O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 25
Capítulo 24




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O susto inicial se transformou em caos e, em pouco tempo, tornou-se um pandemônio. Os policiais estavam desnorteados com o que havia acontecido, mas Guilherme logo tratou de lhes gritar ordens para que pegassem suas viaturas e virassem a cidade de cabeça para baixo em busca daquele Landau. Os militares dispersaram-se como formigas, cada um seguindo para um veículo diferente, e o detetive subiu a escadaria de dois em dois degraus. Chegando ao topo, percebeu que Adam continuava em estado catatônico, muito provavelmente em choque. Fernanda também estava bastante pálida.

— Levem-no para a enfermaria. — Guilherme disse para uma policial feminina que apareceu, apontando para Adam, e depois se virou para o casal — E vocês dois, não saiam daqui até eu voltar.

Dito isso, virou-se, desceu a escadaria e correu para seu Honda Civic, partindo em alta velocidade em companhia de inúmeras outras viaturas. Sirenes soavam alto e luzes vermelhas piscavam intermitentemente pelas ruas. Um helicóptero da Polícia também foi acionado e logo levantou vôo.

As buscas pelo Landau se concentraram em Contagem, principalmente no bairro Eldorado e em seu entorno, por se tratar da região onde Adam morava. Guilherme acreditava que, se fosse alguém ligado diretamente ao passado do gerente, não deveria morar muito longe daquela região. As viaturas se separaram em grupos e varreram as ruas do bairro. Policiais vasculhavam atentamente cada esquina, beco e viela onde o sedã bordô pudesse estar se ocultando. O helicóptero voava relativamente baixo para que os pilotos pudessem ajudar nas buscas também.

Para facilitar a visualização do Ford sedã, Guilherme orientou os policiais, principalmente os pilotos do helicóptero, a se concentrarem em qualquer veículo bordô ou cor-de-vinho. Alguns carros chegaram a ser avistados e parados pela equipe policial. Eram Ômegas, Vectras, Opalas, Monzas, Tempras, um Linea, um HR-V e até duas Fiat Toro novinhas, mas nenhum Landau.

Os minutos passaram rápido e se transformaram em um hora. A hora seguinte também passou depressa, e nenhum indício do Landau foi encontrado. Ninguém conseguia entender como um carro daquele tamanho poderia sumir tão facilmente. Guilherme forçava a própria mente e coçava a cabeça, tentando pensar em algo. E então, o pensamento lhe ocorreu de súbito.

— Merda! — Ele gritou, afundando o pé no pedal do freio de seu Civic.

Assim que o veículo parou, o detetive deixou seus pensamentos correrem livremente.

Nós restringimos demais a busca, ele se tocou. Ainda não tenho comprovação nenhuma de que o motorista do Landau é alguém diretamente ligado à morte do Alan. Preciso tentar outra coisa.

Porque, repentinamente, ele se lembrou de um pequeno detalhe comum nos depoimentos de Adam e Fernanda e que lhe havia fugido com toda aquela correria, e uma súbita inspiração o ocorreu. Sem se dar ao trabalho de comunicar ao resto da equipe, o detetive engatou a marcha de seu carro e deu meia-volta, retornando à delegacia. Não levou mais do que meia hora para chegar, devido ao trânsito livre.

Estacionando o Civic de qualquer jeito sobre a calçada, Guilherme acionou o alarme do carro e subiu a escadaria com pressa. Passou direto pela recepção e por sua sala e seguiu para a enfermaria, onde sabia que Adam e Fernanda estariam. Passando pela porta, notou o gerente deitado numa maca com uma compressa fria sobre a testa, sem o paletó e com a gravata frouxa. De olhos fechados, ele parecia ter caído no sono. Ao seu lado, Fernanda estava sentada numa poltrona e lia uma revista qualquer.

O detetive caminhou até encontrar Renata, a enfermeira de plantão.

