O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 23
Capítulo 22




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O teatro Topázio, no Minascentro, já estava lotado quando Fernanda chegou. Bruno não havia mentido ao dizer que todos os lugares estariam ocupados. O teatro mais parecia um formigueiro, com os espectadores e convidados tomando seus lugares e membros da produção correndo de um lado para o outro para fazer os ajustes finais antes do espetáculo. Parecia que metade de Belo Horizonte havia se reunido ali.

A encarregada se informou com um dos recepcionistas do evento e logo foi direcionada ao seu lugar, que para sua surpresa — ou nem tanto — era na segunda fila a partir do palco. Fernanda até pensou em perguntar se poderia cumprimentar Bruno nos bastidores, mas deixou para fazer isso após o espetáculo. Sentando-se, passou a observar a decoração do espetáculo. O palco estava quase todo coberto por uma alta cortina branca, mas alguns pedestais visíveis e dois lustres que pendiam do teto já entregavam toda a exuberância do show.

Ela ainda não havia se esquecido das conversas com Adam e Guilherme mais cedo, mas estava procurando não se concentrar nisso. Assim que o assunto surgia em sua mente, seu cérebro parecia se tornar um liquidificador que girava freneticamente e ameaçava explodir em um milhão de pedaços. Para ela, estava bastante evidente que alguém queria afastar Adam da cidade e da Transportes Peixoto novamente. Ela só não conseguia entender o porquê de estarem fazendo isso de forma tão sádica, tentando incriminá-lo com tantos assassinatos macabros.

Uma sequência de acordes suaves vinda de um piano por trás das cortinas indicou que o show estava para começar, e Fernanda, largando seus pensamentos de lado, tratou de se concentrar no palco. Subitamente, sentiu uma ligeira ansiedade para ver a atuação de Bruno. Pela prévia que o rapaz havia lhe dado mais cedo, ela sabia que ele faria a abertura e o encerramento do show, e não sabia dizer se estava ansiosa ou curiosa para ver o que estava por vir.

As conversas da platéia foram diminuindo enquanto o piano continuava a tocar, num solo brando, elegante e emotivo. As luzes do teatro foram diminuindo e dando lugar a jogos de luzes vermelhas e roxas, deixando o local mergulhado numa ligeira penumbra escarlate, e um único canhão de luz branca foi aceso e direcionado para o centro do palco, revelando uma única pessoa de pé diante da cortina branca. Usando um vistoso smoking preto com gravata borboleta e parado numa elegante posição com as pernas ligeiramente posicionadas uma à frente da outra, Bruno segurava um discreto microfone prateado e encarava a audiência com uma expressão segura no rosto.

Fernanda ajeitou-se em sua poltrona, como se alguém tivesse lhe dado um ligeiro beliscão nas costas, e um discreto sorriso de admiração brotou em seu rosto. Seu amigo estava bonito como ela nunca havia visto antes. Só então ocorreu a ela que nunca o havia ouvido cantar com seriedade, mas esse “mistério” estava para acabar.

De súbito, o solo do piano que tocava adquiriu um tom mais triste e pesado, com acordes mais bem marcados, e Bruno baixou a cabeça e cruzou as mãos diante do corpo. Algumas pessoas da platéia comentaram algo entusiasmadamente entre si, provavelmente reconhecendo a música que se iniciava. Fernanda apenas aguardou. Por se tratar de um espetáculo sobre Las Vegas, alguns poderiam esperar que o show começasse já de forma esfuziante, com luzes, paitês e coreografias por todos os lados, mas pelo que a encarregada podia perceber, os produtores haviam decidido começar com uma abordagem mais elegante.

Genial, ela pensou.

O som que provinha do piano começou a adquirir mais intensidade, dando início de fato à introdução da música. Bruno empunhou o microfone e levantou a cabeça lentamente, voltando a encarar a audiência diante de si e pondo-se a cantar.

 

There’s so much life I’ve left to live

And this fire’s burning still

When I watch you look at me

I think I could find the will

 

Fernanda corrigiu sua postura na poltrona novamente, surpresa. O Bruno que cantava diante dela nem de longe parecia o Bruno amalucado e apaixonado por carros com quem ela trabalhava. Com uma voz ligeiramente grave e rouca, o rapaz entoava I Surrender com total segurança enquanto fitava a platéia com uma expressão firme. A encarregada não pôde deixar de notar que, na fila diante dela, um pequeno grupo de críticos de arte já começava a fazer anotações em bloquinhos de papel e tablets.

