JARDIM BAGDÁ escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 20
Capítulo 20




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Resolveu não marcar nenhum cliente naquele dia, que aproveitaria para cercar o seu gado, por nome Justino. Ela o tinha deixado muito solto no pasto e sem esperanças com ela. Mas como exigir algo de um homem tendo ela a profissão que tinha? Quem era doido para assumir uma mulher da vida, ainda mais ela estando na ativa? Quando pensava em largar tudo para viver o seu amor, sentia-se à deriva, como se não existisse futuro, via apenas um vácuo, um vazio existencial. Não era boa em coisa alguma como Janice que tinha aprendido um ofício com a mãe. A sua só lhe ensinou os segredos da anatomia masculina, a qual ela sabia manejar muito bem. Mesmo que alguns dos seus encontros fosse um suplício, ao final deles, sempre aguardava do cliente, além do pagamento, a sua aprovação que vinha na forma de sorrisos acabrunhados de satisfação.

 

Tirou um conjunto de lingerie do guarda roupa que estava guardado para alguma ocasião especial, e que nunca tivera. Perfumou-se e se maquiou usando as técnicas que aprendera com a cocota decana. Colocou um vestido floral que ia somente até os joelhos, fazendo-a parecer mais jovem do que era. Se olhou no espero e achou que estava um pitéu, muito do agrado de qualquer homem que a visse. Mas só queria os olhares do único que se sentia à vontade na sua presença. Aquela maçaroca de músculos precisava ser sua. Quem sabe lhe desse uma luz para que ela repensasse a sua condição de cortesã? Não queria se tornar uma dona de casa sustentada pelo marido, apesar daquilo não lhe parecer uma má ideia. Fazia parte dos seus sonhos de menina, esperar o seu homem chegar do trabalho com a casinha arrumada, toda cheirosa e o jantar saindo do forno. Mas isso era antes de perder a ingenuidade. Se existisse um jeito de recuperá-la, ela ouviria atentamente o que precisava ser feito. Enquanto isso, faria o que dava pra fazer. Levar Justino pra cama.

 

Se ela pudesse fazer um instantâneo da expressão dele quando a viu atravessando a rua, seria daqueles retratos que você emoldura e pendura na parede, e somente você saberia o motivo daquele sorriso espontâneo. Parecia ter ficado desarmado quando viu Samira andando num rebolado tão chamativo, que Justino chegou a olhar ao redor pra ver se tinha mais alguém prestando atenção nela. Estranhou o horário que ela resolveu aparecer e deu graças a Deus que Cláudia já tinha vindo se despedir e agradecer a guarida que ele lhe dera. O homem lá de cima parecia gostar dele. Só queria ter tomado banho antes de tocar a pele de Samira num abraço que a levantou do chão. Estava cheirosa de um jeito que ele não conseguia desencostar o nariz daquele pescoço. Notou que ela se arrepiou por inteiro.

 

— Que novidade a essa hora! - Disse, colocando-a no chão e lhe tascando um beijo com tanta lascívia, que até os cachorros que estavam ali fuçando os sacos de lixo foram arranjar uma cadela no cio para perseguir.

— Pois é, resolvi fumar o resto daquela carteira de cigarro todo hoje aqui - Explicou, entregando as suas intenções, sabendo que ainda havia mais da metade dos cigarros - E também para protestar. Fiquei com ciúmes daquela moça com os dois meninos - Emendou, vendo-o sorrir.

— Aquela moça? É uma amiga antiga que trabalhou comigo na pedreira e me pediu ajuda. Fugiu de um marido filho da puta e veio cuidar da vida dela longe da violência. Ainda bem que já arranjou serviço e uma casa pra morar. Muitas coisas boas acontecendo com todo mundo. Comigo também - Concluiu, puxando-a para dentro de casa, para o quarto, e para cima da cama, onde a jogou, enquanto arrancava a própria roupa.

 

Samira achava que sabia tudo na arte do sexo, mas Justino lhe mostrou o contrário. A sua profissão tinha lhe transformado num autômato, e ali a sua persona original de carne e osso ganhava vida. Queria aquele leão rugindo em cima dela pro resto da vida, arranhando suas costas com sangue nos olhos, como um selvagem. O seu mundo se enevoava quando os orgasmos engatados como vagões de trem chegavam um a um na estação final, onde relutava em desembarcar. Aquela troca de fluidos, calor, secreções, desespero, parecia o juízo final, mas era só o começo sem juízo de um amor que brotava dos confins do deleite.

