A Pergunta escrita por Dona Maricota


Capítulo 6
Cavalo de Troia


Notas iniciais do capítulo

Esse aqui foi difícil de escrever:
Primeiro porque engatei na escrita desse logo após postar a bíblia que foi o capítulo cinco, e segundo porque temos a primeira reviravolta, e escrever um conflito desse tamanho é algo desafiador.
Espero ter dosado bem o drama sem tirar a leveza que Ranma 1/2 tem, mas uma hora ou outra eu precisaria deixar as coisas um pouco mais tensas.
Espero que gostem!



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— Ei, Akane. 

— Sim? - ela olha para o garoto que caminhava em cima da grade ao lado da represa. 

— Adivinha o que vai ter semana que vem? – pergunta, com o sorriso mais pomposo que o de costume. 

A menina revira os olhos. 

— Já sei. Já sei - ela resmunga, sarcasticamente - Você já disse isso pelo menos umas trinta vezes só essa semana. 

— Você ainda não respondeu – ele amostra um largo sorriso brincalhão, e ela revira os olhos mais uma vez. 

— O sEu aNivErsÁRio - ela desafina a voz, zombando dele, mas ele não se importa. 

— Não é meu aniversário - complementa, gesticulando com seu dedo indicador sem se desequilibrar de cima da grade - É o meu aniversário de dezoito anos! 

— Fala sério, o que você acha que vai acontecer? - ela continua brincando com ele, Ranma estava tagarelando sobre seu décimo oitavo aniversário a cada ocasião que podia, muito animado para que a sua maioridade chegasse logo – Acha que é só completar dezoito anos e num passe de mágica você é um adulto? 

— Errr, sim? - ele rebate, sem desmanchar seu tom convencido – Pela lei, agora eu vou poder fazer o que eu quiser! Daí quando o meu pai vier encher o meu saco e querer decidir as coisas por mim eu vou dizer: “Vá pro inferno, velho! Agora eu sou maior de idade!”. 

— Não acho que é assim que funciona – ela ri, e quando o faz, ele a admira sorrindo. 

Desde os últimos acontecimentos, em especial o famigerado beijo que a menina lhe deu no rosto, Ranma e Akane agora pareciam unha e carne. Não comentaram sobre o que aconteceu, obviamente, mas isso os aproximou de maneira significativa, e isso já dizia mais que as palavras. Ainda que de maneira desajeitada, e com pequenos e inevitáveis desentendimentos agora facilmente contornáveis, eles pareciam se tornar uma coisa só, se seguindo como uma sombra, importunando um ao outro com brincadeiras carregadas de afeto, e acima de tudo, quebrando aos poucos a imensa barreira de timidez que os dividia. 

Estavam juntos a todo momento, no caminho da escola, durante a aula, nos intervalos, no grupo de estudos, no almoço, e no agora, onde voltavam para casa juntos acompanhados do pôr-do-sol. Ranma desce de cima da grade e caminha ao lado dela numa proximidade nada habitual vinda dele, o que faz o coração da menina acelerar. 

— Mas e aí? Já pensou no meu presente? - a cutuca, com um semblante sapeca. 

— Ah... Ainda não - responde, meio encabulada – Vai logo Ranma, me dá uma dica do que você quer! 

— Hunf! Se eu der dica, perde a graça! - ele cruza os braços - Quero ser surpreendido! 

— Não é justo, você nunca gosta dos meus presentes – rebate, e Ranma se retrai. 

De fato, ele sempre a julgava pelos presentes feitos à mão que ela se dispunha a fazer. Claro, por ela ser muito desajeitada eles nunca ficavam do jeito que ela esperava, isso ia de cachecóis esfiapados, à toalhas bordadas com letras garrancho, à bombons de chocolate com gosto radioativo. 

— Ei, eu gosto sim – se defende, pois sempre guardou as roupas que ela lhe fez com muito carinho, apesar de não usá-las nunca por serem nada funcionais - Não sendo nada de comer, tá valendo. 

Akane lhe lança um olhar matadouro, mas ele não desmancha o sorriso cínico. 

— Há, há, que engraçado - ela finge rir – Quer saber, boa ideia. Acho que vou te fazer um bolo – dispara, em tom de ameaça, Ranma se arrepia por completo. 

— P-Por favor, não... - suplica, abaixando a guarda – Tenha piedade... 

— Então não me provoque! 

Embora aquela fosse uma típica troca de insultos digna de uma briga colossal entre os dois, aquilo não passou de uma mera brincadeira, esse era o nível do progresso deles. Já estavam rindo e aproveitando a caminhada lado a lado. Ranma estava adorando essa nova dinâmica, poder provocá-la, coisa que ele amava fazer, sem ser arremessado no ar era bem agradável. E Akane estava começando a admitir para si mesma que gostava da chatice dele. 

Eles caminham até chegarem no portão da casa dos Tendo, onde se despediriam. Ficam de frente um para o outro, e Ranma continua a cutucando. 

— Se eu fosse você, eu iria me apressar – ele ergue a postura e põe as mãos na cintura, todo pomposo - Próxima semana tá logo aí. 

— Ah Ranma, me ajuda aí, vai! - ela suplica, ainda que aquele exibido não merecesse tanto esforço, ela não queria errar no presente – Fala algo que você queira muito! 

— Humm... - ele leva a mão ao queixo – Que tal um vídeo game?? 

— Você acha que eu sou rica, é?! - rebate, e ele ri. 

— Não custa sonhar. 

— Já vi que eu vou ter que me virar sozinha... - ela vira o rosto – Mas não reclame se você não gostar. 

— He he – ele fica satisfeito, e dá um sorriso brincalhão - Pense bem. Um cara não faz dezoito anos toda vez. 

— Eu vou tentar, né... – garante, com o olhar totalmente fisgado pelo pôr-do-sol – Eu ainda acho que você devia me dar uma dica... 

Ele continuaria a perturbando como um garotinho de cinco anos, mas com o rosto de Akane virado, admirando o céu alaranjado do fim de tarde, uma luz se acende na mente de Ranma, e seu coração acelera. A verdade é que apesar de não terem falado sobre, ele não parava de pensar sobre o beijo que Akane lhe deu no rosto, e por muitas vezes fantasiou com o momento em que pudesse retribuir. Ele apenas estava esperando pelo momento perfeito, por uma brecha. 

E bem, ela estava tão distraída, com o rosto virado e exibindo aquela bochecha rosada para ele, praticamente dando sopa. E melhor, ele olhou para um lado e para o outro e não avistou ninguém por perto. Talvez ele não tivesse uma chance tão boa como aquela de novo. Pegá-la desprevenida com um beijo no rosto, fazer mais um comentário engraçado sobre seu presente e bater em retirada parecia uma investida suave e simples. Mas Ranma era muito tímido, ainda que fosse um canalha convencido para muitas coisas, quando o assunto era mulher, especialmente Akane, ele era mais como um gatinho assustado. Embora ele detestasse gatos. 

Ranma fitou a bochecha dela por uns bons segundos, se ponderando se tinha mesmo coragem de fazer o que tanto queria, ele respirou fundo, canalizando em sua mente tudo de bom que o beijo dela o fez sentir, e optou por não deixar aquela oportunidade passar. Esvaziou a cabeça e se deixou levar pelos impulsos, com o coração a mil e o rosto tão vermelho quanto a própria camisa, Ranma inclina seu rosto lentamente em caminho à maçã do rosto da menina. 

Ele só não esperava por uma coisa. 

Quando sua boca está prestes a colidir com a pele macia, o sexto sentido de Akane sente algo vindo e ela vira o rosto de imediato, roçando a ponta do nariz na do dele, pintando uma cena de fazer qualquer queixo cair. Ranma freou, óbvio, mas não recuou. Os quatro olhos arregalados, as bochechas tão vermelhas quanto um tomate, o coro de suspiros escapando das bocas. as respirações se misturando, os dedos trêmulos, e os dois corações batendo desenfreadamente compuseram aquele momento tão inusitado. 

Akane não sabia como proceder, foi tudo muito rápido, só virou o rosto e deu de cara com o de Ranma bem colado no seu, não sabia o que pensar de tudo aquilo, sequer conseguia raciocinar direito. Já o garoto, tímido como era, sente que está prestes a explodir, com mil e uma perguntas e anseios dançando na sua cabeça, bem diante da menina confusa a menos de um palmo de distância do seu rosto. Mas quando ele pensou em se precipitar, saltando para trás e acabando de vez com aquela tortura, seus olhos agitados são fisgados pela boca rosada que tremia diante dele. 

Por muitas vezes ele já se pegou hipnotizado pelos lábios aparentemente macios que ela tinha, e sempre acabava revirando o rosto tentando se convencer de que eles não tinham nada demais, mas agora, naquela distância mínima, eles pareciam magnéticos. Seu corpo apenas se deixou ser tomado pela mesma força sobre-humana que tomou Akane naquela noite. Roçou seu nariz no dela, que já estava bem próximo, semicerrou os olhos e pousou as mãos calejadas nas bochechas quentes, a puxando pra mais perto. Quem visse de fora conseguiria ouvir a sinfonia de “TU-DUM, TU-DUM, TU-DUM"

Instintivamente, eles esvaziam as mentes turbulentas, fecham os olhos, direcionam os rostos pra frente bem devagar, e esperaram pelo momento em que as bocas colidissem em uma explosão cataclísmica. 

Mas aí... 

— Akane, você chegou? 

Como um soar de um alarme, os noivos abrem os olhos num susto e se afastam de imediato no momento em que seus lábios estavam a meio milímetro de roçarem. Mas não se afastam o suficiente para serem flagrados sem que parecessem suspeitos. Kasumi abre o portão da casa, segurando uma vassoura, e sorri para os dois jovens a meio palmo de distância. 

— Ah, olá Ranma – ela o cumprimenta, muito gentil. 

Foi quando a Tendo mais velha percebeu algo errado. Ranma e Akane a encaravam como se tivessem visto um fantasma, seus rostos estavam violentamente vermelhos, e a respiração pesada. Além de que, claro, o clima entre eles estava palpável. Kasumi até podia ser meio boba e inocente, mas ficou nítido que algo foi interrompido. 

— Ah... Eu... Atrapalhei alguma coisa? 

Por mais inconveniente que aquilo fosse, era impossível sentir raiva de Kasumi. Ranma e Akane voltam a se olhar, perplexos, enfim caindo a ficha do que eles estavam prestes a fazer. Parecia até um sonho, daqueles que você não conta pra ninguém de tão vergonhoso. Mas era real, tão real que eles ainda conseguiam ouvir o palpitar de seus corações e sentir o quentinho da respiração do outro lhes tocando o rosto, provocando arrepios. 

Suas mentes explodem de tanta vergonha, tanta que desviam o olhar sem coragem de se olharem novamente, e muito encabulada, Akane apenas se vira e adentra a casa, deixando Ranma e Kasumi sozinhos do lado de fora. A mais velha vê a irmã entrando com muita pressa, depois olha para o garoto, que não tinha onde enfiar a cara, e com vergonha, ele também bate em retirada sem dizer absolutamente nada, saltando pelos telhados das casas e desejando que Kasumi não pensasse mal dele. 

— Ai não... - Kasumi fala consigo mesma, com uma voz muito mansa, e lhe dá uma cutucadinha na própria testa – Kasumi, sua boba. Acho que você interrompeu algo importante... 

Enquanto a irmã mais velha ficou varrendo o quintal, Akane corria para o andar de cima com muita pressa, sobe as escadas, atravessa o corredor, e quando adentra o seu quarto, fecha a porta com muita força. 

— AAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!! 

Ela extravasa um grito muito fino e feminino, enquanto batia os pés no chão, pulava e remexia os braços, sorrindo descontroladamente. Parecia uma garotinha de doze anos, mas era uma quase mulher, tinha dezessete anos e uma grande explosão de euforia acontecendo dentro de si. 

E não era por menos, mal podia acreditar no que acaba de acontecer. Ranma ia beijá-la, ele com certeza ia. Ela ainda conseguia sentir o quentinho da mão dele lhe tocando o rosto e a puxando para mais perto, o nariz dele roçando no seu, e o ventinho quente da respiração ofegante dele lhe tocando a boca, e a impregnando com o seu cheiro. Foram tantas, TANTAS as vezes em que ela sonhou com um momento como aquele, infelizmente não chegara a se concretizar, mas uau, só o sentimento de que aquilo estava a um passo de virar realidade, a atirava nas nuvens. 

Akane pula na cama, se remexendo deitada pra lá e pra cá sem tirar um sorriso do rosto, estava em transe, completamente presa naquelas memórias, imaginando como seria a concretização de seu sonho caso não tivessem sido interrompidos. A julgar pela emoção que ela sentia naquele momento, culminada com a firmeza com a qual ele a conduziu para o beijo, com certeza não seria de decepcionar. E a cara que ele fez foi tão linda. Com aqueles olhos negros azulados brilhando como o céu a noite, com o rosto vermelho escancarando seu nervosismo, e a boca rosada entreaberta a convidando para mais perto. E mais perto. E mais perto. 

— Hi hi hi! - ela ria consigo mesma, afogando o rosto quente no travesseiro, desejando que ninguém a visse daquele jeito.  

Akane estava eufórica, completamente em transe, aquele momento foi como um presente dos deuses. 

Presente... 

... Presente!! 

E foi aí que um estalo lhe ocorreu e ela chegou a uma conclusão que a fez corar violentamente, e sim, era possível ficar mais corada do que já estava. O movimento de Ranma foi tão súbito, tão inesperado, mas ocorreu logo em sequência a uma conversa sobre o famigerado presente de aniversário dele. E foi então que ela pensou: 

— Será... - ela fala consigo mesma, com os olhos arregalados e o coração palpitando a mil - Será que... essa era a dica? - Akane toca seus lábios com os dedos delicadamente - Será que o que ele quer é um b-... be-...? 

Era uma conclusão meio boba, imagina, um beijo como presente de aniversário. Mas Akane estava tão abduzida pelo que acaba de acontecer que ela acaba se convencendo que aquilo fazia sentido, o que a fez afogar a cara no travesseiro mais uma vez de tanta vergonha. 

— Não! Não! Não! - ela roda na cama, prosseguindo com seu monólogo patético - Não consigo! Não consigo! Ai que vergonha!! 

Completamente em transe, ela continua falando sozinha e assegurando que não teria coragem para tal iniciativa, ela era muito tímida e orgulhosa. Tudo bem, ela já havia superado as próprias expectativas mais de uma vez nos últimos tempos, mas tudo tinha um limite, e esse definitivamente era o dela. Mas... Se era o que Ranma queria, o que fazer? 

Akane entra em desespero e começa a se debater, batendo perna no colchão e abafando vários gritinhos finos no travesseiro, misturando sua euforia, vergonha, excitação, incertezas e paixonite tudo de uma vez. Uma cena incomum para alguém como ela, porém previsível. 

Afinal, ela ainda era uma adolescente. 

AAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!! 

 

—--

 

 

— AAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!! 

Um pouco distante dali, Ranma também afogava um gritinho fino no travesseiro. Depois do ocorrido, ele correu para casa, ignorou seus pais na sala e foi direto para o quarto, bateu a porta com força e pulou na cama, liberando o grito que estava guardado há alguns minutos. 

O garoto estava completamente embasbacado. Como ele foi capaz daquilo?? Era só pra ser um beijinho na bochecha, que nem ela fez com ele, mas quando ela virou o rosto o seu corpo simplesmente se mexeu sozinho e segurou o rosto dela?? E ele iria beijá-la?? E ela deixou?? Até fechou o olho?? AAAAAAAHH?!?!? 

“Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!” 

Era muita coisa pra processar, isso porque o beijo nem aconteceu, imagina se tivesse. Aquilo era, sem sombra de dúvidas, o mais longe que eles já haviam chegado. Ranma não era um total inexperiente com beijos, teve uma infeliz situação com aquele tal Mikado da patinação de gelo, depois foram incontáveis as vezes que Shampoo o pegou desprevenido. Mas beijar a pessoa que gosta era, definitivamente, uma novidade que estava a ponto de arrancar o coração dele pra fora. 

Ranma era tímido e orgulhoso, igualzinho a Akane, beijá-la na bochecha já seria um avanço e tanto, só se propôs a fazê-lo por causa do beijo que ela lhe deu uns dias atrás. Agora imagine dá-la um beijo na... na... Bom, só mesmo um “acidente” como esse, culminando a todo o progresso que fizeram nos últimos tempos, para fazê-lo chegar tão longe. Mas por mais estranho que pareça... Ranma não se martirizava. Só conseguia sorrir. Sorrir e se lembrar da cara que ela fez quando virou o rosto, visivelmente confusa, e ficou mais adorável ainda quando ele segurou as bochechas dela com as mãos. Os olhos castanhos dela brilhavam tanto que ele conseguia ver o próprio reflexo, a respiração dela estava tão descompensada quanto a dele, e a boca pequena o convidava para entrar. Nunca viu Akane tão entregue. Tão vulnerável. Tão graciosa. Tão... linda. 

O garoto afogava mais gritinhos e risos no travesseiro enquanto pensava em Akane, no efeito que ele teve sobre ela, e sobretudo no que quase aconteceu. Estava envergonhado, claro, mas mais do que isso, estava no céu. 

Felizmente era sexta-feira, então ele não teria de encará-la amanhã na escola. Isso sim seria iniciativa demais, precisava se recuperar do choque que foi quase tê-la em seus braços. 

 

—--

 

— E que tal esse aqui? - Shampoo aponta para a foto de um homem no livro que segurava, um catálogo na verdade, tão antigo que já tinha as páginas amareladas e cheias de mofo. 

— Ai não, muito velho! - Ukyo reclama. E era mesmo, afinal aparentemente já se fazem muitos anos desde que as academias de artes marciais fizeram seu último catálogo para casamentos arranjados, este, e os outros cinco que elas já revistaram, foram um grande achado da velha Cologne, que realmente tinha todo tipo de tralha – Se já é velho na foto, imagina ele hoje em dia! 

— Bem, ele com certeza estar solteiro ainda... ou morto – zomba a mais baixa enquanto olhava para a foto do homem que há vinte anos atrás já parecia beirar os setenta. 

Desde a aliança feminina concretizada há alguns dias atrás, Ukyo e Shampoo agora se encontravam todos os dias com horário marcado, a amazona pediu ajuda à sua bisavó para que encontrassem a melhor maneira de buscar um noivo para Akane, e a velha, sabida como era, não perdeu tempo e ilustrou tudo o que elas precisariam fazer.  

Haviam dezenas de catálogos de casamentos arranjados para herdeiros de academias, mas claro, todos de no mínimo quinze anos atrás. Mas isso não as desanimaram nem um pouco, elas só precisavam entrar em contato com todos, sim, TODOS os selecionados e se certificar de quais ainda estavam solteiros, ou vivos. Já haviam enviado umas trinta cartas ao redor do Japão e do mundo para esses herdeiros, junto dessas uma foto das três irmãs Tendo, que felizmente eram lindas, então não parecia uma missão tão impossível assim. 

Pelo menos parecia. 

— Quais ser os herdeiros que nos responderam mesmo? - Shampoo pergunta, enquanto continuava folheando o catálogo. 

— Bom... Quatro – a voz de Ukyo fica xôxa, era tão desanimador que elas estivessem se esforçando tanto para tão poucas pessoas responderem – Foram os herdeiros das academias Susumo, Takafumi, Kuramada e Hidetaka. 

— Hidetaka?!? - o semblante da amazona se anima, pois este era um herdeiro cuja foto e perfil agradava muito – E aí?! 

— Casado e com três filhos... 

— Affe, claro... Um bonitão daqueles... – resmunga, decepcionada – E os outros? 

— Bom... o herdeiro da academia Susumo também casou... o da academia Takafumi faliu por conta de dívidas com agiota, e o da academia Kuramada tá preso. 

— Preso?!? 

— Rinha de galo. 

— Ah... Cruzes! - Shampoo ajusta a postura, estavam sentadas no tatame da sala de jantar dos amazonas, separadas por uma pequena mesinha de centro onde despojaram todos os catálogos, papéis e canetas, a amazona folheava as páginas enquanto Ukyo escrevia uma carta, dessa vez para algum herdeiro promissor lá da Europa – E os outros vinte e seis herdeiros pra quem nós enviar as cartas? 

— Sem resposta... 

— Aiya... 

— Argh! Por que isso é tão difícil?! - Ukyo se escora na mesinha, exausta de passar horas e horas nessa lenga-lenga – O que custava essas academias renovarem os catálogos?! 

— Casamento arranjado ser bem antiquado hoje em dia – Shampoo complementa, sem tirar os olhos do catálogo - Agora eles acontecerem mais entre famílias amigas, que nem os pais de Ranma e Akane fazer. 

— Humm... Bom, acho que não podemos ser muito seletivas, então. 

Óbvio que um herdeiro bonitão que nem Ranma não cairia do céu, mas elas com certeza davam mais prioridade para os mais jovens e que tinham a aparência mais conservada, para que parecesse uma troca justa. Sororidade é tudo! Mas se estava tão difícil assim... talvez elas precisavam rebaixar os padrões. 

Shampoo termina de folhear a última página do catalogo que segurava, o atirando para a pilha do amontoado de todos os outros que elas já leram. Se vira de lado e pega o próximo, soprando em cima para espantar toda a poeira e teia de aranha sobre ele. 

— Aiya! “Catálogo de herdeiros pretendentes dos Estados Unidos para academias de artes marciais”! - ela lê, franzindo a sobrancelha. 

— Uuuhh, talvez tenha um partidão aí! - Ukyo comenta enquanto voltava a escrever a carta, se permitindo criar esperanças. 

— Aiya! De jeito nenhum! - a amazona resmunga, olhando para o livro com a cara emburrada – Americanos serem muito metidos e egocêntricos! 

— Shampoo, acho que não estamos em posição de escolher tanto assim – Ukyo rebate, fazendo Shampoo se conformar em decepção - Só de recebermos uma resposta de um pretendente de outro país, já vai ser um milagre. 

— Nós bem que precisar de um milagre mesmo... 

As duas garotas suspiram, cansadas e desiludidas, o amor realmente tinha um preço caro a se pagar. Só mesmo Ranma para fazê-las chegar a esse ponto, unindo forças entre si, sendo elas também rivais, e virando várias noites juntas folheando catálogos e escrevendo cartas para desconhecidos na esperança de salvarem seus noivados. 

Cologne abre a porta e adentra a sala, a fechando logo em seguida, dá uma tragada em seu longo cachimbo e se aproxima das jovens. 

— Algum progresso, meninas? - ela pergunta. 

— Não muito, bisavó... - Shampoo responde, folheando o novo catálogo com uma postura cabisbaixa – Ukyo já escrever mais oito cartas pra nós enviar amanhã. 

— Bom, vocês precisam ser rápidas - a velha afirma – Como está a situação do genro e Akane? 

Shampoo e Ukyo se olham, tristes, e suspiram em coro mais uma vez. Aquilo já respondia a pergunta. 

— Difícil, não é? - ela acerta em cheio – Bom, então se apressem! Não há tempo a perder! 

— Se ao menos mais herdeiros nos responder... - Shampoo choraminga - Só quatro nos dar resposta e nenhum deles servir... 

— Bom, quanto a isso, trago boas notícias - a velha rouba a atenção das duas, tirando algo de suas longas mangas que arrastavam no chão - Acabou de chegar mais uma. 

— É sério?!? - as duas meninas quase gritam de euforia. 

— Shampoo quer ver! - a menina toma a carta das mãos de sua bisavó e abre depressa, Ukyo e Cologne a esperam ler o conteúdo sem desgrudarem os olhos dela, e quando termina, um largo sorriso se abre em seu rosto – Aiya, este estar solteiro!! 

— Mentira!! Aiiii, finalmente!! - Ukyo comemora, quase saltando de alegria – O que diz?! O que diz?! 

— Ahem! - Shampoo dá uma tossida e começa a ler a carta em voz alta – Cara família Tendo, nós da academia Tanaka ficar muito surpresos com esta carta, mesmo depois de tantos anos sem nenhuma pretendente interessada. Nosso herdeiro Souta acabar de completar trinta e seis anos e ainda estar solteiro, ele se encantar muito pelas lindas herdeiras de sua academia, e nós adorar marcar um encontro em breve. Nós ficar no aguardo. Assinado, academia Tanaka de artes marciais estilo pega-vareta. 

— Ora, mas isso é fantástico! - Cologne se anima. 

— Me pergunto como funciona as artes marciais estilo pega-vareta... - Ukyo pondera – Vem cá, esse Tanaka não era aquele calvo do nariz esquisito? 

— Sim – Shampoo responde - Não ser melhor opção, mas... Não custava tentar, né? 

— Que pena. Vai ser difícil empurrar esse aí. 

— Ora, não é hora de reclamar, garotas – a velha amazona dispara, incisiva – Amimem-se! Já temos um candidato! 

— Sim! Nós não poder desistir! - Shampoo volta a folhear o mesmo catálogo - Outros herdeiros ainda poder responder... Vamos continuar procurando! 

— É, quanto mais opções melhor – a pizzaiola retorna a sua escrita. 

— Deem o seu melhor – Cologne se aproxima de Shampoo, sobe em seu cajado e se inclina até o ouvido dela – E Shampoo, tome cuidado com essa garota! Ela também vai tentar roubar Ranma de você, quando tiver a chance! 

— Não se preocupar, bisavó - a amazona mais nova abana a mãozinha, sem abaixar o tom da voz – Shampoo saber muito bem o que fazer. 

— Vocês sabem que eu tô ouvindo tudo, né? - Ukyo lança um olhar matadouro para as amazonas, se sentindo ofendidíssima. 

— Shampoo vai ao banheiro – ela anuncia. 

A menina se levanta, deixando as duas mulheres que se encaravam soltando faísca no olhar, e vai até a porta. Quando abre, dá de cara com o outro amazona que tentava sorrateiramente espiar atrás da porta. 

— Aiya! Mousse enxerido! 

Mousse treme por completo. Desde o ocorrido na casa de Ranma, quando não só a impediu de fazer um escândalo, como também a transformou em gato propositalmente, ele sabia que a sua batata tava assando. Surpreendentemente, ela não fez nada com ele. Ele esperava, no mínimo, que ela o pegasse desprevenido durante o sono e o arrastasse até os trilhos de um trem para amarrá-lo e deixar que ele fosse atropelado. Mas no decorrer dos últimos dias, ela apenas o ignorou completamente, lhe lançando olhares frios e arrepiantes, estabelecendo uma clara dominância.  

Mas ao mesmo tempo, essas visitas repentinas de Ukyo o deixaram com uma pulga atrás da orelha, e elas sempre mantinham a porta fechada, sendo rondadas apenas pela velha Cologne. Algo estava muito, MUITO suspeito. Mas óbvio, ele não tinha coragem de perguntar, então tentava descobrir por conta própria. 

— E-Eu só... err... - olha pra um lado, para o outro, e encontra uma vassoura, a puxando para si com uma cara boba – Tava... Tava varrendo o chão! He he... 

— Hunf! Como se Shampoo fosse boba! - ela fecha a porta e fica sozinha com ele no corredor, se vira e segue o caminho até o banheiro, o deixando para trás - Além de inútil, agora Mousse ser intrometido também!! 

A cada ofensa que ela proferia contra ele, era como uma facada em seu pobre coração, mas Mousse não era lá tão passivo, e irritado, ajustou seus óculos e a seguiu. 

— Eu odeio quando você me chama de inútil! - se defende, mas ela sequer olhou pra trás - Eu trabalho que nem um condenado nessa droga de restaurante! 

— Não fazer falta nenhuma! - ela dispara, muito seca, e o faz congelar com seu olhar gélido - Inclusive, você deixar o restaurante sem ninguém! Vá trabalhar! 

E se vai, batendo a porta do banheiro bem na cara dele. 

Humilhado, e quase choroso, ele rosna para si mesmo, mas acaba obedecendo, voltando pelo caminho de onde veio com o rabinho entre as pernas. Passa pela porta onde Ukyo e Cologne se encontravam, e a encara com fogo nos olhos. Sabia que algo estava acontecendo, e que precisava ficar de olho. Não podia deixar que ninguém o atrapalhasse. Pelo seu futuro com Shampoo. 

Mousse puxa o fio de um colar que envolvia o seu pescoço por debaixo da camisa, examina o pingente brilhante, que envolvia uma preciosa e rara pedra furta cor, conseguindo enxergar o seu próprio reflexo nela. Aquele era o seu bem mais precioso, e o que lhe dava forças para seguir lutando. Mas ninguém poderia descobrir. 

— Não vou deixar que me atrapalhem... 

Pousa um beijo na pedrinha, ajusta o colar de volta por debaixo na camisa, bem escondido, e retorna ao café gato para cumprir as ordens de Shampoo.  

Pato? Tá mais pra cachorrinho... 

 

—--

 

Era uma vez, num reino distante, uma princesa chamada Akane. Ela era de uma beleza radiante, porém muito desajeitada e nem um pouco graciosa. Akane estava no jardim do seu castelo, amassando seu lindo vestido azul cintilante ao sentar-se na grama, ela conversava com os animaizinhos, especificamente um pato, um porquinho preto, uma gatinha cor-de-rosa, e um panda. Choramingava sobre as coisas que lhe atormentavam. 

— Oh, meus amiguinhos... - ela chorava enquanto alisava o porquinho em seu colo, que a consolava chorando junto com ela – Se ao menos houvesse uma maneira de salvar o meu reino... 

O reino Tendo estava em crise, acumularam uma grande dívida com o Conselho dos Reinos Encantados, e por esse motivo estavam à beira da falência. A única maneira de salvar o castelo, seria se uma das princesas se casassem com alguém de outra realeza. Mas que príncipe aceitaria se casar com uma princesa de um reino falido e caindo aos pedaços? Por isso Akane chorava, tendo como únicos ouvintes os bichos do castelo. 

— Talvez se eu... não fosse tão bruta e desajeitada – ela ergue o porquinho choroso na palma de sua mão para olhá-lo nos olhos – Um príncipe aceitaria se casar comigo... 

— Princesa Akane! 

Ela ouve uma voz misteriosa a chamando, olha para o lado e para o outro, e ninguém encontra. 

— Quem... Quem me chama?? - ela pergunta, ainda buscando pelos arredores. 

— Aqui embaixo! 

Confusa, ela olha na direção do laguinho das vitórias régias, encontrando uma pequena criaturinha verde e engraçada, mas que por alguma razão, tinha uma trança. 

— Um... Um sapo?!? - indaga, particularmente enojada. 

— Não, princesa Akane! - ele salta para mais perto dela e fica de pé, fazendo reverência - Sou o príncipe Ranma, do reino Saotome! Fui transformado em sapo por uma terrível maldição! 

