Histórias do Multiverso escrita por Universo 9611


Capítulo 1
Morph Vegvísir (Universo 205)


Notas iniciais do capítulo

O protagonista deste capítulo, sua aparência e parte de sua história foram criados por/inspirados em um amigo chamado Mateus Costa.

Resumo: Um jovem ladrão austríaco da Segunda Guerra Mundial descobre que faz parte de um multiverso muito maior do que sua imaginação poderia conceber.



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A história desta realidade era parcialmente semelhante à história de nosso universo, apenas até o fim da Primeira Guerra Mundial, com o ponto de divergência sendo o ano seguinte — 1919 —, quando foi descoberto nesta realidade algo batizado de “cronorita”, um estranho material que permitiu aos humanos inventar a tecnologia da "viagem no tempo", fazendo com que os avanços tecnológicos das décadas seguintes progredissem de forma acelerada, uma vez que cientistas e outras mentes criativas conseguiram usar a cronorita para visualizar futuros possíveis e assim “plagiar” tecnologias que sequer haviam sido inventadas ainda.

Apesar dos avanços tecnológicos, infelizmente, a sociedade não avançou no mesmo ritmo. Alguns eventos pouco mudaram, e algumas dessas mudanças foram para o pior.

Por algum motivo, aparelhos eletrônicos movidos à pilha tornaram-se o padrão para tudo, gerando uma grande quantidade de lixo e poluição em uma sociedade com interesse nulo para o meio ambiente e, além disso, a Segunda Guerra Mundial ainda aconteceu, mas ainda pior do que aquela ocorrida em nosso universo, com submarinos, aviões, tanques, protótipos de drones pilotados à distância e até mesmo androides retrofuturistas sendo usados nos conflitos entre Aliados e Eixo, em todos os continentes.

No final da tarde do dia treze de agosto de 1941, no território da Alemanha Nazista, mas que em nosso mundo atualmente pertence à Áustria, um jovem ruivo, de mais ou menos vinte anos de idade, escondido em um beco mal iluminado, observava furtivamente um casal que conversava na rua: um homem mais velho e sua esposa. O rapaz arruivado não tinha interesse no que eles discutiam, sua atenção estava voltada para o grande aparelho eletrônico preso à cintura do homem — um telefone sem fio.

O jovem de cabelos da cor de ferrugem era mais um ladrão de rua, mas destacava-se dos criminosos comuns de sua época, quiçá de todas as épocas, pelo seu método anômalo de furto: o de roubar coisas que as pessoas não perdiam. Sim, pode não fazer sentido agora, mas logo fará…

Nosso protagonista de nome desconhecido permaneceu escondido no beco por mais alguns minutos, até que o casal entrasse em um veículo e partisse, algo que seria uma oportunidade perdida para qualquer outro ladrão, mas não para este. Aproximando-se mais da entrada do beco, ele respirou fundo, como se estivesse se aquecendo, e então abriu alguns botões da parte de cima do paletó que usava, revelando que por dentro da roupa ele vestia um estranho traje com uma espécie de chave na região do peito, que poderia ser girada — tratava-se do mecanismo que lhe permitia viajar pelo espaço-tempo.

Girando totalmente a chave do traje no sentido anti-horário, o jovem acionou o mecanismo e tudo ao seu redor se distorceu por meio segundo e de repente ele estava cinco minutos no passado, quando o marido e a esposa ainda estavam conversando na rua, e a sua versão pretérita ainda estava escondida, analisando o instante adequado para realizar o furto.

— O que é isso? Ladrão! — O homem mais velho gritou por ajuda ao ter seu telefone roubado. A mulher ao seu lado gritou de forma escandalosa, assustada.

O aparelho sem fio era grande, semelhante aos primeiros celulares existentes em nossa realidade, com o diferencial de que os telefones deste universo eram bem mais leves do que os nossos.

Perseguido por dois guardas enquanto corria de volta para o beco, o criminoso girou novamente a chave em seu traje, desta vez para o sentido horário, mas nada aconteceu e a chave girou sozinha para o outro lado ao ser solta.

— Ah, fala sério! — Exclamou o jovem ladrão, indignado.

Abrindo sua pochete de pilhas — um acessório muito popular e essencial neste mundo —, ainda enquanto corria dos guardas por entre os becos da cidade, tentando despistá-los ao mesmo tempo em que trocava as pilhas de seu "Traje de Viagem Espaciotemporal", como era chamado. Conseguindo fazer ambas as coisas, o mecanismo finalmente funcionou e o ruivo pôde abandonar aquela realidade, aparecendo repentinamente em sua linha do tempo original, no meio da rua, um pouco longe de onde ele havia desaparecido, quase sendo atropelado por um veículo, dirigido pelo mesmo homem que ele havia furtado há alguns instantes.