Bruno seguiu cantando.

 

To stand for every dream and forsake this solid ground

And give up this fear within

Of what would happen if they ever knew

I’m in love with you

 

Assim que o rapaz cantou a última palavra, a música subitamente parou. Enquanto a platéia era pega num ligeiro momento de surpresa, Bruno avançou três passos adiante e parou novamente. Empunhando o microfone com a mão esquerda e suspirando, ele abriu o braço direito e espalmou a mão num gesto brusco. Numa sincronia perfeita, a orquestra imediatamente voltou a tocar e a enorme cortina branca que cobria o palco despencou, separando-se em duas partes e sendo recolhida em menos de dois segundos.

 

Cause I surrender everything to feel the chance to live again

I reach to you, I know you can feel it too, we’d make it through

A thousand dreams I still believe, I make you give them all to me

I hold you in my arms and never let go

I surrender

 

Assim que a cortina caiu, a platéia pôde ver toda a orquestra posicionada por trás de Bruno. O piano de cauda que dera início à música também pôde ser visto mais ao lado. Entre os lustres gêmeos que pendiam do teto, iluminou-se um letreiro de neon vermelho em letras cursivas que ostentava o título do espetáculo, Vegas 90’s. A audiência aplaudiu, extasiada. Fernanda, logicamente, acompanhou. Fizera bem em ter vindo assistir ao show.

Bruno entrou na segunda parte da música com uma interpretação comovente e sentimental que arrebatou os espectadores. O segundo refrão foi ainda mais intenso que o primeiro. Os lustres gêmeos foram acesos, iluminando o palco com suas luzes âmbar. Fernanda foi novamente surpreendida pelo alcance vocal do amigo ao ouvi-lo estender o final da palavra surrender, no fim do refrão, por mais de oito segundos enquanto subia dois tons. Ele realmente havia se dedicado a fazer um bom cover de Celine Dion para o espetáculo.

A terceira parte da música foi igualmente intensa, com Bruno novamente mostrando a que veio ao estender o final da estrofe por onze segundos ininterruptos sem sequer tremular a voz. Avançando mais alguns passos, o rapaz postou-se bem na frente do palco e preparou-se para emendar a parte final da música. Os críticos sentados à frente de Fernanda anotavam ferrenhamente em seus bloquinhos.

Fazendo um leve e elegante floreio de mãos e ouvindo duas marcações da orquestra a acompanhá-lo, Bruno entoou o final da canção.

 

Right here, right now

I give my life to live again

I’ll brake free, take me

My everything, I surrender all to you

Right now

I give my life... Take me...

My everything...

Right now...

I surrender, I surrender to you, baby

 

E após Bruno estender baby por mais dezesseis segundos e quase fazer os críticos derreterem em suas poltronas, a música terminou com uma súbita marcação de todos os instrumentos da orquestra enquanto todas as luzes se apagavam. A audiência se pôs de pé para aplaudir, fervorosa. O letreiro neon com o nome do espetáculo havia permanecido aceso, mas agora suas cores variavam entre o vermelho, o laranja e o amarelo. Um ruflar de tambores se ouviu, e logo uma voz masculina cavernosa anunciou:

— Senhoras e senhores! Este é o Vegas 90’s!

Imediatamente o palco explodiu em cores e música, e o show teve prosseguimento. Duas dezenas de bailarinos vestidos em roupas repletas de plumas e acessórios metalizados entraram, encenando coreografias clássicas que remetiam aos espetáculos da Cidade do Pecado. Um telão se iluminou no fundo do palco, trazendo imagens sobrepostas de caça-níqueis, roletas e cartas de baralho numa clara alusão aos cassinos de Las Vegas.

Logo entrou outro rapaz vestido de branco numa escultura sobre rodas que lembrava um Cadillac Eldorado, pondo-se a cantar Viva Las Vegas, de Elvis Presley. Daí em diante, o espetáculo foi adquirindo mais vivacidade. Na sequência vieram covers de Elton John, Frank Sinatra, Cher e Britney Spears, sempre entremeados por coreografias voluptuosas e jogos de luz. O telão no fundo do palco alternava imagens de acordo com as apresentações, sempre exaltando o artista ou elemento que estava sendo referenciado.

