Histórias do Multiverso escrita por Universo 9611


Capítulo 2
Pax Sauridae (Universo 621)


Notas iniciais do capítulo

Há tantas histórias sobre Multiverso por aí, mas elas ainda se limitam muito. Afinal, por que todos os universos são sempre povoados por humanos?
A história desse capítulo é totalmente inspirado nas histórias que eu inventava quando criança, com os meus brinquedos. Para mim, ser escritor é isso, você troca os bonecos de plástico por bonecos de texto, mas continua sendo uma grande brincadeira.

Resumo: Uma utopia de dinossauros chega ao fim, condenando uma linha do tempo inteira.



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Muitos dos eventos ocorridos no Multiverso Transfinito costumam ser subestimados ou totalmente ignorados por nós, apenas por não serem situações protagonizadas por humanos ou seres humanoides, mas essa limitada visão antropocêntrica que temos apenas faz com que ignoremos a maioria dos acontecimentos mais importantes em realidades paralelas e linhas temporais alternativas. De fato, é sempre bom lembrar que, com um número transfinito de universos, aqueles em que a humanidade desempenha um papel importante são uma pífia fração e, uma vez que há transfinitas possibilidades, há incontáveis realidades onde outras espécies se tornaram a raça dominante no planeta Terra, fora ainda os universos onde o planeta Terra sequer existiu.

Este capítulo começa há pouco mais de sessenta e cinco milhões de anos, no que originalmente era o planeta Terra do Universo 9611*. Toda a realidade ainda era bastante jovem e as hierarquias cósmicas ainda não estavam muito bem definidas, por isso, as entidades cósmicas, que personificavam conceitos fundamentais da existência, conviviam entre as divindades, e os próprios deuses coexistiam entre os mortais, todos como iguais.

A Terra nesse momento era habitada e dominada por várias espécies de criaturas que evolutivamente estavam entre os répteis e as aves modernas — muito mais próximas destas do que daqueles — que hoje chamamos de “dinossauros”. No entanto, ao contrário do que o registro fóssil de nossa realidade indicaria, na linha do tempo desta história, os dinossauros e outros animais pré-históricos eram seres sapientes e pacíficos, que adoravam algumas divindades, cuja mais popular entre elas era um deus na forma de um saurópode — grande dinossauro de pescoço e cauda compridos — conhecido como “Pai de Todos” ou “Grande Diplodocus”.

Tal diplodoco divino tinha como sua consorte uma entidade chamada “Vegeto”, que representava toda a vida vegetal (e seus análogos pelo universo), sendo Vegeto quem garantia a fartura de alimentos para todos os seres vivos, uma vez que a origem da vida e a evolução desta Terra ocorreu de forma curiosa aqui: todos os animais do planeta eram herbívoros, não existindo predadores ou uma cadeia alimentar complexa. Uma segunda peculiaridade desta linha temporal era o fato de que muitos dinossauros e outras criaturas pré-históricas — que, em nosso mundo, nunca coexistiram, separadas por eras e/ou quilômetros —, viviam todos juntos, inconscientes do anacronismo que isso significaria para os paleontólogos da linha do tempo do mundo real.

— Então… Como você acha que deveríamos chamá-lo? — Spanix Sira I perguntou.

Ele era uma criatura reptiliana de tamanho colossal e bípede, coberto com pequenas escamas, de um tom alaranjado desbotado, com um crânio que se assemelhava ao de um crocodilo, e com uma enorme membrana de pele na forma de um leque aberto sobre o seu dorso, sustentada por longos espinhos ósseos que se projetavam para fora de sua coluna. Spanix Sira I tinha uma aparência que lembrava as representações antigas e datadas de um spinosaurus, como aquela vista no filme "Jurassic Park III", embora desprovido de garras afiadas e com dentes adaptados pra se alimentar exclusivamente de vegetação.

— Desculpe, mas o que você disse? — Indagou de volta uma outra criatura presente naquela parte silenciosa de uma floresta de árvores gigantescas, com troncos grossos e vegetação que cobria totalmente o céu. Este ser não tinha escutado a pergunta, pois estava ocupado, concentrado em uma tábua de pedra, onde ele utilizava magia para escrever símbolos primitivos e estranhos, escrevendo um texto importante, numa língua inumana.

Essa segunda criatura, o bibliógrafo, chamava-se Pax Sauridae, tinha sete metros de altura — com só o seu crânio tendo mais de um metro de comprimento —, com uma postura ereta e a cauda descansando no chão, o que o fazia assemelhar-se às representações anatomicamente incorretas de um tiranossauro vistas em representações artísticas e filmes de stop motion muito antigos, apenas com os diferenciais da ausência de dentes afiados, e também porque Pax Sauridae possuía braços proporcionais ao corpo e que terminavam em três dedos, não os membros curtos de dois dígitos, como os que são característicos dos Tyrannosaurus rex de nossa realidade.

— Como nós deveríamos nos referir ao pequeno Diplo? — Spanix Sira I, o escrivão, elaborou a sua pergunta. Ele estava falando sobre o recém-nascido daquela manhã, o primogênito do Grande Diplodocus e de Vegeto. — O “Irmão de Todos”?

Pax Sauridae soltou uma leve risada ao ouvir a sugestão de seu amigo e acenou negativamente.

— Eu o chamarei de “Lorde Diplo” até que o Pai de Todos ou a Mãe da Fartura determinem algum título ao pequeno. — Respondeu Pax Sauridae, o terópode de escamas marrons, quase puxadas para o preto. O bibliógrafo também tinha grossas e negras listras horizontais em seu dorso, cauda e cabeça, com as regiões de seu maxilar, barriga, parte interna das coxas e pernas possuindo uma coloração um pouco mais clara, quase de cor creme.