— Oh, que coisa triste... 

— Princesa Akane... Acho que podemos nos ajudar! - ele chega ainda mais perto, e ela se retrai de imediato, não era lá muito fã de bichos de pele fria – Eu posso ajudá-la a salvar seu reino! 

Dito isso, ela faz uma cara bem mais animada, até chegando mais perto dele. 

— É mesmo?!? 

— Sim! E apenas uma princesa pode quebrar minha maldição! - ele prossegue, tomando totalmente a atenção dela e dos bichos que a cercavam – Se me ajudar a voltar a ser um príncipe... Eu me caso com você! 

Os lindos olhos castanhos da princesa brilham, um largo sorriso de ponta a ponta se abre em seu rosto, e ainda que enojada, ela toma aquela pequena criatura pegajosa em suas mãos. 

— Farei o que for preciso! Me diga, o que devo fazer?! 

O sapinho fica um pouco tímido, até retrai o rosto vermelho e alisa um pé com o outro, mantendo suas duas mãozinhas geladas por trás de suas costas. 

— Bom... A única forma de quebrar minha maldição é... - ele faz um biquinho e o ergue para o rosto dela – Um beijo de uma prince- 

— ECA!! 

Ela nem deixou que ele terminasse, atirou a criaturinha em suas mãos na direção de uma árvore, fazendo-o bater de cara com o tronco e jorrar sangue pelas narinas. O sapo vira-se para ela com uma cara furiosa e ensanguentada. 

— Por que fez isso, sua brutamontes?!? 

— Eu é que não vou beijar um sapo!! - ela põe a língua pra fora, fazendo cara feia – Que nojo!! 

— Ah, então não quer salvar seu reino?!? 

— Eu...!! Eu... - ela fica sem saber o que responder, óbvio que queria, mas beijar um sapo parecia um preço muito caro a se pagar. 

Percebendo que ela entrou em um dilema, o sapo respira fundo e limpa o sangue que escorria de seu nariz. Se aproxima sorrateiramente da princesa numa postura galanteadora, afinal, precisava dela tanto quanto ela precisava dele. 

— Princesa Akane... - começa, com uma voz mansa - É verdade que não és graciosa... Nem feminina... Às vezes mais parece um homem... Sem contar que suas coxas são muito grossas... 

— Ora seu...!! 

— Mas a verdade também - ele a interrompe antes que fosse lançado no ar pela segunda vez - É que a tenho observado já tem um tempo... E vejo em vossa senhoria qualidades que jamais vi em outra princesa! 

Ela desmancha a cara feia e abre bem os ouvidos, se deixando levar pelo que aquela pequena criaturinha lhe dizia. 

— És gentil... Determinada... Se preocupa com os outros... - o coração dela foi amolecendo, tanto que tomou o sapinho em suas mãos mais uma vez, o levantando junto consigo – E sua força extraordinária... Na verdade me encanta!! 

— Oh, príncipe Ranma... - ela fica encabulada, revirando o rosto pela timidez – Assim eu fico vermelha... 

— Por mais que o beijo de qualquer princesa possa quebrar minha maldição... - ele faz uma pausa, como se criasse coragem para dizer algo importante, estava tão vermelho quanto ela - É o seu beijo que eu quero, princesa Akane!! 

Ela se emociona, se entregando quase que completamente para aquela criaturinha na palma de sua mão. 

— Ah, meu querido príncipe... - ela suspira – Mas... Mas beijar um sapo... 

— Vamos, é só um beijinho! Voltarei a ser príncipe num piscar de olhos! - ele insiste, tentando ser o mais persuasivo possível - E depois disso, vamos nos casar e salvar o seu reino! 

A princesa começa a ponderar, por mais nojento que aquilo parecesse, realmente era uma oferta muito tentadora. 

— Hummm... Mas... 

— Além disso... - ele puxa a última carta em sua manga - É meu aniversário, sabe. 

— Ah... Ah, é? 

— Uhum. De dezoito anos – ele assente – Um sapo não faz dezoito anos toda vez. 

— Hum... Bom... - ainda que contrariada, e com bastante nojo, ela se viu sem outra alternativa – Se vai salvar o meu reino... E é seu aniversário... De dezoito anos, ainda... Então não posso recusar... 

— Sim, sim! 

Com aquele bichinho gosmento e muito entusiasmado em suas mãos, sorrindo ansioso pelo momento em que sua maldição seria quebrada, Akane respira fundo, conta até três, e fecha os olhos. 

Faz um biquinho, cerrando os olhos e as sobrancelhas, inclinando um rosto na direção do sapo que fez exatamente o mesmo. Os lábios dela encostaram a boquinha gelada e viscosa, lhe causando arrepios e um amargo arrependimento logo de imediato. Foi... Bem nojento. O que fez todos os animais ao redor saltarem a língua pra fora, enojados. 

Quando de repente, uma luz púrpura envolve o pequeno corpo do sapo, o levitando no ar. Akane abre os olhos e vê a criaturinha tomar uma forma humana. Porém... 

Com um voluptuoso corpo feminino, um belíssimo cabelo vermelho preso em uma trança, e um lindo vestido cor-de-rosa cintilante, com um decote que cobria um par de seios muitíssimos fartos, bem maiores que o de Akane, diga-se de passagem. 

— U-... Uma princesa?!? - a morena quase engasga. 

— É, por essa eu também não esperava – diz Ranma ao pousar no chão, se admirando dos pés até os seios. 

— Você disse que era um príncipe!! 

— Eu sou um príncipe!! - ele afirma, embora também estivesse meio confuso. 

— É, tô vendo!! - rosna, sendo sarcástica, visivelmente incomodada. 

— Hunf! Você só está com inveja porque sou mais graciosa que você! - dispara, zombando dela e lhe mostrando a língua. Ele parecia bem menos incomodado do que deveria com tudo aquilo, até apalpando os próprios seios com orgulho – E bem mais feminina! 

— Escuta aqui, seu-!! 

— Bom, não importa – ele a interrompe, tomando a mão dela na sua com de forma bem afetuosa, ainda que mantesse um sorriso arrogante – Eu sou um homem de palavra, então vou me casar com você. 

— Q-QUÊ?!? - Akane quase cai pra trás, com o rosto todo vermelho e os olhos arregalados – M-Mas.. V-Você é... N-Nós duas s-somos... 

— Princesas? E daí? - rebate, bem despreocupado – A lei do Conselho dos Reinos Encantados diz que você precisa se casar com alguém da realeza, não é? 

— E-Err... - Akane fica cabisbaixa, embora muito confusa e encabulada com toda aquela esquisitice, sobretudo por Ranma manter uma distância mínima e intimidadora, ela ainda conseguia raciocinar – S-Sim... É verdade... 

— Bom... eu sou da realeza – Ranma se aproxima ainda mais, tomando a cintura da princesa em sua mão, a puxando mais pra perto e fazendo seu coração palpitar mais rápido. 

— M-Mas... 

— Príncipe ou princesa... de que importa? - a garota ruiva lhe toca o rosto, segurando o queixo de Akane com cuidado, porém firmemente, tomando por completo a sua atenção, e deixando os bichos espantados com a cena. Akane estava mais vermelha que o rubi de sua coroa, seus olhos castanhos foram hipnotizados pelo céu à noite nos olhos de Ranma, que lhe penetrava a alma com um olhar sedutor, e um sorriso convencido e muito atraente, tendo em destaque um par de covinhas muito adoráveis – Ainda sou Ranma... não é? 

Akane se derrete, relaxa os músculos e se deixa ser conduzida pelas investidas da princesa de cabelo cor de fogo, sem soltar a mão de seu queixo, Ranma inclina o rosto para cima, afinal era mais baixa, e fecha os olhos à medida que se aproximava da face de Akane, que por sua vez, fechou lentamente os olhos e aceitou o seu destino. Aquilo deixou de ser uma questão sobre o seu reino num piscar de olhos, pensava única e exclusivamente na sensação que seria beijar os lábios macios de Ranma. 

— Sim... Você é... 

 

 

 

Akane se senta na cama quase que num pulo, ofegante e muito, MUITO vermelha. E quando cai em si de que estava mais uma vez sonhando com esse tipo de coisa, começa a rosnar sozinha, deitando novamente e enfiando a cara no travesseiro. 

Já fazia quase uma semana que ela tinha esses sonhos, um mais esquisito que o outro. Na noite anterior, ela e Ranma eram uma alienígena forasteira e um estudante do ensino médio pervertido. Na noite anterior a essa, eram uma jovem viúva síndica de um condomínio e um jovem adulto que tentava passar no vestibular, morando no mesmo prédio. E na noite que antecedeu esta, eram uma garota que voltava no tempo e um meio yokai rabugento dos tempos feudais. E agora eram um príncipe e uma princesa, ou melhor, DUAS princesas de contos de fadas. Era muito aleatório e sem lógica, mas uma coisa eles tinham algo em comum: em todos esses sonhos, ela e Ranma se beijavam. 

Não sabia o que lhe incomodava mais: se era o fato de essa não ser a primeira vez em que ela sonhava estar com Ranma nesse cenário romântico estando ele na forma feminina, o que era muito confuso e a deixava bastante assustada consigo mesma, ou se era o seu inconsciente a fazendo pensar sobre esse beijo a cada minuto, não a deixando em paz nem em seus sonhos. 

Desde o ocorrido com o quase beijo na semana passada, Akane teve sua mente devorada por aquilo, era tudo o que ela conseguia pensar, encarar Ranma na escola estava cada vez mais difícil, felizmente ele parecia tão recluso quanto ela nesse aspecto. Tal qual com o beijo na bochecha, eles não tocaram no assunto, fingiram demência e tentaram a todo custo manter as aparências, reflexo única e exclusivamente da timidez de ambos. E por ela, manteria as coisas assim. 

Mas uma coisa era certa. O aniversário de Ranma era daqui a dois dias, na sexta-feira, e ela não teve cabeça para pensar em nenhum presente. 

Geralmente ela faria alguma coisa à mão, por mais que fosse a pessoa menos jeitosa do mundo, Akane enxergava muito mais valor nesse tipo de presente.  

“Bom... um beijo seria algo à mão... né?... Ou à boca? ARGH!!” 

Com certeza, era um presente que vinha inteiramente dela, e supostamente era o que Ranma queria, já que ele lhe deu uma “dica”.  

Mas... ela seria capaz? 

De tanta vergonha, Akane começa a se debater na cama mais uma vez. Devia ser por volta das três da manhã, e lá estava ela, atormentada por mais um sonho bizarro, recebendo lembretes mentais a cada segundo de que um beijo seria o único e ideal presente para Ranma. Ela teria de engolir o orgulho, a vergonha, todas as suas inseguranças, e beijá-lo. Beijá-lo tão docemente quanto em seus sonhos, com o mesmo desejo e as mesmas borboletas no estômago. 

Por mais que ela não quisesse admitir, no fundo, já estava decidida do que fazer. 

E quando decidia algo, Akane não era de arregar. 

 

—--

 

Quinta-feira, bem de manhãzinha, Ranma caminhava todo serelepe no caminho da escola. Amanhã era seu aniversário, e isso estava o deixando eufórico. Saltitava por cima dos muros das casas, das grades da represa, foi quando avistou Akane vindo da direção oposta, o que aqueceu seu coração. Quando ela percebeu a presença dele, também ficou meio tímida. 

Quando cruzam o caminho, começam a caminhar lado a lado, ela na calçada, e ele em cima da grade. 

 - É amanhã, hein!? - ele anuncia, bastante alegre. 

— Ai, lá vai você - ela revira os olhos, sorrindo - Já sei. Já sei. 

— E o meu presente?? 

O coração de Akane dispara e seu rosto fica vermelho, sempre que ele lhe perguntava do presente ela agora ficava assim, afinal, o que ela tinha em mente era bastante vergonhoso. 

— E-Err... - ela vira o rosto, muito tímida - Eu... Err... 

— Já decidiu o que vai ser?? 

Ela pensa em mudar de assunto, mas ele estava tão sorridente e animado, ela não tem coragem de desapontá-lo. 

— S-Sim... Decidi... - ela diz aquilo com muita relutância, e Ranma, de tão contente pela notícia, salta da grade e começa a caminhar junto dela na calçada, se inclinando para mais perto. 

— E o que é?! O que é?! 

Ele estava elétrico, parecendo uma criança. Não fazia a menor ideia do que Akane havia planejado, só mesmo ela pra achar que aquele quase beijo foi uma dica, por isso ele achou estranho ao ver que ela visivelmente ficou nervosa. 

— Vai Akane, me diz! 

— A-Ah Ranma, não era você que queria que fosse surpresa?! - de fato, ele disse, mas estava curioso demais. 

— Já sei! Vou tentar adivinhar! - ele continua a atiçando, e ela fica ainda mais nervosa - É um game boy?!? 

— Pfft! - ela solta arzinho pela boca, rindo um pouco - Você acha mesmo que eu sou rica, né?!? 

— Hummm – ele leva o dedo indicador ao queixo - É algo físico? 

Sim, bastante físico. 

— S-Sim... 

Enquanto ele continuava pensando, Akane agradecia aos céus por eles já estarem perto da escola, queria acabar com aquela conversa o quanto antes. 

— É algo envolvendo artes marciais? 

— Não... 

— É uma roupa? 

— Não. 

— É... É de comer?? - ele faz uma cara apavorada. 

— Não, seu idiota! - ela se aborrece. 

— Humm – essa tava difícil, será que Akane realmente pensou em algo mega mirabolante em menos de uma semana? Seria bom demais pra ser verdade - É algo que eu tô querendo faz tempo? 

Aquela pergunta a fez corar ainda mais, não sabia qual era a resposta, mas se ele lhe deu aquela “dica” tão preciosa, queria acreditar que sim, que tanto quanto ela, ele também queria aquilo há bastante tempo. 

— Eu... Não sei... - toda meiga e retraída, ela puxa uma mecha de cabelo para atrás da orelha – Acho... que sim...? 

Ranma fica pensativo mais uma vez. Poucas eram as coisas que ele queria há bastante tempo, mas nada superaria a tão estimada água da Nannicchuan, a fonte do homem afogado que quebraria a sua maldição. Seria muito, MUUUITO improvável que Akane tivesse conseguido tal proeza pra ele, mas na fatídica tentativa de casamento dos dois, seus pais conseguiram encomendar um pouco da água da fonte de lá da China. Não custava sonhar, né? 

— É molhado?! 

Ele pergunta aquilo com muito entusiasmo, esperança e inocência. Akane quase se desequilibra e cai pra trás. De todas as perguntas, ele tinha mesmo que fazer aquela?!? 

Se Akane fosse uma garota atirada e segura de si, diria algo como “Pode ser, se você quiser”, mas ela era tudo menos isso, era tão tímida que seu rosto quase explodiu de tanta vergonha, e percebendo isso, Ranma levanta uma sobrancelha. 

— E-Err... - ela gagueja, querendo enfiar a cara na terra – Err... 

— Cretino Saotome, prepare-se para morrer!!! 

Ao atravessarem o portão da escola, os noivos são surpreendidos pela figura de Kuno, que se atirou na direção de Ranma com sua katana de madeira e começou a tentar golpeá-lo, mas Ranma, muito ágil, desviou de todas as investidas dele num piscar de olhos. 

— Ah Kuno, fala sério!! - Ranma rosna para ele, ainda desviando das incansáveis tentativas de golpes do ex veterano – Vai arrumar o que fazer!! 

