O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 22
Capítulo 21




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Assim que a carreta tanque foi retirada da marginal, Guilherme arrancou com seu Civic e disparou bairro adentro. Os policiais que estavam na Blazer ficaram para trás para ajudar a coordenar o trânsito e desfazer o enorme engarrafamento que havia se formado.

O detetive acelerou pelas ruas estreitas do bairro Riacho e parou diante do armazém da Transportes Peixoto com rispidez, rangendo os pneus do Honda e chamando a atenção dos seguranças. Largando o carro de qualquer jeito no estacionamento da empresa, Guilherme desceu e caminhou até a guarita, mostrando sua identificação. Questionado pelos seguranças sobre o motivo de sua visita, o detetive informou que queria falar com Adam.

— O senhor Peixoto não... — Um dos seguranças começou a dizer, com um gesto negativo.

— Escuta aqui, campeão, eu sei que ele está aí. — Guilherme apontou o Fiat Toro verde parado no canto extremo do estacionamento — Ele sabe quem eu sou. Dê um toque no telefone dele e informe que eu estou aqui.

O segurança avaliou-o melhor e balançou a cabeça, murmurando qualquer coisa que continha a palavra “maluco”. O detetive esperou e viu quando o funcionário da empresa pegou o telefone dentro da guarita e teclou alguns números.

— Senhor Adam, é o Joaquim. Tem um tal detetive De Paula aqui querendo falar com o senhor. — Ele ouviu por um momento — Ok, senhor. Vou autorizá-lo a entrar. — O segurança desligou e se virou para Guilherme — Pode entrar. Sabe onde é a sala do Adam?

— Sei, sim, obrigado. — O detetive passou pelo portão e rumou armazém adentro.

Guilherme passou direto pela recepção e subiu para o mezanino, indo direto para a sala da gerência. Ele apenas deu duas batidas na porta antes de entrar.

— Boa tarde, Adam. — Ele cumprimentou.

O gerente estava sentado à mesa com as mãos cruzadas sobre o móvel numa postura bastante formal, já à espera do detetive.

— Boa tarde, detetive.

— Onde você esteve nas últimas duas horas? — Guilherme disparou, fechando a porta atrás de si.

— Almoçando. — Adam respondeu sem pensar muito — E depois aqui no escritório.

— Almoçou sozinho? — O detetive bufou, a adrenalina fazendo-o perder o ar.

— Não. Minha namorada estava comigo. — Adam percebeu que Guilherme arfava — Aceita um pouco de água?

O outro ia recusar, mas sentiu sua boca subitamente seca.

— Aceito, sim.

Adam se levantou, deu a volta na mesa e foi até o frigobar, pegando uma garrafinha de água mineral e dando-a para Guilherme. O detetive destampou-a e bebeu quase metade do conteúdo em apenas três goles.

O gerente cruzou os braços e levou uma mão ao queixo.

— Mas por que a pergunta, Guilherme?

O detetive engoliu a água que estava em sua boca e se virou para Adam.

— Se não se importa, eu gostaria de falar com sua namorada primeiro.

— Tudo bem. — O gerente aproximou-se de sua mesa e pegou o telefone, levando-o à orelha e discando um ramal — Fernanda, é o Adam. Tem como você vir à minha sala, por favor? Ok, obrigado.

Guilherme observava-o com a expressão ligeiramente surpresa.

— Você não comentou que sua namorada trabalhava aqui.

— Não?! — Adam devolveu o olhar, com um altear de sobrancelhas — É, ela é a encarregada do meu setor de Controle Operacional.

— Hum. — O detetive murmurou — Bastante conveniente, não?

Adam pegou o duplo sentido no comentário de Guilherme.

— De fato, é muito conveniente. — Ele contornou a mesa e se sentou novamente, apontando a cadeira à sua frente para o detetive, respondendo de forma provocativa e irônica — Se o dia for muito tenso aqui na empresa, podemos chegar em casa e dar uma boa aliviada na tensão.