Spanix Sira I acenou a cabeça em concordância, achando que a sugestão de Pax Sauridae era bem melhor, e deixou o tiranossauro retomar sua atenção à tábua de pedra em que escrevia, mas Pax teria seu trabalho interrompido outra vez quando, instantes depois, acima deles, os galhos das imensas árvores se moveram magicamente, abrindo passagem para que a iluminação solar penetrasse o local por alguns segundos antes que a passagem de luz fosse obstruída por uma entidade voadora sombria, de olhos completamente vermelhos e brilhantes, que pousou entre os galhos.

— Grukion… — Foi necessário certo esforço da parte de Spanix Sira I para que ele não gaguejasse ao pronunciar o nome da criatura recém-chegada. “Grukion” significava “O Último Sono”, um eufemismo para a morte.

— O Pai de Todos quer vê-los. — O gigantesco pteranodon sombrio, escolhido pela própria Morte para ser seu avatar neste mundo, informou, antes de alçar voo e ir embora tão repentinamente quanto sua chegada.

Não querendo deixar o deus paternal esperando, os dois dinossauros utilizaram de magia para fazer com que as árvores se movessem, organizando-se na forma de um corredor, direcionando-os para um campo aberto, próximo a um belo lago, onde se localizava o ninho em que Vegeto e seu consorte cuidavam do pequeno diplodoco recém-nascido.

Spanix Sira I e Pax Sauridae eram dois dos mais fiéis devotos do saurópode divino — recebendo por conta disso uma bênção de longevidade e juventude eterna —, e mesmo conhecendo o Grande Diplodocus há tanto tempo, nunca conseguiam deixar de se surpreenderem com o tamanho do deus quadrúpede, que facilmente alcançava os trinta metros de comprimento do início de seu focinho até a ponta de sua longa cauda, a qual terminava em uma espécie de chicote. Apesar de em sua postura padrão, isto é, com seu pescoço — quase tão comprido quanto sua cauda — esticado para frente, o Pai de Todos não alcançasse os seis metros de altura, ele superava a altura de seus dois leais seguidores quando erguia sua cabeça, tal como ele fez ao vê-los se aproximar.

Não obstante fosse uma divindade de grande poder, o Grande Diplodocus era adorado apenas como uma figura respeitável, e devido à sua compaixão e sabedoria, consultado por aqueles que buscavam conhecimento. Ele não era uma autoridade máxima sobre os seres pré-adâmicos deste mundo, que eram livres para reverenciá-lo ou não, sem punições.

Além do Pai de Todos e de Vegeto, havia outras entidades e divindades no panteão dos dinossauros e demais criaturas pré-históricas, como o deus da morte Grukion citado anteriormente, e outros ainda a serem apresentados. É claro que também já havia algumas divindades ainda hoje conhecidas de nossas mitologias e religiões humanas, mas estes deuses bem pouco interagiam com os dinossauros por diversos motivos, seja por eles estarem ocupados — como o abraâmico YHWH, que ainda estava criando seres angelicais para o adorarem e servi-lo —, seja porque ainda eram muito jovens, como Urano, ainda uma criança no colo de Gaia.

O Grande Diplodocus estava em pé, ao lado do ninho, para receber Spanix Sira I e Pax Sauridae, enquanto sua consorte, a representação da flora — metamorfoseada em uma diplodocus fêmea —, estava deitada ao redor do filhote recém-nascido, que era extremamente pequeno, contrastando bastante com a imponência de seus genitores.

— Oh, ele é tão pequeno e tão belo. — Constatou ao se aproximar o terópode de escamas alaranjadas e grande membrana sobre as vértebras dorsais, Spanix Sira I.

— Obrigado. — O recém-nascido agradeceu, surpreendendo todos os presentes.

O pequeno Diplo tinha escamas de tons verdes sobre seu dorso, assim como a parte externa de suas quatro patas. Era o mesmo padrão de cores de seus pais, mas o pequeno possuía um verde ainda mais escuro e tinha uma coloração branca nas escamas na região da barriga, na parte interna das pernas, na parte de baixo da cauda, do pescoço e em seu queixo, partes essas que, em seus pais, eram de um verde quase amarelado.

— E-ele já consegue falar! — Spanix Sira I gaguejou.

— Considerando a sua ascendência, não deve ser o ato mais surpreendente que virá dele. — Comentou Pax Sauridae, embora não estivesse menos impressionado do que seu amigo.

As íris dos olhos de Diplo brilharam fracamente em vermelho quando o filhote encarou o dinossauro de escamas escuras, sentindo que algo estava errado com Pax Sauridae, como se algo ruim tivesse acontecido, ou fosse acontecer, mas por não entender esse pressentimento estranho, foi incapaz de dizer algo a respeito.

Este algo ruim estava na verdade vindo de fora do mundo, aproximando-se do planeta assaz rápido, na forma de uma entidade etérea rubro-negra que não emitia luz, mas sentia muita fome por dor, morte e guerra. A odiosa sombra viva alienígena atravessou a atmosfera da Terra, caindo em meio a uma floresta, sem chamar atenção, já que com exceção da vida vegetal e pequenos seres irracionais como insetos e vermes, o único grande ser vivo próximo do local da queda era um velho triceratops solitário, já em seus momentos finais de vida.

O dinossauro quadrúpede, de chifres, piscou lentamente algumas vezes enquanto se deitava no chão. Entre uma piscada e outra, Grukion surgiu em sua frente.

— Estou aqui para levá-lo, ancião. — Avisou o deus da morte, ao que o triceratops apenas acenou positivamente, sem medo, pois o dinossauro idoso sabia que, apesar de sua aparência tenebrosa, não havia real motivo para se temer o avatar da Morte, pois Grukion era responsável por levar ao pós-vida os dinossauros e demais criaturas sapientes quando estas morriam pacificamente, e uma morte pacífica era a única forma conhecida de morrer, até então.

