Get Out Of My Kitchen - Larry Stylinson escrita por LeslieBlack


Capítulo 3
Suspeitas


Notas iniciais do capítulo

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Manhã de segunda-feira, despertador tocando. Era o que eu precisava saber naquele momento, mas tudo o que minha mente sonolenta produziu foi o pensamento de que eu daria reinos inteiros para que aquele som alto e irritante me desse uma trégua que fosse. Praguejando internamente contra tudo e todos foi que desliguei aquela criação do mal e ponderei se valia à pena arriscar um cochilo que poderia durar de cinco minutos a duas horas, uma vez que o despertador não iria mais tocar e eu teria que acordar sozinho. 

    Apenas me joguei de volta na cama, ignorando a questão. Mas então uma voz ajuizada que eu raramente ouvia me alertou que se não levantasse logo, me atrasaria para a escola. Minha parte preguiçosa argumentou, dizendo que eu já tinha vinte e cinco anos, portanto não precisaria ir para a escola coisa nenhuma. Eu estava quase caindo no sono de novo quando lembrei de um detalhe importantíssimo. 

    — Eu sou o professor! — Gritei para o quarto vazio. 

    Diante daquilo eu já estava quase que inteiramente desperto. Ainda assim, tomei mais café do que de costume, apenas para garantir. Nada como o medo de chegar atrasado para assustar um pobre trabalhador assalariado. Por sorte eu deixava as coisas do trabalho arrumadas quando chegava em casa no final da tarde, por isso só precisava pegar a bolsa estilo carteiro que estava no mesmo lugar desde sexta-feira, trancar a porta e atravessar o corredor rumo ao apartamento da frente onde os meninos moravam. Toda vez antes de sair eu tinha a impressão de que estava esquecendo alguma coisa, então mais uma vez deveria ser só isso mesmo: uma impressão.  

    Eu e Zayn lecionávamos em uma escola particular não muito longe dali. Literatura e Música, respectivamente. Já Liam trabalhava em uma firma de advocacia dois quarteirões depois do nosso destino, por isso sempre íamos os três em seu carro. 

Eu estava parado no corredor, a mão já erguida quando Malik abriu a porta de sua casa como se pressentisse minha presença ali, e enfim me dei conta do que estava esquecendo. A conversa da noite anterior me atingiu com tudo, e eu não podia perder a oportunidade de conversar com ele em particular para confirmar as suspeitas que foram levantadas com aquele comportamento incomum. 

— Bom dia, Tomlinson. — Ele disse simplesmente. 

— Hey, Tommo… Bom dia. Que cara é essa? — Quis saber Liam. 

Porra, por que Liam tinha que me ver? Isso dificultava uma fuga discreta. Já que eu não pretendia me alimentar nos arredores do nosso trabalho e correr o risco de ser visto por ele na companhia de Zayn, uma vez que nós lhe dissemos que não poderíamos almoçar juntos porque estaríamos extremamente ocupados, o jeito era ir para o trabalho na minha moto e usá-la para me afastar o bastante de lá no intervalo. Bem que eu poderia ter lembrado disso um pouco antes. 

— Cara? Que cara? — Tentei disfarçar, o que com certeza só gerou mais desconfiança. — A mesma cara linda de sempre, ué. E bom dia para vocês também, seus mal educados. 

— Nós desejamos bom dia primeiro, cabeça de vento. Algum motivo especial para estar todo esquisito? 

— Muito engraçado, Payno. Hilário. 

— Certo, então vamos embora. Não quero pegar trânsito. 

— Não vou com vocês. — Soltei de uma vez. 

— O quê? — Malik finalmente voltou a se pronunciar. Ele não era um ser muito matinal, e eu o entendia totalmente naquele quesito. Eu mesmo só abria a boca de manhã porque era pago para isso. 

— Pois é, vou de moto. Só ia avisar os dois, então tchau. 

Antes que eu me mexesse, um Liam cismado cruzou os braços na frente do corpo e voltou a falar. 

— Então cadê o capacete? Porque sua bolsa está aí, você parece pronto para partir. 

Imediatamente olhei para baixo na esperança de ter o capacete em uma das mãos. A fé poderia até mover montanhas, mas fazer objetos aparecerem de repente que era bom, nada. 

— Eu esqueci. — Foi minha defesa. 

— Esqueceu? 