Bruno apareceu novamente na metade do espetáculo junto com o homem de meia idade que homenageava Elton John, quando houve um medley de músicas da Celine Dion intercaladas com músicas do cantor inglês. Depois apareceu mais três vezes, para cantar The power of love, com uma coreografia fluida ao fundo, I drove all night, que também contou com um carro esporte no palco, e River deep, mountain high, na qual ele usou um chamativo terno dourado fosco com lapela preta e foi acompanhado por vinte bailarinas que dançavam energicamente ao seu redor.

Daí em diante, o show caminhou para o encerramento. A garota que cantava Britney Spears entrou em cena cantando Toxic, com o telão ao fundo exibindo imagens da cantora americana. Na sequência, a mulher de meia idade que homenageava Cher entrou cantando Believe. Depois vieram os homenageantes de Frank Sinatra, Elton John e Elvis Presley, todos acompanhados por imagens do respectivo artista sendo exibidas no telão e com o cenário devidamente montado de acordo com a personalidade do homenageado. O ritmo do show era elegante, crescente e prendia a atenção do público, sempre deixando-o ansioso pelo que estava por vir. Os lápis que os críticos usavam estavam quase soltando fumaça após tantas anotações, mas eles se mantinham atentos a cada mínimo detalhe da apresentação.

Assim que o tributo a Elvis Presley teve fim com a música Can’t help falling in love, as luzes do palco se apagaram. Poucos segundos depois, a melodia de uma flauta doce teve início e a audiência não conteve os aplausos e assobios de entusiasmo. A trilha sonora de Titanic era inconfundível. Com o telão exibindo imagens do famoso blockbuster e algumas tomadas de Celine usando vestidos longos e esvoaçantes, teve início a música My heart will go on. Era uma versão mais acústica, semelhante à versão original do filme, mais sentimental e intensa, e pôs todos os espectadores em êxtase. Fernanda empertigou-se e se sentou bem na frente da poltrona, ansiosa por ver o último número de Bruno naquela noite.

No canto esquerdo do palco ergueram-se do chão dois balaústres brancos em forma de V e uma alta chaminé laranja, fazendo alusão ao famoso transatlântico, e o piso logo se cobriu de uma fina fumaça branca. Bruno logo entrou em cena usando um longo sobretudo preto, colete grafite e uma gravata-borboleta preta. Posicionando-se no centro do palco, logo começou a cantar. Os espectadores aplaudiram mais uma vez, entusiasmados.

O rapaz deu uma interpretação dramática e emotiva à canção, fazendo jus à sua proposta original. Um dos críticos se emocionou, e Fernanda, logo atrás, uniu as mãos na altura do peito, reconhecendo para si mesma o quão bem montado aquele espetáculo havia sido. Quando a música finalmente atingiu seu ápice e Bruno pôs-se a entoar o refrão, dois canhões de ar discretamente posicionados à frente do palco fizeram a cauda de seu sobretudo esvoaçar, contrastando com imagens semelhantes de Celine Dion em seus shows sendo exibidas no telão ao fundo.

Fernanda se colocou de pé para aplaudir o amigo, no que foi imitada pelos demais da platéia. E quando a música finalmente acabou e Bruno fez uma reverência em direção aos espectadores, a ovação pareceu aumentar ainda mais. As luzes logo foram apagadas, deixando apenas o letreiro Vegas 90’s aceso em vermelho, e o telão ao fundo começou a exibir os agradecimentos finais e algumas imagens do making of do show, enquanto os espectadores começavam a deixar o teatro.

A encarregada se levantou e logo procurou um dos organizadores do evento, pedindo para cumprimentar Bruno nos bastidores. O homem a informou que os participantes do espetáculo podiam, de fato, receber um único convidado no backstage e a conduziu para uma sala reservada atrás do palco, onde os artistas e alguns membros da imprensa estavam reunidos, trocando cumprimentos e abraços efusivos. De onde estava, Bruno viu Fernanda se aproximando e tratou de vir até ela.

— Ei, senhorita! — Ele abriu os braços — Você veio mesmo!

— É claro que vim, senhor. — Ela o abraçou — Você esteve maravilhoso! Estou louca para te assistir novamente.

— Hããã, alô?! — Ele estalou os dedos na frente do rosto dela — Eu estou só substituindo o rapaz que ficou doente, lembra?