— Saia do meio da rua, rapaz! — Exclamou o homem, sem reconhecê-lo, seguindo em seu carro.

Reconhecendo o homem mais velho no automóvel, o criminoso sorriu, satisfeito consigo mesmo, fechando o seu paletó e sua pochete de pilhas e prendendo o telefone em sua cintura, antes de seguir o seu caminho como se nada tivesse acontecido, inclusive passando por um dos guardas que o perseguia anteriormente, que também não o reconheceu, confirmando de vez para o homem arruivado que ele estava de volta à sua linha temporal — aquela onde o homem mais velho entrou em seu carro e partiu, sem incidentes.

Ninguém reconheceria o jovem como um criminoso devido à forma como a "viagem no tempo" funcionava: o mecanismo não fazia o ladrão retornar ao seu passado real, ao invés disso, fazia-o saltar para uma outra realidade, idêntica ao seu passado e que não afetava a sua linha do tempo original.

Apesar de, na linha do tempo original, não ter ocorrido o roubo, o portador do "Traje de Viagem Espaciotemporal" ainda tinha em sua posse um telefone furtado, uma cópia idêntica àquele aparelho preso na cintura do homem casado. Foi um “crime sem vítimas”, na cabeça do ladrão, pois agora era impossível voltar para aquela linha temporal do telefone em sua posse, então, para todos os efeitos, aquele aparelho telefônico veio de uma realidade que não existia mais*.

O traje de viagem espaciotemporal que nosso protagonista possuía também era roubado, uma vez que esta tecnologia ainda estava limitada somente para pessoas de muito status e dinheiro. O mesmo poderia ser dito sobre aquele telefone sem fio, que poderia ser desmontado e suas peças vendidas por um bom preço.

O aparelho tocou ao receber uma chamada e o ladrão viajante do tempo instintivamente atendeu a ligação, só se dando conta do que fez quando alguém do outro lado da linha respondeu o seu “Alô?”.

— Alô, doutor Rosenbauer? — Questionou a pessoa que telefonou.

— Sim. — O rapaz austríaco engrossou a voz, algo que não era necessário, uma vez que aqueles aparelhos distorciam bastante a voz de seu usuário.

— Oh, sim. Sou eu, o Victor. — Informou o homem no telefone. — Aquele seu item de interesse finalmente está aqui. O Senhor poderia vir buscá-lo imediatamente?

— Ah, certamente. — Respondeu o criminoso.

— O senhor ainda se lembra de meu endereço? — Victor perguntou.

— Sinceramente, não. Poderia passá-lo novamente? — Pensou rápido: — Infelizmente estou muito ocupado no momento, não obstante, enviarei um garoto de entrega de minha confiança até o senhor.

— Certamente. — Falou o homem do outro lado da linha, antes de informar seu endereço.

Ao desligar a ligação, o rapaz arruivado sorriu, divertido com o fato do telefone em sua posse ter capturado a chamada destinada ao telefone original. Com o endereço anotado e curioso sobre o que seria este “item de interesse” — mais especificamente curioso sobre se era algo de valor —, o ladrão decidiu ir até a residência de Victor.

Ao chegar ao local, ele bateu na porta e aguardou, sendo recebido pela governanta:

— Oh, você deve ser o garoto que o doutor Victor está aguardando. Entre, por favor. — Ela pediu, abrindo passagem para o criminoso.

Entrando na casa, um cientista que o rapaz deduziu ser Victor apareceu quase que imediatamente.

— Aí está você. — Disse Victor, carregando um pequeno baú de madeira. — Leve isso para o doutor Rosenbauer depressa.

O cientista entregou o objeto nas mãos do ruivo, que se perguntava o que havia em seu interior.

— Tome cuidado, isso vale mais do que a sua vida. — Victor advertiu.

Era tudo o que eu queria ouvir”, pensou o ladrão, contendo o sorriso.

— Tomarei cuidado. — Respondeu antes de deixar a residência do cientista, finalmente esboçando um grande sorriso no rosto.

Escondendo-se em uma casa abandonada — ultimamente tem havido muitas dessas — que ele usava como refúgio bem próximo da casa de Victor, o criminoso abriu o baú e seu rosto iluminou-se com uma luz roxa.

— Ah, eu vou ficar rico! — Dentro do baú estava uma esfera de vidro contendo um pequeno cristal roxo de cerca de seis centímetros, um dos maiores pedaços de cronorita que ele já viu.