— E aí, Renata? — Sua pergunta foi propositalmente vaga, enquanto ele fazia um gesto de cabeça na direção da sala onde o casal estava.

— Bom, ele teve um princípio de estado de choque. Uma reação aguda ao estresse, para usar o termo certo. — A enfermeira informou, cruzando os braços — Não deve ter sido muito agradável receber um banho de sangue no rosto como aquele e depois quase ser morto atropelado.

Guilherme assentiu com um movimento de cabeça, mas manteve-se calado. A enfermeira continuou:

— Ele ficou bastante atordoado, e pareceu perder um pouco a sensibilidade do ambiente ao redor. Não conseguiu falar direito, nem dizer se sentia alguma coisa. Então administrei um pouco de Diazepam a ele para que se acalmasse e o deixei na enfermaria, já que você não o liberou. — Renata puxou uma ficha de cima de uma bancada e começou a preenchê-la — É algo normal a quem passa por situações estressantes, mas esse tipo de reação é mais comum com quem revive algum trauma. Você sabe se ele já passou por algo parecido anteriormente?

— Na verdade, já. — O detetive confirmou.

— Hum. — A enfermeira murmurou — Olha, Guilherme, eu sei que você gosta de ir fundo nos casos em que você trabalha, mas a não ser que você tenha um motivo muito bom para mantê-los aqui, acho que seria mais prudente deixá-los ir para casa. A moça também está meio apática. Eles não vão conseguir te ajudar muito do jeito em que estão.

Ele fez um movimento vago com a cabeça, avaliando o que ela havia acabado de dizer. De fato, ele não precisava mantê-los ali por mais tempo. Não depois do que havia pensado ainda em seu carro, algum tempo antes. Ele só precisava de uma única informação.

— Tudo bem. Vou liberá-los. — Ele deu dois tapinhas no ombro da enfermeira — Obrigado, Renata.

Virou-se e seguiu para a sala onde Adam e Fernanda estavam. A encarregada notou o detetive assim que ele entrou e levantou os olhos.

— Como ele está? — Guilherme perguntou, só para quebrar o gelo.

— A enfermeira disse que foi só um susto. — Ela fechou a revista sobre o colo e olhou para o namorado — Ele vai ficar bem.

— Que bom. — Ele viu que Fernanda ia falar mais alguma coisa, mas tratou de erguer a mão e continuar falando — Eu não vou acordá-lo. Só preciso de uma informação, e acho que você pode me dar.

A encarregada assentiu.

— Tudo bem.

Guilherme pôs as mãos nos bolsos da calça.

— Vocês dois mencionaram em seus depoimentos um desentendimento que o Adam teve como um tal de Jefferson. — Ele citou, ao que Fernanda assentiu — Sabe me dizer onde ele mora?

A encarregada franziu a testa, parecendo estranhar a pergunta, mas deu de ombros.

— Na antiga Avenida Radial, num prédio cinza em frente ao galpão da antiga tecelagem. Apartamento 902, se não me engano.

O detetive assentiu.

— Você sabe o nome completo dele?

— Completo, não. Sei que um dos sobrenomes é Madureira.

— Ok, então. — Guilherme agradeceu, apontando discretamente para Adam — Quando ele acordar, podem ir. Obrigado pelas informações.

O detetive se virou e começou a andar, mas Fernanda se levantou a veio depressa até ele.

— Detetive, espere!

Ele parou no meio do corredor e se virou. Ela se aproximou e parou a menos de trinta centímetros de distância.

— Você sabe mais do que quer nos contar. — Ela olhou bem nos olhos dele — Mas eu preciso saber. Você acredita mesmo que o Adam está envolvido em tudo isso ou não?

Guilherme até pensou numa resposta neutra, mas percebeu a aflição no olhar dela. Fernanda estava verdadeiramente angustiada com aquilo, ele pôde notar. Com tudo o que dispunha até então, ele pensou na pergunta dela e devolveu a primeira resposta que veio à sua mente.