— É, luz da minha vida, razão do meu viver. Faz tempo que não vou de moto, então só esqueci. Provavelmente iria lembrar apenas quando estivesse no estacionamento do prédio. Obrigado por isso! — Pelo tom mais parecia que eu o estava xingando do que agradecendo. Eu sabia disfarçar melhor do que aquilo, mas o nervosismo foi tal que eu só queria sair dali o mais rápido possível. O resultado foi uma rispidez desnecessária contra Lee. 

— Calminha aí, cara. Qual é o problema contigo? 

— Qual é o seu problema? 

— Chega, vocês dois. — Graças aos céus Zayn interveio antes que eu falasse outra besteira. — Não quero saber quem ou como começou, deem as mãos agora. Vocês são amigos, porra. E ao contrário dos bonitos, o veículo próprio que eu possuo é uma bicicleta. Já garanto que não há a menor chance de eu chegar atrasado no trabalho ou subir naquela coisa a essa hora da manhã, então se resolvam logo para um dos dois idiotas me dar carona nesse inferno. 

A ameaça funcionou perfeitamente, pois antes mesmo que Zayn terminasse a reprimenda, eu e Liam já apertávamos as mãos olhando de soslaio para sua forma zangada. 

— Me desculpe. — Sussurrei. 

— Não se preocupe. — Foi a resposta. 

— Ah, que bonitinhos. — Sarcasmo pingava das palavras de Zee. — De vez em quando até parecem gente, olhem só. 

— Eu prefiro quando ele é monossilábico de manhã. — Confessou Liam quando seu amigo surtado foi em direção aos quartos. Provavelmente pegar a própria bolsa. 

— Eu também. — Segredei. — Bom, já vou indo. 

— Te esperamos no elevador. 

— Ok. 

Fui rapidamente até meu apartamento, pegando os capacetes que estavam em cima do guarda-roupa. Quando cheguei novamente ao corredor, Zayn e Liam já me esperavam. Mas foi só quando as portas do elevador fecharam com todos dentro que este último finalmente teve coragem de perguntar a respeito, talvez temendo mais patadas gratuitas da minha parte. 

— Dois? 

— Sim, pensei em trazer o Zayn na volta. — Escondi o fato de que também pretendia almoçar com ele em segredo, de preferência bem longe de suas vistas, e por isso eu usaria a moto para início de conversa. — Assim você pode vir direto para casa quando o expediente acabar, já que sai meia hora antes da gente. 

— Sabe que não me importo de esperá-los. 

— Nós sabemos. Não é, Zee? 

— Claro, Payno. Sabemos que é genuíno. — Zayn não só respondeu minha pergunta diretamente para Liam, como também olhava para ele ao dizer as palavras. Ele só poderia estar de sacanagem com a minha cara. Se não fosse o que eu estava pensando, eu ficaria tão puto. E decepcionado. Nenhum sorvete no mundo consertaria meu coração fanfiqueiro partido pela desilusão. 

— Então você vai com o Louis? — Liam perguntou para seus olhinhos concentrados. — Já que vão para o mesmo lugar e tal. 

— Não, prefiro ficar um pouco mais com você. Vou ter a oportunidade de ver o Tommo mais algumas vezes durante o dia. 

"Como se já não passassem tempo o suficiente na companhia um do outro, já que moram juntos", pensei. Entretanto não disse nada daquilo. Ainda não. 

— Certo, rapazes. Até depois. — Me despedi dos dois assim que o elevador chegou ao subsolo. Fui o primeiro a sair dali, e quando me virei para acenar vi Zayn dando passagem para Liam, sua mão indicando que o outro poderia ir primeiro. O rapaz que gritou conosco há menos de dez minutos portava-se agora como um perfeito cavalheiro, vestindo roupas escuras, gentileza e um sorriso. 

Estranho para caralho

E pela expressão de Liam que me olhava como se implorasse por socorro, eu acho que não fui o único a considerar de novo a hipótese de Zayn Javadd Malik ter sido abduzido e em seu lugar estar uma cópia barata e possivelmente bipolar. Mas eu cuidaria daquilo depois. 

Ainda achando a situação como um todo esquisita, coloquei a mão através do visor de um dos capacetes, como se estivesse com uma cotoveleira. Já o outro usei para proteger a cabeça, como mandam o bom senso e as leis de trânsito. Cheguei tanto na rua quanto no colégio primeiro que os meninos. 