— Ah, sim, é verdade. — Ela havia se esquecido, mas deu de ombros — Mas enfim. Você esteve ótimo. E aí, vocês vão sair para comemorar?

Bruno olhou em volta, acenando para dois colegas que o cumprimentaram de longe.

— Não. Nosso grupo só costuma comemorar uma estréia depois de ler as críticas. — Ele respondeu, passando a mão pela barriga — Mas podemos sair para comer alguma coisa. Essa apresentação me deu fome.

Fernanda riu.

— Por mim, tudo bem. Aonde vamos?

— Conheço um lugar bacana. Me dê só um minuto. — Ele ergueu o dedo indicador no ar — Vou me despedir do pessoal.

A encarregada assentiu e o rapaz se afastou, cumprimentando os colegas e colaboradores do espetáculo. Ele também posou para algumas selfies com os colegas do grupo e fez algumas piadas, mas logo seguiu para o camarim e voltou em menos de dois minutos. Havia trocado apenas o sobretudo longo por um blazer e penteado os cabelos novamente. Trocou mais algumas palavras com o pessoal do grupo e se despediu, dizendo que os veria no dia seguinte.

— Você vai assim? — Fernanda indagou quando ele se aproximou.

— E daí? — Ele fez um gesto vago com a mão enquanto seguiam em direção à saída — Vamos a lugar chique, senhorita, e não a um boteco “copo sujo”. E você também não está exatamente vestida como a rainha da humildade. — Ele apontou para o vestido que ela usava.

— Sim, mas também não estou nenhuma “Kate Middleton”. — Ela fez as aspas com os dedos.

— Enfim. — Bruno deu de ombros — É até bom a gente dar uma saída mesmo, porque o pessoal estava combinando de soltar uns foguetes.

— Foguetes?! — Fernanda não entendeu.

— Sim, foguetes. Detesto aquilo. — Ele se virou para ela, andando de costas e acenando com as mãos — Sabe aqueles fogos de artifício de pobre que só sobem e explodem, tipo “fiiiiu bummm”, e não brilham nem nada? Ah, para. Me joga pra cima que eu brilho mais.

A encarregada desatou a rir, e Bruno se calou. Saíram para a Avenida Augusto de Lima.

— Você veio de carro? — Ele perguntou.

— Não, peguei um Uber. — Fernanda respondeu — Quer que eu chame...

— Não, tudo bem. Eu chamo pelo meu. — Bruno tirou seu celular do bolso e começou a digitar.

Poucos segundos depois ele gargalhou alto, chamando a atenção de Fernanda.

— O que foi? — Ela se postou ao lado dele, olhando para o celular.

— Olha isso.

Ele virou o celular na direção dela, mostrando a mensagem que uma tal de Sabrina havia acabado de mandar em seu Whatsapp.

To apaixonada.

Bruno continuava rindo para si mesmo enquanto digitava a resposta.

Tá fodida

Ela logo respondeu:

Por vc.

E ele de pronto devolveu:

Mais fodida ainda

— Quem é essa Sabrina? — Fernanda perguntou.

— Ah, uma maluca que conheci no meu curso de inglês. Menina doida, se apaixona por todo mundo. — Ele guardou o celular no bolso, ainda achando graça.

— Ei, e o nosso... — Fernanda começou a questionar.

— É um Linea prata, e o motorista se chama Humberto. — Ele respondeu, referindo-se ao Uber — Está a menos de um minuto daqui. É só esperar.

— Então tá. — Ela cruzou os braços — Mas e aí, você não vai dar chance pra essa menina, não?

— Eu não. Como eu disse, ela se apaixona por todo mundo. Logo, logo ela me supera. — Ele nem olhou para Fernanda.

— E a Carol? — Ela cutucou, provocando-o — Você tem notícias dela?

— Não. — Ele fez um movimento negativo com a cabeça — Às vezes eu até penso nela, onde ela está e tal, mas aí me lembro de tudo que ela fez comigo e penso “Ah, tomara que esteja no inferno”.

Fernanda riu alto, mas Bruno continuou com cara de paisagem. A encarregada até pensou em retrucar, mas o carro do Uber que haviam solicitado chegou. Os dois entraram e Bruno passou o endereço para o motorista. Seguiram para a Adega do Sul, uma churrascaria com bar americano e adega de vinhos no bairro Gutierrez. Entraram e se sentaram numa mesa mais afastada, próxima a uma janela.

