O entremeio escrita por Lyn Black, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 2
capítulo 1 - selwyn


Notas iniciais do capítulo

espero que se encante por astra como eu. sei que ela não estava no pedido, mas não consegui segurar a vontade de inventá-la e, quando vi, era tarde demais.
boa leitura!



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capítulo 1Selwyn

Há, ironicamente, pouca fantasia dentro da burocracia ministerial que sistematicamente perseguiu nascidos-trouxas e tornou a vida de mestiços um inferno. Um acordo tácito: a maioria dos funcionários do Ministério da Magia são exatamente os mesmos e não, apesar do que adoram dizer, o Imperius não atua sobre um coletivo. Coagidos, certamente, mas não se opondo em totalidade. A mesma funcionária que registrou Astra como mestiça atende-a após ela percorrer os corredores ministeriais pela milésima vez no acompanhamento do processo de busca pelo seu irmão. Já passaram muitos meses, mas os rastros não parecem chegar a nenhum lugar, e não há nenhum contato a ser acionado em lugar nenhum do governo para que alguém considere o destino de Merle relevante. Lamentamos pela perda, estamos fazendo o possível. E, dentro do possível, o seu arquivo acumula pó no DMLE, o Departamento Mágico de Aplicação da Lei, a cada dia que passa, longe de ser uma prioridade. 

Como ex-aluna de Hogwarts, você é convidada para muitos eventos. Os bailes talvez sejam aquilo que mais te incomoda: o barulho dos talheres é como aquele que você ouviu quando ficou presa no porão de um Comensal da Morte. A risada estridente de uma jovem moça quase te faz vomitar: você já ouviu um timbre parecido demais em uma sessão de tortura. Homens de terno apertam mãos para fotos, as mulheres com longos vestidos da alta sociedade planejam eventos beneficentes, e as crianças da elite bruxa correm entre as mesas do saguão. Você continua a viver através da famosa vigilância constante de Olho Tonto Moody, é impossível se desfazer da forma de existir que te trouxe até aqui. Você agora entende melhor a sua fama, a sua dificuldade em baixar a guarda. Os olhos assombrados rapidamente desviados entre taças de champagne não escapam a sua observação. 

O caos do mundo será desfeito em um rompante de alívio de vez em quando; e você soltará enfim a respiração que estava presa e seus ouvidos talvez encontrem uma beleza mais aguda no cantar dos passarinhos. Tenha certeza de que rapidamente haverá certa urgência pelo retorno à normalidade, o que é compreensível, afinal, Hogwarts precisa ser reconstruída e o Ministério da Magia precisa continuar a exercer as suas funções, ou é isso que você escuta por aí. Pessoas que circulam nos corredores do Ministério da Magia surgirão nos jornais com sorrisos tranquilizadores e medidas (ditas) reformistas. Uma parte de você talvez sinta que algo não se encaixe no quebra-cabeça; afinal, você continuou a receber o Profeta Diário durante todo o domínio d’Aquele que você ainda se nega a nomear. 

Para Astra, contudo, a guerra não terminou. Não só porque ela vive com os flashbacks e não consegue ver nenhum feitiço vermelho ou coisa vermelha nos seus arredores sem ter tontura, ou porque recebe olhares claramente assombrados quando fala o seu nome – o fim de Norbertus Selwyn é conhecido pelo Mundo Bruxo, o exemplo do que acontece com quem quis ser convenientemente neutro. A garota de dezoito anos anda pelos corredores do Ministério da Magia semanalmente, e ela praticamente tem uma cadeira própria no DMLE. Alguns aurores quase a adotam, outros torcem os narizes quando a encontram sentada, alguns livros no colo e o olhar semicerrado. Os mais jovens recrutas, com quem ela estudou em Hogwarts, parecem fazer questão de não falar com ela. Harry Potter é um caso especial: depois de ter pedido desculpas pelo ocorrido na Mansão Malfoy, nunca trocaram mais palavras. De vez em quando, alguém senta e tenta convencê-la a retornar para Hogwarts para terminar os estudos, pensar em qualquer outra coisa que o irmão mais novo. Ela perdeu boa parte de seu último ano, é fato, mas não há mais nada para ela naquele castelo. Não enquanto ficar sem respostas sobre Merle.