Diferente de nossa realidade, nesta não havia diferenciação entre corpo e alma, por isso, quando o pterossauro sombrio aparecia, ele carregava fisicamente os mortais para a vida após à morte.

Sentindo a fraqueza na mente do velho dinossauro, a entidade alienígena aproveitou para possuí-lo, fazendo com que o ceratopsídeo berrasse assustadoramente enquanto convulsionava, surpreendendo até mesmo Grukion que, atônito, nada fez e apenas testemunhou horrorizado o ancião sofrendo enquanto sentia seu corpo queimando, juntamente com uma dor excruciante enquanto suas escamas, outrora cinzentas, tornavam-se pretas, seu rosto ganhava um tom escarlate forte, seus dentes se tornavam pontiagudos e seus olhos, que antes eram castanhos, ficaram negros.

Sua mente ficou vacilante, pensamentos intrusivos o sobrecarregaram, assumindo o controle. O velho triceratops começou a ver seus iguais de uma forma estranha, ele sentia tanto medo das emoções cruéis das quais aquela entidade que o possuía era feita.

A entidade etérea maligna iniciava assim uma cadeia de eventos que colocaria fim à utopia dos dinossauros. Aquela maldita sombra extraterrestre, sempre com desejo de corromper tudo e todos, também iria, milênios depois, influenciar o titã Cronos a engolir seus próprios filhos, causando novamente o fim de uma Era de Ouro.

— O que é você? — O deus da morte foi capaz de questionar, quando se recuperou do susto inicial.

Com a possessão e transformação concluída, o triceratops parou de convulsionar, encarando o pteranodon. Aquela coisa tinha uma vontade, uma necessidade crescente de…

— CARNE! — O possuído gritou e Grukion tentou, mas não teve reflexos rápidos para esquivar-se quando o quadrúpede avançou sobre ele e mordeu-o no pescoço com seus novos dentes afiados.

Como se fosse um vírus, a entidade alienígena penetrou no corpo de Grukion através da mordida, a qual foi forte o suficiente para quebrar o pescoço da divindade da desencarnação.

O pterossauro esforçou-se para tentar impedir aquela entidade de assumir o controle de seu corpo, e por consequência, de sua alma, mas apenas por ter ficado alguns instantes em posse do corpo daquele velho dinossauro moribundo, a sombra viva já era extremamente forte, o suficiente para roubar o corpo de um deus da morte, e percebendo ser incapaz de vencer, Grukion separou de vez sua alma, abandonando o seu corpo físico, para sempre. Não encontrando mais resistência, a criatura alienígena obteve sucesso na possessão do corpo, tornando-se ainda mais poderosa e completamente indiferente ao fato que este corpo pendia a cabeça devido ao pescoço destruído.

A entidade maligna voou para longe, usando o corpo de seu novo hospedeiro, enquanto que o triceratops, ainda corrompido fisicamente, esforçou-se, lutando contra a influência ruim remanescente em sua mente, e correu para dentro de uma caverna próxima, isolando-se para não machucar nenhum outro dinossauro.

Paralelo a tudo isso, no ninho do filhote de Vegeto e do Grande Diplodocus, Pax e Spanix I despediam-se do pequeno, ignorantes às desgraças que estavam vindo.

— Aproveite a sua noikurg, lorde Diplo. — Desejou o membro da família dos tiranossáurios, Pax.

"Noikurg" era literalmente o inverso de "grukion", significando "O Primeiro Despertar", sendo o período entre o nascimento e a primeira vez que o filhote dormia.

Quando os dois adoradores do Grande Diplodocus deixaram o local, Spanix I decidiu ir ver sua companheira e filho, enquanto que Pax, por outro lado, retornava às suas tábuas, onde pretendia terminar de escrever a introdução da bibliografia de Diplo.

— Vejo você depois. — O terópode alaranjado disse, antes de cada um seguir um caminho diferente.

Próximo dali, um dinossauro semelhante a um baryonyx de escamas verdes, que era um poderoso feiticeiro chamado Benix, treinava seu aprendiz e assistente, um plateossauro de escamas amareladas com círculos brancos espalhados pelo seu dorso.

— Você está aprendendo bem rápido, Sur. — O espinossaurídeo elogiou seu aprendiz. — Talvez um dia você até possa me superar.

Benix era um semideus, filho da poderosa deusa primordial da noite, Nix, e irmão mais novo da deusa Hemera, o dia, e do deus Éter, o ar. Ele foi o primeiro semideus do planeta, dezenas de milhões de anos antes de nomes como Perseu ou Herácles.

— Obrigado, senhor, mas ainda tenho muito o que aprender. — Admitiu com humildade o plateossaurus que, embora no momento estivesse de pé em uma postura bípede, em boa parte do tempo era quadrúpede, muito semelhante aos saurópodes. De fato, em nossa realidade, os plateosaurus pertenciam a um grupo primitivo, a partir do qual vieram os saurópodes.

— Agora vamos testar a sua habilidade em… — O grande feiticeiro foi interrompido quando os olhos anteriormente esverdeados de Pluteo Sur brilharam em vermelho e o aprendiz começou a levitar.

— Benix, algo horrível está acontecendo. — Saiu da boca de Pluteo, mas não era a voz dele. Benix reconheceu a voz como de outro ser que ele conhecia. — Nossa civilização está ameaçada e só você pode ajudar.

— Grukion? — Benix perguntou e o corpo possuído de Pluteo acenou afirmativamente.

— Há uma alguma coisa muito ruim, uma entidade que roubou o meu corpo. Quando tentava entrar na minha mente, eu pude ler seus pensamentos e era pura crueldade e fome. — Contava o espírito do deus da morte. — Não pertence ao nosso mundo.

— Se essa coisa conseguiu fazer isso com você, então não deve ser subestimada. — Comentou o baryonix herbívoro, seus olhos azuis brilhando com pura magia. — Ainda bem que você me chamou.