Ainda que Kuno estivesse formado há mais de meses, ele ainda ia para o Furinkan quase todas as manhãs na tentativa de derrotar Ranma. E quando não conseguia, passava o resto do dia rondando a escola atrás de Akane ou da garota de rabo-de-cavalo, como o bom desocupado que era. Deve ser tão bom ser um herdeiro milionário. 

E pela primeira vez, Akane agradeceu aos céus por Kuno ter aparecido, aproveitou que os dois estavam bastante distraídos na luta e adentrou a escola correndo, desejando que Ranma não se lembrasse de continuar aquela conversa. 

 

—--

 

Na hora do almoço, Akane e suas amigas foram almoçar na arquibancada da quadra da escola. Ranma acabou chegando um pouco atrasado para a aula por causa da inconveniência de Kuno, e ela evitou o máximo possível qualquer tipo de contato com ele, já que estava a ponto de subir pelas paredes de tanta vergonha. 

— E aí Akane, vão fazer algo amanhã? - uma das amigas dela, Sayuri, pergunta. 

— Amanhã? - ela levanta uma sobrancelha. 

— É, ué - outra amiga, Asami, complementa - Não é aniversário do Ranma? 

— Eu não aguento mais ouvir ele falando disso o dia todo – resmunga Hiroko, uma menina de cabelo curtinho. 

— Ah, bom... - Akane começa, enquanto enchia a boca com um enroladinho de polvo feito por Kasumi – Parece que os pais dele tão organizando um bolinho na casa dele amanhã. Mas só pros íntimos, sabe como é. 

— E você vai dar um presente pra ele? - a pergunta de Asami faz com que Akane se engasgue com a comida, ficando toda sem jeito. 

— E-Eu?! 

— Ora, claro! - Sayuri insiste - Você não é a noiva dele? Não vai dar nenhum presente pra ele? 

— E-Eu... Err... - Akane fica cabisbaixa. Já não bastava Ranma a importunando sobre isso, a fazendo se lembrar do tão vergonhoso presente que ela ainda estava criando coragem para dar, agora nem com suas amigas ela tinha paz – Err... 

— Hummm – Hiroko faz uma carinha maliciosa ao perceber o rosto vermelho e o claro nervosismo da menina – Eu tô achando que vai ser um presente bem especial, não é Akane?? 

— C-Como?!? - ela sente que vai explodir quando vê as quatro meninas a encarando com malícia no olhar. 

— É, pela cara dela... - Asami se junta na brincadeira - Tô achando que a noite de núpcias vem adiantada! 

— HÃ?!? 

— Akane, sua safada!! - Yuka, que estava quieta, complementa, e as quatro garotas começam a rir. 

— P-Parem com isso!! Pelo amor de Deus!! É claro que não!! - Akane se defende, quase gritando – Eu nunca faria uma coisa dessas!! Nunca, nunca, nunca!!! 

— Ora, como assim? - Hiroko levanta uma sobrancelha - Vocês não são noivos? 

— É, pensei que vocês já fizessem isso. 

— I-Isso?? - pergunta, inocentemente. 

— Dormissem juntos, oras! O que mais? – Asami dispara, fazendo Akane quase desmaiar de tanta vergonha - Até porque... Vocês já moraram juntos uma época, né? 

— Quem dera eu morasse sobre o mesmo teto que o meu namorado – Sayuri pondera, toda sonhadora. 

— Nem fala! - Hiroko concorda – A Akane é tão sortuda! 

— O-Okay, já chega!! Parem com isso!! - Akane ordena, muito nervosa e com o rosto da cor de um pimentão - E não digam essas coisas de mim!! Eu e o Ranma nunca nem... nem...!! 

Falou sem pensar, e se arrependeu de imediato, pois aquilo fisgou ainda mais a curiosidade das garotas. 

— Nem o que? - Sayuri insiste. 

— Err... - Akane se retrai, ficando cabisbaixa e com uma voz trêmula. 

As meninas se inclinam para examiná-la mais de perto, exigindo uma resposta, mas pela cara tímida e muito envergonhada de Akane, dava pra ter uma noção do que ela estava falando. 

— Akane... - Asami começa, cerrando a sobrancelha e fazendo uma cara desacreditada – Por acaso... tá dizendo que você e o Ranma nunca nem beijaram?? 

Aquela pergunta teve o mesmo poder que uma bala sendo atirada contra o seu peito, que quase teve o coração saltado pra fora. Ela arregala os olhos e tenta esconder o rosto, escancarando que a amiga acertou em cheio, deixando as meninas chocadas. 

— Eu não acredito!! - exclama Sayuri - Tá falando sério?!? 

— Mas não teve aquela vez em que o Ranma tava possuído pelo ragatanga do gato? - Yuka pergunta, lembrando-se da vez em que Ranma estava tomado pelo gato-fu e acabou roçando a boca na de Akane na frente de todo mundo – Ele te beijou, não foi? 

— A-Ah, aquilo não valeu!! - Akane finalmente volta a falar, desejando sair correndo dali. 

— Humm... - Hiroko a examina mais de perto, fazendo uma cara maliciosa mais uma vez – Deixa eu adivinhar... Daí amanhã você vai dar um beijo nele pra valer, né?!? 

Akane sente que vai ter um ataque de pelanca, detestava ser o centro das atenções, muito menos de ter suas caretices sendo atiradas contra ela. 

— Ai, que romântico! - Yuka junta as duas mãos - Ganhar um beijo no dia do seu aniversário deve ser um sonho! 

— E já não era sem tempo, né? - Asami brinca, fazendo todas as garotas rirem, exceto Akane. 

— Tá bom, já chega!! - ordena – Vamos mudar de assunto!! 

As meninas continuaram rindo e fazendo brincadeiras que atiçassem a timidez de Akane, e distraídas, nem perceberam que outras duas garotas alguns degraus abaixo na arquibancada escutavam perfeitamente a conversa delas, e se entreolhavam com uma cara sapeca. 

— Meu Deus! Então a Akane vai dar um beijo no Ranma como presente de aniversário?! - sussurra uma delas para a outra. 

— Que babado!! 

As duas se levantam, indo sorrateiramente para dentro da escola, e assim começa o telefone sem fio. 

 

—--

 

No fim da aula, Akane se levantou e foi correndo para casa, sem dar a chance de Ranma segui-la e importuná-la com perguntas sobre seu presente mais uma vez. Ele, por sua vez, estava copiando o dever do caderno do seu amigo mais uma vez, para que não precisasse se preocupar com isso de manhã cedo no dia seguinte. 

— Ranma docinhooo ~ — Ukyo o chama, se aproximando dele toda serelepe e sentando em cima de sua carteira – Animado pro grande dia? 

— Ô se tô! - responde, fechando o caderno e abrindo um largo sorriso pra ela – E aí, vou ganhar presente?? 

— Claro que vai!! - ela afirma, ele se levanta e eles começam a caminhar lado a lado para fora da sala – Prepare-se pra comer a melhor pizza da sua vida! 

— Ai, que beleza!! - Ranma se empolga, uma pizza dela sempre era uma boa pedida – Ukyo, você é a melhor!! 

Ela fica toda sem jeito, começa a encaracolar uma mecha de cabelo com o dedo e estapear o ombro dele. 

— Ai, não diga isso, seu bobo! - ela bate tanto no seu ombro que ele até começa a se incomodar - São seus olhos! 

Enquanto eles atravessam o corredor, eles ouvem uma voz masculina dizer: 

— ... pois é cara, e parece que a Akane Tendo vai dar um beijo nele amanhã no aniversário dele como presente! 

Isso faz tanto Ranma quanto Ukyo frearem imediatamente e se voltarem para a dupla de rapazes que caminhavam juntos, consideravelmente perto deles. 

— Um beijo como presente? Que pobreza! - o outro garoto desdenha – Eles são noivos, não são? Devem se beijar o tempo todo! 

— Não foi o que eu soube – o amigo complementa – Parece que eles são um casal meio puritano. 

— Não esperava isso vindo do Saotome. 

Ranma e Ukyo sentem o rosto quente, ele de vergonha, e ela de raiva. A pálpebra de Ranma começa a tremer, e sem pestanejar, deixa Ukyo, vai até os garotos e os puxam pela gola de seus uniformes. 

— Eu posso saber do que vocês tão falando?? - ele exige, fazendo os dois tremerem. 

— C-Calma, Saotome! 

— Não foi culpa nossa! - um deles se defende - É o que tá todo mundo falando! 

— Hã?!? 

Ranma sente o corpo petrificar, não conseguia acreditar numa atrocidade daquelas, tanto no que se diz respeito a fofocarem sobre ele pelas costas, quanto a possibilidade daquilo ser verdade. 

— E onde foi que vocês ouviram uma baboseira dessa, hein?! - pergunta, ainda muito desacreditado. 

— Já disse, é o que a escola toda tá dizendo! - o garoto continua a sua defesa – Parece que ouviram a Akane falando disso com as amigas dela... 

— A Akane?? - Ranma fica incrédulo. Pausa por alguns segundos, soltando a gola dos colegas, tentando processar o que acaba de ouvir, e quando o faz, começa a rir em desdém - Há há há, essa foi boa! Até parece! A Akane?? Me dar um beijo?? Há há há!! - continua rindo consigo mesmo, deixando todos os envolvidos bem desconfortáveis - Ela nunca faria uma coisa dessas, imagina! A Akane é a garota mais boba e desajeitada do mundo pra essas coisas! Ela nunca me daria um... um... 

Ele para de falar, pois começa a ponderar mais sobre aquilo. De fato, Akane nunca foi o tipo de garota que demonstrou iniciativa para esse tipo de coisa, era muito tímida e desajeitada. Mas... recentemente ela tem se provado tão mudada, e disposta a tantas coisas que ele nunca antes imaginou. 

A começar pelo beijo que ela lhe deu na bochecha. 

E também teve aquele quase beijo na porta da casa dela. 

— Se-... Será... ?... 

Cabisbaixo, Ranma entra em transe, se perguntando todo o tipo de coisa, e começando a dar sinais que ia ter um ataque de nervosismo. Os dois amigos se olham, e aproveitam a brecha para baterem em retirada sem serem percebidos. 

Ukyo, que foi completamente ignorada dali em diante, também aproveitou para escapar sorrateiramente, agora ela corria a todo vapor na direção do café gato enquanto rangia os dentes de tanta raiva. 

— Aiii, que ódio!! Só me faltava essa!! - ela rosna consigo mesma, atravessando o portão da escola com pressa – Aquela garota não perde tempo mesmo!! 

 

—--

 

— Ufa... - Akane suspira, aliviada e também emburrada – Que bom que esse dia acabou... 

E não era por menos, ela quase teve um ataque de nervos pelo menos umas três vezes naquele mesmo dia, ou sendo importunada por Ranma, ou por suas amigas. De que importava o que ela daria de presente pra ele? Por que de repente todos ficaram tão interessados com isso? Justo quando ela pensou num presente tão... tão... enfim. 

A menina caminhava para casa, um raro momento em que ela fazia isso sozinha, já que estava sempre acompanhada de seu noivo que subia por cima dos muros e grades como um macaco. Depois de um dia como aquele, ela só queria paz e sossego. 

Dobrou a rua, e avistou uma pequena bolotinha preta caminhando de costas, o que lhe arrancou um largo sorriso. 

Ryoga estava completamente perdido, foi transformado logo cedo por um jato de água fria de uma senhorinha que regava as plantas, e estava até agora procurando o banheiro público, suas pobres patinhas já estavam calejadas de tanto caminhar. E quase teve um ataque do coração quando sorrateiramente foi pego pela barriga e suspendido no ar. 

— P-chan! - a doce voz de Akane foi como música para os seus ouvidos, e quando ela o virou para olhá-lo nos olhos, Ryoga sente seu coração aquecer junto com o rosto – Aí está você, meu bebêzinho! O que foi que eu te disse sobre ficar sumindo, hein? 

Dadas as circunstâncias ele até pensou em fugir, mas quando ela lhe deu um beijinho de esquimó, ele se derreteu completamente, e se aterrou no abraço da menina. Realmente, um carinho como de Akane não tinha igual. 

Com o porco no colo, Akane segue o seu caminho com os ânimos recuperados. 

— Vem, vamos pra casa. Eu vou te dar um banho bem gelado e depois você vem treinar comigo. 

Totalmente entregue e apaixonado, esquecendo completamente o seu plano inicial de evitar os encontros entre Akane e P-chan, ele aceitou o seu destino e se foi com a menina.  

Mas quer saber? Melhor assim. Bem que Ryoga precisava de um banho. 

 

—--

 

No café gato, Cologne aproveita que Mousse estava lavando os pratos e vai sorrateiramente para perto de Shampoo, que limpava uma mesa suja enquanto cantarolava. 

— E então minha neta, chegou mais alguma carta? - ela sussurra no pé do ouvido de Shampoo. 

— Por enquanto não, bisavó - ela responde, sem tirar os olhos do serviço - Só aquelas outras seis que chegar. 

Sim, na última semana que se passou mais cinco cartas chegaram no restaurante, todas pelo correio expresso do Japão e do mundo. Só mesmo as fotos das lindas irmãs Tendo para deixar homens, de meia idade, em sua maioria, tão afobados. Todavia, por mais que estivessem obtendo algum resultado, todos os candidatos ainda eram uma proposta muito torta de se comprar, por isso elas precisavam do máximo de opções possíveis. 

— Bom, continuem tentando! - a velha a estimula – Acredito que pelo menos uns dez candidatos serão o bastante. 

— Shampoo ainda ter alguns catálogos pra ler. Mas serem de países muuuuito distantes. 

— Não interessa de onde venham, contanto que se interessem por uma daquelas garotas. 

— Se ao menos eles fossem mais jovens e bonitos... - Shampoo lamenta - Aí ser mais fácil de convencer Akane... 

— Há! Não acho que aquela garota esteja em posição de escolher muito. Ela não quer salvar a família? Vocês estão fazendo um favor! - a velha desdenhosa faz uma cara cínica - Acredite Shampoo, ela precisa é erguer as mãos pro céu e lhe agradecer de joelhos. 

— É... - a menina se convence, agarrava qualquer alternativa de se sentir melhor consigo mesma – Acho que bisa estar certa! 

— Bom, vou voltar ao trabalho – ela semicerra os olhos e troca olhares fuzilantes com Mousse, que as espionava de longe com cara de quem estava achando aqueles cochichos muito suspeitos – Preciso manter o Mousse ocupado pra que ele nem pense em nos atrapalhar. 

— Enxerido! 

— Acho que vou mandar ele fazer compras. 

A velha volta para a cozinha e começa a resmungar com o amazona, enquanto isso, Shampoo retorna aos seus afazeres, muito sorridente e cantante. Quando de repente, a porta se abre com muita força. 

— Shampoo!! 

Ukyo adentra o restaurante soltando fumaça pelos ouvidos, vai para perto de Shampoo e a encara com uma expressão incisiva. 

— Mudança de planos, vai ser hoje!! 

— Aiya! Hoje?? 

— Sim!! 

— Mas... Mas nós só ter seis respostas... – a amazona balbucia, sem entender toda a urgência da garota – Ainda ser muito cedo pra nós- 

— Shampoo, me escute!! - Ukyo segura os ombros dela, bastante afobada – A Akane vai dar um beijo no Ranma amanhã!! 

— Q-... Quê?!? 

— É!! 

