Nos próximos dias, toda a extensão do tesouro foi revelada, e era maior do que todos esperavam. O orgulho profissional de Draco combateu com sua frustração e sofrimento pessoais. Poderia ter tido tudo, e tinha jogado fora por causa de uma tolice. Não, disse a si mesmo em seguida. Não era tolice. E não podia ter tido tudo.

     Poderia ter tido apenas a pequena porção que Harry estava disposto a oferecer. Ele poderia amá-lo se...Aquele "se" não bastava. Se tudo o mais estivesse certo. Se ele pudesse manter o próprio orgulho, também.

    Com Ginevra, ele tinha jogado todos os outros pensamentos ao vento. Com ele, havia um "se". E embora aquilo tivesse despedaçado o coração de Draco pela segunda vez, não aceitaria um amor condicional em retorno ao seu amor incondicional.

    Havia muitas outras coisas nas quais podia pensar. Era hora de Scorpius voltar para a Inglaterra e para o colégio interno em que estudava, do qual ele gostava, mas Draco sabia que tudo teria sido mais feliz se ele se estabelecesse na Itália e o levasse para viver lá.

    Astória ia levá-lo para a Inglaterra e ficar alguns dias antes de retornar para Roma e hospedar-se num hotel perto de Ginevra. Ele, pelo menos, estava nas nuvens com os últimos acontecimentos. Assim também estava Ginevra, de acordo com Astória. Ambas se tornaram grandes amigas e agora viviam juntas.

     Na noite antes da partida de Astória, Harry forçou-se, como um bom anfitrião, ajuntar-se a sua hóspede não desejada na biblioteca.

       — Posso lhe servir uma outra bebida? — ofereceu educadamente.

      — Eu não me importaria se você o fizesse. — Astória estendeu o copo e Harry o completou.

      — Suas malas estão prontas?

      — Sim, não se preocupe. Sairei de sua casa amanhã bem cedo.

      — Espero que você não sinta como se não fosse bem-vinda aqui. — disse Harry,esforçando-se para continuar cortês.

    — Oh, eu me sinto bem-vinda em qualquer lugar — replicou Astória, mudando levemente o significado. — Foi uma boa estada. Aproveitei bastante a companhia do meu filho, e estou mais tranqüila em relação a você.

       — Em relação a mim? — Harry franziu o cenho, surpreso. — Por que você estaria preocupado comigo?

       — Oh, eu não estou. Por mim, você pode até pular de uma ponte. Sem ofensas, é claro.

       — Não estou ofendido — Harry a assegurou.

       — Não, eu estou pensando sobre você e Draco. Além de, é claro, em você e Scorp. Mas Scorpius disse que gosta de você.

       — É muita gentileza dele — respondeu Harry cautelosamente. — Mas não entendo o quê...

      — Oh, pelo amor de Deus! — exclamou Astória com um suspiro. — Você e Draco estão se enganando por 12 anos. Não acha que é o bastante?

       — Acho que você não entendeu a situação...

       — Quer dizer que não estavam noivos? Engraçado, todos diziam que vocês estavam.

       — Se você foi ao meu casamento, surpreende-me que não ficou sabendo da história toda na época. 

       — Eu soube, em várias versões. Nunca soube direito em qual delas acreditar.

       — Bem, vamos deixar as coisas assim — disse Harry.

      — Como podemos deixar assim? — demandou Astória, aflita. — Mais cedo ou mais tarde, você vai se casar com Draco e ser o padrasto de Scorp...

     Como sempre, toda vez que a conversa voltava-se para assuntos pessoais, Harry sentia a tensão crescer.

        — Não sei de onde você tirou uma idéia dessas... — -começou ele.

        — Todo mundo sabe. Aqui, encha meu copo de novo. Estou vendo que esta conversa irá me dar dor de cabeça.

    Ela estendeu o copo e Harry preencheu-o automaticamente. Depois, completou o próprio copo, bebeu num gole só e encheu de novo.

        — Então, estão todos enganados — falou com firmeza.

        — Não há dúvida quanto a isso.

     Astória murmurou um palavrão, expressando descrença e zombaria.

      — Qual é o problema com vocês dois? — perguntou. — Vocês obviamente se adoram, então qual é o grande problema? Meu Deus, se eu conhecesse um par assim!Apenas porque você cometeu um erro uma vez, não significa que vai cometer o mesmo erro pela segunda vez. Significa?

       — Sra. Malfoy...

      — Chame-me de Astória. Não vai matá-lo, não depois de todos os nomes de que você deve ter me chamado silenciosamente. Eu sei que não gosta de mim. E daí?Também não gosto muito de você.

       — Você seria amável o bastante para me dizer o que eu fiz para causar o seu desgosto? — perguntou Harry, mantendo sempre o tom educado.

        — O quê? Você arruinou meu casamento!

        — Não sei o que você quer dizer.

       — Eu não acredito nisso — replicou Astória irritada. — Você devia ter mais consciência das coisas à sua volta. Estou falando sobre meu marido ser apaixonada por você.

        — Draco nunca foi apaixonado por mim.

     — Não me diga isso! Vivi com ele por oito anos e eu o conheço muito melhor do que você. Eu estava apaixonado por aquele homem. Sabia que fui fiel a ele por quatro anos inteiros, mesmo sabendo de sua preferência sexual.

       — Você devia ser glorificada. — Harry falou com uma ironia que passou despercebida por Astória.