 

Com a exaustão causada pelo clímax, pararam de se bolinar tentando domar a respiração ofegante e fazer o coração descer da boca para o seu lugar de origem. Muito do que era pra ser dito, tinha sido explicado ali com riqueza de detalhes. Os arranjos verbais posteriores seriam apenas o laço de fita que faltava para embrulhar o presente que ambos mereciam. Adormeceram sem perceber que já era noite, e que uma figura tinha acabado de pular a janela para dentro da sala, que teimava em ficar sempre aberta.

 

 

A NOITE DO LEILÃO 8 

 

Depois de se aproximar do homem, com receio que lhe acontecesse algo parecido outra vez, e aspirar um pouco do cheiro que emanava dele, ela não teve mais nenhuma dúvida quando levantou o dedo para apontar o monstro que a tinha violado. Aquele ser humano seboso invadira as suas intimidades com a rapidez de uma ratazana. Seus olhos eram sorrateiros como as suas atitudes calculadas, exceto por aquela única vez em que deixou escapar um pouco do fedor que guardava na pequena embalagem onde escondia o seu caráter.

 

— Foi ele Mainha! - Acusou, permanecendo com o dedo em riste por mais tempo que o normal, enquanto os presentes se viraravam para ele. Uns aliviados, e outros chocados, como Dinorá, por exemplo, que ergueu a espingarda na direção do advogado e se aproximou espremendo os olhos para que ficassem do mesmo tamanho dos daquela fuinha malvada.

 

— O que o Doutor têm a dizer em sua defesa? - Questionou a cafetina com a arma engatilhada e fazendo mira na cabeça de Cassandro.

— Que defesa? Não será uma puta velha que vai apontar uma arma na minha cabeça para que eu me explique. Primeiro baixe esse trabuco e tome uma taça de alguma coisa que vai fazer você relaxar. Segundo, eu sou o Dr. Cassandro, advogado com reputação entre pessoas de fina estirpe.

 

Dinorá, que tinha a situação sob controle, começou a perdê-la quando os homens se alinharam para defender o advogado, que seguiu incomodado com a pequena menina violada que sustentava o seu olhar para ele, paralisada pelo ocorrido minutos antes. Quando a madame percebeu que os homens estavam forçando a porta da saída, deu um tiro para cima. Farelos de telhas caíram no meio da sala, assim como um caco de bom tamanho que fez um estrago na mesa de vidro onde estava a melhor garrafa de bourbon da casa.

 

— O primeiro filho da puta que sair dessa casa, se não morrer do tiro da minha arma, morrerá pela reputação - Ameaçou, sacudindo os polaróides no ar, enquanto os homens voltavam para a formação que estavam, temendo a ira da mulher, que abria um saco com cartuchos.

 

— Tenho mais de uma aqui para cada um dos senhores! Se o doutorzinho não assumir o crime que cometeu, eu serei o seu juiz e tribunal. Já adianto o veredito de culpado, acreditando na minha menina. O que você tirou dela, agora é seu, e isso tem um preço aqui. Garanto a vocês que o próximo tiro vai acertar o peito do primeiro que tentar sair daqui sem a minha permissão.

— Tudo bem, eu me rendo. Fui eu que pratiquei o inominável. Não vou colocar a culpa na bebida, talvez eu tenha sido possuído por algo além das minhas forças e nem eu mesmo consiga explicar nesse momento - Confessou o advogado, agora de cabeça baixa e amedrontado com o ódio que viu naqueles olhos - Talvez eu tivesse me sentido superior a todos os colegas aqui - Emendou, envergonhado.

— E porque simplesmente não participou do leilão e ofertou o seu lance? - Gritou Janice, inconformada com a situação.

— Eu sou um homem falido. Ostento para mostrar posses que não possuo. Sou casado com uma mulher que põe a comida na mesa com a ajuda dos irmãos. Sou medíocre como causídico e a única pessoa que acredita no que digo é o meu filho adotivo.

 

Ouviu-se uma comoção generalizada, alguns refazendo seus conceitos com a figura do advogado, outros em desespero por ter processos em andamento com aquele infeliz, e outros aliviados por saberem que logo estariam livres daquele inferno.

— Janice, libere os outros cavalheiros, a quem devo sinceras desculpas. Senhores, foi um prazer tê-los aqui hoje na Maison da Madame Dinorá, mas receio que os senhores terão que passar uma borracha nas ocorrências de hoje, caso contrário terão que lidar com consequências desagradáveis. Conheço o logradouro de moradia de cada um de vocês, cada lugar que frequentam, e o nome de esposas, noivas, amantes, filhas, sobrinhas. Até sei a igreja que frequentam. Um escândalo na frente dos seus comércios não seria bom para os negócios, concordam? Apenas deixem um cheque no valor do lance que gostariam de ter dado para fazer o arremate. Lembrem que vou analisar a generosidade de cada um individualmente. Não me decepcione.

