma dessas ocasiões, houvera um pequeno baile –grande para os parâmetros nortenhos, mas muito pequeno para qualquer corte do Sul –em que Alys dançara tanto com Robb quanto com Jon, e Cordyra fizera ambos os garotos jurarem que gostavam mais de dançar com a prima.

                Elyria Mallister era uma estranha das Terras Fluviais. Sendo o novo reino de seu marido constituído pelo Norte e pelas Terras do Rio, Cordyra decidiu que precisava de números iguais em sua corte, para que ninguém a dissesse que estava favorecendo sua terra natal. O lema de sua Casa era “Acima do Resto”, uma Casa antiga e orgulhosa. Nascida numa terra mais quente, Elyria era alegre, e falava muito, mas de um jeito agradável e musical, e Cordyra não demorou a gostar dela.

                Dacey Mormont era uma mulher calada, e Cordyra não se esqueceria tão cedo que a fizera companhia no café-da-manhã do dia de seu casamento. Porém, parecia gostar mais de estar ao lado de seu marido, de espada levantada, do que ao seu lado, tomando chá.

                Por fim, Rosey Frey era uma menina pequena, e de feições comuns, com olhos verdes aguados e cabelos castanhos lisos, que caiam retos até a sua cintura quando estavam soltos. Tivera sua primeira floração há pouco tempo, e era uma das filhas de Lorde Frey, entre as mais novas, às quais ele queria arrumar um casamento vantajoso.

                Cordyra se viu reunida nos aposentos reservados às senhoras em Correrrio. Um dia, aquele lugar pertencera à mãe da senhora Catelyn, então à própria tia. Mas agora Cordyra os ocupava, embora nunca pudesse deixar de pensar que era uma convidada ali. Sentia falta dos salões quentes de Winterfell, pensados para o frio do inverno. De suas lareiras infinitas, e do emblema dos Stark em cima de sua cama.

                Lá, Jocelyn, quase despercebida pelas senhoras, serviu chá quente a cada uma delas, e depois pôs a chaleira de volta no fogo, onde sentavam-se seus quatro dragões, banhados pelas luzes das chamas, que dançavam em suas escamas como bailarinas numa corte. Nenhuma de suas novas senhoras ficava propriamente confortável com eles, então sentavam-se todas o mais longe possível do fogo.

                Baelon, os olhos negros como as escamas, abriu uma pálpebra sonolenta para lançar a elas um olhar de desdém e, quando abriu a grande boca em um bocejo, deixou escapar um fiapo de fogo por ela.

—Não levem seus melhores vestidos, senhoras. –Cordyra disse às mulheres, que a acompanhariam na campanha de guerra de seu marido, o rei. –Roupas simples e leves, para facilitar a locomoção, e capas pesadas, pois já é outono.

                Cordyra teve que dar uma boa olhada nas vestimentas de suas mulheres. Rosey fora mandada a ela pelo Lorde Frey usando um vestido verde-pântano, que expunha seu colo, mas deformava suas curvas, disfarçando ancas e cintura. Dacey se vestia suficientemente bem em sedas, mas, durante a guerra, vinha usando mais sua armadura. Era Elyria quem usava belos vestidos de seda e veludo vermelho, que destacavam sua pele morena brilhante e seus cabelos castanho-claros. Por fim, Alys se vestia como uma nortenha; vestido de lã, capa e colarinhos de pele. Cordyra havia providenciado vestimentas mais adequadas para elas com as costureiras e coseras de Correrrio.

                Era uma loucura que o casamento fosse tão importante que pais estivessem dispostos a levar suas filhas para o meio do campo de batalha por isso. Exceto por Dacey Mormont, que ia porque era uma espada juramentada do Rei no Norte. Seria responsabilidade de Cordyra cuidar daquelas mulheres; defende-las de homens desonestos, arrumar para elas boas acomodações ao seu lado, indica-las no melhor caminho... era uma rainha, esperavam que ela soubesse o melhor caminho.

—Como vamos arrumar maridos em feios vestidos de criada, Vossa Graça? –Elyria perguntou, os olhos repletos de curiosidade verdadeira. Os Mallister, sendo uma Casa tão rica, pareciam pensar que boa parte de seu valor vinha do ouro.

                Jocelyn, passando ao lado dela, trocou um olhar com Cordyra. Usava as vestes marrons de serviço, com suas longas mangas. Seus olhos eram uma imensidão azul exasperada.