Um garçom logo se aproximou deles e Bruno pediu uma garrafa de vinho merlot, no que foi prontamente atendido. E enquanto as carnes eram servidas por rodízio, ele puxou assunto.

— E então? — Ele indagou, girando a taça que segurava à frente do rosto — Sobre o que você queria conversar?

Fernanda foi pega de surpresa e corrigiu sua postura, ligeiramente sobressaltada. Havia até se esquecido disso. Terminando de engolir o pedaço de picanha que mastigava, ela limpou a boca com um guardanapo e cruzou as mãos sobre a mesa.

— Então, Bruno... Apesar de você ser meio doido, você é um cara bem inteligente. Quero que você me ajude a pensar. — Ela disse.

O rapaz a encarou.

— Vou deixar o “doido” passar porque sei que sou, mesmo. — Ele bebeu um pouco de vinho — Mas diz aí. O que aconteceu?

Suspirando, Fernanda contou a ele sobre as conversas que havia tido com Adam e o detetive Guilherme mais cedo. Sobre o caso do “Landau vermelho” e seu andamento, e sobre como a suspeita recaía sobre Adam. A encarregada falou sobre os assassinatos, começando pelo delegado Lacerda e indo até Juliana e Eduardo. Sobre como não era possível Adam tê-los cometido, por estar em outro lugar durante as mortes e pelo fato de seu próprio Landau estar em restauração. Sobre como o retorno do gerente ao país foi mal recebido por quase todos.

Bruno escutava atentamente, desviando a atenção apenas para se servir de mais vinho ou comer algo que os garçons vinham oferecer. Fernanda finalizou contando sobre o depoimento que deveria prestar no dia seguinte.

— É isso. — Ela tomou fôlego e bebeu um pouco de água — É muita informação. Não consegui processar tudo direito.

— Hum. — Bruno resmungou, largando a taça que segurava e apoiando os cotovelos na mesa — Bom, para mim está muito claro que tem alguém tentando prejudicar o Adam. De uma maneira doentia, mas meu palpite é esse. O negócio é descobrir quem e por quê.

— Durante minha conversa com o detetive, ele me perguntou se eu sabia de alguém que poderia querer prejudicá-lo. — Ela soltou.

— E o que você respondeu?

— Que eu não sei. Tem muita gente lá do bairro que não gosta do Adam. — Ela se lembrou de algo mais — Ah, e ele perguntou pelos sócios dele, também. O que eu sabia sobre eles. Só comentei que diziam que o gerente de MOC ia assumir a empresa, mas aí o Adam apareceu.

— Hum, interessante. — Bruno uniu as pontas dos dedos, formando uma pirâmide com as mãos diante do rosto — Acho que esse seu amigo detetive tem duas linhas de raciocínio diferentes, mas bem óbvias.

— Que seriam...?

O rapaz encheu sua taça de vinho novamente e bebeu um pouco. Fernanda apenas esperou.

— Como os envolvidos na morte do Alan estão sendo mortos, ele pode pensar que algum desafeto do Adam está matando essas pessoas para tentar incriminá-lo e afastá-lo da cidade novamente. Porque por mais álibis que o Adam tivesse, todo mundo ia achar que ele estaria se vingando dos assassinos do irmão dele.

Fernanda piscou. O que Bruno havia dito era extremamente óbvio, mas pareceu ainda mais óbvio pelo fato de ter saído da boca de outra pessoa. O rapaz continuou:

— A outra hipótese é quase a mesma. — Ele comeu um pedaço de carne — Um dos acionistas esperava receber parte da companhia após a morte do Antônio, mas o retorno do Adam frustrou os planos dele. Então ele decidiu dar um jeito de sumir com ele de novo e embolsar parte da empresa.

Outra obviedade que pareceu ainda mais óbvia a Fernanda ao ouvi-la de Bruno. Ela balançou a cabeça em negativa, meio perdida, enquanto levava um picles à boca.

— Mas Bruno... Como alguém...?

— Como alguém seria capaz disso? — Ele completou a pergunta dela — Alôôô, em que mundo você vive? Você não assiste os jornais? Não lê sites de notícias? Isso não seria nenhum bicho de sete cabeças. Todo dia aparece alguma coisa desse tipo no G1. Eu não ficaria tão surpreso assim.