Grukion deixou o corpo do aprendiz de feiticeiro, que mesmo quando perdeu o controle de seu próprio corpo, continuou consciente de seus arredores e ouviu tudo, sem precisar ser informado do que aconteceu, embora a possessão ainda tenha sido uma experiência desconcertante para ele.

— Você me verá em prática. Talvez possa até me ajudar. — Disse Benix, ao que Pluteo assentiu, animado.

Enquanto isso, Pax chegou ao local onde deixou sua tábua, quase não notando o grande pteranodon negro de costas para ele, escondido nas sombras das árvores.

— Uh? Grukion, é vo-… AH! — Exclamou o tiranossauro, em espanto, quando o corpo possuído do avatar da morte virou-se, com a cabeça balançando.

— Carne! — Falou a entidade, poucos instantes antes de avançar contra o dinossauro.

PAX! — O terópode usou uma habilidade concedida a ele pelo Grande Diplodocus, chamada simplesmente de "Grito". O som e o ar se tornaram puro poder ao sair de seus pulmões quando ele evocou o próprio nome.

Atingindo o corpo de Grukion à queima-roupa, o Grito de Pax Sauridae foi forte o suficiente para arrancar fora a cabeça do pterossauro, mas por ser o corpo de um ser divino, não houve nenhum sangue jorrando do pescoço. Irritada, a entidade alienígena forçou o corpo decapitado a levantar-se, como se nada tivesse acontecido.

Sua raiva, não obstante, foi passageira, pois acreditava que se transferir para o corpo do seguidor do Pai de Todos somaria ainda mais poder do que já havia ganhado com a assimilação do corpo do deus da morte.

— Digam ao Grande Diplodocus que há algo de errado com Grukion! — Gritou Pax enquanto corria. As árvores balançaram suas folhas, levando a mensagem do tiranossáurio até Vegeto. — AARGH!

O terópode infelizmente foi surpreendido por um ataque pelas costas, quando a entidade voou e cravou suas garras no dorso de Pax, assim transferindo-se e assumindo o controle do corpo do servo do Grande Diplodocus. A transformação no corpo do novo hospedeiro foi radical e extremamente dolorosa: suas mãos desenvolveram garras, seus dentes se tornaram afiados, cresceram ao tamanho de bananas e curvaram-se para trás, com as bordas serrilhadas, sua feição se tonou aterradora e sua postura se inclinou, parecendo-se mais com um verdadeiro tyrannosaurus, apesar de ainda ter braços longos e terminados em mãos com três dedos, ao invés de dois.

"Este corpo é perfeito!", pensou a entidade, sentindo seus poderes aumentando exponencialmente.

O cadáver agora inútil de Grukion caiu inerte no chão, sendo pisado por Pax enquanto ele deixava o local, determinado a alimentar-se e espalhar a loucura e a fome por carne.

— Jezzer… — O tiranossauro chamou quando encontrou um dinossauro conhecido. A mente de Pax ainda estava ali dentro, em algum lugar.

— Pax? É você? O que aconteceu com sua voz? V-você parece diferen… Isso é sangue?! Você está ferido?! — Perguntou o parassaurolofo inocente. — Conheço um feitiço simples de cura, fique calmo.

— Carne… — Murmurou a entidade.

— O q-quê? Eu não entendi.

— CARNE! — O monstro berrou antes de atacar o dinossauro, mordendo-o no pescoço, matando-o instantaneamente.

Diferente das outras vezes, a entidade não possuiu a vítima, ao invés disso apenas continuou mastigando, arrancando a carne do azarado parasaurolophus para alimentar-se dela. O gosto do sangue e da carne de outro ser vivo pareciam incomparáveis para o novo paladar do possuído, com cada pedaço engolido aumentando a força e vitalidade daquele corpo. Em instantes, as feridas das garras de Grukion cicatrizaram e então desapareceram totalmente.

E nascia assim o primeiro e mais cruel predador do planeta, disposto a condenar o mundo, desde que pudesse se alimentar e se fortalecer ainda mais.

Alguns pequenos dinossauros testemunharam horrorizados aquela cena grotesca, incapazes de reagir ou fugir, em parte pelo medo e choque, mas em maior parte por estarem sendo corrompidos pela influência do alienígena. Enquanto a entidade no corpo de Pax Sauridae devorava sua primeira vítima, a mera visão dessa cena transformava as pequenas testemunhas nos primeiros velociraptors.

Vegeto e o Grande Diplodocus foram informados do que ocorria pelas árvores, que enviaram a eles a última mensagem de Pax antes deste ser possuído, e os atualizavam com os eventos recentes.

— Que espécie de abominação cruel poderia fazer essas coisas? — Questionou Semoa Matim, uma acrocanthosaurus fêmea, sem dentes ou garras afiados, que estava ali com as divindades.

Spanix Sira I também estava ali, ainda tentando processar as informações.

— Carne… — Sussurrou o pequeno Diplo.

— O quê? — Perguntou Vegeto.

— É o que a sombra ruim diz. — Respondeu o recém-nascido, manifestando seus poderes de clarividência. — Ela quer comer todos nós.

— Estamos indefesos se essa coisa for tão ruim quanto as árvores dizem. — Declarou Vegeto.

— Precisamos de ajuda! — Exclamou o filhote.

— Não se preocupe, pequeno. Eu lhe protegerei de qualquer coisa. — Prometeu o genitor masculino.

— Você também vai precisar de ajuda, pai. — Respondeu o pequeno, embora ele ainda não soubesse quem poderia ajudá-los.

A discussão foi interrompida quando o feiticeiro Benix chegou ao local, acompanhado de seu assistente, Pluteo Sur.

— Pai de Todos. — Iniciou o baryonyx. — Eu já tenho ciência da situação e vim o mais depressa ajudar.

