Sinistro escrita por Vinefrost


Capítulo 2
Capítulo 1: Prazer, Daniel Monteiro




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Seis meses atrás

Me encaro no espelho do banheiro do meu apartamento após um longo banho e mais um caso concluído. Não diria que foi um completo sucesso, mas já tive piores.

Há um corte superficial na minha bochecha esquerda, resultado do tapa que levei durante o processo; olheiras profundas e escuras abaixo dos olhos castanhos evidenciam os sinais de cansaço. Fora isso, posso dizer que dessa vez saí inteiro, algumas horas de sono e estou pronto para outra.

Aliás, quem me dera mais do que apenas algumas horas, mas uma semaninha. Nos últimos meses a carga horária se tornou desproporcional, estamos recebendo mais demandas do que o normal.

Franzo a testa, fixando a atenção no reflexo. Até que não estou mal para os meus trinta e três anos de vida, qualquer sinal de idade em minha pele morena é consequência do estresse causado pelo serviço. Não é nada fácil livrar o país de seres malditos.

Minha equipe viaja o estado em busca do que a maioria acredita não passar de mentira ou historinha para assustar criança: fantasmas, demônios e monstros. Minha equipe, no caso, é um trio. Ou melhor, uma dupla, Verônica foi embora depois dos últimos eventos. Não aguentou a pressão de lidar com o sobrenatural.

Bom, não posso negar que, com o tempo, esse ramo pode ser desgastante. Mas ela foi devidamente avisada e treinada sobre o que esperar caso aceitasse a vaga. Está difícil achar estagiários capazes hoje em dia, e ela acabou de sair do período de avaliação!

E nem foi tão grave o que aconteceu, só foi possuída por um demônio menor, a “ralé” do inferno, o que é normal hoje em dia. Vários jovens pensam que podem fazer um ritual de invocação como se nada fosse acontecer, mas é mamão com açúcar abrir uma conexão entre o submundo e o mundano.

Por exemplo, o jogo do copo: se realizado corretamente, qualquer alma penada solta por aí pode usar a “brincadeira” como acesso ao mundo dos vivos, sintonizando em algum dos participantes. Quase sempre é a pessoa mais sensível ao paranormal, e esse alguém muitas vezes não sabe dessa habilidade. Resultado: um espírito obsessor para chamar de seu.

Enfim, nossa mais recente missão era localizar o espelho amaldiçoado em que um demônio estava preso e transportá-lo para o armazém do D.E.E., onde ficaria trancado para sempre, ou o mais próximo disso. Mas quem disse que Verônica me ouviu quando falei que não deveria, em hipótese alguma, olhar direto para o objeto, além de deixar sempre coberto? Nesse caso, a curiosidade quase matou o gato.

O demônio escapou e entrou no corpo da primeira pessoa que viu, ou seja, o reflexo de Verônica. Ele cobriu o espelho novamente e agiu como se nada tivesse acontecido pelo resto do dia, fingindo normalidade até conseguir se livrar de nós e assumir a vida de quem tomou o corpo.

Está certo que só fui perceber algumas horas depois, quando a entidade começou a dar bandeira. Verônica deveria estar lutando contra a possessão, pois a voz ficou trêmula e começou a exibir tiques nervosos, como se mais de uma pessoa estivesse no comando de suas ações.

Contudo, foi simples mandá-lo de volta para o inferno. O máximo de danos que Verônica sofreu foram uma ou duas unhas quebradas. Sendo que uma delas foi por meio do tabefe que deu no meu rosto. Um trauma psicológico? Talvez, mas pequeno.

Agora tenho que esperar o RH enviar outro assistente para me ajudar nos casos. Minha dupla, o Gabriel, não auxilia na linha de ação. Seu único dever é registrar o que acontece nos casos, seja com fotos ou vídeos. Resumindo, Gabriel toma conta de toda a parte tecnológica, o D.E.E. exige relatórios detalhadíssimos para todos os casos serem devidamente documentados.

O D.E.E. — Departamento de Eventos Extraordinários, nada mais é do que nosso chefe, que nos designa para áreas de atividade suspeita para sua investigação e solução. Ele é secretamente subsidiado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Se algo sai errado e acaba vazando, ele “abafa” e cria uma história plausível com o que ocorreu, tirando o foco do paranormal. Já imaginou se toda a população soubesse da existência do plano sobrenatural? Seria um caos, por isso temos o D.E.E., fora que o órgão federal também é uma importante ferramenta de monitoramento do oculto no país.

Minha região de atuação contempla o território do Paraná. O D.E.E. tem uma unidade na capital de cada estado, sendo a sede oficial em Brasília, na área subterrânea do Palácio da Justiça. É nesse local que treinam os futuros investigadores paranormais de cada região.

E claro, apenas funcionários e membros do alto escalão do governo sabem da sua existência. Há boatos de que ficou mantido em segredo até de presidentes, espalhado apenas como uma lenda urbana pelas paredes da Esplanada dos Ministérios.

