O azar de Furihata Kouki escrita por Lyubi


Capítulo 1
No aeroporto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806217/chapter/1

Às vezes eu tinha a impressão de que era o indivíduo preferido da má sorte. Não no sentido de ter vivido grandes tragédias, ou ter passado por grandes dificuldades na vida, mas nos detalhes. Eu sentia que devia haver um alvo bem acima da minha cabeça e que os deuses se divertiam tentando me acertar com suas flechas de desventura.

A situação no aeroporto de Istambul não podia ser chamada de briga, mas com certeza estava chamando a atenção de quem passava por perto. De um lado, eu, peso-pena, Furihata Kouki, japonês, 38 anos, e do outro uma rechonchuda senhora de feições ocidentais. A mulher falava vigorosamente sobre algum assunto, gesticulava expansivamente fazendo seu cachecol voar na intensa movimentação enquanto eu esperava muito ereto que o deus dos cristãos tivesse piedade e me arrebatasse.

Quem olhasse de fora confundiria minha mortificação com complacência, mas a verdade é que eu tinha sido pego desprevenido naquela "conversa" e diante da impetuosidade da senhora, acabei sem reação alguma.

Não fazia ideia do que as palavras dela queriam dizer. Achei tratar-se do árabe num primeiro momento, mas depois percebi ser outra língua. Soava com mais "tês" do que "ús". Tinha bastante "tch" e "erres" bastante carregados na garganta assim como "erres" suaves no céu da boca. Acabei distraído reparando na língua estrangeira que soava melodiosa apesar da agressividade da mulher.

Despertei da inércia apenas quando um terceiro se envolveu. Observei outro japonês (meu herói!) falar a língua ininteligível da desconhecida e lhe indicar com a mão algo do outro lado do aeroporto. A senhora muito vermelha deu as costas seguindo o caminho sem mais palavra.

O constrangimento e o alívio me inundaram ao mesmo tempo. Fiz uma enferrujada (mas sincera) reverência ao desconhecido.

— Japonês? — questionei por precaução.

O homem de chamativos cabelos vermelhos assentiu brevemente.

— Agradeço por ter intervindo. Tentei reconhecer o idioma, mas acabei ficando perdido...

— Norueguês. Ela pensou que você fosse um funcionário. Sua calça é parecida com os daquela companhia.

Querendo enterrar a cabeça na areia, relanceei a calça social verde escura de um funcionário que recebia passagens ao longe e que era quase do mesmo tom da minha...

A necessidade de recolher a mala no guarda-volumes tornou-se prioritária e eu agradeci novamente antes de sair correndo para longe.

A onda de má-sorte daquele dia parecia ter vindo com tudo! Acordei assustado pensando que ia perder o voo em Londres, mas quando cheguei no aeroporto o voo atrasou... Depois, como perdi a primeira conexão em Istambul, a segunda demoraria algumas horas e resolvi sair para almoçar e aproveitar a cidade. Mas aproveitei quase nada porque era início do inverno e tudo parecia caro demais... Sem falar no cansaço e no jet leg que já começavam a afetar meu cérebro. E então a senhora norueguesa me confundiu com um funcionário.

Meu chefe daria boas risadas, certeza.

Mas a viagem não tinha sido tão ruim. A semana de seminários em Londres foi incrível e ainda tive tempo para "turistar". Claro que senti falta da companhia do chefe (pobre Akita-san, sofrendo de dores agudas por conta do ciático...), mas, por outro lado, me senti livre e independente. E que ele seja abençoado também por ter tido a generosidade de comprar passagens na classe executiva. O velho odiava a logística das viagens, o tempo preso ao assento de um ônibus, carro ou avião era o pesadelo para ele, então sempre comprava os melhores lugares possíveis. E me arrastava como seu funcionário preferido (e o único que aguentaria passar horas ao lado dele sem enlouquecer também) em seus pequenos luxos — olhei o preço da passagem apenas uma vez e nunca mais ousei olhar de novo.

Após toda a burocracia, embarquei no último avião que me levaria finalmente para Tóquio. Para casa. Esperava conseguir dormir por pelo menos cinco das doze horas de viagem.

Mal tinha acabado de me ajeitar na poltrona ao lado da janela quando meu companheiro de voo chegou. A saliva secou em minha garganta. "Meu herói..." Desejei me fundir ao assento. Não seria ótimo desaparecer?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O azar de Furihata Kouki" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.