 

*******

 

Se hoje vocês os escutam berrar sob a varinha de Lorde Voldemort, sabem que amanhã será a sua vez e com a passagem do tempo, vocês vão entender que é possível conjurar um Crucius terrível o suficiente para aliviar a dor dos seguidores sem que vocês se tornem inúteis para brincadeiras, em suas palavras. Entre lapsos de inconsciência, resmungos de um duende raptado, conversas com Luna que, fora da cela, seriam loucura, mas ali dentro são a sua salvação e o curioso repertório de piadas de Olivander, você se esquece lentamente do tempo. Não é uma questão necessariamente de perder a esperança: você simplesmente sabe que não é relevante o suficiente para ser salva da Mansão dos Malfoy, nem irrelevante demais para ser descartada. Draco, seu companheiro de casa, que dentro da Sonserina era quase gentil contigo, faz um esforço especial para não cruzar o olhar contigo. Você riria, se tivesse forças.

Então, você espera, sabe-se lá pelo quê. Você é um fruto bastardo de um dos Sagrado Vinte e Oito com uma squib, o que torna o seu sangue impuro para muitos bruxos. A fofoca da elite bruxa diz que você e Merle provavelmente nasceram de uma Amortentia. Se tivesse que adivinhar, diria que não, mas que seu pai cansou-se logo de sua mãe. Eventualmente, ter magia vazando pelos seus poros tornou você e Merle relevantes o suficiente para carregar o sobrenome Selwyn, não que tenha feito muita diferença, a princípio.

Você não será uma personagem importante nessa guerra, nem nunca foi a sua intenção ser. Honestamente, às vezes, o mundo trouxa parece ser o sonho do qual abriu mão sem saber, mas é muito tarde para retornar. A Sonserina é a sua casa, você ama magia e os anos em Hogwarts são pouco turbulentos, quando você tem como comparativo as aventuras do Trio de Ouro. As tensões, contudo, aumentam, e você sente que anda em uma corda bamba. Quando Lorde Voldemort assume o poder, você e seu irmão inspiram fundo e seguem as ordens de seu pai sobre voltar para Hogwarts. Para alguém que não quer seus negócios afetados negativamente pela guerra, a ausência dos jovens Selwyn seria notada.

Você já viu muitas coisas nessa vida e em outras, mas até mesmo Luna concorda, do seu jeito excêntrico e genuíno, que não há como se preparar para ser o brinquedo de um bando de Comensais da Morte altamente estressados e frustrados. Pior: nada te prepara para ver a tortura de quem você ama. Isso, realmente, é enlouquecedor. Astra e Merle Selwyn são capturados e enviados para a Mansão Malfoy ao tentarem fugir de Hogwarts após se tornarem os favoritos dos irmãos Carrow. Bastardos de um novo tipo de traidor de sangue, aquele que quer a neutralidade, parecem irritar mais que os Grifinórios nesses tempos. Você supõe que acharam que seu pai mudaria de posição ao saber que vocês foram raptados, mas logo descobre que isso é uma consequência, não um aviso. Merle e você são separados ao chegarem. Em alguns pesadelos, Astra vê seu irmão mais novo ser enviado para os lobisomens. No porão, ela conhece algumas figuras que entrarão para a história da guerra, mas ela? Ela não. Se te parece injusto, é porque é. Anos depois, ao ler sobre a história do Lorde das Trevas, Astra chega a conclusão que seu irmãozinho e Tom Riddle tinham mais em comum do que o tal Lorde e pessoas como Lucius Malfoy, mas não é como se isso fizesse alguma diferença.

Quando Harry Potter aparece na Mansão, você não está no topo da lista de pessoas a serem salvas. Você não é abandonada de propósito, per se, até porque aquilo definitivamente não foi uma missão de resgate, mas esse é o tipo de fato que não vai entrar nos relatos biográficos, como uma garota foi abandonada. Selwyn, porém, não é o alvo de tortura naquela noite. A ira de Tom Riddle com seus seguidores faz com que as estruturas da mansão tremam e Astra acha que morrerá nos escombros. Draco Malfoy parece carregar algum tipo de culpa e, sem muitas explicações, te aparata para a Londres trouxa: Desapareça é o que fala antes de sumir novamente. E, até chegar a notícia de que a Batalha de Hogwarts acabou, você vive entre noites de pesadelos e dias de sobressalto. E você acha que agora, enfim, você terá uma noite de sono tranquila, mas isso parece que nunca vai acontecer. Merle não vai voltar. A guerra não acaba para quem continua a vivê-la a cada fragmento de recordação: ela encontra espaço para seguir respirando entre cada hipótese que sua mente traça e Astra nunca sentiu tamanha solidão, como a única Selwyn viva que conhece. A mãe morreu há alguns anos. 