Apago a luz do cômodo e me preparo para deitar, mas o telefone me interrompe do descanso. Observo no visor o nome "Débora", minha intermediária, ela que repassa os casos designados pelo D.E.E. aos agentes do Paraná. Entretanto, quando preciso de alguma informação que esteja no sistema durante uma missão, Débora também pode consegui-la.

Nós, investigadores paranormais, não precisamos comparecer diariamente em algum prédio para trabalhar, nosso serviço é nas ruas. Apenas visitamos as unidades estaduais quando levamos as provas para serem catalogadas e enviadas a Brasília. Ou quando precisamos de recursos para pode atuar, como objetos abençoados, por exemplo. Sendo assim, funcionários como a Débora nos deixam à par de tudo.

— Ganhei! Apostei que ela não ficaria nem três meses — anuncia animada.

— E você me liga às onze horas da noite só para avisar que ganhou uma aposta? — pergunto sonolento.

— Quem me dera! Sei que acabou de voltar de um caso, mas foi designado para outro. Uma cidade do interior está com uma longa lista de jovens desaparecidos nas últimas semanas.

— Essa demanda não seria para a polícia local? — jovens desaparecem diariamente, não há nada de sobrenatural nisso, apenas ação humana. Bom, geralmente.

— Se me deixasse terminar de falar saberia o porquê. Prosseguindo, é caso de natureza extraterrestre...

— Aí vou ter que te interromper de novo, isso é atribuição para o Departamento de Contato Extraterrestre!

— Cortaram a verba do D.C.E., o setor está com pouquíssimo pessoal, estão redistribuindo os casos para quem estiver disponível.

— Não recebi treinamento para essa função... Se bem que, sou formado em nove temporadas de Arquivo X, será que é o suficiente? — argumento sarcasticamente.

— É surpreendente que seja tão cético em relação à vida fora da Terra dado o seu trabalho com o paranormal, algo tão fora do ordinário — suspira.

— Me fale um caso de abdução do qual soubemos que foi comprovado? — a linha fica muda. — Isso mesmo.

— Bom, talvez o departamento vizinho seja melhor em guardar segredos do que o nosso! Como estava dizendo, real ou não, foi designado à sua equipe. O delegado Jonas estará lhe aguardando amanhã, ao meio-dia. Como já sabe, para mais informações acesse seu e-mail corporativo e leia o arquivo que lhe enviei. Boa noite, Daniel.

— Até breve, Débora.

Como sei que casos podem surgir a qualquer hora do dia, dependendo da urgência, sempre deixo arrumada uma mala reserva.

Segundo as informações que Débora me encaminhou no e-mail, sete jovens desapareceram em um período de duas semanas no município interiorano, o que por si só já é alarmante para uma cidade tão pequena. Sendo que o último foi o único que encontraram vivo, quatro dias depois da suposta abdução, hoje à tarde.

Lucas dos Santos, de dezessete anos, estava vestido apenas com a roupa íntima e deitado em posição fetal na beira da estrada. Detalhe: em estado catatônico. O mistério dos jovens, aliado ao aparecimento de agroglifos, desenhos circulares em plantações ao redor da cidade, serviram de alerta para o delegado, que entrou em contato com o departamento solicitando apoio.

— Com todas essas informações, já podemos dizer que temos o pacote alienígena completo, né Mulder? — sussurro enquanto finalizo a leitura do arquivo.

A cidade que devo investigar, Prados Verdes, fica há seis horas de Curitiba, onde moro. Envio uma mensagem de texto para Gabriel avisando que vou passar na casa dele, cinco e meia da manhã, para pegá-lo e, de carro, vamos para lá. Nosso meio de transporte varia, geralmente usamos um dos carros que o D.E.E. coloca à disposição dos agentes.

Exausto, volto para a cama, tenho que aproveitar as poucas horas restantes para descansar.

✞✟✞

— Preciso falar com o delegado Jonas — anuncio para a primeira pessoa que encontro no distrito policial.

— E exatamente quem precisa falar com ele? — rebate o policial civil, parece suspeitar de algo.

— O agente federal que o delegado solicitou, diga que é do D.E.E., ele vai saber — não é qualquer funcionário da polícia que conhece o departamento, como já disse antes, prezamos pelo anonimato.

— E esse agente tem nome? — o policial demonstra sinais de que está ficando sem paciência.

Estendo a mão, deixo à mostra meu melhor sorriso e digo amigavelmente:

— Prazer, Daniel Monteiro.


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Notas finais do capítulo

Quem é vivo sempre aparece, né? Demorei, mas voltei com mais um capítulo! Os próximos serão publicados regularmente, estou saindo do modo surto de fim de faculdade e TCC, preciso reorganizar as ideias KKKKK

Espero que gostem, abraço!

P.S.: Mulder é um personagem da série Arquivo X ♥