— Mas eu... Quer dizer, o que... — Ela abriu os braços e olhou em volta, sem saber exatamente o que dizer, mas por fim apenas bufou e comeu mais um pedaço de carne — É, tudo bem. Você pode estar certo. Mas, Bruno, o que eu não quero é ficar vendo isso tudo acontecer na minha frente e não fazer nada. Eu preciso fazer alguma coisa para ajudar o Adam.

O gestor de frota a encarou, pensativo. Deu alguns goles em sua taça de vinho, mas permaneceu com os olhos fitos nos de Fernanda. Ela alteou as sobrancelhas.

— Você não vai falar nada?

Ele sorriu de canto, finalizando o vinho que havia em sua taça.

— Você vai comer mais? — Ele perguntou, apontando para o prato dela.

— Não. Por quê? — Ela estranhou a pergunta.

Bruno limpou a boca e se pôs de pé.

— Vem comigo. Acho que eu posso te ajudar.

Fernanda nem teve tempo que questionar, pois o rapaz já havia se virado e caminhado em direção ao caixa. Ela apenas pegou sua bolsa e o seguiu. Pagaram a conta, saíram e pegaram outro carro do Uber. Bruno passou o endereço da Transportes Peixoto para o motorista, e a encarregada estranhou ainda mais.

— O que você vai caçar na empresa uma hora dessas? — Ela perguntou.

— Calma. Você vai entender. — Havia mistério no tom de voz dele.

Fernanda decidiu deixar para lá. Sabia que se Bruno não colocasse uma pitada de excentricidade, ele não seria Bruno.

O carro parou diante do armazém da transportadora pouco mais de meia hora depois. Os dois desceram e rumaram para a portaria. Bruno tratou de retirar a gravata-borboleta para ficar com um ar mais informal. Cumprimentaram os porteiros e passaram pela guarita.

— Boa noite, senhores! — Bruno acenou com a mão esquerda.

— Boa noite, Bruno. Fazendo serão? — Um dos porteiros perguntou.

— Hoje não, Jorge. Esqueci minha carteira de habilitação lá na sala e vim buscar. — O rapaz respondeu.

— Ah, sim. Fica à vontade aí. — Ele acenou mais uma vez — Boa noite também, Fernanda.

— Boa noite, Jorge! — Ela retribuiu o cumprimento e seguiu atrás de Bruno, que rumava para o armazém — Para onde você está indo, menino?

— Ssssshh! — Ele fez um gesto discreto para que ela se calasse — Apenas me acompanhe.

Em vez de passarem pela catraca e adentrarem o armazém, seguiram direto pelo corredor até o final e viraram à direita, dando de cara com uma pequena sala com a identificação “Frota” na porta. Bruno tirou seu molho de chaves do bolso da calça e destrancou a porta. Assim que os dois entraram, ele fechou a porta e tratou de trancá-la.

— O que nós viemos fazer na sala da frota, Bruno? — Fernanda perguntou entre os dentes, pois estava ficando inquieta.

— Ei, eu disse pra você ter calma. — Ele se adiantou e abriu um armário, pegando uma caixa branca e colocando-a sobre a mesa de canto.

— O que é isso? — A encarregada estava curiosa.

— Você disse todas as pessoas que estão envolvidas na morte do Alan estão sendo atacadas, correto? — Ele começou a dizer, enquanto mexia na caixa — Se isso for mesmo verdade, você e o Adam também podem ser alvos do Landau. Ele por ser irmão do Alan, e você por ser namorada dele.

Fernanda congelou. Não havia sequer cogitado essa hipótese. Pareceu óbvio vindo da boca de Bruno, mas em momento algum aquilo havia passado pela cabeça dela.

— Tá, e daí? — Foi tudo o que ela conseguiu perguntar.

— Daí que se eu estiver certo, você vai poder ajudar a descobrir quem está por trás disso. — Ele puxou alguns pequenos objetos brancos de dentro da caixa, se assemelhando a pequenos isqueiros, e mostrou-os a Fernanda.

— O que são essas coisas? — Ela questionou.

— Isso, minha cara, são rastreadores. Usamos isso para rastrear veículos com cargas de alto valor agregado sem chamar a atenção. — Bruno ergueu um dos objetos no ar — Ele tem um imã na parte de trás que se fixa à lataria do veículo. Nós o colocamos por baixo do chassi do caminhão e ativamos o sinal de rastreamento. A bateria dura até dois dias. — O gestor de frota tirou seu celular do bolso e abriu um aplicativo, que mostrava um pequeno ponto verde piscando sobre um mapa na tela — Com isso aqui eu posso localizar o caminhão onde quer que ele esteja com apenas um toque.

