The good parts escrita por Alice


Capítulo 1
Working on it


Notas iniciais do capítulo

Working on it, Andy Grammer



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"Você sabe que estamos apenas trabalhando nisso
Nenhum placar de classificação mantendo a pontuação
Contanto que você tenha acordado esta manhã
E veja se você está trabalhando nisso
Pode levar uma eternidade, mas é melhor do que nunca"

 

Isadora Smarkle suspirou alto quando olhou para as inúmeras caixas espalhadas por seu apartamento vazio. Era um local consideravelmente amplo, com uma cozinha em conceito aberto onde apenas uma ilha de mármore a separava da sala de estar. Em um quadrado bem distribuído, o ponto central da casa se irradiava para mais dois quartos, um banheiro e uma sacada pequena, mas confortável. Era tudo o que ela precisava, um quarto só seu e outro pronto para ser preenchido e transformado em uma biblioteca/escritório. Smarkle estava finalmente sentindo que sua vida começava a tomar um rumo há muito esperado.

Agachou-se em frente à uma caixa lacrada onde se lia "Livros" em uma letra delicada, mas apressada. Puxou a fita, provocando um alto ruído que ecoou pelas paredes cor marfim, abrindo a caixa e começando a retirar alguns de seus exemplares de estudos bioquímicos. Seus preciosos bebês fizeram uma viagem tranquila saindo de Sylva, localizada no condado de Jackson em Carolina do Norte, para Nova Iorque. Sentiu seu coração dar um leve aperto ao lembrar das despedidas chorosas e orgulhosas de seus pais e irmã. Ela precisava sair e construir uma vida para si, mas deixar aqueles que a apoiaram e se apoiaram nela durante anos era difícil do que esperava. Era uma decisão lógica sair, mas ainda sentia que estava fazendo algo de errado.

Ela os amava, com todas as forças e de maneiras especiais para cada um, mas estava se sentindo sufocada na pequena cidade e presa em um emprego que pagava bem, mas se tornara monótono e repetitivo. Isadora era uma cientista, estudou muito para poder descobrir grandes curas ou novos tratamentos, esse se tornou seu sonho desde que sua irmã Celina adoeceu. A mais velha descobriu um câncer no ovário quando Smarkle estava no último ano de Ciências biomédicas, na área de Ciências puras e aplicadas em Harvard. Não teve como ela aceitar uma grande proposta da Minkus e viajar para o outro lado do mundo deixando sua irmã para trás.

Isadora sabia que muitas de suas decisões, a grande maioria esmagadora, seguia uma lógica. Talvez seu raciocínio fosse mais frio por conta de seu espectro ou por ser uma característica sua mesmo, não ligava, só sabia que sempre pensaria muito antes de tomar uma decisão. Quando declinou à proposta de Farkle, que conversou com ela em nome de seu pai, Smarkle sabia que um dia poderia se arrepender, mas tinha a plena certeza de que nunca iria se perdoar caso deixasse sua irmã em um momento tão difícil quanto aquele. Celina precisava dela e seus pais também.

Dorothy era uma típica mãe suburbana, nunca trabalhou na vida porque não precisou, quando começou a vida adulta conheceu Felipo e juntos construíram uma família. Pai, mãe e duas filhas compunham o lar feliz. De acordo com o crescimento de Isadora, eles notaram pequenas características em sua filha mais nova que não sabiam como identificar; após o diagnóstico de Asperger, que faz parte do Transtorno do Espectro do Autisto (TEA), resolveram se mudar para Nova Iorque. Eles haviam pensado que em uma cidade grande com maiores oportunidades, ela iria se desenvolver melhor.

Resultado, Isadora entrou em um colégio de elite, mas desistiu de continuar ali os seus estudos quando finalmente encontrou um grupo de amigos. Seus pais relutaram em deixá-la sair, mas Celina veio ao seu apoio e juntas os convenceram de que era o melhor. Smarkle precisava ter contato com pessoas que queriam uma ligação com ela. Havia mais no mundo para aprender do que as fórmulas matemáticas mostravam. Foram anos conturbados para ela, tudo foi tirado de ordem, mas foi uma desordem que a apresentou seu primeiro amor e um grupo de amigos incríveis.