Um dia, uma das aurores se apieda da garota que criou residência fixa na sala de espera do Departamento e resolve oferecer um café para Astra. Entre um gole e outro, a recém-saída de Hogwarts conta suas hipóteses sobre o irmão, sobre como ele poderia estar até hoje junto de alguma matilha de lobisomens caso tenha sido mordido. Não, ela não se lembra da fase da lua na época que foi levada para a Mansão Malfoy, mas isso não importa. Ele pode estar vivo, e não há nenhuma boa razão para que ela tenha sobrevivido e ele não, simplesmente por acidente. Até hoje não parece fazer sentido ter sido levada para o porão dos Malfoys para tortura; nunca soubera responder nenhuma das perguntas sobre magia que insistiam em fazer. E Merle, doce Merle, que tinha um coração digno da Lufa-Lufa, na sua opinião, mas provavelmente tinha negociado com o Chapéu Seletor sua entrada na Sonserina para agradar o pai, o que teriam feito dele? Um garoto do terceiro ano perdido sobre a vida e a sua magia. 

A auror escutou-a com calma e atenção, e teve que se controlar para não dizer de forma brusca o que pensava. A história era triste, mas os Comensais, em suas lógicas sádicas, dificilmente teriam uso para um adolescente. Na maioria dos casos, quem vive e quem morre não passa de acaso ou destino, o que preferir. Não haveria nenhuma justiça no fato de ela estar com eles e não Merle, mas as coisas eram o que eram. Não havia volta. Auror Goldenstein, contudo, tentou projetar a sua expressão mais confiante e segurou a mão de Astra:

— Seria irresponsável da minha parte falar para ti que você tem grandes chances de achar o seu irmão. Talvez com um time do DMLE em ação, você tivesse mais respostas, mas estamos com pouco pessoal ainda para toda a demanda após a Guerra e isso não vai infelizmente acontecer – ela observou a garota suspirar resignada – e essa é a história da maioria das vítimas das guerras. Mas senhorita Selwyn, eu não acho que você deva abandonar a busca pelo seu irmão. A sua consciência não te deixaria, claramente. Já tentou visitar o mortuário do St. Mungus? Muitas pessoas são encontradas e nunca identificadas, mas ficam lá. Eu tenho um primo que trabalhava lá, e deixe-me dizer, ele sempre comentava da quantidade de bruxos que caíam em suas mãos. Nunca se sabe, querida. 

Selwyn abre um sorriso triste e estende a mão para apertar a da mulher mais velha. 

— Isso não tinha me ocorrido, Auror Goldenstein.

A bruxa faz uma floreio com a varinha, pagando a conta e gesticula para que se levantem. 

— Nada de “Auror”, me chame de Chani. Não precisa do título aqui – a moça de longos cabelos negros sorri novamente. 

Selwyn agradece com os olhos. 

—  Astra – responde, então, apontando para si – Como posso encontrar seu primo, Chani? 

— Trabalhar no mortuário não foi fácil para ele durante o último ano – ela comenta, e as duas andam lado a lado para fora da cafeteria – Ele está na Sorveteria Fortescue atualmente. Na sala de trás, no caso, pois ele continua detestando lidar com pessoas, – ela comenta com um riso – mas o Sr. Fortescue precisa sempre de criativos e entediados jovens dispostos a inventar novos sabores de sorvete. 

Astra guarda para si a sua estranha impressão da mudança de emprego. Quem é ela para julgar, afinal? 

— Obrigada, Aur- Chani. 

A auror aperta levemente o ombro de Selwyn, causando um desconforto que a mais jovem tenta disfarçar, mas que não passa desapercebido. 

— Sem problemas, querida. Diga que Chani te enviou, ele se chama Shmuel – Ela pausa, ponderando a sua frase – mas eu não mencionaria o seu irmão em detalhes. Ele pode se deixar levar, às vezes…

Astra apenas projeta a sua energia mais confiante, apesar de sentir as pernas tremerem. Toda a ambição que a colocou na Sonserina se esvaziaram nos últimos meses. Ela só quer descobrir formas de respirar embaixo da água, dado que o mundo parece ter se tornado um grande oceano. 

