O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 32
Capítulo 31




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Danielle já estava perdendo a paciência.

— Pela terceira vez, Guilherme, nem você nem ninguém conseguiria fazer nada a respeito. — Ela disse, enquanto terminava de cozinhar o feijão — Quem quer que seja esse assassino, é uma pessoa muito doente. Nem o melhor detetive do mundo conseguiria acompanhar uma pessoa assim.

Sentado numa banqueta e debruçado sobre a bancada da cozinha, Guilherme estava amuado. Sentia um sentimento de fracasso enorme se abater sobre seus ombros. Começara aquela investigação com tanto ânimo, e agora sentia-se feito de bobo...

Bobo, não, ele se corrigiu mentalmente. “Incompetente” seria a palavra certa.

Porque era assim que o motorista do “Landau vermelho” o fazia se sentir. Ele havia estado sempre um passo à frente de todos. Havia plantado pistas falsas. Havia feito as suspeitas por seus atos recaírem sobre várias pessoas diferentes. E fora esperto o bastante para encobrir sua verdadeira identidade e não deixar o menor rastro.

Danielle abaixou o fogo das panelas e veio até a bancada, sentando-se de frente para o marido.

— Quer conversar?

Ele fez que não com a cabeça, mas acabou pondo-se a falar.

— Preciso pensar um pouco. Não sei mais o que fazer. Conversei com o Adam a tarde inteira e não tem como ele estar por trás disso. Ele tem álibis muito bons a seu favor e não parece ser o tipo de pessoa que contrataria um psicopata para fazer o serviço por ele. — Ele massageou o rosto com as duas mãos — A única outra linha de investigação era a de que um dos acionistas dele estivesse por trás disso, mas levantei a ficha de todos e nenhum deles possui nada que os incrimine.

— E o cara que você prendeu?

— O Jefferson? — O detetive levantou os olhos, entrelaçando os dedos diante do rosto e segurando o queixo com os polegares — Estamos mantendo ele preso mais pelo fato de ele se recusar a falar do que por termos algo contra ele. Ele não consegue apresentar nenhum álibi sólido para as datas em que o Landau atacou e se recusa a falar qualquer coisa mais detalhada sobre o que ele pensa a respeito do Adam.

Danielle franziu o queixo. Sentia-se bastante chateada por ver o desânimo do marido e não poder fazer nada a respeito. Guilherme era ótimo no que fazia, mas até então nunca havia lidado com um caso tão insano. Era frustrante para ele, ela sabia, mas ele não podia se deixar abater. Ela esticou as mãos sobre a bancada e segurou as dele, fazendo-o largar o rosto.

— Então me conta. — Ela disse, baixando a voz — O que você acha desse caso?

Ele abriu a boca para responder, mas fechou-a e franziu os lábios, num gesto pensativo. Por um momento ele precisava parar de racionalizar os fatos e deixar seu instinto trabalhar. Isso já havia funcionado muitas vezes antes.

— Eu sei que alguém quer prejudicar o Adam. — Ele disse, pausadamente, fitando o nada — Mas eu sinto que há algo além do dinheiro dele por trás disso. Algo maior.

Sua esposa assentiu, abrindo um sorrisinho estreito.

— Isso mesmo. Esse é o Guilherme que eu gosto de ver. O Guilherme que pensa. — Ela começou a dar pancadinhas com o dedo indicador na fronte esquerda dele — Agora tenta relaxar. Amanhã é domingo, e você merece um descanso.

Ele inclinou a cabeça de lado, afastando-se da mão dela, mas não reprimiu uma risadinha que brotou em seus lábios. Segurou as mãos de sua mulher com mais firmeza e puxou-a para mais perto.

— Eu já falei que não mereço você? — Ele indagou, quase num sussurro, olhando-a com intensidade e ternura.

— Já. — Ela respondeu, retribuindo o olhar do marido ainda com aquele sorrisinho no rosto — Mas você se esforça.

Um chiado foi ouvido vindo do fogão, e Danielle logo se afastou.

— Agora deixa eu me concentrar aqui um pouco, senão queimo o arroz.

