O Landau Vermelho escrita por Matheus Braga


Capítulo 16
Capítulo 15




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Guilherme fechou a pasta que estava lendo e colocou-a cautelosamente sobre a mesa, como se a qualquer instante ela pudesse se desfazer em poeira e sair voando por alguma fresta da janela. Feito isso, recostou-se em sua cadeira e uniu as pontas dos dedos à frente da boca, num gesto pensativo.

Havia passado as últimas horas lendo o inquérito policial que investigara a morte de Alan Peixoto e, diferente da noite anterior, não sentia o sono pesar sobre si. Muito pelo contrário. Sentia-se tenso, como se estivesse ligado a uma fonte de eletricidade. Havia muita informação para ser processada. O detetive, no entanto, tentava criar um resumão em sua mente.

Alan havia morrido num fatídico acidente, após um esbarrão mais forte dado por um colega de classe fazê-lo cair do quarto andar do colégio sobre um carro. O jovem até chegou a ser socorrido e levado para o hospital, onde foi atendido pelo médico de confiança da família, mas não resistiu. A autópsia não foi autorizada pela família e o velório foi feito com caixão fechado. Em seu atestado de óbito, a causa da morte havia sido apontada como “grave hemorragia interna decorrente de fratura múltipla de ossos e órgãos vitais”.

Haviam outras informações acrescentadas ao inquérito, mas que não chegavam a ter relação com o mesmo. A primeira delas era uma citação informal feita por um conhecido da família Peixoto que dava conta de um suposto desaparecimento de Adam, o irmão gêmeo de Alan, mas o pai deles nunca chegou a registrar a ocorrência. Depois, numa documentação evidentemente mais recente, era descrita a morte de Marlene Peixoto, mãe de Adam e Alan, por overdose de medicamentos antidepressivos. Não estava claro, no entanto, se a automedicação fatal havia sido proposital ou acidental, e nem por qual razão haviam incluído aquela informação ali.

Uma bela tragédia familiar, Guilherme pensou, fitando a única folha que havia retirado do arquivo e deixado separada sobre a mesa. Ali estavam relacionados os nomes de todos os ex-colegas de classe de Alan citados no inquérito. O detetive já havia inclusive se dado ao trabalho de riscar os nomes dos que ele já sabia que haviam morrido, vítimas do “Landau vermelho”.

Agora preciso falar com os demais, ele fez uma nota mental. Mas preciso fazer uma coisa antes.

Ele esticou o braço e pegou seu celular, discando um número e levando o aparelho ao ouvido. Ouviu vários toques antes de a ligação ser atendida.

— Marconi. — Alguém disse do outro lado da linha.

— Boa noite, meu caro. É o Guilherme. — O detetive anunciou.

Marconi era investigador da Polícia Federal. Guilherme o conhecia há muitos anos e costumava ligar para ele quando precisava levantar algum dado urgente.

— Fala comigo, meu querido! — O colega cumprimentou — Como vão as coisas por aí?

— Vão bem, obrigado. E por aí?

— Bem, também. Manda lá, do que você precisa?

— Nossa, cara. — Guilherme fingiu tristeza na voz — Você nem sabe se eu ia pedir alguma coisa.

— Você só me liga pra pedir, Gui. Já te conheço há muito tempo. — O comentário arrancou risadas de ambos — Mas diz aí.

— Tudo bem, então. Preciso levantar umas informações sobre duas pessoas ligadas a um caso que estou investigando.

— Ok. Só um minuto, por favor. — Guilherme ouviu o colega puxar uma cadeira e teclar algo num computador — Pode dizer.

— O primeiro nome é Antônio Peixoto.

O som de teclas se fez ouvir novamente do outro lado da linha. Enquanto o investigador rastreava o nome em seu sistema, Guilherme pôs-se a pensar consigo mesmo. Se um de seus filhos realmente havia sumido, porque Antônio nunca abrira nenhuma ocorrência junto à Polícia? E ele era tão dedicado aos próprios negócios ou tão ausente que não conseguiu evitar o suicídio de sua própria mulher? Os pensamentos fizeram o detetive se pôr de pé e postar-se diante da janela de sua sala.

Marconi levou menos de dois minutos para voltar à ligação.

— Pronto. Antônio Peixoto. — Ele começou a citar o que tinha — Era empresário, vivia em Contagem e não tem passagens relacionadas. Faleceu a menos de um mês.

— Ele faleceu? — Aquilo pegou Guilherme de surpresa, incomodando-o.

— Sim. Os nossos últimos registros com o nome dele são a entrada do atestado de óbito e a baixa dos demais documentos. Seus antigos negócios ainda estão em espólio. Qual o próximo nome?