—Não usarão vestidos de criadas. –Explicou Cordyra. –Mas roupas escuras vão disfarçar a lama e a terra, e vestidos de mangas justas não se engancham em galhos de árvores. Tecidos mais grossos não rasgam com tanta facilidade, e cores mais sóbrias chamam menos a atenção de nossos inimigos. Por fim, os seus futuros maridos ficarão tão tocados com sua coragem e discernimento que não terão opção que não seja propor o noivado.

—Vossa Graça é sábia. –Disse a menina Frey imediatamente, em sua voz pequena.

                Cordyra olhou para a menina. Quanto mais tempo se passava ao seu lado, mais se acostumava às suas feições comuns, e ela começava a parecer agradável. Poderia ter sido ela a rainha, se Cordyra nunca tivesse nascido. Qual daquelas garotas o Rei no Norte teria escolhido, não fosse casado? Ela não sabia dizer. Não fazia sentido se segurar àqueles pensamentos tampouco.

                Alys Karstark pousou sua pequena xícara de porcelana na mesa de chá com um baixo tilintar.

—Espero que nenhum dos homens nos confunda com seguidoras de acampamento. –Disse, temerosa.

                “Seguidoras de Acampamento” era uma forma polida de nomear as mulheres que pareciam se multiplicar quando um grande exército se punha em marcha. Elas apareciam para lavar roupas, polir armaduras e outros serviços menos nobres em troca de moedas e favores. Quando os cadáveres se acumulavam nas marchas, elas também espoliavam os corpos e ficavam com o que conseguiam carregar.

                Cordyra deu uma olhada na renda de Myr do chalé de inverno que Alys usava.

—Seguidoras de acampamentos não andam com criadas e arcas de boas roupas. –Apontou. Mas estava olhando para Dacey Mormont. –Suas irmãs não se juntaram ao nosso exército. São lutadoras como a senhora?

                Dacey deu um sorriso contrariado.

—As irmãs são sempre diferentes umas das outras. –Ela disse, mas sua voz era cheia de carinho. –Alyssane tem filhos seus, e não pode vir à guerra. A mais ansiosa a vir era Lyanna. Acha que o Rei é um herói, e o adora.

—Ela deve nos visitar em Winterfell quando a guerra acabar. –Cordyra disse, por cortesia. Sabia que a maioria das guerras duravam mais que alguns meses. Mesmo Aegon, o Conquistador, havia levado dois anos inteiros para unir Westeros. Podia levar o mesmo período de tempo para separar a parte mais nortenha.

                Mas não era na jovem senhora Mormont que estava pensando. Se perguntava se era verdade o que Dacey dissera sobre as irmãs. Arya e Sansa certamente eram muito diferentes uma da outra. Cordyra apenas soubera recentemente que tinha uma irmã. Não havia se permitido pensar muito sobre isso durante a infância. Com ambos os pais mortos, sabia que jamais poderia ter uma irmã. Mas tinha. Daenerys era o seu nome. Cordyra sabia que era a garota de seu sonho; com os cabelos prateados e olhos mais claros que os seus próprios. O que mais seria diferente sobre ela? Talvez não gostasse de frio. Ou talvez as irmãs só fossem muito diferentes umas das outras se criadas juntas.

                Um dos irmãos estava certamente morto. Este era Rhaegar. O outro, se não houvesse já morrido, então estava prestes a morrer. Sabia que seus sonhos eram verdadeiros, sempre haviam sido.

                Era em irmãos que ela estava pensando quando fez seu caminho para baixo pelo castelo de Correrrio, Jocelyn segurando um archote à sua frente. As duas fizeram o caminho para baixo sozinhas; seriam necessários muitos anos antes que Cordyra confiasse o suficiente em suas senhoras para deixar que viessem com ela em uma tarefa como aquela.

                Ninguém havia falado com Jaime Lannister desde que ele fora preso. Robb proibira qualquer um de descer aos calabouços, principalmente porque temia que Lorde Rickard fosse atrás da vingança que acreditava em lhe ser direito. Também o próprio rei não tinha nada a tratar com Lannister, ou ao menos ele dizia isso. Lannister era um prisioneiro, uma moeda de troca. Cordyra havia perguntado se ele não queria saber se fora Sor Jaime a empurrar Bran torre abaixo, e o porquê.

                Cordyra queria saber.

                Não havia hora melhor para fazer sua investida do que quando estavam todos ocupados com outras coisas. As celas de Correrrio eram o lugar mais seguro para manter os cativos, pois não podiam correr o risco de perde-los em alguma batalha no Oeste, ou deixar que fugissem. Os homens estavam todos do lado de fora, organizando-se. O lado de dentro do castelo estava praticamente vazio.

