The good parts escrita por Alice


Capítulo 2
Grow


Notas iniciais do capítulo

Grow, Andy Grammer



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"Eu trabalho duro (com certeza),
Eu fico entediado (às vezes)"

Smarkle parou em frente à entrada do prédio, os braços cruzados em proteção e uma expressão séria no rosto. Ficou a uma distância segura, afastada o suficiente do meio fio, quase colada à parede de tijolos de seu prédio. Nova Iorque estava mais lotada de seres humanos do que recordava. Pelo visto tinha mesmo se acostumado à pequena população de Sylva e não havia percebido a lotação de pessoas no dia anterior por conta da pressa em entrar finalmente em um apartamento só seu. Inspirou fundo o ar esfumaçado e pouco limpo, dando um passo de fé em direção ao sinal de trânsito.

O parque verde, do outro lado da avenida, se erguia como um templo de salvação para o desconforto de Isadora. Tantas pessoas diferentes, sons de carros e caminhões, buzinas altas e estridentes, sem falar da cacofonia de vozes que se mesclavam em sua mente. Mal havia saído de casa e já se sentia exausta. Esperou o sinal ficar vermelho para a sua passagem e atravessou rapidamente a faixa de pedestres. Desviando de homens e mulheres de terninho, crianças correndo com mochilas nas costas e um homem segurando cinco cachorros pelas coleiras, finalmente conseguiu chegar na entrada do parque.

Respirando aliviada ao atravessar os portões. Por conta de ter dormido por mais tempo que o planejado, acabou perdendo o horário das 5:30 am, o melhor horário para correr em qualquer cidade. Celina já tinha pesquisado todo o local e lhe garantido que era seguro e confortável correr por aquele parque. Sua irmã, incrivelmente, conversou pessoalmente com um dos guardas que fazia o turno da madrugada e que terminava seu turno às 6 em ponto. O guarda em questão a assegurou de que ao menos dois guardas sempre faziam as rondas e que naquele horário nunca tiveram incidentes antes. Smarkle queria ter acordado mais cedo.

O parque se encontrava parcialmente cheio. Era desconcertante e barulhento, sem falar dos raios de sol insistentes das 8 horas da manhã. Torceu a boca, considerando suas opções. Poderia ficar e tentar correr um pouco, pelo menos para conhecer melhor o ambiente, ou voltaria para seu apartamento e organizaria o que faltava para organizar e seguiria para a loja de móveis para comprar ao menos um sofá. Girou em seus pés, fazendo o caminho de volta para seu prédio. Correria na manhã seguinte, nem que precisasse acordar antes do nascer do sol.

◇•◇•◇•◇•◇

A loja de móveis era luminosa, chamativa e incrivelmente irritante. Isadora mal tinha chegado e já queria ir embora. Nunca gostou de fazer compras e escolher móveis que combinassem para formar "um ambiente acolhedor", segundo Celina, era um trabalho muito difícil. Se ao menos Riley estivesse ali, a morena ensolarada poderia fazer todo o trabalho pesado e tudo terminaria em questão de minutos, porém, teria o risco da Matthew se perder em seu mundo e fazer daquela loja sua segunda casa.

— Em que posso ajudá-la?

A voz calma e educada de uma vendedora a tirou de sua contemplação. Encarou um tanto perdida a mulher de altura mediana, tentando abrir um sorriso que torcia para parecer gentil.

— Gostaria de olhar os sofás, por favor.

Não sabia porque estava focando tanto em um sofá, mas tiraria logo aquele item da lista para poder conseguir se concentrar nos outros móveis. Enquanto olhava para os sofás de cores escuras, torceu o nariz em desagrado, nenhum parecia confortável o suficiente e a lembravam do sofá verde lodo na casa de seus pais. O móvel antigo estava afundando no meio, possuía uma tábua quebrada em um dos braços e o tecido começava a desbotar em inúmeras partes.

Insistiu muito para que trocassem a atrocidade por algo melhor, mas Dorothy argumentava que fora o primeiro móvel comprando por eles como um casal e que não poderiam dispensar o pobre coitado como se não fosse nada. Smarkle sinceramente não entendia o apego por algo que não possuía mais utilização, até Celina concordava. Mas como sua irmã mais velha sempre a lembrava, era a casa de seus pais afinal. Então ela suspirava alto para mostrar seu descontentamento e tentava se livrar da geladeira antiga que consumia mais energia que todas as geladeiras da rua juntas. Era outra batalha perdida.

Pousou os olhos em um sofá de três lugares cor azul céu. Passando a mão pelo tecido macio e suavemente felpudo, abriu um sorriso satisfeito. Ele era lindo, ao sentar constatou que era confortável e o tamanho era perfeito para sua sala, mesmo que provavelmente não pudesse ter uma poltrona por conta do tamanho móvel. Observou a mesinha de centro que fazia par com o sofá, ela era redonda e, tirando sua fita métrica da bolsa, constatou que tinha 1 metro de altura. Em madeira clara e tampo envernizado, combinaria perfeitamente com seu vaso de planta e alguns livros que sempre precisava ter em mãos.