Havia jovens por todos os lados, como o esperado. No horário da manhã estudavam as turmas de sétima série a primeiro grau. Já a tarde era a vez da quinta e sexta série. De manhã tinha a vantagem deles serem um pouco mais velhos, e teoricamente, menos encapetados. No começo dos anos letivos sempre tinha alguém que tentava dormir, mas eu dizia com bom humor da frente da sala algo como "não, não. Eu não levantei cedo da cama para ser ignorado. Pode parecer uma coisa meio diva da minha parte, mas eu gosto de receber atenção de vocês, meus pestinhas". Costumava funcionar, até que todos simplesmente se conformavam que minha sala não era um hotel e passavam a informação adiante. 

Eu estava nervoso pelos últimos acontecimentos e com certeza ansioso para quem sabe esclarecer ao menos uma das minhas preocupações naquele dia, mas quando comecei a passar a matéria para a primeira turma e interagir com os alunos a tensão foi se dissipando aos poucos. Às vezes era uma bênção e uma maldição eu ser mais agitado que aqueles adolescentes, embora mentisse se dissesse que não adorava lecionar para os pirralhos. E apesar de aprontar horrores enquanto aluno, descobri no magistério minha verdadeira vocação. Então não foi exatamente uma surpresa que a hora tenha voado naquele dia. Dizem que quando estamos fazendo algo de que gostamos isso sempre acontece. 

Eu estava conversando com um dos monitores quando Zayn finalmente foi ao meu encontro. Ele costumava demorar mais para dispensar a turma, por isso deu tempo de cumprimentar Nick pela segunda vez no dia e conversar um pouco sobre seu final de semana antes que meu amigo e vizinho viesse até nós. Me despedi de Grimshaw e estendi um dos capacetes que segurava em direção a Zayn, que o aceitou sem dizer nada. Fomos em silêncio até a motocicleta, onde ele finalmente perguntou em qual restaurante iríamos almoçar. 

— Conheço um ótimo que abriu há alguns meses. É um pouco afastado, exatamente o que precisamos agora. E discreto. — Respondi, vendo-o apenas assentir antes de colocar o capacete e subir na garupa, segurando na minha cintura. 

Chegamos lá uns bons quinze minutos depois. Era um lugar charmoso com clima mais intimista que descobri graças a um encontro marcado através de um aplicativo de relacionamentos. Mais um entre tantos encontros que deram terrivelmente errado, mas pelo menos o cara era sem noção somente sobre como se portar na presença de outro ser humano. Bom gosto para restaurantes o infeliz tinha. 

Levemente distraído sobre os motivos que me levaram a aceitar os conselhos terríveis de Liam sobre retornar ao mundo dos encontros, em primeiro lugar, e em segundo, aceitar sair com aquele cara em particular, foi que senti uma pequena ardência no antebraço direito. Muito próximo de onde Zayn estava. 

— Ah, me ouviu agora? — Perguntou com deboche. Era cada dia mais difícil ser amigo dos meus amigos. 

— Você me beliscou? — Perguntei, incrédulo. — Uma coisa é aguentar você rabugento de manhã quando não quer nem olhar para a cara de alguém depois que acorda, quem dirá falar. Outra completamente diferente são essas suas agressões aleatórias quando eu, por algum milagre do destino, nem estou fazendo nada contra alguém. Apenas quieto no meu canto apanhando covardemente sem motivo. 

— Alguém já te disse que você é dramático? — Malik perguntou, seguindo a recepcionista loira que nos direcionava a uma mesa mais afastada. — Porque você é dramático. 

Foi questão de segundos para um garçom aparecer e anotar nossos pedidos. Zayn preferia não se arriscar muito quando visitava um restaurante pela primeira vez, e nessas ocasiões sempre apostava em saladas. Segundo ele, era só cortar mato e temperar, portanto era quase impossível alguém estragar isso e ele não odiaria o local logo de cara. Zee optou pela salada Caesar, e eu tentei não rir de sua escolha ao pedir o prato do dia e suco de laranja. 

— E você é do mesmo jeitinho. — Continuei nosso assunto. — Deve ser por isso que um aguenta o outro, porque ninguém mais deve ter essa capacidade. 

— Amizade por conveniência? 

— E não são todas? — Perguntei, adiando um pouco a conversa do tópico que realmente me interessava. — É conveniente ficar perto de alguém que nos faz bem. Mesmo que essa pessoa nos agrida sem motivo aparente às vezes. 

— Eu estava falando contigo e você não ouvia, Tommo. — Zayn se defendeu. 

— Ah, me desculpe. Eu estava distraído pensando em algumas coisas. 

— Está tudo bem? Que tipo de coisas? 