— Não, Fernanda. Eu não acho. — Ele manteve o semblante sério — Mas eu não trabalho com “achismos”. Vou levar este caso até o final e comprovar quem está de fato envolvido ou não com base em fatos, em evidências. Feito isso, o responsável será levado à justiça e pagará por seus atos. Você entende?

Ela fez que sim, cruzando os braços.

— É claro.

O detetive assentiu.

— Bom. — Ele enfiou as mãos nos bolsos de novo — Tomem cuidado na hora de voltar pra casa.

Ela concordou silenciosamente e ele virou-se novamente e seguiu para a rua, pegando seu Honda Civic e partindo na direção do bairro Novo Eldorado. A Avenida Dr. João Augusto Fonseca, antiga Avenida Radial, era uma das principais do bairro e uma das mais conhecidas da região, e o galpão da antiga tecelagem era um conhecidíssimo ponto de referência. Agora parcialmente transformado numa igreja evangélica, se tornara um local bastante frequentado.

Bem diante do galpão erguia-se um prédio com fachada de granito cinza. Como não havia nenhum outro edifício próximo, Guilherme julgou ser aquele o prédio informado por Fernanda. Parou seu Honda junto ao meio-fio, desceu e tocou o interfone do apartamento 902.

— Quem é? — Uma voz feminina atendeu.

— Bom dia. Sou o detetive Guilherme de Paula, da Polícia Civil, e gostaria de conversar com Jefferson Madureira. — Guilherme disparou.

A voz do outro lado levou um tempo para responder.

— Só um minuto.

— Ok, obrigado.

O “minuto” pedido pela mulher durou quase cinco. A portaria do prédio foi aberta e um homem moreno apareceu. Guilherme estava de pé na calçada e, ao vê-lo se aproximar, automaticamente se antipatizou por ele. Ele não exalava nem a mais remota simpatia.

— Você que é o detetive? — Ele disparou, num tom azedo.

— Detetive Guilherme de Paula. — Ele mostrou sua identificação — Você deve ser o Jefferson.

— Não devo nada à polícia. — O moreno emendou de imediato, num tom desagradável — E seja rápido. Acabei de chegar em casa e quero descansar.

— Onde você esteve nas últimas horas? — Guilherme indagou, guardando sua identificação novamente no bolso e inclinando a cabeça de lado, interessado naquela informação.

— Fazendo um corre. — Jefferson respondeu, evasivo — Trabalho por conta própria.

— Com o quê?

— Presto serviços mecânicos. — Ele cruzou os braços — Não que isso seja da sua conta.

Guilherme respirou fundo novamente. Enquanto filtrava suas palavras para não distribuir patadas de graça ou mandá-lo prestar atenção à sua forma de falar, reparou num discreto hematoma em um dos olhos do moreno e em como o nariz dele parecia torto, como se tivesse levado uma pancada forte recentemente.

— Não é sobre isso que quero falar. — O detetive disse por fim, pausadamente — Quero conversar sobre Adam Peixoto.

A expressão no rosto do moreno ficou ainda mais azeda.

— Não quero falar sobre aquele desgraçado.

— Soube que vocês tiveram alguns desentendimentos recentes. — Guilherme soltou — O que aconteceu?

— Aquele babaca merecia umas porradas na cara desde o ensino médio. Só dei o que ele merecia. — Jefferson respondeu, emburrado.

— E o que exatamente o Adam te fez?

O moreno bufou e deu de ombros.

— O cara sempre foi um esnobe. Um mauricinho metido, se achava o cara mais gostoso do mundo. Passava o rodo nas meninas da nossa escola e num belo dia resolveu pegar minha irmã. Nunca nos demos muito bem, ainda mais depois disso.

— Não estou me referindo à sua época de escola. Eu já sei que vocês estudaram juntos. — A antipatia de Jefferson havia deixado o detetive impaciente, e ele apontou o dedo indicador na direção do moreno — Estou me referindo a dois incidentes recentes entre o Adam e você. Um no shopping e outro na churrascaria. Foi ele quem fez isso com o seu nariz?