— Vou levar os dois. - apontou para os móveis com seriedade.

A vendedora assentiu satisfeita, provavelmente por ela nem ter perguntado o preço e decidido levar os dois móveis. Isadora não se importou, só queria ir para casa e fazer realmente uma lista de tudo que iria precisar. Nunca tinha sido tão descuidada antes, mas o peso de ter que se virar sozinha e cuidar de tudo sem precisar minimamente de alguém a deixou atuardida. Quando saiu para estudar em Harvard, tinha Farkle para apoia-la e, até certo ponto, ajudá-la sempre que precisasse. Estavam os dois perdidos e deslumbrados com o mundo real e adulto. Era reconfortante saber que não estava sozinha.

Pagou por seu pedido, combinando de tudo ser entregue em sua casa ainda naquela manhã e rapidamente chamou um carro para levá-la até seu apartamento. Chegou em frente ao prédio quase ao mesmo tempo que o caminhão de entrega, os deixou subir tentando deixar o desconforto de ter dois homens estranhos em seu apartamento não muito transparente em seu rosto. Cruzou as mãos em frente ao corpo, parada ao lado da porta de entrada aberta e sempre os observando atentamente.

Quando, finalmente, foram embora, Isadora pôde respirar aliviada. Buscou o desinfetante e o pano que havia comprado antes de ir para a loja de móveis e começou a detetizar o sofá e a mesa de centro. Meia hora depois terminou tudo, seu estômago começando a se incomodar pela falta de comida. Smarkle percebeu que havia passado novamente uma manhã toda sem comer, seu último alimento tinha sido uma vitamina de frutas no início da manhã antes de ir para sua corrida fracassada. Se envolveu tanto na compra do que precisava que não lembrou de se alimentar, e, para piorar, ainda faltava muitos itens.

Olhou para a cozinha vazia, gemendo inconformada, precisava fazer compras e dessa vez realmente comprar algo mais substancial. Decidiu ir ao restaurante no quarteirão mais a frente do prédio. Talvez um almoço de verdade a ajudasse a se concentrar e conseguiria mobíliar seu apartamento ao menos de maneira civilizada. O som da vibração de seu celular sobre a mesa de centro chamou sua atenção, sorriu cansada quando viu o nome de sua irmã. Ela provavelmente esperava notícias que Smarkle não poderia dar.

"Como está indo o primeiro dia oficial de mulher adulta?"

Cansativo.

"Elabore, Izzy"

Mal cheguei e dormi por muito tempo, perdi minha corrida matinal, existem muitas pessoas nessa cidade, comprei um sofá fofo e uma mesa de centro e não tem nada comestível no meu apartamento.

"Onw"
"Coitadinha da mulher independente que tem que se virar sozinha"

Bufou para a reposta de sua irmã. Desligando a tela e levantando-se para procurar um lugar para comer. O celular vibrou tres vezes dentro de seu bolso traseiro.

"Izzy"
"Sério dessa vez"
"Você consegue, irmãzinha"

Sorriu para o incentivo, enviando um polegar para cima em resposta. Celina sabia que isso significava que ela estava tentando acreditar em suas palavras. Controlando a respiração, saiu decidida para fora de seu apartamento quase vazio. Escondeu as mãos dentro dos bolsos de seu cardigã, caminhando devagar enquanto tentava se acostumar novamente com o ambiente. Era tanta informação que a deixava confusa, tinha esquecido desse grande detalhe sobre Nova Iorque. Piscou atuardida quando parou no cruzamento, de um lado tocava uma banda de rua e de outro uma pessoa vestida de pato gigante espalhava panfletos enquanto gritava promoções.

Foi arrastada pelo mar de pessoas quando o sinal foi aberto. Olhou ao redor desnorteada, sua visão sendo um borrão colorido onde ela quase não conseguia distinguir alguma coisa. Seu coração começou a acelerar e Smarkle se forçou a puxar a respiração em grandes lufadas de ar. Precisava se acalmar ou teria problemas. Quando chegou ao outro lado da calçada, já sentia sua respiração falhar, sua garganta apertando enquanto o ar entrava parcamente por sua boca levemente aberta.

Pulou quando sentiu uma mão em seu cotovelo, congelando no lugar sem conseguir escutar ou enxergar quem falava com ela. Foi puxada para longe, começou a balançar a cabeça em negação para quem quer que a estivesse arrastando. Não queria ser tocada. Não queria ir para lugar algum com um desconhecido. Piscou rapidamente para tentar clarear sua visão, aos poucos conseguindo focar na pessoa inclinada à sua frente. O contorno de um rosto fino começou a ganhar nitidez. Cabelos claros, olhos azuis, uma expressão de preocupação conhecida adornando o rosto bonito.