Era nítido a expressão de alívio nos rostos de todos os presentes ao descobrirem poder contar com o feiticeiro mais poderoso de todos como um aliado.

— Eu posso rastrear a entidade, está se espalhando depressa, mas o núcleo de seu poder atualmente é o corpo de Pax Sauridae. — Avisou Benix. — Grukion não pode realizar seu trabalho, eu… Eu posso ouvir os gritos dos mortos ainda presos nesse plano, é terrível…

Pluteo fechou os olhos e tentou se concentrar para sentir e ouvir o mesmo que seu tutor, mas ao invés disso acabou vendo a localização de Pax.

— Oh, não! Pax está avançando em direção à chocadeira. — Exclamou o aprendiz de Benix.

Desesperada ao ouvir isso, Semoa abandonou o local às pressas, sabendo que seu esposo e filhos, ainda em ovos, estavam lá.

— Vão atrás dela. — Pediu o Grande Diplodocus.

Assentindo, Benix e Pluteo correram, prontos para o confronto.

— Eu ficarei para protegê-lo, senhor. — O espinossauro, Spanix I, disse.

— Nós ficaremos bem, Spanix. — Vegeto o tranquilizou. — Encontre sua esposa.

Mas, infelizmente, o tiranossauro possuído, acompanhado de seu crescente número de lacaios carnívoros, já havia chegado à chocadeira e iniciado uma chacina covarde e grotesca. Cacoa Matim, marido de Samoa, lutou bravamente para proteger sua prole, mas estava agora morto, sendo consumido por velociraptores e um ceratosaurus.

O único ovo sobrevivente do casal de acrocanthosaurus estava nas mãos do filhote Spanix Sira II, que corria, fugindo dos monstros assassinos ao lado de sua mãe, Hiram Sira.

O pequeno Spanix II e seu pai possuíam diferenças notáveis, começando com a sua coloração, que era de um vermelho vivo, ao contrário do alaranjado de seu genitor, seu crânio também era diferente, pois o filhote, como a mãe, possuía um focinho mais encurtado, com o topo da cabeça mais "liso", ausente de cristas. Em geral, Hiram e Spanix II tinham uma aparência semelhante às representações de um espinossauro do início dos anos 1990 de nossa linha do tempo.

PAX! — O Grito atingiu a spinosaurus fêmea nas costas, derrubando-a no chão.

O carnívoro passou por ela, ignorando-a com o objetivo de matar o filhote, com o ovo, em uma só mordida, mas a genitora reagiu rápido, investindo com sua cauda nas pernas do assassino, derrubando-o também.

— Leve seu novo irmãozinho para um local seguro. — Hiram Sira ordenou ao seu filho.

— Mas… — O pequeno, assustado, tentou argumentar, sendo interrompido:

— Agora! — A fêmea levantou-se e o filhote obedeceu. Ela então voltou sua atenção ao terópode de dentes afiados. — Pax, resista à essa coisa, por favor! Nós somos amigos!

Por um segundo, Hiram acreditou ter visto nos olhos de Pax que ele a reconheceu, mas no instante seguinte, o tyrannosaurus avançou sobre ela e a matou com uma mordida no pescoço. O dinossauro possuído estava pronto para comer seu cadáver, no entanto…

— Desapareça, criatura vil! — Benix gritou, atingindo o carnívoro com uma poderosa rajada de magia resplandecente.

Tamanho era o poder do feiticeiro que o tiranossauro foi arremessado longe e a entidade foi expulsa de seu corpo, fugindo apavorada ao perceber que não tinha a menor chance num confronto direto contra Benix. Ninguém, nem mesmo um deus ou entidade, poderia contra a magia daquele feiticeiro.

— Pax, está tudo bem! — Pluteo disse, aproximando dele, que estava desnorteado no chão. — Venha conosco, o Pai de Todos irá purificar seu corpo.

— E-eu fiz aquelas coisas… — Balbuciou o dinossauro.

— Não era você, foi aquela abominação extraterrestre! — Explicou Benix. — Ela se apoderou de seu corpo e o controlou.

Benix fechou os olhos e se concentrou, localizando a entidade sem corpo que tentava escapar dele. Aquela abominação alienígena parecia tão patética tentando fugir da visão do feiticeiro supremo que Benix quase sentiu pena dela, mas por toda a maldade que aquela coisa fez, ele iria destruí-la de uma vez por todas.

Enquanto os feiticeiros cuidavam de Pax, Semoa correu para a chocadeira, com esperança de encontrar seu consorte vivo e bem, mas encontrou apenas sua própria morte pelos dentes de um allosaurus bem mais encorpado do que o normal. Embora livres da entidade, os dinossauros convertidos em carnívoros já estavam além da salvação, infectados pela loucura da fome por carne.

O último grito de Semoa chamou a atenção dos feiticeiros, que ao olharem em direção do som, viram apenas uma manada de monstros carnívoros, que outrora foram dinossauros amigáveis e pacíficos, avançando para matá-los, o que fez Benix se desconcentrar antes que pudesse finalizar uma magia de destruição à distancia contra a entidade rubro-negra.

— Temos que ir. Agora! — Avisou Benix, invocando chamas de sua mãos para retardar os monstros. Mesmo sendo tão poderoso, era impensável para o feiticeiro simplesmente matar os carnívoros, já que, até então, os dinossauros não conheciam a violência contra seus semelhantes.

— Não.

— O qu…? AAH! — Com uma só mordida, o terópode comeu a cabeça de Pluteo, mastigando-a com força o suficiente para quebrar os ossos do crânio.

Benix virou-se para eles, horrorizado ao ver aquela cena, seu aprendiz morto daquela forma.

— Não! Eu libertei você! Por quê, Pax?!

— Pax era um servo. — Respondeu o assassino, aproximando-se de Benix. — Eu serei um rei.