O cristal emitia um brilho pulsante que à primeira vista parecia ser radioativo, mas os perigos da radiação ainda não eram de conhecimento popular nesta época — a descoberta da cronorita em 1919 gerou uma cadeia de eventos que resultou na morte de Einstein antes dele deixar a Alemanha, entre outros eventos que impediram a pesquisa e uso prático da energia atômica nesta realidade — e por isso o ladrão austríaco não hesitou em abrir o recipiente de vidro e imprudentemente tocar diretamente no cristal.

Assim que seus dedos fizeram contato com a pedra de cronorita, a mão do garoto grudou no cristal, que brilhou de forma intensa. Ele tentou fazer a sua mão soltar, mas ela não respondia aos seus comandos, e ao invés disso, apenas apertava ainda mais o mineral anômalo, que furava e cortava a sua mão, causando-lhe dor.

Em um ato instintivo de autopreservação após ver o brilho arroxeado do cristal se espalhando lentamente para o seu braço, ele usou sua mão livre para girar a chave de seu traje, em uma tentativa desesperada de escapar dali usando a viagem no tempo, mas assim que a chave foi girada no sentido anti-horário, o cristal reagiu com o mecanismo do traje, que brilhou intensamente em roxo.

O grito de pânico do ladrão foi a última coisa ouvida antes que ele desaparecesse.

Tudo ao redor do rapaz se distorcia antes dele surgir em algum lugar estranho e então tudo se distorcia novamente, tirando ele dali. Ele viu vislumbres de prédios gigantescos, aviões esquisitos, elevadores que iam do solo até fora da atmosfera, bestas assustadoras e enormes, monstros literais…

Entre uma dessas viagens, em uma tempestade caótica arroxeada, um monstro reptiliano gigantesco e ferido quase conseguiu mordê-lo antes que o humano desaparecesse e surgisse em outro cenário**. Com esses saltos temporais acontecendo inúmeras vezes, e cada vez mais rápidos, futuros, presentes e passados alternativos começaram a acontecer simultaneamente diante de seus olhos, com muitos desses passando despercebidos pelo rapaz por serem estranhos e complexos demais para que ele pudesse sequer compreendê-los.

Após essa sobrecarga sensorial de imagens, sons e cheiros inéditos, nosso protagonista encontrou-se em um vazio de roxo infinito para todas as direções, incluindo cima e baixo — embora a ausência de um chão sob seus pés, paradoxalmente, não o impedisse de estar “de pé”. A mão do jovem ainda sangrava, apertando o cristal contra a sua vontade, mas a dor não era mais sentida.

Olhando ao seu redor e não encontrando nada além de roxo eterno, ele tentou girar a chave do mecanismo e foi quando percebeu que não estava mais usando seu traje, que simplesmente havia desaparecido de seu corpo.

— Ah, é tão bom finalmente conhecê-lo pessoalmente. — Uma bela mulher surgiu atrás do austríaco que segurava a cronorita. Ele virou-se, assustado com o seu aparecimento repentino. — Você não conseguiria compreender por quantos éons eu aguardei este momento… Assistindo a este instante em sonhos por uma eternidade inteira, mas agora… é real. Você está aqui!

A misteriosa mulher sorria de forma radiante ao vê-lo.

— Quem é você? — Ele perguntou, gaguejando.

— Eu sou Aobh, a Deusa do Tempo e criadora do seu universo. — Ela apresentou-se. — Esse cristal a sua mão era o meu presente para a sua civilização, eu esperava que com o poder do tempo em suas mãos, vocês realizassem coisas maravilhosas ao vislumbrar futuros belíssimos após terem enfrentado uma guerra tão horrível, mas ao invés disso… — Ela revelava tudo isso com brilho nos olhos e um sorriso otimista, mas então seu rosto se tornou mais sério. — vocês preferiram usar o meu poder para criar outra guerra, muito pior do que a anterior.

O ruivo permaneceu em silêncio enquanto ela falava, ela tinha razão até aí.

— É por isso que você está aqui, pode não ser o mais inteligente, mas você definitivamente é o mais esperto de sua época. — Aobh expôs. — Eu decidi escolhê-lo para uma missã…

— Espere um instante. — Ele interrompeu a divindade.

— Sim? — A interrupção foi inesperada, mas despertou curiosidade na deusa.

— Eu passo.

—… Perdão, o que disse? — Uma atônita Aobh indagou. Ela jamais esperava por aquela resposta.