Smarkle voltou a respirar normalmente aos poucos. Era Lucas quem a segurava, não um estranho qualquer. O mesmo Lucas que há anos ela não via, mas um amigo, finalmente. Puxou o ar lentamente, expirando após contar até três. Inspirou e expirou novamente, repetindo a sequência até sentir sua respiração normalizar e suas mãos pararem de tremer. Ainda teria um longo caminho até se acostumar novamente com a agitação de nova Iorque.

— Está tudo bem agora?

Assentiu em resposta, afastando-se quando notou que ele ainda a segurava pelos braços. Lucas recolheu as mãos sem jeito, as colocando ao lado do corpo, mas sem deixar de encará-la com preocupação. Deveria ser sua empatia infinita que o ainda prendia ali. Eles não eram exatamente os melhores amigos, estavam mais para amigos por aproximação. Não conversavam há anos, bom, se ela parasse para pensar, apostaria que nunca tinham tido qualquer conversa substancial a sós. Todas as suas interações foram mediadas por terceiros.

— Hum, obrigada. - agradeceu, sentindo-se momentaneamente envergonhada.

Lucas sempre a deixou desconfortável, não ao ponto de não querer estar em sua presença, mas, somente como uma presença que se irradiava por todos e os fazia se sentirem confortáveis instantaneamente. Sabia que estava sendo poética ao extremo, porém, não conseguia pensar em outra comparação para Lucas Friar. Simplesmente não conseguia.

— Por nada. - falou, olhando ao redor claramente sem saber como continuar a conversa. - Não sabia que você tinha voltado para a cidade.

— Sim. - torceu a boca minimamente, também se sentia estranha tendo aquela conversa, mas se forçou a não dar respostas monossilábicas. - Voltei ontem.

— Que bom. - abriu um pequeno sorriso, o azul de seus olhos brilhando à luz do sol. - Eu moro perto do parque, vai ser bom tem um amigo como vizinho.

Smarkle arqueou as sobrancelhas impressionada, era uma coincidência notável. Se viu sorrindo minimamente, seria bom ter algum conhecido por perto além das ocasionais visitas de Farkle.

— Também moro perto do parque. - informou, cruzando os braços quando ele deu um passo em sua direção. Não estavam terrivelmente próximos ao outro, mas ainda se configurava uma proximidade um pouco sufocante para ela. - Estou tentando mobiliar meu apartamento, mas até o momento me encontro um tanto... perdida em relação ao que comprar. 

Lucas assentiu, dando um passo para o lado a fim de dar espaço para um homem que empurrava um carrinho de bebê. Smarkle observou o estranho se afastar enquanto conversava com alguém por um fone sem fio, empurrando o carrinho com cuidado. Ao seu lado passou uma senhora usando um vestido cintilante e saltos perigosamente altos com tiras enfeitadas por strass, ela sorriu para Lucas de maneira gentil antes de seguir seu caminho.

— Smarkle.

Piscou repetidamente quando viu os dedos de Lucas estalando em frente ao seu rosto. Abriu um sorriso de desculpas por não tê-lo ouvido, claramente ele já a estava chamando por algum tempo. Precisava sair dali e ir para um lugar mais calmo. A existência de muitas informações ao seu redor começava a provocar uma inconveniente dor de cabeça. O Friar deve ter percebido seu desconforto já que se aproximou para ficar ao seu lado, bloqueando sua visão da avenida.

— Você já almoçou?

— Não. - respondeu com uma careta, seu estômago estava praticamente implorando por algum tipo de alimento. - Estava indo para aquele restaurante chinês na esquina quando... é. - deu de ombros sem querer completar a sentença, um tanto desanimada e sem energia.

— Conheço um lugar calmo que oferece uma das melhores refeições que eu já provei. - informou, estendendo o braço em um convite. - O que acha?

Isadora parou, encarou o homem com um dos sorrisos mais lindos que havia encontrado até o momento, retornando o olhar para o braço estendido coberto pela manga do casaco verde militar. Lucas Friar continuava charmoso e igualmente educado. Não pensou mais. Com um pequeno sorriso, enlançou seu braço ao dele e se permitiu ser guiada para a direção oposta. Tudo o que ela precisava naquele momento era de uma boa refeição e um ambiente calmo.

O silêncio, inusitadamente, confortável a relaxou um pouco mais. Ela não se sentia bem para conversar naquele momento, mesmo que os dois nunca tenham tido uma conversa de verdade, e Lucas parecia entender. Ele somente a guiava a passos decididos e tranquilos, olhando para a frente para que não esbarrassem em alguém e os desviando de pedestres apressados. Sua confiança e calmaria era o que Smarkle precisava no momento e se viu agradecida por ter encontrado seu amigo em meio à uma cidade lotada de seres humanos barulhentos.


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