Guilherme riu, sentindo-se mais relaxado, e levantou-se também. Foi atrás da esposa e enlaçou-a com um abraço gentil por trás, empurrando seu corpo com cadência em direção ao dela e balançando-os de um lado para o outro, como se dançassem.

— Você é ótima. — Ele disse, ao pé do ouvido dela.

Ela sorriu ainda mais.

— Não seja tão bonzinho. — Ela cutucou a bochecha dele com o nariz — Também tenho meu lado levada.

Ele ia retribuir a provocação, mas seu celular apitou no bolso de sua calça. Pegando o aparelho, o detetive viu que alguém havia lhe chamado no Whatsapp. Ele desbloqueou o telefone e abriu o aplicativo, percebendo que as mensagens haviam sido mandadas por seu amigo Marconi, o investigador da Polícia Federal.

Ele abriu a conversa.

boa noite, meu querido, td na paz?

eu estava limpando meu pc e achei algo que pode te interessar

qnd baixei os arquivos sobre Antônio Peixoto para te enviar, baixei mt coisa e acabei não te enviando td

abri os arquivos hj por curiosidade e achei um que pode ser útil pra vc

mandei pro seu e-mail particular

abraços ;)

Guilherme alteou as sobrancelhas, curioso, e se virou. Foi até seu quarto, pegou seu notebook e trouxe-o para a sala, depondo-o sobre a mesa e ligando-o. Acessou seu e-mail particular e logo localizou o arquivo enviado por Marconi. Era um documento de poucas páginas escaneado em PDF, e ele logo pôs-se a ler. Parecia algum tipo de espólio, uma repartição de bens entre Antônio e outro alguém, mas a forma como o documento havia sido redigida dava a impressão de se tratar de algo feito em off, de forma não-judicial.

A nuca do detetive estava apenas começando a se eriçar de curiosidade quando Danielle se aproximou com um copo de suco de maracujá.

— Aceita? — Ela estendeu-o na direção do marido.

Ele se virou e pegou o copo, murmurando um “Obrigado” entre os dentes, e ela se afastou novamente. Ela percebera que Guilherme estava mexendo com algo ligado ao serviço, e decidiu não interrompê-lo.

O detetive concentrou-se melhor na leitura do documento, recitando-o em voz baixa e pulando as partes mais técnicas.

— “Eu, Antônio Peixoto, venho por meio deste”... Blá blá blá... “através do meu representante legal”... Blá blá blá... “dispensando assim os burocráticos trâmites judiciais”... Mais blá blá blá... “declarar que outorgo a quantia mensal”... Blá blá blá...

E então ele parou. Lentamente o copo de suco que ele segurava escorregou de sua mão e estatelou-se no chão. Danielle, na cozinha, assustou-se com o barulho e veio ver do que se tratava, encontrando o marido congelado diante do notebook.

— O que aconteceu, amor? — Ela perguntou, preocupada, enxugando as mãos em um pano de prato.

Mas Guilherme não respondeu. Seus olhos fitavam um nome gravado em negrito e letras maiúsculas no documento escaneado diante de si, assim como o retrato de um rapaz logo abaixo, datado de alguns anos antes. Separados, não fariam a menor diferença na investigação. O nome seria apenas um nome qualquer e o retrato seria apenas o retrato de um pré-adolescente qualquer. Juntos, no entanto, eram um diferencial enorme. Porque aquele nome e aquela foto unidos levavam a uma pessoa específica. Uma pessoa que tinha ligação a Adam. Que tinha ligação à Transportes Peixoto. Uma pessoa que Guilherme conhecia.

E que teria mais motivos do que qualquer outra para estar por trás do volante do “Landau vermelho”.

Danielle aproximou-se e pousou uma mão sobre o ombro do marido.

— O que foi, amor? — Ela perguntou novamente.

Guilherme despertou de seu torpor momentaneamente, encarando a esposa. Seus olhos pareciam ter se reduzido a duas pedrinhas de gelo.

— Acho que sei quem está por trás disso tudo. — Ele murmurou, mal movendo o cavanhaque.

Danielle nem teve tempo de responder. O toque do Whatsapp do celular de Guilherme se fez ouvir novamente, e ele se virou para olhar. Abrindo o aplicativo, percebeu que havia sido chamado por um número que não constava em sua agenda. Intrigado, abriu a foto do contato para ver de quem se tratava e sentiu o ar lhe faltar na garganta.