Celina sempre a apoiou em tudo e a ensinou mais do mundo do que sua mãe poderia. Isadora devia muito à irmã e a amava incondicionalmente, não existiu um mas quando decidiu se mudar para Sylva e começar a trabalhar em uma clínica local. Seus pais precisavam do dinheiro, sua mãe não iria começar magicamente a trabalhar, afinal, ela tinha que cuidar de Celina. Seu pai tinha tido que hipotecar a casa quando emprestou dinheiro para que seus pais, os avós de Isadora, pudessem se aposentar em uma casa decente nas Filipinas. Felipo teve que contar tudo para Smarkle após ela encontrar um aviso do banco uns três anos atrás.

Então começou uma trajetória que durou um pouco mais de cinco anos. Entre a cirurgia de laparotomia, que comprovou a presença de células cancerígenas em um dos ovários, ocorrendo após a histerectomia parcial, a retirada do ovário, e o tratamento de quimioterapia e radioterapia, houve um pequeno momento de alívio que duravam um pouco mais de um ano. Celina voltou a se sentir mal, passando por tudo novamente após uma histerectomia total seguida pelas exaustivas sessões de quimioterapia e radioterapia. A vida passou assustadora e angustiante para Isadora e sua família.

Manteve contato com seus amigos, era difícil construir laços na pequena cidade de Sylva e ela também não fazia muita questão. Não queria se apegar a pessoas de quem iria se afastar e quando descobriam que ela possuía Asperger, começavam a tratá-la de forma diferente. Somado com o fato de que algumas pessoas ainda insistiam em falar em espanhol com ela quando sabiam que ela tinha avós filipinos, Isadora só queria distância. Tinha conhecimento das aventuras e conquistas de sua gangue, como se intitulavam desde o final do fundamental, por meio de mensagens, ocasionais ligações e postagens em redes sociais. Surpreendentemente, com quem mais manteve contato foi Zay, ele declarou que não iria deixá-la escapar e fazia jus à promessa.

Sabia que Riley estava cotada para dirigir seu primeiro filme, um sonho muito antigo que a acompanhou durante toda a graduação e pós-graduação. A Matthew era uma estudante nata e sua curiosidade e otimismo sempre a guiaram. Trocava mensagens raras com ela, as ligações eram mais frequentes pois Riley precisava de fôlego para contar tudo o que acontecia em sua vida. Sorriu ao lembrar da morena agitada, em suas mãos um porta retrato contendo uma foto que ela, Riley e Maya tiraram na formatura do ensino médio.

A antiga Hart, depois Hunter e agora Hunter-Matthew, vivia em Chicago com Josh. Os dois possuíam uma casa linda um pouco afastada da cidade, pelas fotos que postava possuía um estúdio de arte e uma cozinha ampla que eram os locais preferidos da artista e do chefe de cozinha. Isadora estava feliz por eles, os dois passaram por muito para finalmente poderem ficar juntos, sendo esse muito a teimosia inerente de ambos, obviamente. Trocava mensagens com Maya a cada duas semanas, assim como com Farkle. Por falar no Minkus...

Sentou no chão, as pernas cruzadas abaixo do corpo, quando viu o nome do amigo brilhar na barra de notificação. Ele estava em Paris em uma conferência sobre as mudanças climáticas em outra tentativa de conscientizar grandes donos de indústrias. Boa sorte para ele. Isadora aprendeu que as mudanças só viriam se os "donos do mundo" quisessem. Cidadãos comuns tinham um poder, mas no sistema em que viviam esse poder era limitado, mesmo que alguns esperançosos dissessem o contrário. Sobreviver um dia de cada vez era mais importante que proteger um futuro que ainda estava longe para alguém que precisava decidir como se sustentar no dia seguinte.

"Nunca pensei que iria sentir tanta raiva."