Jefferson vacilou por um instante, piscando com o cenho franzido, mas tratou de responder.

— Foi, sim. Ele não devia ter voltado à cidade. Quer dizer, depois que o irmão dele morreu, ele simplesmente sumiu. Desapareceu do mapa sem falar nada com ninguém. Muitos acharam até que ele tinha morrido. — Ele bufou — E seria melhor se continuasse assim. A vida dos meninos envolvidos no que aconteceu com o Alan virou de cabeça pra baixo. Levaram muito tempo para superar o que aconteceu. E agora olha só que coincidência: tão logo o Adam retornou, eles começaram a morrer.

O detetive franziu as sobrancelhas.

— Então você sabe do caso do “Landau vermelho”?

— Sim. — Ele assentiu — Quando ficamos sabendo que antigos colegas de classe estavam morrendo com pouco tempo de diferença, a notícia correu. Temos um grupo de amigos no Facebook, e alguém postou a notícia por lá.

Guilherme estranhou.

— Entendi. Então você...

— É claro que isso é coisa do Adam. Ele está se vingando de nós. — Jefferson não deu tempo para que Guilherme continuasse — Você sabe que só os envolvidos no caso do Alan morreram, não é?

O tom de “Estou falando com uma criança da quarta série” na voz do moreno quase fez o detetive explodir. Ele detestava deboche.

— É claro que sei. — Ele respondeu, ponderando suas palavras — Mas para sua infelicidade, tudo indica o contrário. O Adam não teve envolvimento direto com nenhuma das mortes.

— Mas ele não iria ter, mesmo. O cara é rico! — Novamente aquele tom de deboche — Ele tem dinheiro para comprar uma casa na Europa, uma Ferrari, um pug e um Kinder Ovo. Você não acha que ele poderia contratar alguém para fazer o serviço por ele?

— É claro que sim. No entanto, pela forma com que o “Landau” tem agido, tudo indica que se trate, na verdade, de alguém que não goste do Adam. Ou que não o queira por perto.

A insinuação na fala de Guilherme foi óbvia. Ele nem se dera ao trabalho de evitá-la. Jefferson estreitou os olhos, tentando forçar um semblante desafiador, mas a cor de seu rosto começou a fugir.

— Você está insinuando algo, detetive?

— De forma alguma. Eu estou apenas...

O celular de Guilherme tocou. Fazendo um gesto de mão para que Jefferson esperasse um momento, o detetive levou o aparelho ao ouvido.

— De Paula.

— Detetive, aqui é o cabo Borges. — O militar do outro lado da linha disparou — Onde você está?

— No Novo Eldorado. — Guilherme respondeu — Por quê?

— Encontramos o Landau.

Naquele exato instante o helicóptero da Polícia passou voando baixo e rápido, mas nem o rugido alto das hélices da aeronave conseguiu encobrir o arrepio que correu pela espinha do detetive. Sentindo um suor frio brotar em sua testa e em suas costas, Guilherme apenas perguntou:

— Onde?

— Abandonado na pracinha entre as ruas Potiguara e Jaguará.

O local ficava apenas 3 ruas abaixo de onde Guilherme estava. E de onde Jefferson morava. O detetive encarou o moreno com um semblante frio. Jefferson não gostava de Adam e tinha motivos — ainda que fúteis — para querê-lo longe da cidade. Havia se desentendido fisicamente com o gerente recentemente. Havia dito que estava fora de casa nas últimas horas. E o Landau havia sido encontrado próximo à casa dele.

Aquilo não podia ser mera coincidência. E mesmo que tudo isso não quisesse dizer nada, Guilherme não ia deixar essa oportunidade escapar.

— Estou a caminho. — Ele finalizou a ligação — Jefferson, como medida cautelar, você está preso.


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