       — É o que eu acho. Quatro anos. Sinto tontura só de pensar nisso, mesmo agora. Onde está aquela garrafa? O que está olhando? É melhor eu ter dor de cabeça pelo álcool do que pela sua burrice em não enxergar o que está bem em baixo do seu nariz.

     Ela completou o próprio copo novamente. Harry a estava olhando.

        — Quatro anos — repetiu Astória, parecendo mais consternada a cada minuto. —E que bem me fez isso? Nós nunca tivemos uma chance. E por quê? Porque ele estava apaixonado por você desde o começo. Não digo que ele não tenha me amado. Afinal, Draco é bissexual e tivemos Scorp. Mais o seu fantasma estava lá conosco o tempo todo.

    Harry ficou silencioso por um momento, considerando aquilo. Finalmente murmurou:— Mas não é verdade. Draco ficou radiante em terminar o nosso noivado.

        — Oh, pelo amor de Deus! — exclamou Astória impaciente. — Acorde,homem! É claro que ele não queria terminar o noivado, mas o que você esperava que fizesse?Que se declarasse e deixasse que o mundo soubesse que se importava? Acha que Draco tem tão baixa auto-estima?

     O ar parecia estar cantando nos ouvidos de Harry.

         — Ele lhe contou isso? — perguntou Harry com a voz embargada de emoção.

        — Não com tantas palavras, mas de pedaço em pedaço, eu montei o quebra-cabeça. No seu casamento, ninguém podia falar de outra coisa, exceto sobre o noivo casando-se com uma garota, enquanto estivera noivo de outro uma semana antes. Ele fez uma pausa e tomou um gole antes de prosseguir:— Quando eu conheci Draco, achei que você era maluco por dispensá-lo. Meu Deus, ele era um dançarino maravilhoso! Como dançamos naquela noite! Era a maneira de Draco de mostrar ao mundo que era livre e feliz. O que não era.

         — Não foi isso que ele me disse — murmurou Harry lentamente.

       — Ele lhe disse o que sabia que você queria ouvir. O fato é que estava loucamente apaixonado por você, mas o viu beijando a outra garota, então decidiu libertá-lo para assinar os papéis, e inventou uma história qualquer para facilitar as coisas para você. Ela parou para ver se Harry falaria, mas não houve um único som. Os olhos de Harry pareciam queimar nos seus.— Quando nos encontramos um ano depois, eu pensei que Draco tivesse superado o amor por você — continuou Astória. — Mas não tinha. Se deseja saber, eu não tinha certeza disso tudo até depois que nos casamos. Posso não ser a mulher mais esperta do mundo, mas sei quando estou fazendo amor com um homem que está fingindo que eu sou outra pessoa.

     Como um flash de luz, uma lembrança surgiu na mente de Harry.

        — Mais de uma maneira de ser infiel — murmurou ele. — Foi isso que você disse.

         — Correto — concordou Astória.

       — Mas — Harry esforçou-se para encontrar as palavras, tentando não se render muito facilmente à onda de felicidade que o estava percorrendo —, isso é apenas uma teoria. Talvez você tenha interpretado errado...

       — Bem, eu não interpretei errado. Sei disso, porque uma vez nós tivemos uma discussão e Draco finalmente admitiu. Ele gostava de mim de certa forma e tínhamos um bom casamento no começo. Podíamos compartilhar piadas e nos divertir juntos, mas quando se tratava de amor, era sempre você.

         — Eu não sei...

        — Parcialmente por este motivo fui ao casamento de Ted — interrompeu Astória.— Porque ouvi um rumor que vocês estariam lá juntos, e que você estava divorciado.Eu queria falar sobre Scorp também, mas, como Dray apontou, eu poderia ter feito isso ao telefone.— Mas preferiu ir pessoalmente.— Eu precisava ver vocês, certificar-me de que era verdade. Por isso também os interrompi daquela maneira rude. Queria pegá-los desprevenidos. Sim, sim, eu sei que sou vulgar às vezes nos meus métodos de agir. Mas de qualquer forma, descobri o que queria saber.

        — E o que você acha que descobriu? — perguntou Harry.

       — Ele é louco por você, e você é louco por ele. Fim da história. Ou deveria ser, se vocês não fossem tão teimosos. Resolva isso, pelo amor de Deus, antes que eu perca a paciência.

     Harry ficou sentado em silêncio, sentindo como se o mundo estivesse girando.

      — Nunca lhe ocorreu — perguntou Astória gentilmente —, que Dray fez o que sabia que você queria, e machucou o próprio coração no processo?

    Harry meneou a cabeça.

       — Não entendo como você pode não ter percebido isso.

   Harry deu um sorriso fraco, mais para si mesmo.— Talvez eu também não seja a pessoa mais esperta do mundo — admitiu ele.

     — Não há "talvez" sobre isso. Você é um idiota. Mais infelizmente, a uma grande probabilidade de ser o futuro padrasto do meu filho. Mais não é hora de você fazer alguma coisa? Tomar uma atitude? Ou pretende esperar mais 12 anos?

      Harry pôs o copo sobre a mesa.

        — Não — replicou. — Eu não pretendo esperar.

      No hall, ele encontrou Scorpius.

        — Você viu minha mãe?__perguntou, Scorp.

        — Na biblioteca. Você viu seu pai?

        — No quarto dele — disse o garoto.

        — Obrigado.