O detetive hesitou antes de anunciar. Não esperava muita coisa, mas decidiu arriscar assim mesmo.

— Adam Peixoto.

O som das teclas se repetiu, mas dessa vez Marconi demorou um pouco mais. Guilherme conseguiu ouvi-lo clicar algumas vezes e voltar a digitar, até que ele retomou a ligação.

— Interessante. — Ele disse.

— O quê? — Guilherme, curioso.

— Adam Peixoto, filho de Antônio Peixoto. Carteira de identidade e de habilitação emitidos, título de eleitor, CPF, passaporte... — O som do mouse foi ouvido, indicando que o investigador estava rolando a tela para baixo — Isso a mais de doze anos atrás. O último registro da época é uma passagem por nosso posto no aeroporto de Confins, embarcando em um vôo para a Filadélfia.

— Filadélfia? — Guilherme empertigou-se em sua cadeira. No inquérito sobre sua mesa havia a menção de um possível desaparecimento de Adam, mas não havia nada sobre uma viagem internacional.

— Isso aí. Filadélfia. — Marconi teclou mais alguma coisa — Agora olha que engraçado. Temos o registro de entrada dele no Brasil há pouco mais de duas semanas, voltando justamente dos Estados Unidos. Também informa aqui que ele tirou a segunda via da identidade e da carteira de motorista e justificou a ausência nas últimas cinco eleições junto ao TRE. O procedimento de praxe para quem morou fora do país por muito tempo.

— Espera um pouco. — O cérebro de Guilherme quase deu um tilt — O Adam está no Brasil?

— Aparentemente, sim.

O detetive voltou para sua mesa, sentou-se e puxou um papel de rascunho e uma caneta.

— Só mais uma pergunta, Marconi. Você me disse que o Antônio era empresário. Qual era o maior negócio dele?

O investigador voltou a teclar. Retornou à ligação em poucos segundos.

— Ele possuía negócios em nome dele em Betim, Belo Horizonte e Contagem, coisa na casa das centenas de milhões de reais. Mas como eu disse, ainda estão em inventário para serem distribuídos a possíveis herdeiros ou legatários. O maior investimento era uma transportadora no bairro Riacho, em Contagem.

— Certo. Consegue me passar o endereço, por favor? — Guilherme pediu, no que foi prontamente atendido pelo colega. O detetive anotou o endereço da Transportes Peixoto no rascunho que havia diante de si — Ok. Por enquanto é só isso, Marconi. Te ligo se precisar de mais alguma informação.

— Quer que eu formalize algo por e-mail? — O outro perguntou.

— Não, ainda não. — O detetive respondeu — Por enquanto estou só trabalhando uma hipótese. Se eu confirmar algo, te aviso.

— Tudo bem, então. Até mais, brother.

— Até mais.

E ele desligou, jogando o celular sobre a mesa e fitando o nada por algum tempo. Agora havia ainda mais informação para ser digerida. E como ele sempre fazia, começou a criar uma linha de raciocínio para tudo o que havia acabado de descobrir.

Antônio Peixoto havia falecido. Seu filho Adam, que estava supostamente desaparecido, na verdade estava morando fora do país e havia retornado poucas semanas antes, muito provavelmente para reclamar sua herança sobre os negócios do pai. E se o raciocínio de Guilherme estivesse correto, com certeza Adam estaria mais focado em administrar o maior negócio deixado por Antônio: a Transportes Peixoto.

Aquilo ainda levantava outro ponto. O retorno de Adam ao país coincidia com o início das mortes provocadas pelo “Landau vermelho”, e todas as vítimas estavam diretamente relacionadas à morte de seu irmão, a não ser o delegado Lacerda. Para Guilherme, aquilo levantava duas hipóteses possíveis.

A primeira era a de que estivesse se desenrolando ali um sangrento plano de vingança. Motivado pela morte do irmão e pela aparente impunidade dos envolvidos, que haviam sido condenados a meros serviços comunitários, Adam estaria perseguindo e dando cabo de um por um, até se ver livre de todos. O delegado Lacerda teria sido morto, então, por não ter condenado os jovens a uma pena mais severa.

A segunda hipótese era a de que algum dos acionistas ou legatários de Antônio, sabendo de seu falecimento e do retorno de Adam e conhecendo a desgraça familiar que haviam vivido, estivesse dando um jeito de incriminar o herdeiro legal do empresário a fim de tirá-lo de cena, possivelmente levando-o à prisão, e deixando assim o caminho livre para embolsar a herança do falecido, que, conforme informado por Marconi, girava na casa das centenas de milhões.