— Entendido. Até breve, Auror Goldstein – ela fala e acena, em despedida, tomando o caminho da sorveteria. 

 

*******

 

Shmuel Goldstein tem muito a dizer quando Astra apoia a mão no seu braço, abrindo um sorriso inocente e praticamente se pendurando na bancada. Selwyn não pode arriscar que ele se feche para as suas perguntas, mas o trabalho é fácil demais. Ele conta da rotina que tinha no mortuário e parece ficar muito bem impressionado quando ela diz ser amiga de Chani, o que não é uma grande mentira. No fim do dia, ele não se recorda de receber nenhum rapaz parecido com Merle e lamenta não conseguir ajudar, mas Astra tem todas as informações que precisa e, a partir de setembro de 1998, seu assento no DMLE será abandonado em favor de visitas frequentes ao mortuário do St. Mungus. 

De fato, é mais fácil circular pelo enorme complexo hospitalar do que imaginou, mas a sessão específica que gostaria de explorar é restrita, o que faz sentido. Os passos de Astra, contudo, são rápidos, e ela gasta seus dias escalando o Hospital por fora, tendo uma ampla visão do maior mortuário da Europa. Merle poderia estar ali, se apenas ela pudesse ter mais poder, mas Selwyn está acostumada a se mover pelos espaços sem chamar atenção para si, apenas regida pela sua determinação. 

Entre conversas ouvidas e conduzidas, Astra se torna conhecida de forma afetuosa entre os trabalhadores do mortuário do hospital que, embora impedidos contratualmente de dar detalhes para a garota, não se importam nem um pouco de contar de seus dias e das histórias que neles chegam. É um trabalho que poucos têm interesse em escutar, a prática rotineira de receber, identificar, tentar fazer exames de reconhecimento e chamar possíveis parentes. Não há muitos sinais de Merle nas descrições que Astra coleta, mas entre refeições esmirradas e noites viradas pelo centro bruxo londrino, Selwyn convence-se cada vez mais que seu irmão está vivo. Ela chega a circular por vários hospitais trouxas perto de Wiltshire, sem sucesso e, ao falar isso para o Auror Trembley em um corredor, pois o Auror-chefe se nega a atendê-la, escuta um retumbante “Ele deve ter apodrecido na floresta maldita daquela Mansão há meses, garota. Siga com a sua vida”. 

Astra recusa-se a seguir, não sem respostas. 

 

******

 

Na véspera de Natal de 1998, Astra levanta-se tarde, sentindo certo conforto no frio que se espalha pelas ruas londrinas com força. Embaixo de várias camadas de lençóis e edredons, assim como feitiços de aquecimento, a bruxa finge por alguns momentos que Merle se mudou com ela para aquele pequeno apartamento num canto da Travessa do Tranco. Luzes amareladas, chá de hibisco sempre pronto para ser consumido e as receitas que a mãe deles ensinou sempre na ponta da língua. Eles nunca comemoram o Natal em casa e, após a morte da mãe e a mudança para a casa do pai, que sempre fez questão de enfatizar que apenas estava reconhecendo-os legalmente por causa da morte de Eric Selwyn, seu herdeiro original, Merle e Astra decidem celebrar conjuntamente o Solstício de Inverno, como os antigos bruxos costumam fazer. 

Escolhendo as meias mais felpudas e confortáveis que possui, a garota se envolve em várias camadas de tecido, escolhendo um sobretudo preto para dar conta do visual. Ela sabe que pode colocar um feitiço térmico e sair com um vestido de verão, mas há algo em sentir o vento cortante nas suas bochechas no caminho até o Hospital que traz Astra para a realidade. Ou, ao menos, o que percebe como real. Ela tem um itinerário bem simples hoje, na verdade. Passar do DMLE com doces para suavizar o desgosto de alguns aurores e trazer sorrisos genuínos para outros diante da sua presença constante e visitar o Mungus no mesmo tom, mas com direcionamento. Enquanto no Ministério da Magia, a sua presença é, em certa medida, pouco visível, já que assumem que Astra esteja atuando como aprendiz ou algo do tipo – e ela já cansou de preencher papelada não-oficialmente –, no St. Mungus há uma clivagem mais nítida entre curandeiros e pessoas sendo curadas ou visitando. 