— O pior tipo possível, meu amigo: as românticas. — Não era o intuito começar a jogar verde tão cedo, a conversa apenas caminhou para aquele rumo. O que fiz foi observar Malik parecer subitamente incomodado, seu desconforto reforçando algo que eu teorizava sobre há algumas horas. O que era mais tempo do que pensei ser capaz de aguentar sem enchê-lo de perguntas. Mas fui sincero ao continuar meu relato sem interesse particular em torturá-lo. — Sabia que meu último encontro foi aqui? 

— Oh, é mesmo? — Perguntou, notavelmente surpreso. 

— É, foi sim. Já deve ter uns três meses, mais ou menos. Naquela semana você passou todo o tempo que seria livre compondo, então o Liam não tinha ninguém além de mim para atormentar, e assim ele fez. E você sabe como Liam James Payne pode ser persuasivo às vezes. Resumindo a história, conversei com o primeiro cara que dei match e ele sugeriu esse restaurante quando eu disse o bairro em que morava. Algo nos cabelos cacheados e olhos claros me fez pensar em uma vibe meio Timothée Chalamet, ou como eu gosto de chamar, vibe “moreno dos olhos claros com cara de anjo que parece ter sido escrito por mulher”. 

— O famoso boy golden retriever. — Simplificou. 

— Pois é. Mas de anjo ele só tinha a cara e a história toda só não foi uma perda de tempo total porque eu simplesmente amei esse lugar. E é isso. Eu acho que tenho que sair desse mundo de fantasia em que o cara perfeito existe. Os livros de época e os romances clichês da Netflix me arruinaram para a vida real. 

— Nossa, Tommo… — Zayn falou enquanto parecia digerir as informações e um garçom muito prestativo se afastava depois de trazer os pratos que havíamos pedido há pouco. — Caramba, eu não sabia. Não fazia ideia, na verdade. Desculpe pelo beliscão. 

— Não se preocupe com isso, Zee. Só fiquei um pouco nostálgico por causa do clima de romance que esse lugar exala, não tem nada a ver com o homem com quem saí. — Pensei um pouco se realmente iria compartilhar aquela informação. Nem Liam, que no dia seguinte me fez narrar detalhe por detalhe do encontro, sabia daquele pormenor. Dar informações para meus amigos era sinônimo de ficar encrencado para o resto da vida, pois eles simplesmente não esqueciam das coisas e de vez em quando usavam as munições que eu mesmo fornecia contra mim. — Até porque… 

— Até porque… — Malik repetiu, interessado. 

— Bom, é embaraçoso, mas… — Limpei a garganta, subitamente consciente de seus olhos dourados em mim, me olhando com atenção demais. Por um momento fiquei desconcertado pelo que viria a seguir. — Bom, depois pensando como não vi os sinais de que o cara não prestava, me dei conta de que estava me enganando porque eu me recusava a vê-lo de forma negativa. Já que, não me orgulho em dizer, estava projetando outra pessoa nele. Isso porque ele se parecia muito com alguém que eu simpatizo e tenho quase certeza que seja uma pessoa excelente. Então a comparação me deixou burro. Mas como eu disse, não tem problema. Para ser sincero, eu nem lembro direito o nome do cara com o qual saí. Acho que era Brian, ou talvez Ryan. Algo assim. 

A salada de Zayn permanecia intocada em seu prato enquanto ele me observava. Atento era seu nome, e era impossível não me sentir exposto quando seus olhos de raio-x estavam sobre mim. E, simples assim, o jogo virou sem que eu tivesse feito um único movimento que preste, já que quem deveria estar o encurralando em busca da verdade era eu. 

— Ok, eu acho que já sei a resposta, mas gostaria de ouvir de você. — Disse, lentamente. Os olhos nunca desviando dos meus. Maldito momento em que eu decidi abrir a boca. — E quem é a pessoa com a qual Brian-ou-talvez-Ryan se parece, Louis Tomlinson? 

— Ora, era um rosto tão comum… — Desconversei. 

— Claro. — Uma palavra e todo o ceticismo do mundo coube perfeitamente nela. — Cabelos cacheados, olhos verdes… Isso claramente não tem nada a ver com aquele chef. 

— Absurdo! Os cabelos do Harry são mais longos. 

— Reparou que eu não citei nomes? 

— E como você sabia que os olhos eram verdes? Eu só disse que eram claros. 

O vagabundo mordeu o mais cretino dos sorrisos, não se dando ao trabalho de disfarçar a zombaria ao responder. 

