Além Do Que É Divino - Volume 01 escrita por Malli


Capítulo 2
Caminhada Noturna(Parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Por algum motivo não estou conseguindo postar a ilustração de uma das cenas desse capítulo, como alternativa, vou postar um link para a imagem ser aberta na parte em que ela acontece.



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Tóquio é sem dúvida a maior cidade de todo o Japão, com quase quatorze milhões de habitantes, e com certeza a mais conhecida cidade japonesa do mundo. É o centro econômico e tecnológico do país, lar das maiores empresas, e uma cidade agitada, vivaz tanto de dia quanto à noite. Um lugar vibrante, onde posso dizer em voz alta que tenho orgulho de viver. Hoje é uma manhã sossegada de outro dia simples nesta grande metrópole.

Por enquanto, estou dentro de meu pequeno e, devo humildemente mencionar, quarto comum. Paredes pintadas de branco e cartazes de algumas das minhas bandas favoritas, tanto japonesas quanto internacionais, me cercam de todos os lados. Nada de extravagante, o tipo de ambiente que não é raro encontrar quando se trata de rapazes adolescentes.

Neste momento estou começando a me preparar para ir à escola, como qualquer outro estudante faz dolorosamente durante quase todos os dias da semana de sua vida escolar para adquirir a prova de que concluiu o ensino médio, seu diploma. É o décimo nono dia de abril, o novo ano letivo começou há menos de duas semanas.

O relógio bate às sete e meia, mas como as aulas só começam às oito e meia, ainda tenho um bom tempo até lá, e considerando que minha casa fica a apenas vinte minutos a pé da escola, posso me dar ao luxo de fazer as coisas a um ritmo mais lento.

Quem é este que está falando com você? Prazer em conhecê-lo, o nome é Arai Ikuto.

Antes de você começar a pensar "nossa, ele deve ser diferente dos demais garotos". Já vou lhe dizer francamente que a verdade vai contra todas as suas expectativas, desculpe.

Minha vida não é nada empolgante. Tenho uma família, sou filho único, possuo alguns amigos, não tenho uma garota que eu possa chamar de minha namorada (que infortúnio) e sou um cara que apesar de estar na fase primordial de sua vida, ainda carrega sua carteirinha oficial de virgindade (uma grande tragédia...?!).

Dito de maneira simples, é o mesmo de sempre que você pode encontrar na vida de tantos outros adolescentes... ei, se eu parar para refletir sobre isso, posso usar o fato de que não sou o único jovem de 17 anos que é virgem como um autoconsolo... ou talvez não, isso soa meio triste até mesmo para mim.

Sacudindo a cabeça, coloco meu novo blazer e gravata, deixando-a solta e mostrando um pouco da camisa branca que estou vestindo por baixo exposta. Não sei se sou só eu, mas me sinto sufocado se a mantiver bem apertada. Com isso feito, desço as escadas da minha casa de dois andares, indo direto para a sala de estar.

—Bom dia Iku-chan, você dormiu bem?


Essa é a primeira coisa que minha mãe, Arai Natalia, me pergunta depois que eu apareço e me sento à mesa. Como todas as manhãs, sua positividade está intacta.

—Bom dia mãe, bela manhâ né? E eu dormi feito uma pedra!

—Mas o quê? Ikuto acordou cedo?! Isto poderia ser algum tipo de sinal dos céus? Talvez um bom presságio enviado por Deus?! 

Aquele que acabou de gritar em voz alta de forma tão dramática e, na minha opinião, idiota, não era outro senão o meu pai, Arai Hayato.

Agora eu sei exatamente o que você está pensando.... "Natália não é um nome japonês.....! Isto significa que sua mãe é uma estrangeira? Você é de sangue misto?", ou o que quer que seja nessa linha de pensamento. Sim, isso é correto, minha mãe é estrangeira, para ser mais específico, ela nasceu e viveu a maior parte de sua vida no Brasil.

Meus pais praticam artes marciais desde tenra idade. Minha mãe sendo faixa preta em Taekwondo e mestra de capoeira, e meu pai faixa preta em Shotokan Karate e Morganti Jiu Jitsu. Os dois se conheceram em um evento internacional de artes marciais que aconteceu no Brasil, ou assim me foi dito.