Era Adam.

Sua mensagem era curta e simples.

venha depressa

E logo abaixo, uma localização apontada no Google Maps.

O detetive sentiu aquela febre estranha surgir dentro de si novamente, consumindo a apatia que o incomodava até momentos antes. Sentiu-se novamente em posição ativa, útil. Sentiu que tinha algo com o que trabalhar novamente. Aquele documento escaneado havia mudado completamente os rumos de sua investigação, e ele também tinha certeza de que Adam não o chamaria por qualquer coisa.

Pondo-se de pé e guardando seu celular no bolso novamente, correu até o quarto e pegou seu paletó e a chave de seu Honda Civic. Voltou até a sala, onde Danielle continuava plantada no mesmo lugar, e deu-lhe um beijo na bochecha.

— Vou ter que sair. Me desculpe, amor.

— Tudo bem. — Ela devolveu, num tom compreensivo — Vou deixar seu jantar no forno.

Guilherme deu um abraço apertado em sua esposa e depois saiu. Desceu até a garagem, abriu o GPS de seu carro e inseriu ali a localização passada por Adam. Feito isso, arrancou e saiu velozmente para a rua. E enquanto ele dirigia pela noite escura, uma vozinha dizia em sua cabeça que aquele poderia ser o fim, ou o início do fim, do caso do “Landau vermelho”.

 

o—o—o

 

Fernanda não conseguiu formular sequer um pensamento para definir o horror que se abatia sobre ela como uma torrente de água. Ela sentia o ar faltar em seus pulmões, seu peito doer, sua cabeça girar, tudo num caleidoscópio tenebroso que parecia fazer sua mente fundir. Aqueles Landaus, repousados naquela cova escura como enormes monstros fossilizados e com as grades dianteiras viradas em sua direção, pareciam zombar da aflição dela. Pareciam dizer a ela que ainda espalhariam muito medo e terror sobre o mundo e não havia nada que ela pudesse fazer a respeito.

Tudo nela queria negar aquele espetáculo doentio que se descortinava bem diante dos seus olhos. Tudo nela queria fugir dali rapidamente, escapar daquele recôndito obscuro para um mundo seguro e cheio de luz e vida. Queria gritar até acabar o ar, até estourar as cordas vocais, até o mundo se estilhaçar e desmoronar como um enorme arranha-céu de vidro vindo abaixo. Caminhando instintivamente de costas em direção ao portão do pequeno galpão e arfando como se buscasse inalar a maior quantidade de ar possível, bateu com um ombro em uma das colunas de sustentação e atingiu um interruptor.

As lâmpadas fluorescentes que pendiam do teto se acenderam e iluminaram o ambiente, o que não contribuiu em nada para deixá-lo menos aterrador. O que se revelou foi uma mistura de oficina mecânica com laboratório, uma fusão maluca de Velozes e Furiosos com Dexter e Breaking bad. O local parecia ao mesmo tempo o palco de uma carnificina mecânica e o laboratório do famigerado doutor Victor Frankenstein.

Era uma paranoia sem precedentes.

No entanto, assim que seus olhos se acostumaram às cegantes luzes brancas que clareavam o galpão, Fernanda pôs-se a estudar melhor o entorno, ainda com um certo enjôo revirando-lhe o estômago. No meio do local estavam dispostos os seis Landaus que ela havia visto, mas só agora ela percebeu que apenas dois deles estavam inteiros. Em todos os demais faltava alguma coisa. Em um deles faltavam os para-lamas dianteiros. Em outro faltava o capô, o motor e a grade dianteira. Em outro faltavam os vidros e praticamente todo o interior.

Outro detalhe que Fernanda percebeu foram as cores dos sedãs. No escuro todos pareciam iguais, mas agora ela via que apenas os dois que estavam inteiros eram bordô. Os demais eram variados. Um era verde-claro, outro era prata, outro era bege e o outro estava completamente lixado. Outro ponto que a encarregada notou foram as capotas de vinil. A do Landau prateado era prateada igual ao restante do carro, e o sedã verde não tinha capota.