O corpo de Shampoo é tomado por uma aura parecida com a de Ukyo, ela range os dentes, cerra as sobrancelhas e torce o nariz, sentindo uma grande explosão de raiva chegando. 

— Aiiiiiya!! Mas não vai mesmo!! - ela rosna – Querer casar com Ranma pra salvar família é uma coisa, agora querer ficar de beijinhos ser outra história!!! 

— E pior! O Ranma já tá sabendo disso! - Ukyo complementa, tão raivosa quanto frustrada – E óbvio que aquele cretino ficou todo animadinho!! 

Ukyo e Shampoo tinham fogo nos olhos. Se Akane beijasse Ranma, e pior, se ele gostasse do beijo, o que tudo indicava que iria acontecer, seria um caminho sem volta. Não haveria herdeiro nenhum que separasse os dois depois disso. Dada a urgência da situação, elas precisavam agir. 

— Ukyo... - a amazona apoia as mãos na mesa - Nós precisar dar jeito nisso!! 

— Vamos fazer como o combinado – ela diz, se referindo a todo o plano que orquestraram para quando fossem enquadrar Akane - Você fica aqui, separa as fotos dos herdeiros, e eu vou entregar o bilhete. 

— Humm... - Shampoo pensa com seus botões e chega numa conclusão maligna - Não! Shampoo ter ideia melhor! 

— Hein? 

Ukyo levanta uma sobrancelha, sem entender toda aquela pose sugestiva e pomposa da amazona, que a cada segundo alargava um sorriso maléfico acompanhado do olhar de uma gata se preparando para dar o bote. 

— Sabe Ukyo... Shampoo esteve pensando – ela começa, tocando o ombro da pizzaiola e sondando ao redor dela – Ranma estar tão feliz com os carinhos de Akane... Mas... Ukyo achar justo com ele? 

— Justo? 

— Sim... - prossegue, arrodeando em torno de Ukyo – Afinal... Ranma pensar que ser genuíno, mas... Na verdade, Akane só quer salvar família. 

Aos poucos, Ukyo começa a entender. 

— Coitadinho do meu Ai Ren... De certa forma... Estar sendo usado... 

Shampoo para na frente dela, e fica contente ao ver na expressão de Ukyo que conseguiu convencê-la. Com um sorriso malicioso, ela complementa: 

— O que acha de nós ter mais um convidado hoje? 

 

—--

 

— Hunf! Beijo... Até parece! 

Ranma caminhava para casa sozinho, resmungando para si mesmo repetidas vezes de que o tal boato deveria ser uma mentira. Era bom demais pra ser verdade. Muito bom. 

— Aquele bando de idiotas... Como se uma garota sem graça daquelas fosse me dar um beijo! Se for pra inventarem uma fofoca, que pelo menos seja uma que faça sentido! 

Ele falava alto, sem se importar se estava atraindo olhares. Mas sabe o que era mais patético? Ele alternava entre fazer uma cara emburrada e abrir um largo sorriso bobo de ponta a ponta a cada segundo, ora se convencendo de que era só uma fofoca, ora se deixando sonhar com a possibilidade daquilo ser real. 

No fundo, ele obviamente queria que fosse. Seria perfeito. A concretização de um desejo reprimido que há anos perdurava. Mas se fosse mesmo verdade... O que ele iria fazer? Como iria proceder? Como ela pretendia dar esse beijo? E também... COMO ele iria retribuir o beijo se ficasse muito nervoso?? 

Lembrava-se do que ocorreu na semana passada, quando uma força sobre-humana tomou conta de seu corpo e quase a beijou sem pensar muito sobre. Mas agora era diferente, era algo “premeditado”, o que dava espaço para aumentar o nervosismo. 

Então, ele conciliava entre fantasiar com o beijo e depois balançar a cabeça, entrando em negação, assim como ele estava fazendo agora. 

— Argh! Não! O que é que eu tô pensando?! Não vai rolar!! - quase grita para si mesmo, passando por várias pessoas confusas, bem ao lado de uma loja de revistas – Isso é invenção!! Isso é...!!... é... 

Ranma freia no momento que olha para o lado de relance, especificamente a vitrine da loja, onde algo lhe chamou a atenção. 

Uma revista adolescente, daquelas que só garotas compram, com um título bem grande em letras cor-de-rosa que dizia “Aprenda a como arrasar no beijo!!”, com o subtítulo “Guia completo para garotas que não querem fazer feio na hora H! Mais de 10 dicas de como treinar o seu beijo!”, acompanhado de uma ilustração de mangá com um casal se beijando. 

Aquele era o tipo de coisa a lhe provocar náuseas. Mas naquele contexto, e com tantas perguntas rondando sua cabeça... Ranma se viu em um dilema, muito tentado pela vontade de não decepcionar Akane caso ela o beijasse amanhã, afinal, um beijo desse tipo, ele nunca deu. O garoto se inclina, examina a revista mais de perto, em especial a parte do “Mais de 10 dicas de como treinar o seu beijo!”, e olha atentamente para a entrada da loja... 

Mas aí ele cai em si. Aquilo era ridículo. 

— ARGH!! Não, Ranma Saotome!! Nem pensar!! 

Ele grita consigo mesmo, até estapeando o próprio rosto, atraindo olhares novamente, e volta a caminhar em direção da sua casa. Mas a cada passo que ele dava... Mais ele pensava em Akane. Por mais vergonhoso e humilhante que aquilo fosse, seu ego masculino estava num embate bastante equilibrado com suas inseguranças de um jovem não muito experiente. 

Ranma freia, range os dentes e cerra os olhos, travando uma batalha interna muito difícil. Imagina, se rebaixar a esse nível? Ele era homem ou o quê? Digo, mais ou menos, né? 

Respira fundo, olha para um rapaz que bebia numa garrafa d’água, e se aproxima dele. 

— Me empresta isso aí. 

Sem aviso, Ranma toma a garrafa em suas mãos e despeja água fria sobre sua cabeça, se transformando imediatamente numa garota. Entrega o recipiente vazio para o homem embasbacado e dá meia volta, entrando na loja e pegando um exemplar daquela revista. Afinal, se fosse pra ele fazer algo tão degradante, que ao menos não fosse na forma de garoto.  

Quem nunca foi patético uma vez ou outra? 

 

—--

 

No final da tarde, após chegar em casa, trocar de roupa e dar um banho no seu amado bichinho, Akane o pegou no colo e o levou para o quintal. Foi um dia carregado de estresse, isso sem contar todo o caos que estava sua cabeça, então ela precisava descontar a sua raiva partindo alguns tabletes de pedra no meio. 

Ryoga apenas a admirava, se permitindo também ter um pouco de sossego, afinal, não é como se ele tivesse o que fazer ou pra onde ir agora, a vida de andarilho é muito cansativa, e repousar na casa dos Tendo, recebendo comidinha na boca, dormindo num bom colchão e recebendo um tratamento de rei não era de se negar. Mas ele percebeu que Akane estava mesmo meio inquieta, considerando alguns espasmos de raiva que ela estava tendo, junto a um súbito rubor nas bochechas repetidas vezes, alguma coisa a incomodava. 

Mas ela não falou nada sobre, e nem queria, apenas o uso da força bruta a acalmava nessas horas. Ela fica de joelhos, de frente para os tabletes, ergue a palma da mão e se prepara para golpear no centro. Fecha os olhos, respira fundo, canalizando sua força numa única mão, e libera o golpe junto com um urro. 

— HAAAAAAAAAAAAAAA!! 

E no mesmo instante em que os tabletes se partem no meio, uma flecha é atirada do ar, caindo bem à sua frente. 

— Quê?! 

Ela fica perplexa, ainda meio atordoada pela dor que sentia na mão, ofegante, e olhando pra um lado e para o outro, tentando ver de onde aquela flecha teria vindo, mas não encontra nada. Ryoga também fica confuso, se aproximando da flecha e a cheirando, tinha um cheiro bastante familiar, especificamente de massa de pizza. 

Akane não perde tempo e se levanta, indo até a flecha e a arrancando do chão. Na ponta dela tinha uma folha enrolada junto a uma fitinha roxa, parecia mais um bilhete, que ela removeu e desdobrou logo em seguida. Uma rápida lida no conteúdo já foi o suficiente para ela se espantar. 

— Mas... Mas o que é isso?!? 

 

“Querida Akane, 

Você está convidada para a primeiríssima convenção das noivas do Ranma Saotome! Venha para o café gato assim que receber este bilhete, vai ter comida boa, e dependendo, uma bebidinha. Mas claro, venha de mente aberta, pois vamos enfim resolver nossas diferenças de uma vez por todas! 

Te esperamos, 

Ukyo e Shampoo.” 

 

— Isso é um desaforo ou o quê?!? 

Akane segura o bilhete com tanta raiva que o rasga no meio, fazendo Ryoga sentir um arrepio na espinha. Que palhaçada era aquela? Convenção das noivas do Ranma?? É cada uma, viu! 

Ukyo e Shampoo sabiam exatamente como Akane reagiria a um bilhete daqueles, e caindo como um pato, a garota pega seu porco no colo novamente e vai para o portão da casa, saindo sem nem mesmo tirar seus trajes de treino. Se elas queriam um acerto de contas, era isso o que elas teriam. 

— Vamos, P-chan! 

 

—--

 

Mais rápido que um foguete, Ranma entra em casa, ignora seus pais completamente e corre para o seu quarto, onde bate a porta com força e se tranca. Pula na cama, e de dentro da sua maleta, retira a famigerada revista que ele pretendia tacar fogo depois de amanhã. Ele nunca, NUNCA se recuperaria da vergonha que ia sentir caso o vissem lendo aquilo. 

Ele folheia as páginas, ignorando os pôsteres de celebridades, fofocas e horóscopos, e finalmente chegando na matéria principal. Lê atentamente o texto que dizia “Olá, garota! Deixa eu adivinhar, está prestes a dar o seu primeiro beijo mas está com medo de desapontar o bofe, né? Seus problemas acabaram! Nessa edição nós montamos pra você um guia prático de como se preparar para um beijo perfeito!”

— Primeiro, tente não ficar muito nervosa – ele começa a ler em voz alta – O nervosismo pode acabar deixando a sua língua dura... 

Ranma então sente o rosto quente, provavelmente estava mais vermelho que o seu cabelo, pois ele não havia considerado antes a possibilidade de ser um beijo de língua, e ISSO sim ele não tinha a menor ideia de como fazer. Bom, Shampoo já enfiou a língua na boca dele uma ou duas vezes, mas nada mais que três segundos no máximo, Akane sempre a arremessava para longe antes que ela começasse a se empolgar (e depois o arremessava). 

Para que não tivesse mais um ataque do coração, ele continua a ler: 

— Não se esqueça de escovar os dentes, um bom hálito é tudo... Bom, isso é verdade – ele concorda, e prossegue a leitura – E esteja linda, para que seja um momento inesquecível, blá blá blá... Veja no horóscopo o melhor dia, blá blá blá... E agora algumas dicas de como treinar o seu beijo em casa. Finalmente!! 

Ele se ajusta na cama, ficando sentado e depositando sua total concentração na leitura, como se fossem as instruções mais importantes de sua vida, mais do que qualquer técnica de artes marciais. Ranma continua a ler em voz alta: 

— Dica número um: Feche a mão esquerda como se estivesse fazendo a letra "O". O polegar deve estar em cima das unhas... - mesmo achando aquilo muito estranho, ele o faz - Enfie o polegar direito na abertura da mão esquerda. Quando os dois polegares estiverem dobrados na segunda articulação, eles vão ficar paralelos um ao outro e imitar um par de lábios... - continua seguindo as instruções, mas aquilo não estava parecendo muito uma boca, o que o deixou meio desconfortável, mas não o fez desistir - Coloque a boca sobre os polegares. Pratique beijando levemente os seus "supostos lábios"... - muito confuso e desconcertado, ele ergue uma sobrancelha - Será que é isso mesmo? 

Ranma encara os “supostos lábios” que ele fez com suas mãos como se fossem a coisa mais horrenda do mundo, fazendo cara feia. Aquilo era muito, MUITO humilhante. Ele nunca se imaginou se prestando a esse papel, forjando uma fenda com seus dedos, que supostamente deviam parecer uma boca, mas mais pareciam uma... uma... bem... 

“Droga...”, pensa, com o rosto da cor de seu cabelo de fogo. Respira fundo, e tenta mentalizar Akane. Ainda que não houvesse certeza se ela iria ou não beijá-lo amanhã, não queria fazer feio. Ele não suportaria a ideia de ela não gostar de seu beijo... 

Fecha os olhos, e encosta a boca em suas mãos, lentamente colocando a língua pra fora e simulando um beijo bem... esquisito, no mínimo. Mas o beijo dele era a coisa menos esquisita daquela cena. Por Deus, que ninguém JAMAIS o visse assim. 

Ranma não aguentou por muito tempo, depois de uns dez segundos tentando, ele desmancha aquela forma estranha que fez com os dedos e começa a limpar a baba na borda de sua calça. 

— Argh! Isso foi ridículo! - com os dedos secos, ele pega a revista e procura uma outra dica, de preferência uma não tão patética - Dica número dois: Pratique com uma fruta... Humm, interessante... Encontre uma fruta madura, como uma ameixa, yuzu ou dekopon. Essas frutas são macias e têm um gosto bom... Hum... 

Ele arrasta a revista para o lado e vai até a janela, se pendura no telhado e, por cima dele, vai até o outro lado da casa, especificamente o lado da cozinha. Foi muito sorrateiro e silencioso para não ser flagrado por sua mãe, que cantarolava enquanto lavava a louça. 

Saltita na ponta dos pés até a bandeja de frutas que ficava na janela, em cima dela, tinha umas bananas e duas ameixas. Por razões óbvias ele não pegou a banana. Tomou uma ameixa em suas mãos e voltou a se pendurar no telhado, fazendo a rotação contrária e retornando ao seu quarto, saltando pela janela e se sentando na cama de novo. 

Ranma volta a ler as instruções: 

— Morda um pequeno pedaço, do tamanho de uma boca, na fruta. Isso irá funcionar como a boca em que você vai praticar o beijo... 

Ele se volta para a ameixa e dá uma mordida moderada, tentando simular os lábios pequeninos de Akane, aproveita também para comer um pouco da ameixa. 

— Beije a "boca da fruta" suavemente... Tente estabelecer um ritmo... Beije a parte superior da "boca" e, em seguida, a parte inferior da "boca"... E pelo amor de Deus, não coma! Pense que é o seu bofe... 

Aquilo não era perfeito, mas definitivamente não era tão estranho quanto a primeira dica. Ranma encara a fruta com bastante insegurança, se sentia ridículo, mas ele já havia chegado longe demais para arregar. Fita aquele buraquinho, e por um momento, realmente imagina que ele seja a boca rosada de Akane, que fazia biquinho e esperava que ele a beijasse. 

Respira fundo, fecha os olhos, e se aproxima lentamente daquela fruta, sentindo o rosto quente. 

“Por você, Akane...” 

VUOSH!! 

De repente, quando abre os olhos num susto, a ameixa não estava mais na sua mão. Ela foi, nada mais, nada menos, que flechada ao meio. Uma flecha que veio pela janela, sabe-se lá de onde, fincou a ponta na fruta e a atirou no chão. 

Fica alguns segundos atônito, sem conseguir sequer raciocinar direito como aquilo foi possível. Corre para a janela, buscando o responsável, mas nada encontra. 