— Ok. — Fernanda assentiu, ligeiramente irônica — E como isso pode me ajudar?

— Simples. Vou te dar dois rastreadores. Este aqui é sinalizado por essa luz verde no meu celular. — Ele mostrou o rastreador que segurava — Quero que você dê um jeito de colocá-lo no carro do Adam. Por baixo do para-choque, ou do painel, sei lá. — Ele pegou outro rastreador, um pouco diferente do primeiro — Este outro aparece no meu celular como uma luz vermelha. Quero que o mantenha com você todo o tempo a partir de agora.

Fernanda já estava inquieta. Agora, estava ficando apreensiva.

— E para quê isso?

O olhar de Bruno ficou firme.

— Você é uma mulher esperta, Fernanda. Já sabe o que está acontecendo. Se, e somente se o “Landau vermelho” vier atrás de você, quero que jogue este rastreador nele. — O rapaz mostrou a ela o segundo rastreador — O imã dele é mais potente, e ele vai se fixar ao carro independente da posição em que ele o atingir.

A risada debochada de Fernanda foi involuntária. Ou nem tanto.

— Ah, tá bom. — Ela abriu os braços bruscamente — Vou esperar aparecer um carro assassino na minha frente para tentar me matar e ainda vou ter que me preocupar em jogar um rastreador nele? E ainda escapar depois disso? Qual é, Bruno, você fumou merda?!

O semblante dele permaneceu sério.

— Como eu disse, Fernanda, você já sabe o que está acontecendo. Esse Landau só vai te pegar desprevenida se você for muito lerda. — Ele deu de ombros — Além disso, posso apostar como agora você e o Adam só saem juntos. Não vai ser tão difícil assim.

A encarregada chegou a tomar fôlego para responder, mas fechou a boca. Bruno tinha razão. Ultimamente ela só havia saído em companhia do gerente. Se de fato fossem surpreendidos pelo “Landau vermelho”, não seria complicado para eles se separarem e dar um jeito de despistá-lo. Como se lesse os pensamentos dela, Bruno estendeu os rastreadores em sua direção.

— Não comente isso com ninguém. — Ele pediu — Posso perder meu emprego se descobrirem que estou te emprestando isso.

— Mas supondo que o Landau realmente apareça e que eu, de fato, consiga colocar o rastreador nele, o que faço depois? — Ela perguntou.

— Tsc, tsc. Você precisa ler mais romances policiais, minha cara. — Bruno balançou a cabeça — Se o Landau aparecer e você conseguir colocar o rastreador nele, você me liga e eu imediatamente aciono o sinal de rastreamento deles. — Ele mostrou a luz verde piscando em seu celular de novo, com um sorriso debochado no rosto — A luz verde vai me dizer onde o Landau do Adam está, e a luz vermelha vai dizer onde o “Landau vermelho” está. Entendeu, sweetheart?

Foi como um tapa na cara. Fernanda assentiu, ligeiramente boquiaberta.

— Ah, sim. Agora está bem claro. — Ela encarou o rapaz — É, tenho que deixar de ser tão lerda.

— Você é lerda, sim, mas tem um bom coração. — Bruno deu uma risadinha, entregando os dois rastreadores a Fernanda.

A encarregada pegou-os e guardou-os em sua bolsa. Não seria difícil colocar o rastreador no Landau de Adam. Isso não a preocupava. Ela ainda estava apreensiva era com a idéia de que poderia ser abordada pelo “Landau vermelho”.

— Eu estou pensando aqui... — Bruno comentou, deixando a frase em aberto e levando a mão ao queixo.

— O quê? — Fernanda perguntou, fechando a bolsa e se virando para ele.

— Se tudo correr bem e os rastreadores apontarem onde cada Landau está, a polícia vai achar quem está por trás disso rapidinho e o Adam vai poder provar sua inocência.

— Isso mesmo. — Ela concordou, mas não conseguiu entender o raciocínio dele.

Bruno continuou calado, segurando o queixo e olhando para o nada. Fernanda se incomodou com aquilo.

— O que foi, Bruno?

Ele se virou lentamente na direção dela e falou pausadamente:

— O problema é se os dois rastreadores apontarem para o mesmo carro.


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