— Digamos que foi só um palpite. Um simples palpite aleatório sem relação direta com seu crush famoso. 

— Nem crush famoso eu tenho. — Menti descaradamente. O que era inútil, já que desde que Zayn entrou no quarto que compartilhava com Liam na faculdade, e consequentemente nas nossas vidas, nos conhecíamos. Há anos eu era vizinho desse garoto, seja na faculdade onde ele e Lee só faltavam derrubar o dormitório que dividiam de tanto brigar, ou agora na fase adulta em que muitos aspectos da vida mudaram, mas não nossa parceria. Era uma coisa maravilhosa e ao mesmo tempo uma droga, já que de vez em quando poder mentir seria um presente muito bem-vindo. Mas como fazer isso quando a outra pessoa conhece cada um dos seus trejeitos de blefe? 

— Não, eu que tenho. — Se limitou a responder. 

— É, mas já nos estendemos demais nesse assunto. E sou só eu ou você também tem essa sensação de que está traindo o Liam por vir aqui conversar pelas costas dele? 

E embora não fosse a intenção, ali me senti vingado. Porque ver o sempre tão confiante e despreocupado Zayn Malik arregalar os olhos na minha direção e engasgar ainda com o garfo na boca foi simplesmente impagável. Ele poderia estar vermelho pela tosse, é verdade, mas a imaginação era minha e se eu preferisse acreditar que ele ficou assim pela simples menção ao colega de apartamento, não era da conta de ninguém. 

O garçom se aproximou rapidamente com um copo d'água em uma bandeja. Me perguntei como ele conseguiu aquilo tão rápido, pois até pedras de gelo tinha ali. Três, obedecendo as leis da física e se movendo conforme o conteúdo do copo era sorvido pelo meu amigo. E novamente se eu era uma pessoa ruim, ninguém tinha nada a ver com aquilo. 

— A salada quis descer pelo lugar errado. — Disse longos segundos após se recuperar enquanto agora era eu que o avaliava. 

— Zayn, vou ser direto com você e espero que seja honesto comigo. — Disse, sério, observando a feição de Malik mudar como se ele acreditasse que eu estava prestes a anunciar que o mundo chegaria ao fim dali a alguns dias. 

— Se fosse o contrário você dificilmente seria comigo. — Falou na defensiva, acabando com o restante de água que havia no copo. 

— Você provavelmente tem razão. Mas quem disse que o mundo é um lugar justo, meu amigo? 

Zayn respirou fundo, soltando o ar e me lançando uma expressão derrotada. 

— Não é como se eu pudesse evitar o assunto para sempre, não é? Então manda. 

Era a hora da verdade. Não só para mim. Perguntar aquilo para Zayn de maneira tão direta poderia abalar a dinâmica não só entre eu e ele, como a de nós três. E ainda assim… 

— Está rolando alguma coisa diferente entre você e o Payno? Algo, hm, romântico da sua parte? 

Eu conhecia Zayn Malik há anos. Conheci ele e Liam no primeiro dia de faculdade, pois os dois dividiam o dormitório e eu era seu vizinho de porta. Já naquele primeiro dia puxei assunto com Liam e imediatamente nos demos super bem. Instantes depois Malik chegou e ambos se estranharam desde o primeiro minuto. Depois de centenas de discussões apartadas por mim e ameaças presenciadas, aquela coisa entre eles acabou virando uma espécie estranha de amizade. Zayn era extremamente parecido comigo e eu o adorava na época, assim como continuo o fazendo. Nosso nível de entendimento sempre foi absurdo, o tipo de amigos que conseguem se comunicar só pelo olhar. Nossa conexão era especial e eu conhecia Zayn Javadd Malik há muito tempo, mas em todo ele jamais, jamais, havia o visto daquele jeito. 

Os efeitos de seu engasgo já haviam passado, mas nem mesmo quando a salada estava presa na garganta do meu amigo seu rosto estava tão afogueado. E não era uma mancha escarlate nas bochechas e pronto. Não… O fulgor começava a ser notado em seu pescoço, a gola da camisa social escondendo parte dele. Não só as bochechas, mas todo o rosto de Malik estava em brasas. Parecia estar sendo estrangulado por mãos invisíveis, visto que até suas orelhas mostravam um tom preocupante de rosa. Zee não parecia nada bem. 