— Que diabos foi isso?!? - indaga, olhando para a flecha e se agachando para pegá-la. Seja lá quem atirou, tinha ótima pontaria. Embora ainda estivesse meio atordoado, ele repara um pequeno bilhete enrolado na base da flecha, curioso, ele o retira dali e o desdobra – Mas o quê...? 

 

“Querido Ranma, 

Sou eu, Akane! Estive pensando, e acho que você está merecendo receber o seu presente de aniversário adiantado! Me encontre no endereço que está no verso do papel. 

Te espero lá  

 

Ranma poderia se perguntar mil e uma coisas agora. Por exemplo, como raios Akane conseguiu atirar aquela flecha? E por que ela faria isso? Não era mais fácil simplesmente tocar na campainha e chamá-lo? E pra quê entregar o presente adiantado? 

Mas por mais confuso e extremamente suspeito que tudo aquilo fosse, ele só conseguia pensar em uma coisa: 

“Ela... ELA QUER ME BEIJAR AGORA?!?!?!” 

Ainda que tremendamente nervoso e quase lhe faltando ar, ele não conseguia parar de sorrir. Um sorriso deslumbrado e um tanto sapeca.  

Se havia pressa para dar o presente... Então ela estava ansiosa! 

Se ela estava ansiosa... talvez os boatos fossem verdade!  

E se ela estava tão afobada assim... Que danada! 

Mas acima de tudo... isso quer dizer que Ranma estava a um passo de beijar Akane! 

Foi quando ele caiu em si: Precisava ir preparado! 

Não havia tempo para ler mais da revista, então a enfiou debaixo do colchão e foi arrumar o cabelo no espelho. Mas ao se olhar, se lembrou: 

— Ah é, eu tô como garota!! 

Ele abre a porta do quarto e corre para a cozinha pra esquentar um pouco de água. Enquanto a chaleira fervia, vai até o banheiro, onde passou uma boa camada de perfume e escovou os dentes com força por uns dez minutos. Cada etapa daquele ritual era muitíssimo importante, e ele só sairia de casa quando estivesse tinindo. Irresistível. 

Ele só se lamentava por ter comprado aquela revista, que no fim, não serviu pra absolutamente nada. 

 

—--

 

Ryoga estava quase com falta de ar com o tanto que a menina o apertava em seus braços, furiosa, Akane batia perna de tanta raiva enquanto se aproximava do restaurante. 

“Convenção das noivas do Ranma... É muita cara de pau!!”

Ela detestava quando essas garotas se autoproclamavam tal coisa, por mais que Akane tentasse convencer aos outros e a si mesma que não estava nem aí, ela ainda sentia uma necessidade latente de limpar a sua honra. O pobre porco nem sabia o que estava acontecendo, mas aquilo cheirava mal. E isso ficou ainda mais nítido quando Akane parou na frente do café gato, respirou fundo, e adentrou batendo porta. 

Akane é surpreendida por estouros de confete, antes mesmo dela se situar dentro do restaurante. Ukyo e Shampoo a aguardavam com largos sorrisos no rosto, uma mesa cheia de quitutes, e uma faixa enorme no teto que dizia “Primeiríssima (e talvez única) convenção das noivas de Ranma Saotome!!”.  

Ryoga arregala os olhos e fica sem reação, assim como Akane, eis que Ukyo caminha na direção dela e pousa as mãos em seus ombros, a arrastando até a mesa. 

— Akane, querida! - a pizzaiola tinha uma voz muito animada e convidativa – Que bom que você veio! 

— Aiya! - Shampoo cerra as sobrancelhas e faz uma cara raivosa para o porco no colo de Akane, afinal, ela sabia o poder que aquela criaturinha tinha de atrapalhá-las, assim como o fez na casa de Ranma – No café gato não ser permitido animais! 

Embora estivesse muito confuso e indefeso, Ryoga não se deixa intimidar e faz cara feia para a amazona, e Akane, ainda que em choque, rapidamente volta a si com aquela fala e torna a ficar na defensiva. 

— Ora, até parece! Você e o Mousse MORAM aqui há anos! - retruca, muito raivosa – O meu P-chan vai ficar, você queira ou não!! 

— Também não vejo problema – Ukyo complementa, afinal ela também não tinha conhecimento da maldição de Ryoga. Ignorando completamente o descontentamento de Shampoo, Ukyo sorri para Akane e a senta na cadeira – Vamos querida, não fique brava! Não estamos aqui pra brigar! 

— Ah, é mesmo?!? - Akane rosna para as duas – Porque eu tô LOUCA pra entender essa palhaçada toda que vocês montaram!! - ela aponta para a faixa, seu semblante era de muita fúria, porém as garotas pouco se intimidaram. 

— Palhaçada? - Shampoo finge uma cara desentendida – Ora Akane, três garotas noivas do mesmo rapaz não poder conversar civilizadamente? 

— Me engana que eu gosto! - a pálpebra dela treme – O que vocês querem?! Vai, desembucha!!! 

— Não querer nem um docinho antes? 

— Não!! Fala logo!! 

Ríspida, e mostrando a que veio, Akane fez as duas garotas se entreolharem e desmancharem seus sorrisos falsos. Não é como se elas tivessem imaginado que Akane viria de bom grado, sabiam que aquela garota era carne de pescoço, e não toleraria um circo daqueles. 

Ukyo e Shampoo se sentam, de frente para a menina que mantinha o porco raivoso em seu colo, muito curioso e em alerta caso precisasse protegê-la. Ukyo cruza os braços e faz uma expressão séria. 

— Bom, Akane... - ela olha para Shampoo, pedindo ajuda para conduzir aquilo - É que... Hum... 

Por mais que tivessem ensaiado aquilo por várias noites, ainda era algo muito difícil de se fazer. Que palavras usar? Como se portar? Que cara fazer? Como domar aquela fera que visivelmente estava se segurando para não avançar no pescoço das duas? 

— Nós... - Shampoo era a que mais se mantinha fria, jogou uma mecha de cabelo para trás e olhou Akane nos olhos – Querer ajudar. 

Tanto Akane quanto Ryoga levantam uma sobrancelha, e ela diz: 

— ... Ajudar? 

Shampoo e Ukyo se olham, sabendo que não teriam como ficar de rodeios. Teriam que ir direto ao ponto. 

— Querida... - Ukyo se inclina sobre a mesa e segura a mão de Akane, a deixando ainda mais confusa e desconfiada, sobretudo pela cara de compaixão um tanto fingida que as duas faziam - Nós... Nós sabemos da sua situação. 

O coração de Akane gela, assim como o do porco, e se petrifica como se tivesse sido atingida pelo raio da Medusa. Se antes aquilo já estava estranho, agora estava assustador. 

— Da... minha...? 

Shampoo também se inclina na mesa para olhá-la mais de perto, tentando ao máximo convencer Akane, e a si mesma, de que estava sendo altruísta. 

— Nós saber que família de Akane receber carta do Conselho das Artes Marciais. 

... 

Num impulso, Akane se levanta, assustada e indignada, com muitas dúvidas e uma visível necessidade de se impor. 

— Como sabem disso?!? - ela se altera, quase gritando – Vamos, me digam!! Agora!!! 

— Akane, se acalme! - Ukyo pede. 

— Não!! Eu não vou me acalmar!! - retruca, quase esmagando o porco em seus braços tão abismado quanto ela – Primeiro essa conversa de “convenção das noivas do Ranma”! Depois esse papinho de resolver as diferenças! Agora vocês tão falando sobre...! Sobre...! COMO vocês sabem disso?!? QUEM contou pra vocês?!? Ou vocês andaram XERETANDO minha família?!? 

As duas parceiras se entreolham, assustadas, porém nem um pouco surpresas com essa reação. Não obtendo nenhuma resposta, Akane segue seus impulsos mais uma vez e se volta para a entrada do restaurante. 

— Eu me recuso a ficar aqui! Eu não sou obrigada a-!! 

— Nós ter solução pro seu problema!! 

A voz de Shampoo ecoa pelo ambiente, fazendo Akane congelar mais uma vez. A morena as fuzila com o olhar, ao contrário de Ryoga, que parecia mais assustado do que tudo, se perguntando como raios aquela informação guardada a sete chaves foi vazada. Por um momento, as duas parceiras ficaram com medo de Akane as deixarem falando sozinhas, mas se aliviaram quando a menina deu meia volta e se sentou novamente, mas agora, muito mais incisiva e intimidadora. 

Com as mãos cruzadas sobre a mesa, as três trocam olhares fulminantes sem dizer nada por vários segundos, aumentando o clima de tensão, digna de uma cena de filme, só faltava uma roleta russa. O porco, ainda que fosse um intruso naquele contexto, logo percebeu que aquilo não poderia acabar bem, e temeu pela sua amada. 

Shampoo suspira, e quebra o silêncio: 

— Akane... Shampoo conhecer Conselho das Artes Marciais da China. Já ver muitas histórias parecidas com a sua – ela diz, com uma fala mansa e tomando bastante cautela – E... Ao contrário do que Akane pensar... Nós ficar preocupadas. 

Akane tosse e revira os olhos em deboche. 

— Eu fiquei muito mal quando eu soube que você e a sua família podem... bom... - Ukyo complementa, mas antes que ela pudesse continuar, Akane ri sarcasticamente. 

— Há! Até parece! E será que dá pra vocês me dizerem como descobriram isso tudo?!? Eu tô esperando!! 

— Quer se acalmar?! - Ukyo altera um pouco o tom de voz, quase perdendo a paciência. Akane tinha mesmo que ser tão difícil? Mas a pizzaiola respira fundo e se recompõe - Olha... A gente realmente se comoveu com a sua situação, e pensamos numa maneira de ajudar. 

— Vocês ainda não me respo-! 

— Shampoo sabe que pra resolver problema, Akane precisa ou quitar a dívida, ou derrotar Conselho, ou casar com herdeiro de outra academia – a amazona a interrompe, tomando sua atenção - E... Nós conseguir! 

Shampoo sorri para Akane, um sorrisinho muito alegre e orgulhoso de si, Ukyo sorri da mesma forma, e Akane se vê no ápice do seu estresse. 

— Conseguiram?! Conseguiram o quê?!? 

As parceiras de crime trocam olhares orgulhosos, e respondem em coro: 

— Nós conseguimos um herdeiro pra você! 

... 

E mais uma vez, Akane se petrifica. Era muito para processar, muita esquisitice de uma vez só, uma mais suspeita que a outra. Estava assustada com o quanto elas pareciam ter conhecimento do assunto, e mais ainda com aquela vontade bastante duvidosa de ajudá-la, ainda que por anos essas duas não tivessem medido esforços para lhe prejudicar. 

E esse herdeiro... Como assim? Do que elas estavam falando? Que herdeiro era esse? Pra que tanto interesse? E de novo, COMO elas sabiam de tudo aquilo? 

A sensação era de que ela tinha caído num ninho de cobras, preparadas para mordê-la e arrancar até os ossos. Se sentia completamente exposta e vulnerável perante aquelas duas, que destrincharam sua maior fraqueza como um livro aberto. A regra número um das artes marciais era: nunca, em hipótese alguma, deixe o inimigo descobrir o seu ponto fraco. E bem debaixo de seu nariz, elas descobriram. 

Percebendo que calaram a menina, Shampoo se agacha e retira uma pasta debaixo da mesa, e coloca em seu colo. 

— Nós entramos em contato com herdeiros de academias de artes marciais do mundo todo em busca de um disponível - Ukyo começa, observando Shampoo colocar a pasta sobre a mesa - Não foi muito fácil, mas... No fim, conseguimos algumas respostas. 

Quanto mais aquilo se prolongava, mais paralisada e perplexa Akane ficava. Diferente de Ryoga, que já estava começando a sentir os nervos à flor da pele perante tudo aquilo. 

— Pra ser mais precisa, seis herdeiros nos responder até agora – Shampoo complementa – Ainda poder chegar mais respostas... Mas se Akane gostar de um desses, nós poder arranjar casamento o quanto antes! 

Uma gota de suor escorre o rosto de Akane, que arregala os olhos quando Shampoo abre a pasta e mostra a foto de um rapaz ocidental, que parecia ter vinte e poucos anos. Um completo desconhecido. Um estranho. 

— Este ser herdeiro da academia de artes marciais estilo culinária italiana, lá da França! Ser irônico, mas bem... - Shampoo apresenta aquela proposta com tanta despretensiosidade, tanta naturalidade, que até sorria – O nome dele ser Pierre, e hoje ele ter trinta e oito anos! 

— Ele deve estar meio diferente da foto hoje em dia... Mas acho que franceses são bem conservados, vai por mim! - Ukyo pisca para Akane, tão despreocupada quanto Shampoo, nem parecia que o contexto era a proposta de um noivado com um completo desconhecido para que a menina salve a própria família. Ukyo vira a página e mostra uma outra foto, dessa vez de um rapaz oriental, porém ainda mais velho e esquisito – Esse aqui é o Hirama da academia de artes marciais estilo psicanálise quântica. 

— Ele ser meio hippie, mas deve ser legal... - Shampoo brinca – E eles ter muitos incensos, cheiro ser bem gostoso! 

— Hoje ele deve ter... hum... quarenta e três anos, eu acho? - Ukyo olha para Shampoo, pedindo confirmação. 

— Não, acho que esse ser do catálogo mais antigo – a amazona responde – Ele deve ter cinquenta e pouco. 

— Sei... - percebendo o quão espantada estava a expressão de Akane, Ukyo sorri sem jeito e tenta contornar a situação - Mas bem, eles devem fazer várias sessões psicodélicas de graça, então só vejo vantagem! 

As duas garotas riem despretensiosamente, continuavam falando sobre os tais candidatos como se fosse extremamente banal. Akane estava em transe, sentindo uma explosão de coisas dentro de si, sem conseguir falar, ou reagir de qualquer outra forma. Estava encurralada, e mais ainda, humilhada. Sendo tratada como um mero pedaço de carne, caindo a ficha de que, sem ser consultada, foi oferecida a esses desconhecidos de meia idade, como se estivesse desesperada o suficiente para aceitar uma barbaridade daquelas. Bem, ela estava desesperada. Mas seus sentimentos definitivamente não estavam sendo tratados com o devido respeito. 

Ryoga, que ainda estava em seu colo, sentiu exatamente isso. Lágrimas de fúria escorreram pelo rostinho do porco, e sem que Akane percebesse, ele pula de seu colo e corre para fora do restaurante, deixando as três garotas naquele show de horrores.  

Precisava fazer algo. E precisava ser rápido! 

 

—--

 

Dadas as ordens de Cologne, Mousse estava retornando ao café gato com as suas mãos ocupadas por sacolas de supermercado. Alguns quarteirões longe do restaurante, ele avista uma bolotinha preta correndo por aí, bastante desorientada e chorosa. 

— Hein? Ryoga? 

Mousse o chama, e o porco olha em sua direção. Nem se dá ao luxo de agradecer aos céus pela tamanha sorte que foi encontrar Mousse no caminho, estando ele obviamente perdido. Quase chorando de emoção, Ryoga corre na direção dele e salta para o seu colo, Mousse acaba derrubando as sacolas quando o porco pega a gola de sua camisa com as patinhas e começa a sacudi-la com força. 

— Ei, ei, ei! O que foi?? 

Obviamente ele não conseguia entender nada, mas o porco se debatia e guinchava desesperadamente, definitivamente ele estava tentando dizer alguma coisa importante. Mesmo confuso, Mousse olha para um lado, para o outro, e convenientemente avista uma casa de banhos no final da rua. 