Guilherme sentou-se também, retesando os cantos da boca.

— Você entendeu o que eu...

— Sim, eu entendi, Guilherme. — Adam cortou-o, pousando as mãos espalmadas sobre a mesa — Mas vou repetir para você o que eu já disse antes: eu não matei ninguém. E o fato de minha namorada trabalhar para mim não colabora ou me prejudica em absolutamente nada. Não tenho nada a esconder, e ela não tem nada a acobertar. — O gerente ajeitou-se na cadeira — Espero que essa seja a resposta que você queria.

— Não exatamente, mas ok. — Guilherme deu de ombros — Quando você prestar seu depoimento amanhã a gente esclarece mais alguns detalhes.

— Tudo bem. — Adam concordou, recostando-se na cadeira e adquirindo um semblante mais pensativo — Para você estar me perguntando isso, eu aposto que o “Landau vermelho” atacou de novo. Não é?

O detetive encarou-o, não gostando da pergunta. Mas o simples franzir de sobrancelhas de Guilherme foi a confirmação que o gerente precisava. Ele abriu um sorriso de lado.

— E como você perguntou onde eu estava nas últimas duas horas, imagino que tenha sido algo bem recente. — Ele finalizou, com um tom de voz jocoso.

— Não, Adam, o Landau não atacou novamente. Mas foi por pouco. — O detetive respondeu a contragosto — Fiquei frente a frente com ele.

O gerente piscou, surpreso com a informação.

— Então já deu para você deduzir. — Ele disse.

— Deduzir o quê? — Guilherme não entendeu.

— Que não sou eu quem está por trás disso, caramba! — Adam devolveu, adiantando-se — Como eu ia voltar do almoço, atacar alguém com o Landau, fugir de você e voltar para a empresa a tempo de colocar uma cara de paisagem e fingir que nada aconteceu? E onde eu ia esconder um carro daquele tamanho sem que ninguém daqui visse?

Guilherme até chegou a abrir a boca para responder, mas calou-se. Apesar do tom irônico usado por Adam, seu raciocínio era bastante óbvio. Qualquer criança de 7 anos de idade conseguiria deduzir o mesmo.

Três batidas na porta, e logo a mesma foi aberta por Fernanda.

— Com licença, Adam. Por que você me... — Ela viu o detetive — Ah, olá. Boa tarde.

Adam fez um gesto de mão para que ela se aproximasse.

— Fernanda, este é o detetive Guilherme. Ele gostaria de te fazer algumas perguntas. — Ele disse, fazendo uma apresentação rápida.

A encarregada fechou a porta atrás de si e aproximou-se da mesa do gerente, trocando um aperto de mão com o detetive. Ela deu uma ligeira olhada de canto para Adam, com uma expressão questionadora, ao que ele retribuiu com um gesto positivo de cabeça.

Guilherme indicou a cadeira ao lado dele com um gesto cortês.

— Por favor, Fernanda, sente-se. Como o Adam disse, só quero conversar um pouco.

A encarregada obedeceu, alternando olhares entre o detetive e o namorado, do outro lado da mesa. Adam havia esticado o braço e pegado um caneta, e agora ocupava-se em girá-la entre os dedos das mãos, recostado em sua cadeira numa postura relaxada. Aquilo tranquilizou Fernanda um pouco.

— Pois não, detetive. — Ela mesma puxou o assunto — Sobre o que gostaria de falar?

Guilherme assentiu com a cabeça.

— Eu gostaria apenas de te fazer algumas perguntas. — Ele inclinou-se para frente, recostando os cotovelos sobre os joelhos — Primeiro, gostaria de saber onde você almoçou hoje.

A encarregada piscou, estranhando a pergunta, mas respondeu de pronto:

— Com o Adam. — Ela apontou para o gerente — Almoçamos juntos hoje.