Segundo meu pai, durante o torneio que havia sido organizado, ele ficou encantado por minha mãe quando a viu em ação e derrotando seus oponentes sem nenhum problema, como um marinheiro sendo enfeitiçado por uma sereia cantando.

(Você deveria tê-la visto naquele momento, meu filho, a maneira graciosa como sua mãe se esquivava de cada ataque, os golpes bruscos que ela aplicava em pontos específicos no corpo do adversário, e o sangue voando pelo ar e manchando levemente suas roupas e bochechas.... kyaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhh! Foi uma coisa tão magnífica de se ver!) - ele disse um dia, exalando um suspiro onírico, seus olhos enevoados por alguma emoção que eu não conseguia identificar.

Depois que meu pai me disse isto, nunca mais perguntei nada sobre a etapa de sua vida antes do meu nascimento, então talvez fosse correto dizer que fui um pouco afetado por este evento de uma forma negativa.

Arregaçando minhas mangas da camisa para não sujá-las, respondo sem sequer dar a graça de olhar para ele.

—Não me incomode logo pela manhã! É verdade que eu passo do horário em certas ocasiões, mas quando quero, posso me levantar cedo!

—'Certas ocasiões'? Que boa piada! Desde que você começou o ensino médio, houve apenas dois casos nos quais você não chegou atrasado à aula, o que significa que você só conseguiu chegar cedo à escola uma vez por ano! Hoje, é claro, sendo a terceira e acredito que última vez que presenciaremos isso acontecer no decorrer deste novo ano letivo.

Não posso refutá-lo, pois tudo o que ele disse é a verdade absoluta, mas este pequeno sorriso que ele tem em seu rosto que diz explicitamente "desista do meu garoto, a vitória é minha", realmente me irrita! Não posso deixar este assunto acabar desta maneira, seria uma vergonha para mim!

—E, ei, t, também não é bem assim!

Eu amaldiçoava mentalmente minha gagueira e parece que meu pai notou meu deslize, mas antes que qualquer um de nós pudesse falar uma única palavra....

PAH!

Com um ruído estrondoso, duas tigelas de arroz branco são colocadas sobre a mesa. Olhando para cima, eu vejo o rosto de minha mãe, sua boca curvada para a direita, formando um sorriso pouco amigável. Seus olhos que normalmente mostram tanto brilho estão meio fechados, o que emite uma aura ainda mais ameaçadora.

— Vocês dois vão parar de discutir neste exato instante e tomar seus cafés da manhã em paz, entenderam?

—M, mas....

Tentamos falar ao mesmo tempo, ela nos cortou o caminho sem piedade.
—Eu disse, entenderam?!!!

Sua voz estava tão fria que eu juro que minha alma congelou por um instante, que até parecia que eu estava na presença esmagadora da rainha do gelo do velho conto escrito por Hans Christian Andersen, quão assustador.....!!!!

—S, sim, senhora!

Nossa resposta aparentemente a satisfez à medida que ela foi até a pia e trouxe de volta a comida restante. Minha mãe pode ser aterrorizante quando quer, e é óbvio que ela usa seu lado aterrador em seu próprio benefício, ela é uma mulher esperta afinal. O resto do café da manhã se passou com um confortável silêncio pairando no ar. Eu comi os restos de minha sopa de miso junto ao peixe grelhado e bebi meu suco de laranja num piscar de olhos. Vislumbrando o relógio, eu o vi apontando para as sete e meia.

—Melhor partir para a escola, se eu não me descuidar, chegarei à primeira aula a tempo.

Levantando da mesa, dou um beijo rápido na bochecha de minha mãe e um forte tapa no ombro de meu pai.

—Seja cuidadoso no caminho e tenha um ótimo dia Iku-chan!

—Nos vemos mais tarde filhão.

Acenando para os dois, calço meus sapatos e deixo minha casa. A trajetória até a escola, como sempre, foi tranquila. O ar frio da manhã acariciou meu rosto e me fez sentir muito relaxado. Era como se meu sistema respiratório tivesse sido limpo pela brisa gelada.