— M-mas Tommo, de onde você… De onde tirou isso? E esse lugar está muito abafado. Não bate um vento, não tem um ar-condicionado. E cadê o garçom com alguma bebida? — Disse tudo muito rapidamente, as mãos lutando contra os botões da blusa. Estávamos em uma área muito bem arejada perto de uma janela enorme, e antes de sair do colégio vi que fazia vinte e um graus naquela tarde. Mas preferi guardar essas informações para mim ao observá-lo roubar meu suco. Zaynie já parecia ter muito com o que lidar. 

— Escute, Zayn, eu sei que é um assunto pessoal e tudo… Mas se eu estiver certo, o que acredito que estou, pensei que gostaria de falar com seu melhor amigo. Até porque você tem dois, e o outro, devido a situação… Bem, você sabe. — Pigarreei, incerto sobre como continuar, mas expondo minhas suspeitas antes que Zayn tivesse um ataque cardíaco. Liam me mataria se eu matasse seu amado. Céus, será que Liam tinha as mesmas desconfianças que eu? — Olhe, primeiro quero que entenda que não estou te acusando de nada. Entendo e amo seu jeitinho ogro, esse é seu charme e já estou mais do que acostumado. O Shrek também não é lá muito sociável e é um dos meus personagens de animação favoritos. 

— Eu morri e fui para o inferno. — Zayn falou para si mesmo, cobrindo o rosto com as mãos ao suspirar derrotado. Depois me encarou de novo como se eu de fato fosse um demônio o torturando. Não foi nada lisonjeiro de sua parte. 

— Certo, certo… É difícil para mim também, entenda. — Mexi no cabelo, nervoso, e voltei a falar. — Eu disse que não estava te acusando de nada, e não estou. Esse é seu jeito e nós te amamos, mas de uns tempos para cá você está sim agindo diferente com o Liam. — Zee fez menção de que iria falar algo, mas eu fui mais rápido. — Nem adianta negar ou dizer que não é só com o Payno, mocinho, porque é sim. — Agora ele só me olhava, quieto. — Eu só fui perceber direito ontem, mas olhando em retrospecto, os sinais estavam na minha cara o tempo todo e eu não vi. O jeito que você parece odiar a humanidade inteirinha de manhã, mas se esforça para não ser rude com o Liam, por exemplo. Ou como nas últimas semanas as implicâncias têm diminuído, e quando acontecem são tão bobas e engraçadas que até o fazem rir… Você não está o xingando amigavelmente como sempre fez conosco e está inegavelmente mais gentil com ele. Hoje mesmo quis carona dele, sendo que nós dois iríamos para o mesmíssimo lugar. 

— Tommo… — Meu apelido baixinho em seus lábios pareceu um apelo, mas àquela altura eu simplesmente não conseguia calar a boca antes de colocar para fora alguns pensamentos. 

— Não, mas o pior foi a justificativa. Dizer que iria com ele porque nós dois nos veríamos mais algumas vezes durante o dia, como se isso de alguma forma equilibrasse as coisas… Vocês moram juntos, caramba! E que tal as encaradas? Ontem eu me senti um candelabro, de tanta vela que segurei com vocês se olhando daquele jeito.  

— Nós deveríamos estar falando sobre o aniversário do Liam, não… não isso. — Não respondi nada, dando-lhe um tempo. Os céus sabiam que se fosse eu a ser confrontado com algo do tipo, estaria reagindo bem pior. Talvez fingindo um desmaio, alegando traição e ameaçando acabar com a amizade. Para começar. — Por que você está perguntando isso? O Liam percebeu alguma coisa? — Os olhos arregalaram-se e pude ver seu queixo cair em puro choque e horror. — Oh, caralho, o Liam sabe! 

Bom, isso respondia à primeira questão: Zayn inegavelmente estava com os quatro pneus arriados por Liam. A notícia era tão boa que eu quase podia ouvir um coral celeste cantando ao fundo. E a segunda dúvida também foi sanada: Liam não fazia ideia.  

— Zayn, fica calmo. — Segurei suas mãos na tentativa de o tranquilizar. — Escuta aqui, eu não vim como emissário de ninguém. Payno não faz ideia que estamos almoçando juntos, muito menos sobre o assunto. Ele nem desconfia de uma mudança de sentimentos da sua parte, ok? Está tudo bem. 