— Não quero ser rude, senhorita, mas eu não tenho interesse em participar de missão alguma. Tudo o que eu quero é voltar para casa, de preferência, sem esta maldita coisa na minha mão!

O ladrão e a deusa estavam frente a frente, e o humano estava olhando diretamente para ela, e tudo isso só tornou o susto maior quando ela subitamente estava atrás dele, abrindo de forma suave a mão do mortal e pegando o cristal. O austríaco então se surpreendeu ainda mais ao observar sua mão regenerando-se, com as feridas desaparecendo, sem deixar cicatrizes.

Ao retornar sua atenção à divindade criadora, ele notou duas coisas: seu rosto tinha uma expressão de desapontamento, e que o traje de viagem no tempo do rapaz estava em suas mãos.

— Se você realmente deseja retornar ao seu mundo, irei conceder o seu desejo. — Todo o metal e outros materiais do traje fundiram-se e se transformaram em um cajado, com o cristal roxo fixando-se no topo. O cristal de cronorita brilhou e tanto a deusa quanto o mortal de repente estavam na casa abandonada, o esconderijo onde ele abriu o baú, no entanto, o tempo estava parado e o criminoso estava cercado por guardas que apontavam armas para ele.

— O quê?

— Você vai passar o resto da sua vida em uma cela, mas não se preocupe, não será por muito tempo, pois seu mundo será destruído em breve. — Explicou Aobh de forma entediada.

— Como é?

— A humanidade se provou indigna de ter algo tão poderoso como o tempo em sua posse, portanto eu irei destruir essa realidade. — Disse simplesmente. — Eu criei esse universo e é minha responsabilidade destruí-lo, retornar ao seu estado inicial e tentar de novo, com uma nova espécie.

— Espere! Você não pode fazer isso! — Ele tentou argumentar.

— É claro que posso. Você recusou meu chamado, então não tenho mais vontade em tentar consertar este mundo. — Ela ergueu o cajado, apontando-o para uma parede, na qual um portal se abriu. — A menos, é claro, se você reconsiderasse…

—… Isso se parece com chantagem. — O ruivo disse, com uma expressão de irritação.

Aobh sorriu, antes de retrucar:

— Eu prefiro o termo "barganha".

O mortal suspirou, derrotado.

— Certo, está bem! O que você quer que eu faça?

A divindade abriu um sorriso maior antes de entregar o cajado ao rapaz.

— Eu só posso transitar nessa realidade e nas linhas do tempo alternativas criadas pela viagem no tempo, mas com esse cajado, você poderá viajar de forma ilimitada pelos infinitos universos, e o cristal me permitiria entrar em contato com você.

— Eu entendo o que cada palavra que você disse significa individualmente, mas as frases completas não fazem sentido algum pra mim. — Admitiu o viajante do tempo. — Outros universos?

— Você ainda está limitado ao conhecimento básico de sua época. — Ela pensou em voz alta.

— Modo educado de me chamar de burro. — O mortal percebeu.

— Você vai aprender muitas coisas conforme viajar pelas realidades. — Aobh indicou para que ele entrasse no portal que ela havia criado, o que ele fez. — Com infinitas realidades, haverá conhecimento infinito, mas também inimigos infinitos, por isso, nunca, em hipótese alguma, apresente-se a alguém usando seu nome real, qualquer um com esse conhecimento poderia voltar no tempo e impedir seu nascimento, na melhor das hipóteses.

— E na pior? — Perguntou o humano, curioso e com medo.

— Finja que os eventos da última meia hora são tudo o que aconteceu na sua vida inteira, eu posso garantir que esses momentos tornem-se pontos imutáveis no tempo, mas só. — Ela orientou, ignorando a pergunta.

— Então como devo me chamar?

— Seu nome agora será Morph Vegvísir: “Morph” de Morfeus, o deus dos sonhos, lugar onde eu havia lhe visto há éons, e "Vegvísir" porque tu verás coisas que poucos mortais e deuses tiveram a honra de testemunhar. Use o cajado com sabedoria e ele será como uma bússola para ti.

Atravessando o portal, Morph Vegvísir surgiu em um lugar novo e o portal atrás dele se fechou.


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Notas finais do capítulo

*Não exatamente. Aquele passado alternativo ainda existe e pode ser visto no quinto capítulo desta história.
**Um pequeno e rápido encontro entre o protagonista desse capítulo e o do próximo.

Basicamente, esta é a minha solução para evitar paradoxos na viagem no tempo: Sempre que você volta no tempo, você cria um novo universo.
Curiosidade: "Vingadores: Ultimato" também usou essa solução para a viagem no tempo, será que eu devo tentar processar a Marvel por isso?