— Ok. — Guilherme alteou as sobrancelhas — A que horas vocês saíram?

— Ah, por volta de meio-dia. — Fernanda respondeu — Descemos para o restaurante Tradição da Roça e voltamos a... o quê, uns vinte minutos? Meia hora? — Ela olhou para Adam.

— Por aí. — O gerente emendou.

O detetive olhou para Adam de soslaio, depois encarou Fernanda novamente. O olhar dela traía um ligeiro receio, mas toda a sua postura era extremamente segura.

— Há quanto tempo vocês namoram? — Ele questionou.

— Menos de um mês. — Ela devolveu de imediato — Quer dizer, nos já havíamos namorado antes, há alguns anos, mas terminamos quando o Adam foi morar fora. Quando ele voltou, nos reencontramos e acabamos reatando.

— Hum. — Guilherme murmurou — E quando você diz “há alguns anos”, você quer dizer...

— Doze anos. Fomos namorados na época do ensino médio. — Ela cortou-o — Eu posso saber por que o interesse nisso, detetive?

Guilherme endireitou-se na cadeira.

— Imagino que o Adam já tenha te deixado a par do que está acontecendo.

— Sim. — Ela confirmou.

— Pois bem, Fernanda. Estou apenas me certificando que não estou deixando nenhuma ponta solta. — Ele ajeitou sua gravata — E por isso, quero que você preste depoimento amanhã na delegacia. Existem alguns fatos que ainda precisam de confirmação com base no depoimento de outras testemunhas. Você é uma delas.

A encarregada estranhou e buscou o olhar do namorado, mas ele apenas assentiu, ainda rodando a caneta entre os dedos.

— Alguma objeção? — Guilherme questionou, elevando uma sobrancelha.

— Não, tudo bem. — Ela concordou — Não tenho por que negar.

— Ótimo. — O detetive levantou-se — O Adam já possui o endereço da delegacia e o horário marcado para o depoimento. Pegue com ele. Quero que você também esteja lá. Vou providenciar a papelada para passar para vocês dois depois.

— Estarei lá. — Ela confirmou com a cabeça.

— Ah, só mais uma coisa. — Guilherme elevou o dedo indicador no ar, se lembrando de algo e olhando para Adam — Eu gostaria de perguntar algo a ela em particular.

O gerente deu de ombros e se levantou.

— Por mim, tudo bem. — Ele contornou a mesa e seguiu na direção da porta — Fernanda, aquela carreta de eletrônicos já chegou?

— Já. — Ela confirmou — Está encostada na doca 22 e já está sendo descarregada.

— O cavalo mecânico já foi...

— Sim, já foi para a manutenção. O Bruno já tinha deixado tudo certo antes de ir embora.

— Ok. Vou estar com o pessoal no armazém. — Ele abriu a porta e se dirigiu a Guilherme — Fiquem à vontade. Só fechem a porta depois que saírem.

Dito isso, Adam se virou e deixou a sala. Assim que ele fechou a porta, Fernanda endireitou-se na cadeira e perguntou para Guilherme:

— Detetive, ele é suspeito de alguma coisa?

Ele fez um gesto negativo.

— Ainda não posso dizer. Quer dizer, ele é e não é ao mesmo tempo. — O detetive segurou as costas da cadeira à sua frente com as duas mãos e encarou a encarregada — Ele deve ter te contado sobre a conversa que nós tivemos na casa dele.

— Se está se referindo aos ataques do Landau, ele me contou, sim.

— Pois é. Ele possui um Landau idêntico ao usado nos assassinatos e possui motivo para ter matado aquelas pessoas. Entretanto, não é possível que ele tenha feito isso. Não só o carro dele estava desmontado na restauradora como o próprio Adam esteve em outros lugares no horário em que as mortes ocorreram. Em uma delas, ele estava inclusive comigo.

Fernanda estranhou.

— Mas então porque você quer nosso depoimento?

Guilherme deu uma risadinha debochada.