 

Não se escutava um ruído na sala da Maison além das canetas escrevendo sobre o papel que os arrancaria uma boa quantia dos seus saldos bancários. Um a um, foram entregando os cheques na mão de Janice que os recolhia e conferia se estavam devidamente preenchidos e assinados. A cocota estava boquiaberta com os altos valores ali contidos. Dinorá, apenas observava os gestos de subserviência daqueles animais carnívoros, que se encaminhavam para a saída como bois indo para o abate. Um perfeito cacho de bananas, agora descascadas.

 

Depois que Janice voltou a trancar a porta, Dinorá se virou para o então advogado incensado pelos incautos, com a espingarda em riste. Tomou um trago de uísque em um só gole e depois cuspiu na cara enrugada do facínora. O cheque daquele não tinha importância alguma, já que estava desprovido de fundos.

 

— Meninas, levem esse homem para o quarto dos fundos e amarrem ele dos pés à cabeça. Mas antes, quero que você Janice lhe dê uma caneta e um pedaço de papel. Quero ver quanta poesia ele consegue escrever delatando a si próprio sem saber se vai ver o amanhecer do dia.

 

O Dr. Cassandro viu que os seus velhos impulsos sexuais o tinham trazido problemas graves outra vez. Não sabia como sair daquela enrascada, mas ainda tinha a sua experiência em persuadir adquirida em tribunais de segunda categoria. Não à toa tinha aquele verniz falso de boa reputação. Sabia manobrar juízes e testemunhas, e a sua vida agora dependia disso. Manteve a tranquilidade para que no momento certo pudesse reagir. Viu uma mordaça de pano ser enfiada na sua boca, e duas prostitutas lhe arrastando para os fundos do casarão. De passagem, percebeu toda a ira do mundo estampada no rosto da criança que tinha acabado de descabaçar, obedecendo ao seu instinto miserável.

 

 

A expressão de contentamento da menina, que parecia estar enfeitiçada com aquele momento em família, o fez pensar que talvez fosse algo ainda relativo à pancada na cabeça. Mas logo desfez aquele pensamento torto, quando percebeu que era pura felicidade por estar se sentindo protegida perto deles, mesmo que ela tenha acabado de conhecê-lo. Cidinha era bastante esperta para saber a diferença entre ele e a sua mãe tresloucada. Sentados à mesa para jantar, Balduíno quase podia sentir o gosto do feijão pelas feições da neta, que era só elogios para a comida de Conceição.

 

— Vô, quando o senhor vai me ver lá no sítio? - Perguntou, sendo aquelas as primeiras palavras que ela dirigiu diretamente a ele.

— Assim que eu conseguir tirar umas férias do trabalho vou passar uns dias com você. Que tal assim? - Respondeu com cautela para não lhe magoar, mas sem nenhuma pretensão de voltar a visitar Sabugueiro um dia.

— Legal. Mas o que o senhor faz no seu trabalho?

 

Conceição achava que ele ficaria numa saia justa, mas logo relaxou, lembrando que o ex-marido era um leitor nato e sabia como sair de situações adversas como ninguém. A única exceção tinha sido o perrengue com a sua irmã, estopim da separação. A única vez que ele tinha perdido as estribeiras.

 

— Quando as pessoas cumprem o seu papel aqui na terra e se transformam em estrelinhas, eu cuido para que elas possam fazer uma viagem confortável até o céu. Algumas delas que estão brilhando lá fora agora, foram preparadas por mim.

 

Ela não entendia nada sobre as pessoas cumprirem o seu papel na terra, mas entendia de estrelas. Entretanto, ela pretendia brilhar um pouco mais ali na terra mesmo antes de fazer a sua viagem. Depois do jantar, a menina de oito anos ajudou a avó a retirar os pratos da mesa e se ofereceu para levá-los. Balduíno foi fuçar as suas caixas atrás de alguns livros infantis para presentear a neta e encontrou quase uma enciclopédia inteira que achou jogada na calçada há muito tempo. Um homem tinha que ser um tolo para descartar tanto conhecimento. Limpou todos os volumes e os acondicionou numa caixa de papelão. Levaria para a rodoviária pela manhã quando as deixariam no ônibus para casa.

 

Deixou a cama para que elas ficassem mais confortáveis e jogou umas almofadas no chão da sala, onde dormiria. Antes de se deitar ficou palitando os dentes na janela, ouvindo uns gemidos estranhos vindo da casa de Vilma. Mas que diabos aquela mulher estava fazendo para uivar daquele jeito como uma cadela no cio? Será que finalmente tinha arranjado um jovem mancebo com coragem suficiente para encarar aquela difícil missão? Não sabia porque, mas tinha ficado enciumado com aquilo.


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