Arco 2 - País da Geada

Em algum lugar no País da Geada…

O local é, aparentemente, um velho bar localizado na região central do País da Geada. É um estabelecimento pequeno, quase caindo aos pedaços, e sob quaisquer suspeitas. Ninguém da Aliança Shinobi ousaria pensar que esse lugar abafado, mal cheiroso e com poucas mesas e cadeiras poderia ser o que realmente é… Apesar dos poucos clientes no momento, isto aqui esconde um segredo: a parte externa, visível para aqueles que passam ao longe, é uma fachada. Atrás do balcão do atendente, oculta por uma velha pintura da deusa Amaterasu, se encontra a porta de uma passagem secreta.

Aqueles que a atravessam chegam ao subterrâneo, onde se encontra um gigantesco salão vermelho com muitas mesas, cadeiras, estilo e alternativas de bebidas. Os adereços denotam luxo, os funcionários se vestem bem e até mesmo os mais humildes dos clientes possuem seus pertences. O ambiente costuma ficar lotado durante todo o dia, mas nunca chama a atenção graças ao isolamento acústico que o cerca. Quem poderia imaginar que o velho bar seria apenas a ponta do iceberg da perdição…?

— Seus serviços são mesmo de altíssimo nível – articula um velho homem de pele clara, estatura mediana, de corpo magro e olhos castanhos escuros.

Com um copo de bebida na mão direita, o sujeito está sentado diante do balcão ao lado de outra figura masculina. Mais alto, mais chamativo, mais musculoso e mais sorridente, o homem que está sendo elogiado encara o seu contratante através de profundos olhos azuis. Seus cabelos pretos bem arrumados e sua barba bem alinhada nada mais são do que enfeites extras para o que é, para muitos, o seu melhor cartão de visitas: a própria face.

— Obrigado – ele agradece enquanto o mais velho toma outro gole da bebida.

Apesar do sorriso falso, o mais jovem sabe que apenas uma parte dos seus serviços foi finalizada. O simples fato de estar aqui, na presença de um comerciante do mercado oculto e em meio a tantas outras figuras que parecem lhe devorar com os olhos, é um lembrete sobre isso.

— Você acha que é capaz de encontrar o nosso alvo? Acha mesmo? – pergunta o mais velho, tomando um novo gole logo depois.

Há um trabalho importante que este ninja independente foi contratado para fazer. Ele, Adoniz, desvia o rosto. O sorriso permanece… Por fora. Por dentro, tantas outras coisas estão em conflito enquanto seus lábios buscam proferir a resposta adequada. Por dentro, o verdadeiro Adoniz está mergulhado em um mundo distante de tudo e de todos… Distante, talvez, até de si mesmo…

…/–/–/…

— Sim, eu sou. Não falharei – deixo claro para o meu cliente, segundos depois de receber a pergunta.

Ao olhá-lo nos olhos de novo, posso perceber com clareza o que passa em sua mente… “Você é lindo”. “Muito atraente”. “Daria o mundo pra te ter”. Já ouvi muitas coisas desse tipo. A todo tempo, em todo tipo de lugar. As pessoas sempre me enxergaram dessa forma. Como um objeto a ser tomado e como alguém que deveria agradecer por isso. Claro, existem pessoas que não conseguem cuidar de si mesmas, que não possuem recursos para sobreviver sem ter que se render ao mundo dos crimes. Talvez eu devesse agradecer por ter o tipo de corpo e de rosto que me permitem não precisar ser um criminoso? Não sei. Talvez.

Só que eu sempre me perguntei por qual razão as pessoas acham que a minha dor é menor só porque sou “bonito”. Preciso sempre estar sorrindo, grato pelo mínimo, pois menos do que isso seria como zombar de quem está pior. Menos do que isso, eu seria um sujeito prepotente e egoísta que não reconhece os próprios privilégios.

Não é verdade. Sei muito bem o quanto ter o pouco é melhor do que não ter nada. Mas e o custo pago por isso? O quanto sobra de nós após vendermos nossa carne, nossos corpos e nossas essências por tanto tempo? Quem eu realmente sou depois de permitir que tantas pessoas me usem, me machuquem e me descartem? Não sei…

— Certo – diz o cliente, tomando o último gole da bebida.

Quando penso sobre tudo isso, sobre toda a minha vida… Sinto como minimamente reconfortante o fato de que ainda tenho algum controle sobre o meu próprio corpo. Não há alguém enriquecendo através dos meus “serviços”, nem ninguém que genuinamente o imponha para mim. Quem me impõe esse tipo de vida são as circunstâncias.

Eu cresci ciente de que a sociedade é fundamentada em sistemas de trocas. Você dá algo seu que é precioso por algo precioso de outra pessoa. Tudo o que eu tenho precisa se tornar mercadoria para que eu possa sobreviver. Sempre foi assim. Talvez sempre será.