— Não, Tommo, não está tudo bem. — Puxou suas mãos das minhas, cobrindo inteiramente o rosto com elas. Quem visse de fora pensaria que eu estava quebrando o coração do pobre em um término particularmente doloroso, na melhor das hipóteses. Se fôssemos eu e minha mente fanfiqueira teorizando em alguma mesa do lugar, apostaria que esse momento em específico se tratava da confissão de uma traição sórdida envolvendo alguém próximo ao casal. Ou ex-casal. Era esse o nível de desassossego de Malik. — Você não entende… — Disse em um fio de voz. 

— Então me explique, meu bem. Eu só quero te ajudar. Não pensei que a situação estivesse assim tão séria, mas mesmo que não estivesse… Sabe que pode contar comigo para absolutamente qualquer coisa que precisar, não sabe? E para o que não precisar também, porque eu te amo e sempre vou estar do seu lado. Mas precisa se abrir. 

— Me abrir? — Malik perguntou, indignado. Pelo visto seria uma longa conversa. — Como você pode dizer alguma coisa a respeito de me abrir uma vez que quando a situação é inversa você simplesmente se fecha no seu mundo e finge até para si mesmo que não tem nada acontecendo? 

— Ok, você tem um ponto. Mas isso não tornava a acusação de todo válida. A forma que lido com os meus problemas no campo amoroso não deveria interferir na confiança que você tem em mim. Ou tinha, eu sei lá. 

— Pode parar, Tommo. É claro que confio em você. É só que… 

— Sou um covarde quando o assunto é encontrar um amor e sei disso. Depois de algumas decepções acabei ficando calejado. Sem contar que o amor pode ser apavorante. 

— Com certeza. Ainda mais quando se está apaixonado pelo melhor amigo. — Disse após algumas fungadas, tentando se acalmar. Aos poucos Malik parecia voltar a razão. 

— Hm… Então isso é realmente uma confissão? Eu posso comemorar, você está mesmo gostando do Liam?

Malik fungava e limpava as lágrimas com um guardanapo até parar tudo o que estava fazendo para me olhar estranho. Seu cenho franziu, talvez dividido entre entender se eu tinha me expressado errado ou se era ele que não havia interpretado como deveria. 

— Louis… — O tom sério era quase inédito, o que me fez questionar seu uso.  

— O quê? — Perguntei, mas foram seus olhos extremamente desconfiados que me deram a resposta, e de repente eu queria muito me bater. Antes mesmo que as palavras seguintes confirmassem que eu com certeza era um idiota que às vezes falava demais. 

— Sim, é verdade. — Disse cautelosamente, o que se tratando de Malik era mil vezes pior do que armar um escarcéu. — Mas por que isso te faria comemorar? Você mesmo quando perguntou usou as palavras “algo romântico da minha parte”, não de Liam. Nem mesmo um resquício de reciprocidade envolvido.   

Eu disse, eu era um idiota. Liam passou anos de sua vida em contato contínuo e muito próximo de Zayn estando apaixonado por ele e sem dizer nada, nem mesmo uma única palavra acerca de sua paixão. E eu entreguei o segredo de bandeja após menos de vinte e quatro horas de suspeitas de que o sentimento talvez fosse recíproco. Que amigo de merda eu era. 

Só que pelo bem do meu pescoço quando Liam me visse e pela lealdade que eu tinha pelo meu amigo, ser inteiramente honesto com Zee não era uma opção. Aquele segredo não era meu para que fosse eu a revelá-lo, mas isso não queria dizer que eu deixaria Zayn sofrendo e sem esperanças. Droga, como era difícil ser amigo daqueles dois. 

— Porque… Ora, por quê? Porque sim! Imagina só se as coisas dão certo e vocês se casam. Os dois seriam obrigados a me chamar para padrinho, tanto do casamento quanto dos filhos. Eu seria o tio Lou, já pensou? Mal posso esperar para ser o tio Lou de alguém. 

Zayn não me respondeu na hora, porque, bem… Deve ser meio difícil falar quando se tem um sorriso tão grande no rosto que por pouco não o divide em dois. E como um gesto automático, sorri em resposta a emoção do meu amigo. E também por pensar que se tivesse um curioso no restaurante nos observando desde que chegamos ali e tentasse adivinhar o que estávamos conversando, o coitado estaria completamente perdido pelas reações tão diferentes naquele curto espaço de tempo. 

Mas voltando ao lindo sorriso do rapaz na minha frente, aquele rosto tão familiar que não se iluminava assim com a frequência que eu gostaria, foi uma surpresa até para mim o que veio a seguir. 