A encarregada lembrou-se da explicação de Adam sobre os carros da linha Galaxie. De que o Galaxie 500, o Galaxie LTD e o Galaxie Landau eram praticamente o mesmo carro, mudando apenas alguns detalhes estéticos entre eles. Olhando para aqueles quatro sedãs parcialmente depenados e os outros dois inteiros e brilhantes logo ao lado, ela subitamente compreendeu.

O motorista do “Landau vermelho” sempre tinha mais de um “Landau vermelho” pronto, assim poderia alternar entre os sedãs para atacar sem se preocupar com os danos infligidos ao carro utilizado, pois não só teria tempo para consertá-lo e teria as peças necessárias para reposição como teria outro carro pronto para o próximo ataque.

Era uma logística doentia.

Desviando os olhos para as laterais do galpão, Fernanda percebeu longas bancadas encostadas às paredes com objetos diversos depostos sobre elas. Agora um pouco menos assustada — mas ainda extremamente alerta — ela arriscou alguns passos até a bancada mais próxima, observando ali várias ferramentas comuns a qualquer oficina mecânica. Viu também peças trocadas dos sedãs e caixas de peças novas caídas ao chão. Também havia ali partes de carroceria retiradas dos sedãs. Para-lamas enormes, frisos cromados, emblemas diversos e um para-choque.

Outra coisa que Fernanda notou, nas paredes, foram os pôsteres de carro. Ela não conhecia todos os modelos em específico, mas percebeu que alguns tinham seus nomes escritos logo abaixo ou eram pôsteres de algum filme. O primeiro era de um enorme sedã Ford preto, de linhas arredondadas e fluidas. A encarregada conhecia vagamente aquele modelo, pois ele aparecia em praticamente todos os filmes e séries americanos como táxi ou carro de polícia. Na parte de baixo do pôster, estava escrito Ford Crown Victoria em tinta de pincel atômico. O pôster seguinte era de um Chevrolet Camaro SS. Esse Fernanda reconheceu.

O seguinte era um pôster de filme que ostentava um enorme sedã antigo, modelo rabo-de-peixe. Era um carro vultuoso e esguio, vermelho com o teto branco, com faróis duplos e um enorme friso cromado que ia dos para-lamas dianteiros até o topo das lanternas traseiras, no fim da carroceria. Logo abaixo, o título do filme Christine em letras vermelhas flamejantes. Inúmeros outros pôsteres mais estavam pendurados nas outras paredes. A foto de um Ford Thunderbird. Pôsteres dos filmes Bullit e 60 segundos. Até uma calota metálica antiga destacava-se na parede oposta.

Adiantando-se vagarosamente e ainda observando cada detalhe, Fernanda reparou também nas pistolas de pintura depostas sobre o final da bancada, quase no fundo do galpão. O compressor de ar que ela havia visto anteriormente ligava-se a uma das pistolas cujo pulverizador estava carregado com tinta bordô. Na parede do fundo do galpão, algumas peças recentemente pintadas naquela cor pendiam de suportes metálicos.

Chegando à parte de trás da construção e contornando o sedã verde, Fernanda afastou-se um pouco da bancada onde estavam os materiais de pintura e aproximou-se de outra, mais à direita, vendo sobre elas uma modesta pilha de papéis. Ela achou aquilo interessante, pois não tinha visto nenhuma folha de papel nas outras bancadas. Aproximando-se, espalhou os papéis que ali estavam e começou a estudá-los.

Por cima, folhas de jornais que destacavam notícias sobre os ataques do “Landau vermelho”.  Uma pasta com vários documentos com os logotipos da Polícia Militar e da Polícia Civil. Uma rápida conferida e Fernanda viu que se tratava dos documentos relacionados à morte de Alan.

Além da polícia e da família, quem mais teria acesso a isso?, ela perguntou para si mesma, confusa. Por um instante pensou que aquilo pudesse estar na pasta roubada na casa de Adam, mas duvidou que o namorado teria uma cópia daqueles documentos. Aquilo era obra de outra pessoa, alguém próximo a Adam. Alguém que soubesse do trauma pelo qual ele havia passado. Alguém que soubesse como usar aquilo contra ele.