Sorriu ao imaginar a expressão contrariada no rosto do amigo. Farkle possuía um pouco do otimismo de Riley e como todo bom otimista era igualmente teimoso. Mas, em contrapartida, ele era um homem de negócios e sabia o que fazer e falar para convencer outros homens de negócios.

Em uma sala cheia de homens brancos ricos? Ficaria até surpresa se você não passasse raiva.

A reposta veio segundos depois, quando ela estava organizando as colchas de cama e algumas almofadas no chão frio.

"Sarcasmo? Vejo que minha Isadora continua a mesma."

Balançou a cabeça em negação mesmo que ele não pudesse ver. Anos atrás esse pronome possessivo, minha, iria fazer seu coração bater acelerado e borboletas fictícias e dramáticas rodopiarem em seu estômago, mas eles não eram mais adolescentes e nem colegas de faculdade. Os anos passaram e agora eram adultos com responsabilidades, trabalhos e planos de vida completamente diferentes. Isadora sempre iria amar Farkle, mas o tempo deles tinha se esgotado e os dois mereciam mais do que o outro poderia oferecer.

Sua não mais, Minkus. Mas quem sabe você não encontra alguém por Paris? Não é chamada comumente de cidade do amor a toa.

Franziu a testa em concentração enquanto procurava pela caixa que deveria conter seus sapatos. Precisava de seu tênis de corrida para começar um dia mais calmo na manhã seguinte. A terapeuta designada para sua família durante o tratamento de Celina tinha aconselhado à Isadora uma caminhada diária, quem sabe até uma corrida para ajudá-la a desestressar. No início ela achou uma ideia ridícula, mas quando a doutora começou a explicar os efeitos hormonais e benefícios a curto e longo prazo, se viu convencida a tentar.

"Isadora Smarkle acreditando em amor à primeira vista, quem diria.
Talvez o mundo realmente acabe algum dia."

Revirou os olhos para a mensagem, mas um sorriso carinhoso puxou seus lábios para cima. Com o dedo indicador empurrou o óculos de armação preta para cima, detestava que toda vez que abaixava a cabeça o sentia deslizar pelo nariz. Parou quando percebeu que tinha acabado de revirar os olhos, somente Farkle para fazer seu eu de catorze anos retornar em uma simples troca de mensagens. Resolveu deixá-lo sem resposta, ainda tinha muito o que organizar e já se sentia cansada.

O dia seguinte seria livre, seu trabalho começaria somente na terça-feira, possibilitando que ela conseguisse organizar ao máximo possível seu apartamento vazio. Precisava ir a loja de móveis e comprar ao menos um sofá e uma estante, não tinha como deixar seus livros para sempre em um chão frio e os acabar perdendo para a umidade. Certo, precisava de uma lista de tarefas. Batendo as mãos decidida, se pôs a procurar um papel e uma caneta, faria tudo à moda antiga e escrever sempre a acalmava.

Em pé, olhou ao redor sentindo seu ombros pesarem. Nunca pensou que sair da casa de seus pais iria dar tanto trabalho. Celina a tinha ajudado a encontrar um bom apartamento em frente à um pequeno parque. Só precisava pegar um ônibus para chegar até o laboratório e ao menos dois para voltar. Tudo tinha sido tão rápido que ela voou para Nova Iorque em menos de uma semana após ter aceito a proposta para trabalhar como pesquisadora em um laboratório independente. Seus pertences chegaram em um caminhão de mudanças fretado e agora ali estava, sem ao menos uma panela para fazer o jantar.

Sabia que deveria ter escutado sua mãe e embalado alguns pratos e talheres, mas acreditava que iria chegar com energia para sair e comprar as coisas básicas. Soltou o ar ruidosamente pela boca, se encontrava tão cansada que tudo o que seu corpo implorava era para deitar no cobertor que havia espalhado pelo chão e deixar tudo para o dia seguinte. Já eram quase onze horas da noite e decidiu seguir seu próprio conselho, prontamente deitando em cima do cobertor e puxando uma manta sobre si. Abraçada a uma almofada cinza, caiu rapidamente na inconsciência, exausta de mais para lembrar que não havia jantado.


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