Para algumas pessoas, a realidade tende a ser dura demais para que seja possível sonhar. Alguns indivíduos estão fadados ao deslocamento, à dureza de nunca encontrarem um lugar no mundo. Acredito que isso é parte da organização em sociedade. Para que alguns desfrutem de regalias, benefícios e vantagens, tanto outros sustentam a base para os poderosos e se limitam ao “quase nada”.

Alguém que um dia venha a conhecer a minha história pessoal pode pensar que sou triste, mas essa não é a palavra correta. Eu sou apenas um cara que já não se surpreende mais com a natureza do mundo, mas que mesmo assim faz o que pode…

Para ser triste, primeiro é preciso conhecer a felicidade. E esse conceito… Para mim é como uma fruta rara provada tempos atrás. Não há amor sem a existência do ódio, a paz sem a guerra ou a tristeza sem a felicidade. Quando tudo o que você conhece é acinzentado e sem vida, é impossível ter a noção de como as verdadeiras cores são…

— Desde que existam condições para a aplicação da minha técnica, ninguém escapa. Nunca – garanto, erguendo a minha mão direita o suficiente para observar a fotografia com um sujeito de cabelos brancos, pele clara e olhos turquesa. – Portanto, não será diferente com o prodígio do clã Yuki. Veremos qual é a cor daquele coração…

…/–/–/…

Enquanto isso… Relativamente longe dali, em outra região no País da Geada…

Toushirou Hitsugaya Yuki se afasta em direção à sua esquerda enquanto os três Gennins dão alguns passos para a frente. Rei, Amaterasu e Tadashi se colocam em posições combativas enquanto Musashi e Kojirou também se preparam. Em sua posição, ainda de braços cruzados, Toushirou observa tudo em silêncio. É quando Musashi se manifesta, dando de ombros:

— Faça isso sozinho. Não tem graça enfrentar uma simples equipe de Gennins.

— Tudo bem, serei o suficiente – estipula o seu aliado, ainda em posição de confronto.

Tadashi, por sua vez, se posiciona um pouco atrás de Rei e Amaterasu. Enquanto a garota ativa selos manuais, inspira e curva o corpo para trás disposta a usar uma de suas técnicas favoritas, o Gennin dos Apátridas abre sua bolsa de ferramentas na cintura, tocando algumas de suas shurikens de forma silenciosa.

— Estilo Fogo: Técnica da Grande Bola de Fogo! – pensa Amaterasu, inclinando-se para frente e projetando um lança-chamas da boca que molda uma esfera maciça de fogo diante de si.

Apesar do poder dessa esfera de chamas que avança contra o Nukenin da Aldeia da Grama em poucos metros de distância entre ele e seus inimigos, Kojirou salta para a sua direita e sai da trajetória do ataque. É quando o Gennin dos Apátridas faz seu movimento, disparando sete shurikens contra ele.

— Estilo Magnetismo: Foco da Abelha das Lâminas Gêmeas! – mentaliza Tadashi simultaneamente com seu ato de disparar os projéteis.

Retirando uma kunai da cintura, Kojirou realiza rápidos movimentos com a mesma, dispersando as sete shurikens de Tadashi de modo sucessivo. Ao mesmo tempo em que a Técnica da Grande Bola de Fogo atinge uma árvore bem longe do aliado de Musashi, queimando razoavelmente o casco, Rei ativa selos manuais.

— Estilo Água: Técnica do Projétil de Água! – pensa o garoto, disparando um constante fluxo de água de sua boca.

O fluxo de água avança em linha reta contra Kojirou, mas Rei não termina por aí. Mordendo o seu dedo direito enquanto ainda projeta o jato d’água, ele mentaliza ao aplicar um pouco do seu sangue em seu ataque do Estilo Água:

— Técnica de Invocação!

Kojirou desvia do jato de água sem grandes dificuldades, movendo-se para a direita enquanto ainda maneja a mesma kunai de antes. No entanto, um círculo de invocação se manifesta em meio ao líquido projetado por Rei. Através dele, uma serpente marinha de corpo azulado surge, girando em alta velocidade ao redor do Projétil de Água. Perceber isso faz Kojirou arregalar os seus olhos enquanto a criatura se aproxima rapidamente.

— Shuriken de Flor: Flores em Queda! – declama o Nukenin.

Através da Arte Ninja de Flor, uma habilidade secreta de ninjas da Aldeia da Grama, Kojirou manipula flores em árvores a poucos centímetros de si. As flores levitam, são reforçadas por seu chakra e se dispersam em uma grande nuvem de pétalas. Avançando como shurikens girando no ar, as pétalas se espalham no campo de combate em diferentes direções: uma parte voa contra a serpente marinha, outra contra Amaterasu e a última contra Tadashi.