Selwyn, entretanto, tem o objetivo especial de falar com Andrômeda Black Tonks, medibruxa sênior que supervisionou muitos dos procedimentos durante a guerra. Ela até comprou uma cesta de Natal/Solstício especialmente para a mulher, que nunca conseguia cruzar com nos corredores. Munida de seus presentes, então, Astra começa a fazer suas rondas pelo Ministério da Magia e o dia escorre de forma mais suave do que o normal. Pela primeira vez em muito tempo, poderíamos dizer, Astra está bem-humorada, fazendo piadas até mesmo com os aurores que não são muito simpáticos à sua causa. 

Atravessando as grandes portas do St. Mungus, a garota baixinha anda apressada até a recepção. 

— Ah, Astra, querida, até mesmo no Natal? – pergunta Bertha, recepcionista-chefe do Hospital.

Ninguém passava tantas vezes por aquelas portas sem ela saber, mas Selwyn disfarçara sua intenção com interesse pelos trabalhos do Hospital. Não é como se as pessoas não se solidarizem com a história de seu irmão, mas quando Astra aparece pela terceira vez em um lugar, um desconforto começa a surgir e é tudo o que ela quer evitar. Felizmente, ela acha, ela é notável o suficiente para ser lembrada, mas não demais a ponto de alguém falar sobre ela em detalhes. 

— Sempre, Bertha. Aqui, Feliz Natal – ela oferece um dos sacos encantados para brilharem para a senhora que sorri contente. 

Selwyn repete o mesmo processo com várias pessoas e não é a única. Há uma série de visitantes recorrentes do Mungus que percorrem o hospital com sacolas floridas no dia de hoje. Quando a bruxa termina a sua distribuição, ela tem apenas o presente de Medibruxa Tonks nas mãos. Ela sabe exatamente a sala da mulher que é o mais próximo de uma gêmea que Bellatrix já teve, o que dá arrepios em Astra. Ela sabe que as duas parecem ser radicalmente diferentes, e já ouviu que a curandeira deixa o neto aos cuidados de Molly Weasley, abençoada mulher, na sua opinião, que livrou o mundo das gargalhadas da Lestrange. Talvez seja a similaridade física com a irmã que tenha impelido Astra a enrolar tanto esse encontro, mas ela dá um basta e se direciona para o décimo andar. 

A primeira coisa que vê é que há uma pessoa na frente da porta, mas Astra não dá muita atenção para isso. Ela não tem nenhum compromisso depois desse encontro, seus horários são bem livres agora que vive a partir dos fundos que seu falecido pai deixou. O que ela não espera, contudo, é o trombo que quase faz com que caia no chão! Um rapaz ruivo com olhos cor de mel, responsável pela sua quase-queda impede que aquilo desande ainda mais. Astra tenta manter a pose introspectiva, mas não consegue esconder bem a decepção quando lê, tendo de desviar do corpo do alto bruxo, que Tonks já entrou de recesso. 

Frustrada, Selwyn decide retornar para casa e se afundar no primeiro vinho que achar. O ruivo tenta puxar conversa, para a sua surpresa e Astra responde amigavelmente. Passando o olho pelo adesivo amassado no peito dele, descobre que o nome dele é George e, apesar de seu rosto não lhe ser estranho, a feiticeira não dá muita atenção para isso, virando as costas e seguindo pelas escadas que conhece tão bem. 

Subitamente, porém, a voz da Diretora do Hospital St. Mungus, Irena Kantrowicz, ecoa pela escadaria. Há uma nevasca mágica impossibilitando os fluxos de transporte normais e, por questões de segurança, foi determinado o isolamento momentâneo do hospital. Por dois segundos, ela se incomoda com a notícia, mas muda de ideia na mesma hora: um St. Mungus confuso é um St. Mungus com maior abertura para Astra Selwyn se esgueirar pelas portas e entrar no mortuário por si mesma. Determinada, a feiticeira acelera o passo, direcionando-se para os níveis inferiores do Hospital, onde há a entrada do mortuário. De fato, não há ninguém ali, mas ela não se permite se animar muito. Ela tenta abrir a porta, mas nada acontece, e nenhum feitiço que sai de sua varinha é efetivo. Frustrada. Astra escora-se na parede ao lado da porta. 