— Filhos? — Zee perguntou baixinho, não sei se para mim ou para si mesmo. Falou devagar, esticando a palavra e dando-lhe um novo significado. Experimentando, reverenciando. Testando o som, mas pela sua expressão maravilhada eu diria que sua imaginação o brindou com um lindo cenário. 

— Desculpe, acho que me animei. — Respondi para seus olhinhos brilhantes. — Mas é meio impossível não ficar empolgado com a possibilidade, não acha? 

Dei de ombros, me esforçando na tentativa de parecer tranquilo quando por dentro eu estava simplesmente SURTANDO. Porra, eu esperei tantos anos por isso, e finalmente iria acontecer. Liam ficaria doido quando soubesse. 

Literalmente desde o primeiro dia, aqueles dois brigavam feito cão e gato, mas no fundo nunca conseguiram se desgrudar. A prova maior disso era que após quatro malditos anos brigando sem parar no dormitório que eram obrigados a dividir, os bonitos decidiram manter a dinâmica e alugar um apartamento juntos quando teoricamente não tinham mais motivos para aguentarem olhar um para a cara do outro. Com quartos separados dessa vez, mas o que era esse detalhe além de apenas mais uma desculpa esfarrapada? E sendo sincero, vindo dos dois esse tipo de coisa já havia deixado de ser novidade há muito tempo. 

Zaynie ainda estava na minha frente, mas só fisicamente. Ele estava viajando sim, mas não seria eu a julgar. Em vez disso, mordi um sorriso e lembrei de uma das minhas citações favoritas de Alvo Percival Wulfric Brian Dumbledore: “Porque nos sonhos entramos em um mundo inteiramente nosso. Deixe que mergulhe no mais profundo oceano ou flutue na mais alta nuvem”. E eu o deixaria mergulhar, flutuar, viajar, ou qualquer outro verbo de sua preferência. Até porque, verdade seja dita, se fosse comemorar como realmente queria eu estaria dançando e gritando sobre a mesa. 

O coração fanfiqueiro às vezes conseguia lindas vitórias, e eu estava exultante e agradecido ao destino por esse ser um desses casos. 

Ainda sorrindo enfim encarei meu prato de massa praticamente intocado enquanto restava pouco da salada de Zayn. E lembrando de como aquela conversa começou comigo falando da tentativa mais recente de seguir com a vida sentimental, de repente tudo pareceu tão distante. Seja o jantar com o rapaz que nem o nome eu lembrava direito ou meus motivos para evitar levar a vida a dois. Quero dizer, se após todos aqueles anos ainda havia possibilidade para Liam e Zayn, por que não para mim? E de repente eu sabia a palavra exata para expressar o que voltei a sentir depois de tanto tempo. Citando agora o vagabundo miserável do presidente Snow, da trilogia Jogos Vorazes: “Esperança. A única coisa mais forte que o medo”. 

Entretanto, o momento não era sobre mim. Zayn estava descobrindo seus sentimentos por Liam, e eu teria que ser cauteloso para não revelar o segredo de um para o outro como quase fiz há pouco. O que era difícil e frustrante, pois minha vontade era gritar a novidade aos quatro ventos. Mas havia algo de excitante em ser um agente duplo também, o que me consolava o suficiente por ora. 

— Você não vai contar para ele, não é? — Zee perguntou quando estávamos deixando o local, sequer me dando tempo de responder antes de voltar a falar. — Louis William Tomlinson, prometa que não vai contar. 

Eu ri de seu desespero, mesmo achando fofo. 

— Tem certeza? Porque você sabe que eu não sou bom em fazer promessas.  

— Tommo… 

— Ok, eu não digo. Mas você deveria. 

— E vou. Acontece que é tudo tão recente, ao mesmo tempo que não é. Então prefiro esperar para não estragar o aniversário do Liam. Melhor ter tempo de organizar meus pensamentos e decidir o que falar. 

O clima ameno foi desfeito quando absolutamente do nada meu braço foi estapeado. 

— Mas que caralho… — O encarei, incrédulo. 

— Era para nós conversarmos sobre o aniversário, seu vadio. 

— É o que teria acontecido, se você não estivesse todo apaixonadinho. 

— Ah, é? — E assim ganhei outro beliscão. 

— Para de me bater! 

— Para de ser irritante! — Barganhou. 

— Liam vai ter um ótimo aniversário, seu agressivo. Ainda temos tempo e algo me diz que vai ser inesquecível. Confie em mim. 

Nesse instante nem eu sabia o quão certo estava. E nem como a vida de todos nós estava prestes a mudar. 


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