— Corte da Cauda de Cobra! – declama Rei, dando uma ordem para a serpente marinha.

Caindo sobre o chão e se apoiando em sua cauda, a criatura invocada pelo garoto loiro gira o seu corpo no ar, dispersando as pétalas cortantes que avançam contra si com o chicotear de sua cauda. Ao mesmo tempo, Amaterasu ativa selos de mão e libera uma grande onda de fogo ao colocar uma mão em frente à boca. Essa poderosa torrente incandescente avança e se choca contra as pétalas cortantes, de maneira que os ataques se anulam simultaneamente. É o suficiente para ela perceber que, apesar de usar flores supostamente comuns, a técnica do inimigo é poderosa o suficiente para rivalizar com um movimento do Estilo Fogo de nível médio.

Tadashi, por sua vez, atira os últimos projéteis em sua bolsa de ferramentas: três kunais e duas shurikens. As armas bloqueiam a maior parte das pétalas que vêm em sua direção, de modo que ele consiga escapar do pouco que resta com um simples salto para a esquerda. Kojirou rapidamente analisa todo o campo de batalha: a serpente marinha avança em sua direção, Amaterasu está terminando de usar a Torrente de Chamas e os projéteis de Tadashi parecem… Estranhos…

— O quê!? – se manifesta Koujirou, saltando para cima no momento em que os projéteis lançados por Tadashi anteriormente avançam em sua direção ao adquirirem um novo impulso. – Os projéteis haviam perdido velocidade quando se chocaram com as pétalas, mas de repente…

O Nukenin ainda não sabe, mas as primeiras armas lançadas por Tadashi foram magnetizadas por seu chakra do Estilo Magnetismo. Ao debatê-las com sua kunai, Kojirou também magnetizou a kunai que está manuseando neste momento. É por isso que, ao pular em pleno ar, o Nukenin uma vez mais é alvo dos novos projéteis, visto que as armas mudam de trajetória, atraídas pelo campo magnético em torno da kunai dele.

— Enrolamento Adjacente! – exclama Rei, executando uma nova ordem para a serpente marinha.

Kojirou arregala seus olhos ao se ver em uma encruzilhada enquanto plana no ar: de um lado, as armas de Tadashi, atraídas por “algo”; do outro, a serpente marinha de Rei avançando com a boca cheia de dentes bem aberta. De maneira instintiva, o Nukenin atira sua kunai na boca da criatura. A serpente marinha morde a arma, esmigalhando-a com facilidade. No entanto, nesse meio tempo, os projéteis de Tadashi mudam de trajetória uma vez mais e vão na direção da criatura. Sem esperar por isso, Rei não consegue reagir, mas a sua invocação dispersa as armas com um chicotear de sua cauda por conta própria.

É quando Amaterasu aparece bem atrás de Kojirou, tentando acertar um soco com seu punho direito no rosto dele no exato momento em que um dos pés do Nukenin toca o chão. Porém, com certa facilidade, ele desvia e atinge um chute de sua perna direita na barriga da garota, atirando-a para longe. Aproveitando-se disso, a serpente marinha de Rei atinge a perna esquerda de Kojirou com um potente impacto de sua cauda. Simultaneamente, Amaterasu e Kojirou gemem de dor.

— Apesar de serem apenas Gennins, eles até que são bons no trabalho em equipe… – pensa Musashi, ainda bem distante do combate, mas observando tudo com a mão direita na cintura e um sutil sorriso no rosto.

Saltando para longe do alcance da serpente marinha, Kojirou ativa um selo e usa suas duas mãos na direção dela. Realizando a Shuriken de Flor: Flores em Queda outra vez, ele agora controla uma nuvem muito maior de flores, manipulando todas as flores próximas em um grande raio do campo de batalha. Dispersando-se em pétalas, as plantas giram como projéteis em extrema velocidade contra a serpente marinha, provocando múltiplos cortes em todo o seu corpo.

Antes que os Gennins possam fazer algo mais, no entanto, parte da nuvem de pétalas brancas, amarelas e vermelhas se dispersa em três distintos turbilhões. Cada um desses turbilhões se move contra um dos garotos por meio de rápidos movimentos das mãos de Kojirou. É quando Toushirou percebe que os ataques são velozes demais para Gennins pouco experientes reagirem em tempo suficiente. Por isso…

— Pare – ordena o Jonin, pairando bem atrás de Kojirou.

Os dois Nukenins arregalam seus olhos. Toushirou se moveu tão depressa que nenhum deles percebeu antes. Agora é tarde demais, pois ele está bem atrás de Kojirou, com a espada desembainhada em sua mão direita e com a lâmina sobre o pescoço do Nukenin. Ao tentar se mover, Kojirou se dá conta de que seus pés estão completamente congelados, e presos ao solo, até a linha acima do calcanhar. Por isso, antes que as pétalas ataquem algum dos três Gennins, Kojirou aborta o movimento ofensivo e todas caem ao chão como inofensivas folhas que despencam dos galhos de uma árvore.