Ela poderia jurar que o barulho de grilos chega até ela, apesar de ser factualmente impossível que isso seja verídico. Ela está muitos metros abaixo do solo e, pelo visto, é a única viva na região, o que traz um silêncio para a sua constante inquietude. Selwyn não acredita que vai ser assim que ela desiste, mas algo nela simplesmente parece se desencaixar. É o fim de dezembro e ela não vê o irmão mais novo desde abril. Se ele houvesse vivido, certamente a notícia de que Voldemort caiu já teria chegado aos seus ouvidos. Ou, se ele soubesse e não estivesse a procurando, deveria haver alguma razão. Todas as hesitações recaem em Astra naquele momento. Talvez fosse hora de abandonar a sua busca. 

Apoiando as duas mãos na porta do necrotério, Astra fecha os olhos. Seus cabelos escorrem pelas suas costas, e seus lábios tremem. Ela não quer enterrar Merle assim, tão facilmente, mas ela está tão só. Ela só quer que isso tudo acabe e não é, certamente, pedir demais. Virando-se contra a porta, Astra apoia a cabeça na madeira e abre um pouco os olhos, percebendo as lágrimas que eles seguram. Agora não é o momento nem lugar para se desfazer, pragueja mentalmente.

Os barulhos de grilos aumentam, e ela deve estar delirando, considera, pois o barulho de um córrego é distinguível. Em meio a essa imersão de sentidos, então, Astra não se surpreende muito quando na parede diretamente em frente ao necrotério do Hospital St. Mungus, uma porta com símbolos violetas aparece. Ela reconhece as runas das aulas que passou a frequentar cada vez menos ao longo dos anos em Hogwarts. Ela amava costurar o futuro nos céus, já Runas Antigas demandam uma relação íntima demais com os tempos passados, algo que ela nunca quis ter. 

A porta violeta se abre lentamente, como em um convite e Astra enxuga o rosto, determinação e curiosidade voltando para a superfície de seu corpo. Em alguns passos, ela atravessa o portal, sem fazer muitas perguntas para si mesma. Quanto mais anda, mais paz sente, e aquilo basta após meses de tormenta. 

Dentro do espaço, com um susto, ela percebe que está dentro de uma sala similar ao necrotério que tanto observou por janelas entreabertas. As paredes são circulares e parecem pequenas gavetas infinitas, o teto pouco distinguível. Nada disso importa, Astra pondera, e com euforia corre para onde há uma pequena mesa com papéis organizados. Uma grossa camada de poeira está depositada nos pergaminhos que, ela repara, são notavelmente velhos. Um vinco surge na testa da garota. Ela não está no lugar que achava que precisava investigar, afinal, que tipo de necrotério é cheio de musgo e plantas? Por que o Hospital revelou essa sala especialmente para ela? Aquilo não é o que viu pelas janelas do Mungus, mas ela está curiosa demais para voltar atrás.

Antes que possa pegar a varinha e tentar manipular os papéis ou abrir as gavetas, a sala toma vida e, ao seu redor, palavras flutuam em línguas que ela desconhece, gavetas se abrem mostrando corpos estáticos, sob poderosos feitiços que conservam roupas que certamente não são dessa época. Tão centrada na erupção de possibilidades, porém, Astra não repara no movimento nas suas costas e, quando ele se torna mais evidente, ela faz o impossível para não revelar que foi pega de surpresa, mantendo a varinha em riste. Na sua frente, com o rosto claramente tão surpreso quanto o que ela tenta ocultar, o ruivo George está. 

— Você, de novo? – ela não acredita em coincidências, e o acaso é muito mais perigoso de se brincar com. 

— Vem sempre aqui, Astra? – ele diz, e ela não consegue conter a revirada de olhos. O bruxo vai flertar, agora?

A interação é breve, porém, não só porque ela não poderia se importar menos, afinal, qualquer que fosse a mensagem que aquele lugar estava tentando comunicar, é mais importante, mas as portas das gavetas se fecham e os pergaminhos voam para longe. Entre feitiços inúteis e suas negativas ao ver tudo aquilo se esvaindo, um último suspiro de esperança após desistir, Astra sente as mãos de George no seu corpo, movendo-a para longe. Com horror, ela percebe o que ele tenta mostrar com urgência: o teto está despencando e, o que quer que eles estejam fazendo ali, está apenas começando. 

Porque sim, o teto está caindo, mas Astra tem para si que, depois desse ano, ela é uma garota difícil de morrer. 


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Notas finais do capítulo

agora, enfim, as coisas estão começando a esquentar hehe
beijosss



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