— Calma! Calma! Já vai! - o amazona pede ao porquinho que não parava quieto em seus braços. 

Eles entram na casa de banhos pública, atravessam o saguão, e no meio de alguns senhorezinhos de idade, Mousse deixa o porco cair na banheira de água quente. E todos ficam de boca aberta ao verem que por debaixo d’água surgiu um homem parrudo, choroso, e com sangue nos olhos. 

— AQUELAS CRETINAS!! 

Ryoga grita, se levanta da banheira e volta pelo caminho de onde entraram, indo parar nos escaninhos de pertences. Mousse o segue logo atrás, muito curioso e confuso. 

— Não vou deixar que elas desrespeitem a Akane desse jeito!! Não vou!! 

— Calma, homem! - Mousse suplica, enquanto Ryoga se vestia roubando as roupas de algum desconhecido, que inclusive, ficaram um tanto apertadas – Do que você está falando?! 

— Vem, Mousse! - o maior segura o amazona pelo braço e o arrasta para fora da casa de banho - Não temos tempo a perder! 

— Quê?! Dá pra me explicar o que tá acontecendo?! 

— Aquela maluca que você gosta e a traidora da Ukyo descobriram tudo!! - sem olhar para Mousse, Ryoga o arrastava pelos quarteirões soltando fumaça pelos ouvidos – Como elas tem coragem de tentar empurrar a Akane pra aqueles homens?!? Como?!? 

— A Shampoo?! E a Ukyo?! Homens?! Dá pra você explicar direito?!? - quanto mais Ryoga falava, mais confuso Mousse ficava – O que é que elas descobriram?!? 

— Sobre o Conselho, seu idiota!! - Ryoga enfim olha pra ele, rosnando. 

— Hã?!? Que Conselho?!? 

Devido à reação do amazona, Ryoga se lembra que, de fato, Mousse não sabia desse detalhe. Ele não perguntou, mas não é como se Ryoga fosse lhe contar, estava certo de que essa informação não sairia de sua boca jamais. Mal sabia ele que, no meio de uma bebedeira, foi o próprio quem vazou essa história para Ukyo. 

Ainda que agitado, Ryoga tenta se recompor para pedir colaboração de Mousse: 

— Olha, não dá tempo pra explicar! Temos que ir pro café gato agora!! A Ukyo e a Shampoo se juntaram e agora estão colocando nosso plano a perder!! 

Mousse ajusta os óculos, ainda que não tivesse entendido bulhufas, sabia que Ryoga não entraria em pânico desse jeito caso a situação não fosse séria. Lembrou-se das estranhas visitas de Ukyo em sua casa, todas as horas que elas passavam trancadas na sala de jantar ou no quarto de Shampoo, e de toda a atmosfera suspeita que ele tentou investigar. Talvez fosse disso que Ryoga estava falando, e de fato, eles não tinham tempo a perder. 

— Podia ter dito logo – ele aponta na direção oposta – O café gato é pro outro lado, cabeção! 

O garoto de bandana pensa em reclamar, mas a sua pressa era maior que a sua raiva. Segue Mousse na direção que ele apontou, desejando chegar a tempo de defender a honra de Akane, pondo um fim naquela palhaçada. 

Mas de repente, Mousse avista algo na rua do restaurante e para Ryoga. 

— Êpa, pera aí! - Mousse puxa Ryoga junto com ele para se esconder atrás de um poste enquanto observa a figura que avistou. 

— Por que fez isso?! - Ryoga reclama – Temos que ir logo!! 

— Olha lá! 

Ainda que afoito, Ryoga obedece e olha na direção que o amazona apontou. E encontra Ranma, todo alegre e serelepe, olhando para um papelzinho em suas mãos enquanto cantava, suas bochechas estavam vermelhas e seus olhos brilhavam, sorria tanto que os rivais conseguiam ver suas covinhas acentuadas mesmo de longe. 

— O que o Saotome tá fazendo aqui? - Mousse pondera. 

Ryoga o examina ir, especificamente, na direção do café gato. Era coincidência demais, justo naquele dia, e naquele horário, Ranma decidir fazer uma visita, sendo que o próprio evitava passar por lá sabendo que teria de lidar com Shampoo agarrando seu pescoço ou Mousse o desafiando para uma luta. 

Por mais burrinho que Ryoga fosse, ele consegue, por um milagre, ligar os pontos. Não era uma coincidência. 

— Essa não... - o garoto de bandana amaldiçoa, triplicando a sua fúria e se exaltando ainda mais - Desgraçadas!! Pensaram em tudo!!! 

Ryoga sai de trás do poste e vai na direção de Ranma. 

— Ei, pra onde tá indo?! - Mousse o chama. 

— O que você acha?!? Não posso permitir que o Ranma entre lá dentro!! 

— Mas por que?!? 

— Mousse!! - Ryoga o puxa pela gola da camisa, já não lhe restando mais um pingo de paciência - Você tá comigo ou não tá?!? 

A cara feia de Ryoga provocou calafrios no amazona. Não estava entendendo nada. Nem o que poderia estar se passando lá dentro do restaurante, e nem porque Ranma não poderia entrar lá. Mas... se viu sem outra alternativa a não ser suspirar e aceitar as condições do garoto perdido. 

— Tá bom, tá bom... 

Enquanto eles discutiam, Ranma olhava atentamente para o bilhete em suas mãos, onde diziam todas as instruções de como chegar no local supostamente marcado por Akane. Estava nervoso. Bem nervoso. Mas mais do que isso, empolgado. 

— Vamos ver... segundo as coordenadas... - ele vai freando ao se situar exatamente no pontinho marcado no mini mapa desenhado à mão com canetinhas coloridas – Deve seeerr... Aqui! 

Ele olha para frente, e se espanta ao se deparar com a linha de chegada. 

— Café gato?!? 

Ranma levanta uma sobrancelha, muito surpreso, e acima disso, confuso. De todos os lugares que Akane tinha pra escolher... por que diabos justo o café gato?? Tantas opções melhores, tantos outros lugares mais românticos pra favorecer o clima de um primeiro b-... Bom, fazer o quê? 

Embora não tivesse entendido muito bem, estava animado demais pra se importar com esses detalhes. Akane era mesmo desajeitada, óbvio que ela não seria boa pra escolher um lugar ideal. Com o coração a mil, borboletas no estômago, e milhares de expectativas saltitando na sua mente, Ranma sente o rosto pegar fogo, respira fundo, e se prepara para abrir a porta do restaurante. 

— Ranma!! 

Uma voz máscula o chama, fazendo-o olhar para trás de imediato. Encontra o seu rival cerrando o punho e torcendo o nariz, com a mesma cara feia de sempre. 

— Ryoga? - ele fica surpreso - Tá fazendo o que aqui, amigo? 

Aquilo fica ainda mais estranho quando o maior não o responde, apenas o encara com fogo nos olhos e trava uma cena digna de um filme de faroeste. Ryoga se arma em posição de ataque e corre na direção de Ranma, que sem entender nada, percebe que precisa recuar. 

— Lute como um homem!! 

— Ah!?! 

Ryoga tenta socá-lo, mas acerta uma pilastra, causando um buraco. Ranma salta por cima dos ombros dele, e o olha com espanto. 

— Que é isso, Ryoga?!? O que foi agora?!? 

O garoto de bandana não lhe dá espaço para conversa, continua tentando socá-lo e chutá-lo a todo custo, mas Ranma desviava de todos os seus golpes. 

— Eu fiz alguma coisa?!? - Ranma continuava tentando entender, mas Ryoga não o respondia, apenas tentava acertá-lo de todas as formas. Num golpe surpresa, Ranma sente algo agarrar suas pernas e arrastá-lo pelo chão - Ahh!! 

Olha na direção que estava sendo puxado, especificamente por correntes de metal, e encontra o amazona o capturando por mais uma de suas armas ocultas. 

— Argh!! Você também, Mousse?!? 

— Acredite em mim, eu também não tô entendendo nada – Mousse continua o arrastando no chão, e faz um sorriso cínico quando tira garras afiadas de sua manga – Mas eu não perderia a oportunidade de te dar uma surra! 

O amazona se arma para acertá-lo com as garras, mas quando está prestes a colidir com Ranma, ele pega um impulso com os braços e dá um chute na cara de Mousse com a perna agarrada pelas correntes. Desvia de mais um soco vindo de Ryoga logo atrás, segura as correntes, ainda presas na manga de Mousse, e o gira junto com elas, fazendo o corpo do amazona colidir com o do menino porco num strike. 

Ranma aproveita que os dois estão caídos no chão para se libertar das correntes, mas ainda que doloridos, não se demoraram muito para levantar e se colocarem de frente para a entrada do café gato. Pareciam dois cães de guarda dispostos a não deixá-lo passar. 

O garoto de trança não estava entendendo absolutamente nada, fazia tempos que Ryoga não o desafiava numa luta, tão pouco poderia imaginar que ele e Mousse se juntariam nesse ataque surpresa. Mas embora Ranma aceitasse lutas de muito bom grado, ele só tinha uma coisa em mente: o presente de Akane. 

— Olha, eu não sei o que deu em vocês dois... - ele cerra as sobrancelhas e faz uma pose ameaçadora - Mas eu tenho um compromisso importante agora, e se vocês me atrapalharem, eu arrebento vocês no meio!! 

Ryoga e Mousse se entreolham, e em vez de recuarem, se armam em posição de ataque mais uma vez. Correm na direção de Ranma, que joga sua trança para trás, e se dispõe a dar o que eles querem. 

— Tá bem, seus idiotas!! Vocês que pediram!!! 

 

—--

 

Depois de uns bons minutos recheados de desconforto, confusão e muito papo furado sobre os tais pretendentes, por fim as duas parceiras de crime chegam na sexta e última página, revelando a foto do que parecia ser um garotinho de oito anos. 

— E pra fechar, esse aqui é o Otto, da academia de artes marciais estilo telemarketing, lá da Alemanha. Mas não se preocupe, ele é do catálogo de 69, ele deve ter vinte e oito anos hoje em dia. 

— Ser o mais jovem que conseguimos – a amazona sorri radiantemente, e pisca para Akane – Na carta ele parecer especialmente interessado em você, Akane! 

— Todos acharam você e suas irmãs muito bonitas, pra falar a verdade – Ukyo garante, bem otimista – Mas é verdade, você foi quem fez mais sucesso! 

Akane ainda parecia estar em estado de choque, muda e paralisada como uma estátua. Ela não sabia o que era mais tenebroso: elas terem descoberto seu segredo, terem enviado fotos dela e de suas irmãs para desconhecidos ao redor do mundo como se fossem produtos à venda, ou se era o fato de que, por mais cabuloso que tudo aquilo parecesse, realmente poderia resolver o seu problema. E por isso, as duas parceiras de crime mantiveram o semblante mais despreocupado possível. Dava pra sentir na fala e no olhar delas o quanto elas realmente não se enxergavam. 

A pizzaiola retira as fotos da pasta e as dispõem na mesa, para Akane poder compará-las à vontade e decidir qual daqueles lhe interessava mais. 

— Bom... Por enquanto são esses, querida – Ukyo solta um suspiro de alívio e satisfação por Akane ter lhes dado espaço para falar sobre cada um dos pretendentes, ainda que ela estivesse fazendo uma cara estranha, era melhor do que se tivesse saído dali correndo e gritando – Ainda podemos esperar mais respostas, mas se gostou de um desses... Daí a gente arruma tudo pra você! 

— Sim, sim! - Shampoo assente – E se Akane achar melhor, poder levar fotos pra casa e falar com suas irmãs! Elas também poder casar com um herdeiro, né? 

— Cá pra nós... Esse Otto é beeeem rico! Talvez a sua irmã Nabiki goste dele! 

Shampoo e Ukyo riem, orgulhosas de si mesmas por terem chegado tão longe. Mas agora só faltava Akane abrir a matraca. 

A garota de cabelos roxos se inclina na mesa e examina Akane mais de perto. 

— Bom... Nós dar nosso melhor, Akane. Sua família não perder academia assim. 

— De jeito nenhum – Ukyo garante. 

— Então... - a amazona semicerra os olhos – O que Akane achar? 

A menina gruda os olhos naquelas fotos, tão velhas que até cheiravam a poeira, o que fez as duas garotas acharem que ela estava ponderando sua escolha. Mas aos poucos, e finalmente com espaço para falar, Akane vai voltando a si. 

Ela podia ser ingênua muitas vezes, sendo esse o motivo de sempre acabar sendo feita de boba pelas trambicagens das outras pretendentes de Ranma. Mas depois de dois anos cheios de presepadas, ela já estava ficando calejada. Conhecia bem seus inimigos, e entendia bem as motivações deles. E era tanta, TANTA cara de pau, que ela não conseguiu segurar uma risadinha cínica enquanto balançava a cabeça em sinal de negação. Ukyo e Shampoo se entreolham, confusas, e até um pouco assustadas. 

Akane volta a olhar para elas, que se arrepiam quando ela o faz, exibindo um sorriso sarcástico, sobrancelhas cerradas e olhos pegando fogo. 

— ... Vocês acham que eu sou idiota ou o quê? 

 

—--

 

Do lado de fora, uma luta que se iniciou a tão pouco tempo, já parecia estar no fim. Ryoga e Mousse nunca foram pareis pra Ranma, essa era a verdade, mas quando o garoto de trança estava furioso, a sua força e agilidade pareciam triplicar. Não podia suportar a ideia de que estava deixando Akane lhe esperando lá dentro, contando cada segundo para entregar o seu doce, macio e precioso presente. De todos os dias para eles se juntarem para desafiá-lo, tinha que ser justo aquele? E justo agora? 

Tanto o amazona quanto o menino porco já estavam arfando de exaustão, Ranma era muito rápido, desviava de todos os golpes, eles gastavam mais energia tentando acertá-lo do que qualquer outra coisa. E quando Ranma os atingia, a dor era imensa. Percebendo que os rivais já estavam no limite, ele decide lhes dar um golpe de misericórdia. 

Ranma salta sobre o ombro de Mousse e lhe dá um chute na nuca, aproveitando o impulso para girar no ar e chutar a costela de Ryoga, ambos caem no chão, completamente derrotados. Ele dá tapinhas nas mãos para sacudir a poeira enquanto examinava os dois rapazes quase nocauteados. 

— Idiotas. 

Vira de costas e retorna para o seu plano inicial, ficando de frente para a entrada do restaurante. Ryoga, com o pouco de energia que lhe restava, o observa adentrar o território proibido, e provavelmente virar tudo de cabeça para baixo. 

— Não... - ele suplica, bem baixinho, rangendo os dentes - Não entra... 

Ranma, se recompondo e voltando a ficar nervoso com o que estava prestes a acontecer, respira fundo e gira a maçaneta bem devagar, entrando sorrateiramente no café gato.  

Olha para o chão e vê confetes, depois para o ambiente deserto, sem nenhum cliente. E um pouco afastado da entrada, vê Akane de costas, sentada de frente para Shampoo e Ukyo, que não desgrudavam os olhos da morena, e pareciam descontentes com alguma coisa. Logo acima delas, uma grande faixa que dizia “Primeiríssima (e talvez única) convenção das noivas de Ranma Saotome!!”

“Mas... Que droga é essa?!?”, ele pensa. 

— Aiya, mas o que Akane dizer?!? - Shampoo parecia indignada – Por que nós achar que Akane ser idiota?!? 

