Não são todas as histórias do multiverso que envolvem viagens no tempo, saltos entre universos paralelos ou seres com poderes extraordinários. Há muitas realidades com histórias protagonizadas por seres humanos comuns, que vivem vidas normais, e essas histórias também possuem seu próprio valor.

A simplicidade do Universo 3.280 era um excelente exemplo disso.

Lúcas Murata observou o colecionável em suas mãos, uma réplica de cronorita — um cristal fictício bastante frequente em suas histórias — e sorriu, brincando com o objeto. Lúcas era sortudo e podia dizer que era feliz.

O homem de vinte e sete anos arrumou sua mesa, guardando todos os documentos importantes em sua maleta e saindo de sua sala.

Corrigindo: Sendo jovem e dono de uma empresa bem-sucedida voltada para o desenvolvimentos de jogos, animações, filmes e realidade virtual — a Murata Entertainment —, além de uma editora de livros, quadrinhos e mangás brasileiros, Lúcas podia dizer que era feliz.

— Já estou saindo. — Lúcas avisou para seus funcionários que ainda estavam ali, os quais eram seus próprios amigos que, quando tudo o que ele tinha eram apenas ideais malucas para histórias estranhas, ajudaram-lhe a construir um complexo e grandioso multiverso ficcional interligado em textos na internet, vídeos do YouTube, livros, filmes, séries, minisséries da Globo, animações, tretas no Twitter com contas fakes, etc…

— Boa noite, chefe! — Desejou um artista de histórias em quadrinhos, chamado Dolfh Lundgren. Sim, o nome era parecido com o do ator famoso.

Dolfh tinha cabelos longos, presos em um rabo-de-cavalo, e sua bochecha tinha um curativo, porque estranhamente algo no universo parecia conspirar para que ele sempre machucasse o rosto, dessa vez havia sido um ainda inexplicável incidente com a porta do elevador. Lúcas tinha a teoria de que existia alguma força ainda não descoberta no universo que fazia o rosto do pobre homem alterar as probabilidades da realidade para o pior cenário, como se a Lei de Murphy fosse atraída gravitacionalmente para a cara de Dolfh.

Atualmente Lundgren ainda fazia artes de histórias em quadrinhos e mangás mais porque gostava, uma vez que sua principal função hoje em dia era supervisionar a qualidade artística dos principais projetos da empresa e de alguns projetos mais independentes, de artistas menores.

— Boa noite! — Disse outro amigo, Rafael.

O xará de Lúcas, Lucas Rafael, era um homem de pele alva, de aparência mais jovem do que sua idade real, com uma função mais centrada no desenvolvimento de histórias e de roteiros. Era ele quem quebrava a cabeça analisando os vários ganchos que Lúcas insistia em colocar em várias histórias, e os organizava para ajudá-lo a desenvolvê-los em outros projetos, de forma que a empresa não declarasse falência com 666 projetos multimídia interconectados que ninguém mais entendia como começar a acompanhar.

— Boa noite. — Respondeu Lúcas, bocejando. — Não fiquem aqui por muito mais tempo. Vão logo pra casa ou eu demito todos vocês.

— Pode deixar! — Rafael sorriu.

Corrigindo: Tendo vários amigos de longa data trabalhando ao seu lado naquilo que gostavam, Lúcas podia dizer que era feliz.

Saindo do escritório, Lúcas pegou o elevador e desceu até a garagem, entrando em seu carro.

— Para casa. — Ele disse para a inteligência artificial do veículo, que traçou a rota para o destino e partiu sem a necessidade de um motorista humano.

O homem piscou rapidamente algumas vezes e o vidro que dava visão para a frente do carro revelou-se uma tela interativa, com acesso à páginas da internet, entre vários outros aplicativos, tudo controlado pela vontade de Lúcas. Em uma página, apareciam títulos de algumas notícias recentes, como "Casamento poligâmico com waifus digitais é legalizado no Japão", "Veja as fotos do primeiro bebê nascido na Estação Espacial Internacional" e "Criando uma clone como filha. Entenda a nova polêmica da atriz Scarlett Johansson".

Murata pensou em ligar para a sua esposa, mas decidiu fazer uma surpresa chegando cedo em casa, e ao invés disso entrou em um site de viagens e comprou passagens para o Havaí.

Corrigindo: Possuindo o melhor carro do ano (2024), que fazia quase tudo, Lúcas podia dizer que era feliz.

Finalmente chegando, o empresário saiu do carro e deixou que seu veículo estacionasse sozinho na garagem do prédio enquanto Lúcas pegava o elevador, chegou no andar certo e entrou em seu apartamento.

Corrigindo: Tendo como esposa uma belíssima mulher de ascendência chinesa, em um casamento de seis anos sem briga alguma, Lúcas podia dizer que era fe…

— MAS QUE PORRA É ESSA?! — Foi a única coisa que ele conseguiu dizer quando entrou no quarto e encontrou sua esposa nua, deitada com outro homem.

— Luke, amor. Eu sei o que parece, mas não é o que você tá pensando! — Choi falou enquanto se cobria.

— Realmente espero que não seja, mas eu duvido muito. — Lucas respondeu com sarcasmo.

Choi tentou pensar rápido em alguma explicação, mas sem conseguir pensar em nada plausível, olhou para o homem deitado ao seu lado, procurando ajuda, recebendo apenas um olhar de "A gente tá fodido!". Sem conseguir inventar nenhuma desculpa, a ásio-americana respirou fundo e foi direta:

— Okay, foda-se, eu admito. É exatamente o que você tá pensando, mas antes de você dizer alguma coisa, você tem que saber que tem pizza na geladeira.

—… E daí? — Lúcas perguntou, querendo entender a relação entre a pizza na geladeira e a traição de Choi.

— Quem é Bianca com quem você conversa no Facebook? — Questionou a mulher, lembrando-se de uma ocasião em que o marido esqueceu a rede social aberta no computador.

—… Certo, eu vou comer pizza. Arrumem e limpem tudo antes de eu voltar. — Lúcas correu pra cozinha. — E espero que esse cara tenha dado o fora da minha casa antes que eu termine de comer!

Choi sorriu e suspirou, aliviada por ter evitado uma discussão.

Corrigindo: Com uma pizza de calabresa requentada no micro-ondas, Lúcas podia dizer que era feliz.

Pensando bem, Lúcas, Choi, o cara na cama com a Choi, Bianca, Rafael, Dolfh e a porta do elevador só eram felizes, não havia necessidade de um motivo específico para isso.