— V-você se tonou um mons…

PAX! — A proximidade entre eles, e o poder aumentado de Pax após a corrupção, fez com que o Grito fosse forte o suficiente para fazer a cabeça do semideus ser vaporizada.

Invisíveis e intangíveis no céu, Hemera e Éter choraram ao testemunharem seu meio-irmão morrer.

— Conte à nossa mãe o que aconteceu. — A jovem deusa pediu ao seu irmão, que acenou antes de partir.

Pax não estava mais sob controle da entidade, mas ter sido exposto àquela pura maldade e poder, o mudaram totalmente.

Foi nesse momento que Spanix I chegou ao local, encontrando os cadáveres de sua esposa e amigos.

SPANIX! — Seu Grito, somado à sua raiva e luto, foi poderoso o suficiente para derrubar e ferir levemente Pax, mas também foi sua ruína, pois abriu uma passagem no incêndio que Benix criou, permitindo assim que os carnívoros, que queimavam, avançassem contra ele, derrubando-o com seus números.

Enquanto os monstros canibais devoravam os corpos de Hiram, Plateo, Semoa e Spanix I, Pax discursou:

— A entidade que nos controlava se foi, mas agora eu assumo o controle. Eu sou o seu rei. — Um carnotaurus olhou para o tiranossauro com desdém e avançou para atacá-lo, apenas para ter seu peito e dorso desintegrados com um Grito. — Alguém mais discorda?

Um ceratosaurus atacou pelas costas, mas morreu com o pescoço quebrado, apenas com a força de um golpe da cauda musculosa do ex-seguidor do Pai de Todos.

— Mais alguém? — Pax questionou novamente, mas os demais carnívoros entenderam seu lugar e abaixaram a cabeça, aceitando a autoridade de seu novo líder. — Comam à vontade, mas a carne do Grande Diplodocus… Essa é só minha. Eu irei consumir sua carne e possuir todos os seus poderes, me tornarei um deus literal neste mundo.

Nenhum dos carnívoros percebeu o sumiço do cadáver decapitado de Benix, levado dali sorrateiramente pelo espírito de Grukion.

— Eu representava uma morte tranquila e pacífica… Não é o que se vê aqui. Minha existência não faz mais sentido. — Dizia o espírito ao corpo do baryonyx. — Um novo deus da morte deve surgir para guiar estas almas desesperadas durante essa carnificina, um novo Último Sono deve se levantar…

O espírito do antigo avatar da Morte explodiu em cinzas, as quais caíram sobre o cadáver de Benix, que se ergueu como o novo Grukion desta nova e terrível era.

Em cerca de dois anos, Pax conquistou a maior parte dos seres vivos do planeta, seja corrompendo-os em carnívoros, seja escravizando-os para servirem como gado.

O Pai de Todos, Vegeto, Diplo e algumas dezenas de herbívoros sobreviventes passaram a viver como nômades, protegidos pelas arvores que os escondiam da caçada constante de Pax. O grupo do Grande Diplodocus caminhava em direção ao oeste, onde poderiam encontrar, na beira do mundo, uma possível aliada.

— Nix… — O Pai de Todos a chamou na entrada de uma caverna sobrenaturalmente escura.

— Deus diplodoco, eu esperava por ti… — Ouviu-se a voz, como que se aproximando. Era feminina, poderosa e antiga. — Meu filho foi morto por um servo teu, usando um poder que tu ensinaste a ele.

— Pax não é mais nosso servo. — Revelou Vegeto.

Nix saiu da caverna, assumia a forma de uma fêmea baryonyx negra, com uma espécie de "véu", feito névoa ou sombras, cobrindo seus olhos.

— Então tu permites que eu remova dele a imortalidade? — A personificação da noite questionou.

— Isso não resolveria. — Disse Diplo, que por conta de sua longevidade e envelhecimento lento, ainda era muito pequeno, mesmo após dois anos. — O mundo já está condenado pela influência maligna de Pax, milhões morreram.

— E o que sugeres, deus criança? — Nix perguntou, com curiosidade.

— Eu posso ver o futuro, vários futuros. — Revelou o filhote, que tinha desenvolvido bastante a sua clarividência. — Pax nunca vai conseguir o que quer, mas esse planeta morrerá em poucos anos, a menos que…

— Carnívoros! — Avisou um estegossauro, interrompendo a conversa.

Uma horda de velociraptors surgiram pela retaguarda, comandados por Pax Sauridae.

— Matem todos os inúteis. — Ordenou o tiranossauro. — Deixem os diplodocus comigo.

Irritada, a deusa da noite fez com que todos os raptores ficassem cegos, fazendo-os matarem uns aos outros na confusão que se seguiu.

Uma segunda horda surgiu, desta vez formada por vários grandes terópodes de espécies variadas, que avançaram sem se importar em esmagar os velociraptors sobreviventes.

— Todos atrás de mim. — Pediu o Pai de Todos.

— Grite seu verdadeiro nome, pai. — Diplo incentivou.

O Grande Diplodocus hesitou por um instante, mas acenou, ele encarou Pax, lembrando de que ele já foi bom, mas lembrando-se dos milhares que morreram pelos dentes do tiranossauro, então puxou o ar pelas narinas, enchendo seus poderosos e grandes pulmões com oxigênio. A expressão no rosto do Tyrannosaurus rex mudou de confiança para medo, ele teria ficado pálido se fosse biologicamente possível para ele.

— Recuar! — O rei dos carnívoros gritou, mas não havia mais tempo.

O ar atravessou quente pelo longo pescoço do saurópode divino quando ele gritou:

DIPLÓDO! — O Grito que Pax conseguia liberar era menos do que uma parcela ridiculamente ínfima do verdadeiro Grito que o Pai de Todos possuía.