Bastante incomodada com aquilo, folheou rapidamente os demais papéis. A maioria eram recortes relacionados a carros ou mecânica, mas por baixo das folhas soltas Fernanda conseguiu sentir algo mais rígido. Curiosa, afastou os papéis com os dedos e encontrou uma pasta. Uma pasta de elástico amarelo-clara. A encarregada gelou. Recolhendo a mão como se tivesse levado um choque, acabou derrubando alguns dos papéis soltos. Era aquela pasta. Era a pasta.

Ela recordou as palavras de Adam.

 “Tudo o que comprova que eu estive nos Estados Unidos por doze anos estava naquela pasta. Sem ela, não consigo provar que eu estive lá sequer a passeio.”

Bastante temerosa, Fernanda estendeu a mão e pegou a pasta, percebendo logo de cara que era mais pesada do que ela esperava. A encarregada soltou os elásticos para abri-la, mas antes que o fizesse reparou num pequeno logotipo azul no canto superior da frente da pasta, que dizia apenas Friends Hospital e logo abaixo Philadelphia, Pennsylvania. Que Adam havia estado na Filadélfia ela já sabia, mas ele nunca havia comentado nada sobre nenhum hospital.

Sem saber mais o que pensar ou o que esperar e com as mãos já bastante trêmulas, Fernanda abriu a pasta e leu a folha de rosto. Era apenas uma folha branca com o logo azul Friends Hospital no topo e logo abaixo o subtítulo Psychiatric Hospital e mais algumas informações em inglês.

 

Patient: Peixoto, ADAM

Bipolar disorder and dissociative identity

Applied treatment: Antipsychotics and hypnosis

Period of hospitalization: 11 years

 

E poucas coisas mais.

Fernanda sabia pouca coisa de inglês, mas sabia o suficiente para traduzir aquilo. Adam não estivera apenas morando nos Estados Unidos nos últimos doze anos.

Ele estivera internado. Por 11 anos.

Sofrendo de transtorno bipolar.

E sendo medicado com antipsicóticos.

Lágrimas quentes brotaram nos olhos da encarregada como jorros. Aquilo não podia ser verdade. O ar em seus pulmões pareceu se transformar subitamente em vapor vulcânico, fervente e sulfúrico. Ela se recusava a aceitar aquilo. Uma bomba dessas, jogada sobre sua cabeça sem nenhum preparo ou aviso prévio. Folheando a pasta aleatoriamente, entretanto, apenas constatou que aquilo era, sim, verdade. Uma verdade crua, cabal, que feria sua alma como uma adaga quente.

Adam sofria de distúrbios psicológicos.

Não, ela pensou, depondo a pasta sobre a bancada novamente, levando uma mão ao peito numa tentativa de reprimir a dor que começava a sentir. Não o meu Adam. Não o Adam que eu conheço.

Porque de fato não era possível. Adam sempre demonstrara ser um sujeito bastante equilibrado. Sempre com uma atitude elegante, sempre mantendo a mesma expressão severa no rosto, sempre sem se deixar alterar pelo sentimento do momento. Era um homem de negócios respeitável, um patrão que beirava a excelência e... um namorado carinhoso e atencioso. Um amante excepcional. Insaciável.

Não. Aquele não era o seu Adam. Aquilo era armação do motorista do “Landau vermelho”. Aquilo era mais uma das artimanhas dele. E com a cabeça girando e prestes a dar um tilt, Fernanda caminhou de costas para o meio do galpão, como se aquela pasta fosse algum tipo de animal peçonhento do qual ela devia se afastar o mais depressa possível.

Andou de costas no caminho que ela julgou levar para a saída. Caminhou de costas porque não podia tirar os olhos daquela pasta medonha. Passou entre o Landau verde e o prateado, batendo a perna de mau jeito em um dos para-choques, mas continuou caminhando de costas.

Ela bateu pesadamente contra o portão, tateando-o às cegas. Sentiu-o sendo empurrado para a lateral. Ouviu um trovão impetuoso estremecer a terra e sentiu uma lufada de vento gelado e água de chuva envolver seu corpo por trás como a aura de um monstro submarino morto.

E, por fim, sentiu uma mão agarrá-la firmemente pelo antebraço.


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