— E se você tentar se aproximar… – articula o líder do clã Yuki, olhando brevemente para Musashi ao longe. – Ele morre.

Caída de bruços ao chão, Amaterasu se levanta para observar a cena da mesma maneira que Rei e Tadashi estão fazendo. Ao mesmo tempo, devido aos danos que sofreu, a serpente marinha invocada pelo filho da Mizukage desaparece em meio a uma breve cortina de fumaça.

— Quero que colaborem. Contem tudo sobre o que estão fazendo aqui – exige Toushirou, voltando a sua atenção para o homem mais alto à mercê de sua espada. – E me contem o que sabem sobre Kamui Yato Uzumaki…

Por cerca de uma hora, Toushirou interroga os dois Nukenins exigindo que ambos permaneçam onde estão. Pouco a pouco, os dois revelam aquilo que sabem. Segundo sua narrativa, o discurso anti-governamental de Kamui Yato Uzumaki anda se espalhando no submundo do crime. Suas ações recentes contra a Aliança Shinobi inspiraram e motivaram muitos que já tinham seus próprios motivos para discordar do atual sistema governamental. Mesmo sem a presença física de Kamui, Nukenins dos mais diversos países estão se movendo em prol do que acreditam.

Kojirou e Musashi alegam que ambos nunca concordaram com tudo o que ocorre pelos termos da Aliança Shinobi. No entanto, insistem que não possuem interesses políticos e que estão agindo no País da Geada meramente por uma oportunidade de ação. Afinal de contas, se todos estiverem ocupados com tensões políticas, ações criminosas menores poderão passar despercebidas. Toushirou não admite verbalmente, mas acredita na veracidade por trás de tais palavras.

Em seguida, o Jonin pensa silenciosamente sobre o que fazer com os dois foragidos. Pedir por reforços está fora de cogitação. Afinal de contas, a prioridade é a coleta de informações sobre um Nukenin Classe S e não a captura de dois criminosos de periculosidade média. Levar a dupla consigo rumo ao ponto de encontro com a equipe da Folha é arriscar a integridade dos seus Gennins. Outras possibilidades soam como inviáveis, exceto uma… Deixá-los ir e focar em confirmar as informações narradas por eles através do contato com outros criminosos. Talvez seja essa a melhor alternativa?

Após tempo para reflexão, o líder do clã Yuki exige que ambos deixem o País da Geada imediatamente. E garante: “No próximo encontro entre eles, o resultado será diferente e ambos serão capturados”. Cientes da veracidade das palavras ameaçadoras de Toushirou, a dupla deixa o local após Kojirou ser libertado. Logo, a equipe liderada pelo Espadachim da Névoa retoma o trajeto que estavam realizando antes do encontro com os Nukenins da Aldeia da Grama. Durante o avanço do grupo, o clima se torna cada vez mais frio e a geografia se torna cada vez mais abençoada por neve em todos os cantos.

— Não falta muito para chegarmos ao local marcado – afirma o Jonin em determinado momento do trajeto, à frente do grupo, mas sendo acompanhado pelos três Gennins. – Provavelmente, em menos de uma hora…

Enquanto seguem o caminho, Rei Hoshigaki começa a pensar sobre Kamui Yato Uzumaki, o tal Nukenin sobre o qual devem obter informações. Buscando em suas memórias, não se recorda de ter ouvido a sua mãe mencionar esse nome em algum momento. Contudo, considerando que foi Tier Halibel Hoshigaki quem idealizou a Aliança Shinobi, não é difícil presumir que Kamui nutre algum sentimento negativo a respeito dela.

Pensar sobre isso lhe aperta o peito. Por mais poderosa e respeitada que Halibel seja, assim como qualquer ninja neste mundo ela não está totalmente isenta dos perigos e ameaças desse tipo de vida. Alguém que age por egoísmo pode ser perigoso, mas alguém que se move acreditando na própria justiça é ainda mais. Quais os limites para as ações de quem pensa que luta pelo melhor do mundo? 

Diante dessas questões, Rei se vê em uma profunda preocupação. Até onde o foragido mais perigoso da Aldeia da Chuva irá por fidelidade à sua visão de mundo? Estaria Kamui planejando algo que ameace todos os Kages, incluindo sua mãe? Estaria a Aliança Shinobi preparada para esse tipo de movimento? E o que virá adiante caso o Nukenin não seja detido…?

— Eu preciso ficar mais forte… – o pequeno loiro diz para si mesmo, em pensamentos. – Pela minha mãe, por mim, pela Aldeia da Névoa e pela Aliança Shinobi!