Apenas o som ensurdecedor foi poderoso o suficiente para atordoar os herbívoros que estavam atrás dele, que caíram no chão, sem equilíbrio — alguns até chegaram a perder a consciência. O chão tremeu como um terremoto violento, a caverna de Nix desmoronou, o calor do ar quente que saiu da garganta do deus dinossauro fez com que as moléculas de água do corpo dos carnívoros os cozinhassem de dentro para fora instantaneamente, mas a energia liberada vaporizou a todos, incluindo árvores, rochas e mesmo uma montanha centenas quilômetros de distância foram completamente desintegrados da existência.

Tudo à frente do consorte de Vegeto tornou-se um precipício tão profundo que o manto terrestre quase foi exposto. O continente se tornaria dois se o Grande Diplodocus decidisse fazer isso novamente, para a direção oposta.

Mesmo a antiga e poderosa Nix tinha que admitir que aquela demonstração de poder era surpreendente. A deusa da noite, a manifestação da vida vegetal, o pequeno Diplo e, é claro, o Grande Diplodocus foram os únicos dinossauros que permaneceram de pé após o Grito, enquanto que os herbívoros mortais precisariam de um tempo para recuperarem-se, mas a ameaça dos sanguinários famintos cessou, por hora.

— Ele ainda está vivo. — Informou Diplo.

Vegeto fez das paredes do precipício brotarem galhos grossos e resistentes que cresceram em uma velocidade incrível rumo ao fundo, enrolando-se e erguendo o corpo do líder dos carnívoros.

Pax não tinha mais escamas, pois todas haviam evaporado, deixando à mostra sua carne e músculos queimados. Toda a parte inferior do seu maxilar era apenas osso exposto, assim como a ponta de sua cauda, a sua perna esquerda, no entanto, estava ausente.

O rei dos carnívoros só não foi desintegrado totalmente porque também usou seu Grito no último instante, servindo como uma proteção desesperada que salvou a sua vida. Com bastante dificuldade, Pax ainda ameaçou:

— Acha que pode vencer? Isso é um mero obstáculo, eu não irei parar até sentir o gosto da sua carne! Mesmo que a insanidade o consuma por inteiro, eu me tornarei o deus-rei desse mundo!

— Um Rei Tirano. — A divindade pré-histórica amaldiçoou: — Nunca permitirei que você consiga o domínio sobre este mundo com essas mãos.

— AAHH! — O antigo servo agonizou em dor enquanto seus braços e dedos atrofiavam, deixando Pax com braços minúsculos terminados em apenas dois dedos.

— Tomar-te-ei tua imortalidade, mas permitirei que agonize sozinho pelo tempo que te restar. — Sentenciou Nix ao se aproximar. — Este é o seu fi…

ALLOC! — A deusa foi atingida por um Grito repentino.

Do lado esquerdo do grupo de herbívoros surgiu a terceira horda de comedores de carne, estes liderados por um allosaurus encorpado chamado Alloc Ramer.

— Eu não jogo mais com suas regras. — Zombou o Tyrannosaurus quando viu a expressão de surpresa e raiva de Diplódo ao perceber que Pax ensinou o Grito pra outros carnívoros.

O Pai de Todos encarou Pax com ódio, mas havia prioridades maiores, pois os lacaios de Alloc estavam cercando o grupo. O Grande Diplodocus e a Mãe da Fartura usaram suas caudas como chicotes, a força dos golpes eram fortes o bastante para amputar algumas pernas.

— Diplo, faça o que deve ser feito. — Disse Diplódo ao seu filho, antes de esmagar um dimetrodon com sua pata, impedindo-o de atacar um corythosaurus indefeso. — Salve esse mundo, mesmo que isso signifique o nosso fim.

Nix se levantou, pronta para lutar, mas o filho de Vegeto a deteve.

— Eu sei que você poderia vencer esta batalha, mas a guerra já foi perdida. — Expôs Diplo. — Se quisermos garantir que a vida no planeta tenha uma chance, eu preciso que você me leve até alguém que realmente possa mudar as coisas.

— Quem você tem em mente, pequeno? — Perguntou a deusa.

— A presença dos carnívoros já contaminou no mundo de forma irreversível, mas com algumas mudanças, talvez possa haver um equilíbrio entre carnívoros e herbívoros, sem guerra, e sem um líder genocida como Pax. — Diplo explicou. — O preço pode ser alto demais, mas pela continuidade da vida, meus pais estão dispostos a pagar. Talvez já tenha chegado o tempo da era de ouro dos dinossauros chegar ao fim.

Nix não entendeu exatamente o que o filhote estava pedindo, mas concentrou-se em uma palavra-chave: Tempo.

— Venha comigo. — O manto da noite cobriu os dois e eles desapareceram.

Vendo que seu filho não estava mais entre eles, Diplódo e Vegeto se encararam.

— Você deve ir. — O Pai de Todos disse à sua esposa.

— O que você esta dizendo? Para onde? — Ela perguntou, ainda usando sua cauda e seu enorme tamanho como armas contra os terópodes carnívoros.

— O mundo pode viver com um deus a menos, mas sem a vida vegetal? Não restará nada.

— Não, meu lugar é com…

— Eu te amo, mas você precisa ir, por favor!

— Eu não posso… Eu… Eu… Eu te amo. — Vegeto entendeu que seu consorte estava certo e se desfez em folhas.

Em uma localização desconhecida do universo, Diplo e Nix encontraram-se com Chronos, o deus primordial do tempo, tão ou quase tão antigo quanto o pai de Nix, Caos.

— Eu não recebo tantas visitas. Na verdade, nunca recebi visita alguma. — Apontou Chronos, que não possuía um corpo físico.

A voz do deus primordial do tempo vinha simultaneamente de todas as direções e de lugar nenhum, com ecos mais baixos repetindo suas falas em sussurros, antes e depois que ele falava.