— Fernanda, eu não trabalho com adivinhações, suposições ou com “e se”. Eu trabalho com fatos, com evidências sólidas. Por isso quero o depoimento de vocês. Não posso colocar na minha investigação que “o Adam disse” ou “a Fernanda disse”. Quero algo formalizado, gravado e por escrito. Só assim vou poder usar essas informações a favor ou contra o seu namorado.

— Ok, então. — Ela concordou.

— Mas não era isso que eu queria te falar. — O detetive retomou o fôlego e fitou a encarregada — Você sabe de alguém que possa querer prejudicar o Adam?

Fernanda hesitou. Coincidência ou não, estivera pensando exatamente nisso quando retornara do almoço.

— Não. — Era a primeira e mais sincera resposta dela àquela pergunta — Quer dizer, não tem como saber. O Adam possui muitos desafetos aqui na cidade.

Guilherme estreitou os olhos e inclinou a cabeça, num gesto quase felino.

— Continue.

— Ah, sei lá. — Fernanda fez um gesto vago com a mão — Na nossa época de escola, o Adam era meio metido. Gostava de usar roupas caras, ostentava dinheiro e, mesmo não tendo carteira, costumava sair por aí no BMW que o pai dele tinha. Ele também era o “pegador” da escola, saía com quase todas as meninas. Por isso, a galera acabou criando antipatia por ele.

— Aham. — O detetive fez que sim com a cabeça, interessado no que ela estava dizendo — O que mais?

— Bom, é mais ou menos isso. — Ela encarou Guilherme — Não temos mais contato com esse pessoal, mas já esbarramos algumas vezes com ex-colegas de classe nossos e não foi muito legal. Em uma dessas ocasiões, o Adam até saiu no braço com o cara.

O detetive fez outro movimento positivo com a cabeça.

— Ok. — Ele franziu o queixo — E os sócios dele? O que você sabe sobre eles?

— Não muito. — Ela cruzou os braços.

Guilherme alteou as sobrancelhas, ironizando a resposta dela.

— “Não muito”? — Ele fez as aspas com os dedos.

— É. Quer dizer, não temos muito contato com eles por aqui. — Ela ajeitou sua postura na cadeira.

— E do pouco contato que você tem, o que você pode me dizer sobre eles? Tipo, você imagina o que eles acharam do retorno do Adam?

Fernanda inclinou a cabeça de lado e olhou para o nada por um tempo. Após a morte de Antônio Peixoto houveram várias especulações sobre quem assumiria o controle da companhia, e não dava para saber até que ponto elas eram verdade.

— Bom... — A encarregada balbuciou — Havia o boato de que o gerente da nossa filial de Montes Claros assumiria a presidência da empresa, mas era em off. Ninguém nunca confirmou nada a respeito. Mas você sabe como é pessoal de armazém. Escuta A, entende B e fala C.

— É, eu imagino. — Guilherme empertigou-se — Mais alguma coisa?

Fernanda negou.

— Especificamente não, detetive.

— Tudo bem. — Ele deu-se por satisfeito e estendeu a mão para cumprimentá-la — Obrigado pela conversa. Vejo você amanhã na delegacia.

A encarregada retribuiu o aperto de mão e Guilherme saiu. Desceu, pegou seu Honda Civic e dirigiu de volta para a delegacia. A meio caminho, contatou sua equipe pelo rádio para saber em que pé se encontravam as buscas pelo Landau que encontrara mais cedo, mas foi informado que até o momento ainda não haviam localizado o sedã. O detetive agradeceu e jogou o rádio de volta no porta-luvas do carro. Não estava mais tão chateado quanto estivera mais cedo.

Sua investigação estava a pleno vapor. E isso o excitava. Porque sabia, sentia, que mais cedo ou mais tarde já teria algo concreto em mãos. O caso do “Landau vermelho” estava em seu ápice, e parecia começar a caminhar para seu desfecho.


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