Quando se esforçou para abrir os olhos naquela manhã, Hermione se sentia fisicamente exausta. Cada parte de seu corpo reclamava, como se houvesse corrido uma maratona na noite anterior, mas era apenas o fato de que demorara para dormir, remoendo tudo o que ela e Draco disseram um para o outro até sua sentença intragável levá-los ao silêncio absoluto, ambos chocados demais com o rumo que tudo tomara dessa vez.

Draco havia subido para o quarto horas depois, provavelmente depois de ter se recolhido na biblioteca, no escritório ou mesmo na sala, de frente para a aconchegante lareira. Apostava que o estado de latência era o mesmo dela, pois o conhecia o suficiente para prever suas reações, inclusive a última. Era tempo o suficiente para que Hermione estivesse dormindo em sono pesado numa noite normal, mas tudo parecia fora de lugar dessa vez.

Sem que ele percebesse, o observou andar pelo quarto em silêncio, se aproveitando da pouca luminosidade que vinha dos postes acesos do jardim francês lá fora,  parecendo ter cuidado para não incomodar seu suposto sono. Do closet, ele seguiu para o banheiro, onde também não fez questão de ser rápido e, minutos depois, se deitou lentamente na cama - os cabelos indevidamente molhados e um suspiro também cansado, preenchendo o ambiente assim como o perfume de seu sabonete caro. 

Não deixou de notar o cuidado para se manter distante, levando um dos braços aos olhos numa tentativa de bloqueá-la e também aos próprios pensamentos rápidos. O cérebro de Draco funcionava em um turbilhão de ansiedade, ele contara depois de uma crise, muito tempo antes, que isso havia sido despertado durante o sexto ano deles em Hogwarts por conta de toda a pressão que estava sofrendo de Voldemort, dos Comensais e da própria família. 

Eles não mereciam Draco. Não aquele Draco que quase sacrificara a pureza da própria alma em nome deles, quando tudo o que fizeram foi justamente o contrário: tragá-lo para junto daquela realidade obscura e criminosa na qual viviam. Ele era só um garoto, ainda conseguia ouvir o tom de Dumbledore ao dizer na memória de Harry, por isso o caminho para deixar o trauma para trás fora tão longo e penoso. 

Hermione acompanhara parte do processo, havia demorado para chegar onde estavam, mas nem todas as feridas de Draco haviam sido fechadas. Ele fingia que estava bem, Hermione não gostava de insistir no assunto para não deixá-lo ainda mais tenso, mas em dias como aquele tudo parecia vir à tona, especialmente as inseguranças dele quanto à ela. 

A diferença, de quando segurara a mão dele para trilhar aquele caminho a dois, é que, agora, também sentia que não o merecia. 

Se revirou na cama, imediatamente notando que ele não estava ao seu lado, mas logo percebeu o movimento no banheiro e o aroma da loção pós-barba que ele usava todos os dias, pois detestava quando os pelos começavam a crescer. Notando a porta aberta, arrastou-se até o lado de Draco na cama, agarrando seu travesseiro sem pudor para aproveitar um pouco mais do perfume forte e amadeirado tão característico dele. Não havia mais ninguém que cheirava tão bem assim. 

Não era a primeira vez que dormiam brigados. Foram incontáveis as vezes em que eles dormiram sem se falar e acordaram abraçados no dia seguinte, prontos para dar o braço a torcer e fazer as pazes. Em quase dez anos, não houve um dia em que se arrependesse da escolha que fizera, embora todos tivessem dito que não iriam durar. 

Embora conhecesse de perto a personalidade complicada e combativa de ambos, sabia como que ele poderia fazê-la rir com seus comentários ácidos ou o típico mau humor e, mais importante, como poderia fazê-la sorrir ao dizer algo inesperado e surpreendentemente tocante. 

Também, gostava de fazê-lo rir, pois Draco geralmente sorria mais com os olhos acinzentados, silenciosamente e sem nada a complementar, do que ria largamente. E, sempre, sem exceção, mesmo depois de todo aquele tempo, se via mais fascinada por ele quando presenciava momentos assim, pois sabia que eles os reservava como se estivesse cuidando de algo muito precioso. 

Ainda deitada, podia enxergar o reflexo dele no grande e claro espelho sobre a pia. Uma mecha de cabelo loiro caía sobre a testa, deixando-o mais despojado do que estaria em alguns minutos, pronto para trabalhar, mas ainda que continuasse com aquela beleza quase etérea de poucos, mas bem definidos músculos nos braços e no abdômen, bastava olhar para o rosto para notar o cansaço nas olheiras sob os olhos opacos. 

A feição desanimada, portanto, não era só dela, mas algo dentro de si retumbou quando ele olhou para baixo, concentrado na mão onde a aliança residia. Ainda se lembrava do dia em que contara a ele sobre a tradição trouxa das alianças, que ia muito além do anel de noivado para simbolizar o pedido e a intenção. Ainda que o laço mágico do casamento fosse realizado na cerimônia, as alianças materializavam um compromisso para a vida, eram - ou deveriam ser - tão palpáveis quanto o que viviam juntos. 

Porém, o olhar dele sobre o objeto era tão pesado que Hermione precisou apertar as próprias mãos juntas para sentir a sua, mais fina e delicada, mas tão significativa quanto. A sensação odiosa e fria de que eles, como um casal, estavam escorrendo por seus dedos foi aterrorizante, porque não queria que terminasse assim. Simplesmente, não queria. Amava como eles eram nos bons dias, como costumavam ser sem o peso da rotina cansativa que viviam no Ministério e na fábrica de poções dos Malfoy, amava todo o potencial deles juntos. 

Amava Draco há tanto tempo, que apenas a ideia de perdê-lo parecia cortá-la ao meio de maneira sufocante e Hermione teve que apertar os lábios para sufocar um soluço, ao mesmo tempo que as lágrimas marejaram seus olhos. O observou continuar na posição por mais alguns momentos, até desistir de continuar conjecturando sobre eles para alcançar a toalha pequena, enxugar o rosto e seguir para começar seu dia. 

Hush, I know they said the end is near