Colocando meus fones, deixei o som do rock n roll alcançar meus ouvidos. Embora fosse tão cedo pela manhã, vi um número considerável de pessoas passeando cedo, esposas com seus bebês conversando umas com as outras e algumas mulheres andando com seus animais de estimação. Os poucos homens que vi na rua estavam olhando descaradamente para as pernas expostas de lindas jovens ou encarando as colinas que subiam e desciam sem parar.

Em poucos minutos, cheguei ao meu destino, o lugar considerado o inferno e o paraíso de um estudante do colegial, onde garotas belíssimas podem ser vistas todos os dias, mas o mesmo se aplicando a adultos amargos que exigem uma quantidade excessiva de tarefas, o colégio público Haruoka. Atravessando os portões, caminhei com passos lentos pelo pátio cheio de alunos. Ao entrar no prédio, parei em frente ao meu armário e o abri, trocando os sapatos que eu estava usando pelos que estavam guardados lá dentro.

Percorri os corredores em um ritmo relaxado, observando os alunos conversando alegremente. Bem, ainda faltavam dez minutos para o início das aulas, portanto, não era uma visão incomum de se presenciar.

Ao entrar na sala, sentei-me no meio da quarta fileira, tirei meus fones de ouvido e coloquei-os em minha mochila.

Foi então que:

—Olha o cara aê, fala Ikuto!

—Yo! Como que você tá?

Escutei duas vozes enérgicas e muito familiares que me cumprimentaram.

Ao levantar os olhos, vi rostos que pertenciam a duas pessoas que eu conhecia perfeitamente. Ao meu lado estão Uchiyama Tatsuo e Yamazaki Ren.

Ren é um cara saudável com cabelos e olhos de cor vinho, sua pele é branca e sua altura é mais ou menos média para um adolescente japonês. Quanto a Tatsuo, ele tem cabelos castanhos ligeiramente ondulados e olhos âmbar, seu tom de pele é um pouco mais escuro que o nosso, e ele é o mais alto entre nós, com 1,80 metros de altura, 3 centímetros a mais que eu.

—Bom dia rapaziada. Tudo está bem, menos a excentricidade de meus pais logo no início da manhã.


Ambos olharam um para o outro e depois se concentraram novamente em mim, rindo como loucos.

—Nada fora do comum então.

—Os seus pais são sempre assim, você já deve estar acostumado a isso.

—Acostumado eu já estou, mas isso não significa que eu tenha que gostar.

Durante nossa breve conversa, os alunos começaram a encher a sala. Entre eles está uma bela garota de cabelos ruivos e olhos rubi, ela se destaca do outros como uma rainha de carnaval na multidão vestida sem sequer tentar, atraindo a atenção de todos à sua volta. Seu nome é Kurihara Keiko, a garota mais famosa da escola devido a 3 atributos específicos: 

1 - Sua beleza. 

Muitos descrevem seu rosto como o de uma boneca barbie.

2 - Seu corpo esbelto. 

Ela é possuidora de um corpo que chama a atenção de todos, principalmente dos homens.

3 - Seus talentos naturais em relação a qualquer tipo de atividade física. 

Ouvi dizer que Kurihara já foi até convidada pelo comitê olímpico japonês para fazer parte da equipe deles de tão boa que ela é, agora para qual esporte? Uma incógnita.

Todos os rapazes solteiros da escola e até mesmo alguns que já se encontram em um relacionamento com outras moças (para a raiva absoluta delas) têm uma queda pela Kurihara. De que maneira, eu sou diferente dos outros a este respeito, ou melhor, qual a causa de eu não estar no mesmo barco que os outros? Basta sentar e assistir.....

—Ei você! garoto de aparência medíocre ali! O que você acha que está fazendo na minha mesa?

—H,huh?! Não tinha ninguém aqui! Sem mencionar que há muitos assentos disponíveis pela sala!

—Não quero saber! Saia do meu lugar agora ou vou te castrar! Será que isso é motivo suficiente para você me obedecer?!

—M,m,mas é claro, madame! Vou embora imediatamente!

O pobre rapaz, que parecia ter envelhecido uns dez anos depois de ouvir a ameaça da garota de cabelos de fogo, pegou sua mala e correu para a última fila no fundo da sala. Com sua carteira agora vazio, Kurihara sentou-se elegantemente enquanto cruzava suas pernas, seus olhos fechados e um arrogante sorriso de triunfo no rosto.