— Ah, deixa eu pensar!! - o tom sarcástico de Akane lhe chama a atenção - Vocês sempre armaram todo tipo de coisa pra me prejudicar! Sempre com essa história de que são noivas do Ranma! Mas agora, milagrosamente, um raio de luz caiu sobre a cabeças de vocês e aí vocês se “solidarizaram” com a minha situação?! Ofereceram, não só eu, mas as minhas irmãs também, pra um bando de desconhecidos?!? E ainda tem coragem de dizer que estão tentando me ajudar?!? Vocês são doentes?!? 

A primeira reação de Ranma foi o espanto. Que conversa era aquela? Ofereceram Akane pra quem? E com o que elas se solidarizaram? Isso tem algo a ver com o presente? 

Confuso, e muito curioso, com uma pulga atrás da orelha, Ranma aproveita que não foi percebido e se escora atrás de uma mesa, ficando de joelhos e coberto por uma toalha. Algo ali não cheirava nem um pouco bem, sabia do que Shampoo e Ukyo eram capazes, mas ouvir coisas desconexas vindas de Akane era uma novidade. E cresce dentro dele o sentimento de que, talvez, ele não devesse estar ali. 

— Aiya, Akane! - Shampoo rosna - Não ser ingrata! 

— É! A gente passou dias e noites mandando cartas pra dezenas de pretendentes!! - Ukyo a confronta, batendo no próprio peito – Eu passei noites em claro escrevendo! E até fiquei com tendinite! Não é, Shampoo?! 

— Sim! Nós só querer ajudar!! 

— AJUDAR?!? Chamam isso de ajudar?!? - Akane se exalta – Eu conheço vocês!! Só estão fazendo isso porque não querem que eu me case com o Ranma!!! 

Ranma sente calafrios ao ouvir aquilo, espiando as garotas pela beiradinha da mesa, tomando todo cuidado possível para não ser descoberto. Tentava entender a todo custo do que elas estavam falando, até pensou em ir lá questioná-las, mas ficou muito intrigado com aquela postura de Akane, não parecendo ser a mesma que ele viu hoje mais cedo, muito menos a que lhe enviou um bilhete o convidando para receber um presente. 

— É isso, não é?!? Admitam!! Agora vocês sabem que é por isso que eu sou noiva dele!! Daí armaram essa palhaçada toda!! 

Ukyo e Shampoo trocam olhares gélidos e sem muita paciência, descartando completamente a postura amigável que estavam bancando antes. Como ela ousa desmerecer todo o trabalho que elas tiveram por tantos dias? Todas as noites sem dormir e as dores nos braços? Sabiam que ela era difícil, mas não uma mimada ingrata. 

— Akane... Não ser egoísta! - Shampoo retruca, cruzando os braços e se esticando na cadeira - Nós só pensar no que ser justo pra todos! 

— Justo pra quem?!? 

— Pra nós, garota! - Ukyo rebate, muito ríspida - Nós somos noivas do Ranma tanto quanto você! Eu entendo que você precisa casar com um herdeiro de outra academia pra quitar a dívida da sua família - Ranma arregala os olhos nesse momento – mas é por isso mesmo que arrumamos todos esses pretendentes pra você! Se a gente não se importasse, a gente não se daria a todo esse trabalho! 

Akane engole seco, e quando pensa em retrucar, Shampoo prossegue falando. 

— E mais! Akane nem precisar casar com um deles mesmo! Uma de suas irmãs poder fazer isso! 

— Não ouse envolver minhas irmãs nisso!! - Akane rosna, bastante ameaçadora - Eu não permito!! 

— Tá bom, então case você com um deles!! - a pizzaiola dispara - Você não quer salvar sua família?! E a sua academia?! Estamos te dando uma solução!!! 

— Sim!! - Shampoo concorda – Mas não ser justo Akane casar com homem que já ser noivo de Shampoo! 

— E meu também!! - Ukyo complementa – Seja maleável uma vez na vida, Akane!! 

Akane sente seus dedos tremerem. Mesma coisa com Ranma, a alguns metros de distância. Ela de raiva. E ele de espanto. Ela processava todo o absurdo que teve de ouvir, sabendo que aquelas garotas estavam se aproveitando da sua situação para sair por cima, pensando apenas no próprio umbigo. Já ele, processava toda a confusão que estava a sua cabeça com todas aquelas informações novas, e dada a proporção de tudo, não lhe restava dúvidas de que aquilo estava sendo omitido dele, percebendo que estava sendo um peão de um esquema da qual ele não fazia a menor ideia. 

Akane se sentia desrespeitada. Ranma se sentia traído. 

Depois de alguns segundos em silêncio, tentando se controlar para não esbofetar a cara daquelas duas, Akane se arma sobre a mesa, ficando de pé e estabelecendo dominância sobre elas. Quem via essa expressão de Akane, fria e matadora, não costumava ter um final feliz. 

— Vocês realmente tem muita coragem de me chamar até aqui... Me propor um absurdo desses... Falar da MINHA família como se soubessem de alguma coisa do que estamos passando... - quanto mais ela falava, mais o semblante do garoto de trança murchava – Eu nem sei COMO vocês descobriram tudo isso... Mas quer saber? Não importa!! Esse assunto acaba aqui!! - Akane cruza os braços e ergue a postura, ficando até meio pomposa - Vocês gostem ou não, eu não vou entrar nos seus joguinhos!! 

— Aiiiiiya!! Por que ser tão teimosa?!? - Shampoo rosna, muito enfurecida – Por que Akane fazer tanta questão de casar justo com Ranma?! Ser muito mais fácil casar com um desses herdeiros do que com garoto com quem Akane vive brigando!! 

— Pois é, eu também não queria me casar com um garoto tão idiota, estúpido e egoísta!! - dispara, totalmente sem pensar, perfurando o coração do intruso atrás da mesa como balas – Mas eu finalmente estou tendo progresso com ele, e eu não vou arregar por conta de um capricho de vocês!!! Não preciso da sua “solidariedade”!! - ela gesticula as aspas com os dedos – Eu vou salvar a minha família, e a minha academia, do MEU jeito!!! 

... 

Até mesmo as garotas se espantam com a frieza com a qual ela falou aquilo, parecendo mesmo a velha Akane que xingava Ranma sem pestanejar, na tentativa de parecer indiferente quanto a ele. Leva alguns segundos para Akane se recompor e se arrepender do que disse, levada pelas emoções, sua confusão interna e um leve resquício dos velhos hábitos. Mas agora já foi, não importa mais. 

Bem... Não importaria se Ranma não estivesse logo ali, escutando cada palavra e se desiludindo a cada vez que Akane abria a boca. Todos os últimos momentos que viveu ao lado dela ganharam um novo significado, suas borboletas no estômago morreram, sendo substituídas por uma tontura, e seu brilho nos olhos evaporou completamente, dando espaço a uma cor opaca.  

Cada investida que ela deu, cada conversa, cada troca de olhar, cada toque, e até aquele beijo no rosto... era tudo fingimento pra salvar a família sabe-se lá do quê. Não era sincero. Era desespero. E ele era só um instrumento. 

Ainda que brigassem sempre... Akane nunca na vida o deixou tão magoado quanto agora. 

Ranma se levanta, sendo enfim percebido pelas duas garotas que arregalaram os olhos ao notar sua presença, Akane ainda estava de costas pra ele, tentando intimidá-las. 

— Agora... se me derem licença! - ela se vira para a porta – Eu tenho mais o q-...! 

E petrifica mais uma vez quando dá de cara com o seu noivo. 

— ... Ranma?... 

Ranma a olhava de forma que ela nunca antes viu, tinha uma melancolia indescritível, misturada com raiva e uma palpável decepção. Ele não era de exibir seus sentimentos, sempre mascarando todos eles com um sorriso arrogante e convencido. Mas agora ele parecia desnudo, exposto, ferido. 

Akane sente o seu corpo todo tremer, processando aos poucos de que, pelo clima no ar, ele estava ali já tinha um tempo. Mas por que ele estava ali?? Por que justo agora?? 

Assim como ele, ela também se sentiu exposta. Mas era diferente. Nem se lembrava mais do que tinha dito na hora da raiva, mas definitivamente não soou nada bem. O plano de poupá-lo da realidade que a atormentava, e a fez mudar a postura com ele, falhou miseravelmente. E da pior forma possível. 

Ranma junta as sobrancelhas, pensa em falar alguma coisa, mas desiste. Vira de costas e sai do restaurante. 

— Ranma, não! Espera! - ela suplica, indo atrás dele, mas antes que atravessasse a porta, dispara um olhar choroso e frustrado para as duas garotas que permaneciam sentadas. A presença dele, definitivamente, tinha dedo delas envolvido – O que é que eu fiz pra vocês?!? 

Aquela pergunta feita acompanhada de lágrimas ecoou na cabeça das parceiras, que por um momento, até sentiram pena. Akane sai do restaurante e as deixa, reinando um absoluto silêncio. 

Bom, missão cumprida. Sabiam que empurrar esses pretendentes para Akane não seria uma tarefa fácil, e convidar Ranma serviu como uma carta trunfo. Conheciam ele o suficiente para saber que ele não reagiria bem ao descobrir que tudo aquilo lhe foi omitido, assim, de uma forma ou de outra, eles voltariam à estaca zero. E o melhor de tudo, elas não guardariam nenhum peso na consciência, afinal, elas apresentaram uma solução para o problema dela. 

Pelo menos foi o que elas pensaram. Aquele choro de Akane as fizeram repensar. 

— Shampoo... 

— O quê? 

— Acha que a gente exagerou? 

A amazona começa a ponderar, mas bem, não queria admitir para si mesma que talvez aquilo tivesse sido catártico demais. 

— Bom... Não era justo Ranma não saber, né? - Shampoo justifica – Akane deveria saber disso... 

Assim como Shampoo, Ukyo estava se agarrando a qualquer brecha que fosse de não se sentir tão culpada. Por isso, ela apenas assentiu e relaxou na cadeira. 

— É... Acho que sim... 

 

—--

 

— Ranma, volta aqui!! 

A menina chorosa implorava para o garoto que continuava andando na frente dela, sem virar o rosto uma única vez. Com as sobrancelhas e os punhos cerrados, ele a ignorava completamente, batendo perna e espremendo o rosto, se aborrecendo mais e mais a cada vez que ela o chamava. 

— Ranma, por favor! Deixa eu me explicar!! 

Eles dobram uma esquina e caminham na direção de uma faixa de pedestres, para o azar dele, o sinal estava verde, e ele foi obrigado a parar. Akane finalmente o alcança, e fica bem ao lado dele. 

— Ranma... 

Ela não parava de chorar, e mais lágrimas escorriam ao perceber que ele permanecia relutante em olhar para ela. Seu rosto apontava apenas para frente, tinha uma expressão fria, distante, amarga... Estava nublado, bem condizente com a situação, e aos poucos eles começaram a sentir pinguinhos de chuva lhes tocando a cabeça. 

O sinal se fecha, e sem pestanejar, Ranma atravessa a rua a todo vapor, Akane o observa ir, ainda a ignorando como se ela fosse nada. Quase se joga no chão e se acaba em seu choro, mas respira fundo, enxuga o rosto, e atravessa a rua, o seguindo um pouco atrás. 

— Ranma... Ranma! - ela o chama, e eles alcançam a calçada novamente – Por favor, me deixa explicar o q- 

— Explicar o quê, Akane?! HEIN?!? 

Ela quase salta para trás, num susto, tanto pelo grito dele, quanto pela forma abrupta com a qual ele finalmente se virou, exibindo dentes cerrados, sobrancelhas juntas, e um olhar furioso. Mas que se você olhasse direitinho, tinha uma lágrima se segurando para não cair. 

— Que você mentiu pra mim?!? Que você escondeu toda essa história da dívida?!? Que eu sou só um idiota que você tá sendo obrigada a se casar só pra salvar a academia?!?! 

— Ra-... Ranma... 

Akane engole seco, sua boca treme e a sua torneira se abre mais uma vez. Os chuviscos começaram a ficar mais fortes, pintando aos pouquinhos o cabelo dele de vermelho. 

— Por que você não me contou?!? - o corpo dele diminui - É por isso que você ficou boazinha comigo do nada?!? - a sua voz afinou - É por isso que você me chamou pra sair?!? E não brigava mais comigo?!? E aquele bei-... Argh!! Foi tudo fingimento, pra ver se apressava esse casamento?!? É isso?!? 

O cabelo dele fica completamente vermelho, e à medida que eles se ensopavam pela chuva, Ranma transforma-se completamente em mulher. 

Akane fica sem chão, a forma envergonhada e sentida com a qual ela o olhava, escancarava muito bem que ele ouviu certo. Ranma era esperto, e dadas as circunstâncias, não tinha como chegar em outra conclusão. Agora, a imagem imaculada que ele tinha de Akane, como alguém incapaz de inventar uma tramoia para conseguir o que quer, se desmanchou por completo. Talvez as suas pretendentes fossem todas farinhas do mesmo saco. 

Furioso, mas acima disso, frustrado, Ranma relaxa os músculos, quase se debulhando num choro, que ele segurava com todas as suas forças. Já se sentia humilhado o suficiente para dar a ela o luxo de vê-lo chorar. 

— Cara, eu... - ele fica emotivo, pensando em todas as coisas boas que ela o fez sentir nos últimos tempos, todas as emoções, todas as borboletas no estômago, toda a ansiedade para vê-la no dia seguinte, todas as vezes que dançou em seu quarto pela euforia que era imaginar que a teoria de sua mãe estava certa. Tudo isso evaporou num único estalo – Por um momento eu... pensei que... 

Quando ele a olha nos olhos, lembra de todas as coisas que ouviu. Tudo o que ela lhe omitiu, e tudo o que ela realmente pensava dele. A forma como ela bateu no peito e disse que não queria se casar com um idiota, estúpido e egoísta, mas que estava fazendo isso pela família. 

Aquilo o fez engolir o choro mais uma vez, e virar-se de costas rosnando. 

— Argh! Esquece!! 

Ranma segue seu caminho sem olhar para trás, mas desta vez, Akane não tem coragem de segui-lo. Afogada por vergonha e arrependimento, ela só consegue olhá-lo se afastando, batendo perna e exaltando a raiva que ele tinha todo o direito de estar sentindo. 

Confusa, cansada, e abarrotada de tantas emoções ruins, Akane encosta em um muro e desliza até o chão, afogando o rosto nos joelhos e deixando todo o seu choro esvaziar. 

— Me desculpa, Ranma... Desculpa... 

Esperneia sozinha, se sentindo o pior ser humano do mundo. Ela nunca quis isso, nunca quis que ele descobrisse dessa forma, sequer queria que ele imaginasse que a sua mudança radical foi motivada por isso. Nessas horas, era impossível mentir para si mesma. Ainda que mentisse para Shampoo, Ukyo, e até mesmo para Ranma, no fundo, Akane sabia da verdade. 

Nunca foi só sobre a academia. Nem nunca seria. 

— Desculpa... 


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Notas finais do capítulo

Curiosidade: era pra esse capítulo ser maior.
Após essa descoberta, eu já engataria para o que acontece no aniversário do Ranma. Mas eu caí em mim que se eu fizesse isso, esse capítulo teria 40 mil palavras facilmente KKKKKK além de que, o aniversário do Ranma vai ser importantíssimo, então acho interessante ter um capítulo só pra ele.
Bom, me digam o que acharam! Mandei bem? Exagerei no draminha? Ou foi a proporção certa? Me deixem saber! Estou me esforçando bastante pra melhorar minha escrita :)
Té a próxima!



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