O carcereiro era um homenzinho furtivo com veias rompidas no nariz. Encontraram-no debruçado sobre uma caneca de cerveja e os restos de um empadão de pombo, mais do que um pouco bêbado. Olhou-as de esguelha, desconfiado, então, a reconhecendo, pôs-se de pé em um salvo e fez uma reverência tão profunda que Cordyra temeu que seu nariz fosse raspar a sujeira do chão.

—Vossa Graça, o rei tem necessidade de meus serviços? –Perguntou ansiosamente.

                A rainha tinha a impressão de que podia usar aquela ansiedade ao seu próprio favor.

—Sim. Dê-me as chaves da cela de Jaime Lannister. –Ela fez sua melhor expressão severa. –Isso é um evento secreto, compreende?

                O carcereiro já estava tirando a chave correta de seu molho.

Ao dizer que Jocelyn a esperasse do lado de fora, Cordyra abriu a pesada porta de madeira e ferro com o ombro e entrou na escuridão malcheirosa. Aquelas eram as tripas de Correrrio, e o cheiro correspondia à descrição. Palha velha estalava sob os pés. As paredes estavam descoloridas por manchas de salitre. Por entre as pedras conseguia ouvir a tênue corrente do Pedregoso. Havia um balde de fezes a um canto e Cordyra teve nojo até mesmo de engolir a própria saliva, mas forcou-se a não fazer careta. Sor Jaime não responderia às perguntas de uma menina entojada.

O próprio Jaime estava inclinado meio de pé na cela. Se movia de um lado para o outro e, quando fazia isso, as correntes em seus pulsos tilintavam. Parecia um leão enjaulado, embora um leão cuja juba já não tinha mais o viço de anteriormente. Ele usava as roupas brancas da guarda real, mas se encontravam amareladas e manchadas. Uma barba hirsuta começava a preencher a pele de seu rosto, mas este ainda tinha um aspecto macio. Cordyra se lembrava que um dia o considerara bonito. Achou que não pensaria mais assim, uma vez que descobriu sobre Bran, mas a sua beleza ainda resplandecia, mesmo na cela malcheirosa.

Cordyra tinha a intenção de começar a conversa, na esperança de manter algum controle sobre a situação, mas Jaime Lannister não a estendeu essa cortesia. Ele olhou-a muito rapidamente, de lado, sem atenção.

—Senhora Stark. Pensei que o garoto Stark viria antes. Não há uma cadeira que eu possa a oferecer para sentar.

—Não há necessidade de cadeira. –Cordyra disse, tentando discretamente não arrastar seu vestido lilás e a capa roxa de veludo nas partes mais sujas do chão.

—Ouvi dizer que é uma mulher casada agora. E seu marido se coroou rei. –Ele comentou, a voz monocórdia com desinteresse. Mas seus olhos verdes o traiam; procurou por uma coroa em sua cabeça antes de desviar os olhos de volta para dentro da cela. Ela não deixou de notar que ele não usou os pronomes adequados à realeza, mas ela nem por um momento esperou que ele fosse usar.

                Ele estava agrilhoado nos pulsos e nos tornozelos, com cada algema presa às outras por correntes, de forma que nem era capaz de ficar em pé nem de se deitar confortavelmente. As correntes dos tornozelos estavam presas à parede.

—As notícias chegaram até mesmo aqui embaixo, ou as recebeu enquanto tentava fugir da cela na torre? –Cordyra também quis mostrar que estava informada.

—Não estava apreciando a vista. –Ele deu de ombros. As correntes tilintaram.

—A fuga poderia ter custado a vida de seus dois primos. –Ela apontou.

—É o preço da guerra. –Ele rebateu. –Não podemos todos sair incólumes dessa situação.

—Sim. –Ela concordou com ironia. –É muito honroso de sua parte dar a eles uma morte limpa. Antes na espada que estrebuchando num campo.

                Jaime Lannister soltou uma exclamação de impaciência. Ele teria jogado as mãos para cima também se fosse capaz.

—Tudo é sobre honra com vocês, Stark. –Reclamou em bom som. -Não foi muito honroso de seu marido ficar escondido atrás de um grupo de protetores enquanto eu os matava um a um.