Ambas as hipóteses eram bastante absurdas, Guilherme sabia. Mas ambas eram passíveis de estarem em andamento, ele também sabia. Para trabalhar com qualquer uma delas, entretanto, ele precisava levantar ainda mais informações e responder a algumas perguntas que ainda estavam soltas no ar. A primeira e mais gritante de todas era, obviamente, se havia de fato alguma ligação entre Adam e o “Landau vermelho”. Olhando para o papel de rascunho sobre sua mesa onde havia anotado o endereço da Transportes Peixoto, o detetive decidiu qual seria o seu primeiro passo.

Já na manhã seguinte, conversaria com Adam. Entenderia porque ele havia passado tanto tempo longe e porque decidira voltar só agora. Tentaria descobrir o que ele ainda pensava sobre a perda do irmão e, a partir daí, o detetive criaria ou descartaria novas possibilidades, porque Guilherme sabia que uma hora de conversa cara-a-cara era bem mais produtiva do que um dia inteiro trancado numa sala criando suposições.

E para finalizar a noite, Guilherme pegou sua caneta novamente e escreveu no papel de rascunho, abaixo do endereço da transportadora:

Adam Peixoto, SUSPEITO.

 

o—o—o

 

A manhã estava relativamente calma na transportadora. Os sons que se ouviam no armazém eram os de costume: veículos manobrando ou encostando para carregar, cargas sendo movimentadas e uma ou outra ordem gritada por algum encarregado.

O clima de normalidade foi quebrado, obviamente, por Bruno, que chegou à empresa em seu Fiat Mobi azul e entrou para o armazém cantando alto:

— Agora eu tô solteiro e ninguém vai me segurar! Daquele jeeeito!

Fernanda, que estava finalizando uma ligação com um parceiro, apenas observou o esfuziante gestor de frota chegar à sua sala e ligar seu computador. Os demais auxiliares apenas se entreolharam, já acostumados àquilo.

— Bom dia, senhor. Parece que alguém dormiu com um passarinho verde, não é? — Ela comentou.

— Bom dia, senhorita! — Ele se virou — Não, não. Na verdade, eu libertei o passarinho. Essa coisa de viver engaiolado não é pra mim, não.

— Deixe-me adivinhar. — Ela arriscou — Você terminou com a Carol.

— Certa, a resposta! — Ele imitou a voz do Silvio Santos, fazendo-a rir — Tá bom, agora é sério. Nós terminamos, sim. Mas foi bom. Agora posso sair no sábado à noite com a galera sem me preocupar de ficar ligando de meia em meia hora para dar satisfação da minha vida.

A encarregada riu de novo.

— Que bom que você está encarando isso de forma positiva, Bruno. Prefiro ver você chegando aqui rindo do que com aquela cara de fuinha que você estava quando...

— Ah, mas eu não estava rindo disso, não. — Ele a cortou — Era de outra coisa.

— Do quê, então?

— Eu estava ouvindo no rádio a propaganda do novo sabão em pó “Multiação Power com enzimas”! — Ele imitou o tom do anunciante — Cara, você já reparou que toda semana lança um sabor novo de sabão em pó? Extra, Balance, Plus, Multiação, Magnum, Light, Diet, com enzimas, sem glúten... Fala sério, será que alguém faz faculdade pra criar isso? “Ah, que nome vamos dar pro novo sabão em pó?” — Ele espalmou as mãos no ar, ainda fingindo uma conversa — “Sei lá, coloca Extra Blaster Mega Plus.

Aquilo arrancou risos dos colegas de trabalho.

— Extra Blaster Mega Plus? — Fernanda perguntou, entre risadas — E o que isso faz?

— Uai, lava a roupa.

Mais risadas dos auxiliares.

— Menino, onde que te desliga? — Fernanda perguntou.

— Sei lá. Se você descobrir, me avisa. — Bruno começou a se sentar, mas logo se levantou de novo e veio até Fernanda — Por falar em descobrir, dá um pulinho ali fora comigo, por favor.

— Para quê? — A encarregada perguntou, mas já havia travado o computador e se levantava para acompanhá-lo.

— Só vem.

Saíram da sala e caminharam até a metade do armazém. Bruno parou de repente e virou-se de frente para Fernanda.

— Você e o Adam estão namorando sério? — Ele perguntou, sem preâmbulos.

— Como é?

— Você entendeu.

A encarregada cruzou os braços e piscou algumas vezes.

— Isso não é da sua conta, Bruno, mas estamos, sim. Por quê?

— Sabe se o Adam deve alguma coisa à justiça? — O semblante dele era estranho.

— Não. — Ela começou a se sentir incomodada — Mas por que a pergunta, Bruno?

Ele inspirou fundo e assumiu um ar misterioso. Encarou a encarregada, franziu a testa e soltou:

— Porque tem um detetive da Civil lá na recepção querendo falar com ele.


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