E aí está a razão precisa pela qual eu não gosto de Kurihara Keiko. A garota é o tipo de pessoa que eu detesto e sinto um enorme desprezo, sendo arrogante, mimada, pretensiosa e pensando que pode ter tudo o que quiser na palma de sua mão só por ter uma vida confortável e uma grandiosa situação financeira. Além disso, Kurihara acredita que ela tem controle sobre tudo e pode comandar todos ao seu redor.

Apoiando meu rosto em uma de minhas mãos, eu olho aborrecido para meus amigos, vendo que ambos já estão sentados e com suas atenções voltadas para Kurihara, expressões fantasiosas em seus rostos. Reviro meus olhos e deixo um som de nojo brotar da parte de trás da minha garganta.

—Como vocês dois podem ter uma queda por essa garota? A atitude dela é horrível.

—Isso pode ser verdade, mas mano, ela é muito gata!

—E não esqueçamos daquele corpo mega sensual!

Isto talvez seja verdade, mas de que adianta ter uma linda aparência e um corpo sedutor como seus traços positivos quando seu maior ponto negativo não é sequer algo externo, mas sua própria personalidade? Sem mencionar que o que Ren, Tatsuo e os outros rapazes da escola sentem por ela não é amor nem de longe, parece ser somente simples atração sexual devido à luxúria evocada por seus hormônios.

—Deixando de lado o papo sobre como Kurihara-san é sexy, Ikuto, veja quem finalmente chegou!

A voz de Tatsuo foi o estímulo necessário para pôr um fim aos meus devaneios.

O que quer que estivesse passando pela minha cabeça sobre Kurihara e o desejo patético de meus colegas  desapareceu quando ele proferiu estas poucas palavras.

Meu fôlego se prendeu por um instante quando olhei para a mesa no canto direito da segunda fileira, onde uma bela garota de cabelos roxos e olhos tão azuis quanto o céu em um dia sem nuvens havia se sentado.

 https://files.fm/f/a4tuh5xef

Esta beldade é chamada Omori Aika. Embora ela não seja uma "madonna escolar", é inegável que sua atratividade é comparável à de Kurihara, mas, ao contrário daquela cadela idolatrada, Omori tem uma personalidade gentil, este último detalhe sendo de fato desconhecido pelos outros estudantes devido à falta de interações sociais que ela tem com nossos colegas de classe, chegando ao ponto de declinar qualquer convite para um passeio casual, seja de um grupo de garotas simpáticas, ou até de um cara bonito que tenha demonstrado um grande interesse nela.

Não é que ela seja socialmente inepta ou simplesmente esteja com medo de se comunicar com os outros, sua atitude parece ser puramente de desinteresse, mais do que qualquer outra coisa.

Este comportamento da Omori contribuiu para a criação de uma barreira ao seu redor que era impenetrável para o resto dos estudantes, fazendo com que todos pensassem que ela é uma pessoa fria e distante, inacessível a qualquer um.
Penso de maneira diferente deles, e para evitar conclusões enganosas, não é porque me considere alguém especial ou esplêndido, mas sim por causa dos acontecimentos que nos trouxeram ao nosso primeiro encontro.

Retomando onde eu parei, Omori é dotada em esportes e altamente inteligente, geralmente estando entre os quinze alunos com as notas mais altas de toda a escola, um feito extraordinário e ao mesmo tempo invejável para aqueles que são horríveis nos estudos mas desejam não decepcionar suas famílias com seus desempenhos acadêmicos. Não vou citar nomes......cof Ren cof Tatsuo.

O sinal bateu e o professor da primeira aula, Fujimoto-sensei, entrou na sala. Ele é um homem baixo, careca e de aparência gentil. Após a reverência e a chamada, o pequeno professor iniciou as aulas.

—Muito bem, todos abram seus livros na página 158 e resolvam os problemas de 1 a 20.

Decidi que por ora era melhor concentrar minha mente na lição, mas mesmo mantendo minha atenção na resolução dos exercícios dados por nosso professor, não pude evitar olhar de vez em quando para o assento da Omori.


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