— O que desejam?

Enquanto na Terra o Grande Diplodocus enfrentava bravamente os carnívoros e protegia seus companheiros herbívoros, diante de Chronos, Diplo fez seu pedido ao deus sem forma.

— Se eu fizesse o que me pede, isso apenas criaria uma linha temporal mais bonita para vocês, no entanto, o mundo desta linha original ainda existiria e continuaria condenada. — Chronos explicou. — Não posso interferir somente para o conforto de alguns.

— Você não entendeu. Eu não peço para você criar uma linha do tempo nova para eu e meus pais viverem bem. Eu preciso que você reescreva completamente essa realidade.

— Eu acho que você não tem noção das consequências do que pede.

— Veja minha mente e saberá que tenho.

Chronos viu que era verdade, todo o plano detalhado do que deveria ser feito estava na mente do pequeno deus. Era tão complexo que, se fosse dito em palavras, não seria compreensível, envolvia tantas alterações, tantos detalhes, evitava tantas armadilhas no que envolviam mudanças temporais, deixando Chronos surpreso que aquele pequeno deus tivesse consciência de que o tempo tinha tantas dimensões quanto o espaço.

Na terra, o Grande Diplodocus e Pax preparavam-se para usar o Grito um contra o outro, mas…

— PAX! — Nada aconteceu. A visão de Pax foi repentinamente coberta por um infinito de roxo com textura de cristal** por alguns segundos.

Seu corpo, balançando e caindo naquele espaço infinito, tremeu de dor. Ele precisava se alimentar de alguma coisa pra repor seu poder e se curar logo, ou então, mesmo que ele não pudesse morrer, ele ainda definharia à níveis extremos.

Um animal estranho — que o tiranossauro não sabia se tratar de um humano — apareceu, flutuando em sua direção e Pax instintivamente tentou mordê-lo, mas tão repentino quanto começou, o vazio arroxado desapareceu ao seu redor antes que ele conseguisse***.

Logo em seguida o Rei Tirano estava em um local completamente diferente, uma planície, e seu corpo estava restaurado, mas com várias diferenças anatômicas, como a presença de proto-penas cobrindo seu dorso e seu corpo possuía uma postura horizontal e era mais "encorpado", de forma que agora Pax tinha a aparência acurada de um tyrannosaurus da vida real.

Olhando para todos os lados, procurando pelo Pai de Todos, e tentando entender o que havia acabado de acontecer, o carnívoro estava bastante confuso.

— Onde você está? Não pode se esconder para sempre! — Tentou gritar, mas sua garganta agora não permitia que ele produzisse as palavras, de modo que Pax conseguiu apenas fazer grunhidos e ganhar uma leve dor na garganta.

— Está feito. — Chronos avisou enquanto Diplo desaparecia diante dos olhos de Nix. — A história foi alterada.

Com a reestruturação da linha temporal do Universo 9611, tudo foi alterado desde antes do início da vida na Terra. Dessa vez, nunca houve uma sociedade global utópica de dinossauros e demais criaturas pré-históricas especializadas em magia, nem nunca houve uma guerra entre carnívoros e herbívoros, nem mesmo houve um deus dinossauro Pai de Todos.

Ao invés disso, os dinossauros foram apenas um grupo de grandes animais que dominaram a Terra por bastante tempo, mas que não existiram todos durante os mesmos períodos e lugares, e a existência de animais herbívoros e carnívoros fez parte de um equilíbrio natural desde sempre, formando uma complexa dinâmica chamada Cadeia Alimentar que, entre outros fatores, contribuiu para a seleção natural e evolução da vida na Terra dessa nova linha temporal.

Pax observou seus arredores, ainda procurando algum sinal de Diplódo, sem sucesso. Frustrado, ele iria gritar para os céus, amaldiçoando o deus saurópode, mas parou quando avistou uma gigantesca rocha em chamas, que vinha em direção ao solo.

O preço para salvar o mundo, no entanto, foi extremamente alto: mudanças climáticas resultaram na morte de milhões de dinossauros ao longo de centenas de anos, sem falar da competição evolutiva entre carnívoros e herbívoros, mas o evento cataclísmico que resultou na extinção quase definitiva de todos os dinossauros não-aviários do planeta foi a queda de um meteoro no final do Cretáceo, há cerca de sessenta e seis milhões de anos. E, claro, fazia também parte do plano de Diplo, com seu senso de humor infantil e sombrio, que Pax Sauridae estivesse em um lugar privilegiado para morrer da forma mais espetacular possível.

Pax chegou a tremer de medo enquanto a rocha gigantesca se chocava com o planeta, causando uma destruição que superava o Grito de Dilplódo, quando a onda de destruição o alcançou, ele apenas pode fechar os olhos.

Somente algumas entidades e deuses, como Chronos, Nix e Vegeto permaneceram com lembranças daquela guerra que nunca existiu, pois era impossível realmente apagar tudo. Toda a historia narrada neste capítulo, assim como seus personagens e cenários, ainda continuaram existindo na forma de uma pequena realidade compacta e levemente instável, chamada de “Universo 621”, abrigando a verdadeira história sobre como foi o fim da Era de Ouro dos Dinossauros.


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Notas finais do capítulo

*O Universo 9611 é a realidade que eu decidi usar como o universo principal para as minhas demais histórias, semelhante ao conceito da "Earth-616" da Marvel Comics ou a "Prime Earth" da DC Comics atualmente. Vocês verão mais sobre esse universo em futuras histórias.
**O que acabou de acontecer é uma completa adulteração temporal, então a quantidade de cronorita criada foi imensa.
***O humano que apareceu rapidamente era o protagonista do capítulo passado.

Notas para mim mesmo do futuro:
Spanix Sira II é um bom gancho e a mitologia em volta de Benix/Grukion merece ser mais desenvolvida.