—Eles tinham nomes. –Cordyra disse com toda a calma que podia reunir. –Daryn Hornwood, Torrhen e Eddard Karstark. O Lorde Karstark pede por sua cabeça.

                Jaime Lannister estreitou os olhos na direção dela pela primeira vez.

—Minha cabeça nunca foi particularmente valiosa. –Comentou, seco. –A de Tyrion os teria valido mais. Há sempre uma boa ideia na cabeça de Tyrion.

                Ocorreu a Cordyra que Jaime Lannister era mais esperto do que parecia a princípio. Cinco minutos se passaram, e ele ganhara uma informação nova –o nome dos homens que matara –embora para ele nada valesse, e ela não tinha arrancado uma única palavra da boca dele. Jaime Lannister havia habilmente dominado a conversa.

—Lembra-se de Winterfell? –Ela perguntou subitamente.

                O homem em correntes pareceu honestamente surpreso com a mudança de assunto.

—Lembro-me de um frio infernal ao qual nenhuma lareira podia dar fim. –Ele respondeu, a surpresa ainda em seu tom de voz, deixando-o mais sincero.

                Cordyra sorriu para ele, como se compartilhasse do sentimento. Não compartilhava.

—No banquete de chegada, você me acompanhou. –Ela lhe lembrou. –Robb entrou com a princesa Myrcella, e Sansa com o príncipe Joffrey, então você foi meu acompanhante.

—Estávamos ambos de vermelho. Eu pensei que não era uma cor dos Stark. –Os olhos dele ficaram mais claros quando a memória emergiu em sua mente. –Mas você não era uma Stark, era?

—Sou. –Cordyra insistiu. Mas não continuou no assunto. –Conversei com Tyrion naquela noite. Esse foi o primeiro dia. Então chegou a véspera da partida, e o rei foi caçar. Muitos foram com ele. Robb, Theon, Joffrey. Você fazia parte da guarda real. Por que não acompanhou o rei?

                Para o seu crédito, ele se quer hesitou. Não tinha de responder à pergunta, mas Cordyra sabia que tinha um efeito sobre os homens quando queria. Isso passaria. Sua barriga logo denunciaria o estado de gravidez, e os homens não a olhariam com luxúria. Mas enquanto seu estômago ainda era reto, ela podia usar o poder de sua fina cintura e dos cabelos de ouro branco. 

—A família do rei, sua esposa e filhos, também são responsabilidade da Guarda Real. Sor Meryn Trant foi com o rei, então eu fiquei com a rainha.

                Cordyra suspirou o ar fétido da masmorra. Jaime acompanhou o subir e descer de seu peito voluptuoso por debaixo do corpete bordado com rendas de Myr e ametistas.

—Onde esteve com a rainha?

                O cavaleiro da Guarda Real hesitou e estreitou os olhos.

—Me parece que, se está perguntando, já sabe a resposta.

                Mas Cordyra não se importava com o que acontecia entre Jaime e Cersei. Sua mãe, Rhaella, deitara com o irmão, Aerys, muito antes de conhecer Brandon. Seus antepassados vinham de uma longa linhagem de incesto. Por ela, os Lannisters podiam seguir o mesmo caminho se assim desejassem, desde que não tomassem por costume matar os Stark em seu caminho. Aquilo ela não permitiria.

—Não quero saber do que acontece entre você e sua irmã. –Cordyra deixou de flertar, cruzando os braços à sua frente. –Estou perguntando se jogou Brandon Stark da Torre.

                Ele tentou se mover para mais perto dela, mas as correntes o impediram de avançar muito. Ainda assim, ficou sob a luz do archote. O fogo dançou em seus olhos muito verdes de um jeito que deixava Cordyra desconfortável.

—Não darei ao seu marido uma desculpa para mandar minha cabeça a Porto Real. –Jaime rosnou, mais perto dela do que estivera a noite inteira, e seus olhos brilhavam com uma raiva verde incandescente. –A não ser que tenha vindo aqui usar de mim, Vossa Graça. –Ele usou o título com tanta ironia que perdeu o significado. –Deixarei que seu marido real arranca minha cabeça, mas apenas pelo pecado de dormir com duas rainhas em vida.

                Cordyra olhou para ele impassível enquanto ele sorria lascivo. Se fosse outro homem, ela teria ganhado, mas Jaime Lannister não recuou diante do desprezo de seus olhos violeta. Então ela o deu as costas e foi embora.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo?? Em dois minutos você pode deixar sua opinião aqui embaixo, e ajudar a melhorar a fic!
Até o próximo!
XOXO



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