As memórias eram dele e ao mesmo tempo de outra pessoa, a pessoa que fora no passado, anterior àquela vida que levava como Kael, em outros tempos. Teve essa certeza enquanto o arrepio percorria seu corpo e sua mente era inundada por imagens.

Uivos chegavam até ele fazendo até seus ossos vibrarem. Contudo, sentia-se pela primeira vez calmo e com um objetivo claro. Em movimentos fluidos colocou a aljava cheia de flechas nas costas e então posicionou uma flecha no arco e puxou a corda. Esperou, já com outras duas flechas presas entre os dedos, a um movimento de serem disparadas. Aquela sensação lhe era familiar, pensou sorrindo saudoso para o velho arco.

As pedras azuis ainda iluminavam o pequeno ambiente e lhe serviram bem quando o primeiro lobo gigante apareceu rosnando. Mal teve tempo de entrar naquela ala antes de cair com uma flecha fincada no olho. Dois lobos saltaram por cima do caído. O segundo caiu da mesma forma que o primeiro, porém o terceiro quebrou sua flecha ao conseguir cata-la com os dentes. A coruja que o acompanhava piou alarmada.

Kael saltou para o lado rolando no chão rochoso para se esquivar do predador e com as duas mãos impulsionou o arco na direção da cabeça do animal batendo o mais forte que conseguiu, um arco comum teria se partido. O lobo ganiu com o impacto e balançou a cabeça. Saltando para trás o caçador pegou mais uma flecha da aljava e encaixou-a no arco. O rosnado do animal ecoou pela gruta quando voltou a atenção para sua presa.

— Se me atacar vou disparar. – Kael o avisou tranquilamente encarando os olhos inteligentes da criatura.

Pelo canto do olho enxergava outros três lobos a espreita, se o tivessem pego entre as árvores talvez tivessem vencido a luta, já naquele lugar apertado... O animal parou de rosnar e saiu da posição de caça quando outro lobo ganiu suavemente de longe. Era facilmente quatro cabeças mais alto que o caçador. Ele bufou e se afastou indo na direção da saída. Virou-se para encarar Kael antes de ir embora.

Relaxando a tensão na corda, o caçador abaixou o arco e ficou ouvindo os passos abafados na rocha se distanciando. Suspirou aliviado. Sabia que os lobos não eram realmente maus, porém, mesmo que estivesse encurralado, eles não perdoariam a morte de dois membros da alcateia. Seria ideal que tivesse um caminho alternativo para o centro da floresta, concluiu enquanto reavia as flechas disparadas e as limpava antes de devolver a aljava.

— Conhece algum outro caminho para ela? – perguntou a guia que o esperava silenciosamente.

Ela soltou um pio suave antes de começar a saltar pelo chão na direção da parede rochosa e então sumir em uma cavidade. Confiante, o caçador a seguiu.