Jardim Tempestuoso escrita por Maeva Warm


Capítulo 2
Capítulo 02 - Violetas 2


Notas iniciais do capítulo

Damon Jones - Jensen Ackles
Dylan Werner - Grant Gustin
Georgina Lewis (Ginny) - Emma Stone
Odette Moore - Dakota Johnson
Odile Moore - Katie McGrath
Steve Way - Diego Boneta
Katrina Lis Storm - Angelique Boyer



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O vento frio castiga o grupo de pessoas no terreno abandonado. A previsão do tempo havia anunciado apenas uma chuva forte, surpreendendo toda a cidade com a tempestade que surgiu. Não tinha muita confiança em manter o teste de resistência externo quando a chuva se tornou mais forte e os ventos mais violentos, porém meus protegidos me impressionaram ao aguentar tanto tempo em condições severas. Meus olhos analisavam cada ação deles, enquanto eu pensava nas maneiras em que eles poderiam solucionar o problema mais rápido. As equipes Raposa, Águia e Leão desistiram após a primeira hora de tempestade. A reunião dos pontos verdes faz com que meu olhar se prenda neles por um momento e um sorriso de lado surge em minha face assim que eles se distanciam. Os pontos vermelhos (cor escolhida para facilitar a visualização da equipe Tigre) estavam em distâncias aleatórias, me fazendo pensar se era alguma estratégia ou eles estavam perdidos. A desorientação da equipe Tigre se confirmou quando os pontos azuis celestes uniram-se e eliminaram cada um dos pontos vermelhos. Restavam agora as equipes Cobra, Tubarão e Lobo. 

Os pontos verdes assumiram uma estratégia ousada, mas que mostrou um bom resultado ao irem eliminando as equipes restantes aos poucos. Quando os pontos azuis celeste enfrentaram os pontos azuis turquesa, os pontos verdes já os haviam cercado e tiravam o integrante vencedor do embate, assim que esse derrotava o adversário. Somente a equipe Cobra estava no terreno e deveriam lutar entre si para que o vencedor fosse definido. Meu sorriso aumentou quando minha equipe inteira sentou no chão, indicando que estavam se rendendo para não enfrentarem os companheiros. Aperto o botão logo abaixo da janela de vidro, fazendo a sirene soar indicando o fim do teste.

Desde o início do teste a sala de observação estava mergulhada em silêncio. Apenas Damon, Fred e eu estávamos presentes. Recebo a pasta branca oferecida por Damon, lhe entregando a pasta amarela. Dou a nota referente ao teste, anotando os pontos a serem melhorados na ficha de cada integrante daquela equipe. Recebo a pasta laranja das mãos de Fred, demorando um pouco mais nela, já que avaliaria tanto a estratégia quanto a defesa pessoal. Damon avaliaria o uso de armamento da equipe Lobo, além da defesa pessoal, e Fred avaliaria a estratégia da equipe Cobra, junto com o uso de armamento. 

— Alguém quer café? — A voz de Damon quebrou o silêncio que durava quase quatro horas.

— Prefiro um whisky, mas aceito o café. Forte e sem açúcar.

Dou risada da resposta de Fred, inclinando a cabeça ao olhar para Damon e responder sua pergunta.

— Se você achar chocolate quente, vai ser meu herói. Se não tiver, serve só o café.

Assim que ele sai da sala, volto a fazer as avaliações dos novatos. Faltavam dar notas apenas às pastas azul e preta, que continham nove fichas cada, da mesma forma que a pasta branca. Pego primeiro a pasta preta, sabendo que demoraria um pouco mais na pasta azul devido aos elogios que pretendia fazer à equipe como um todo.

Finalizado o trabalho, descanso a caneta sobre a mesa e ergo os braços para o alto, espreguiçando-me para tentar aliviar o desconforto de tantas horas na mesma posição. Sinto uma leve pressão nos fios em minha nuca e olho para Fred, que me encarava pensativo.

— Tem algum plano para depois do expediente?

— Havia combinado de ir a um bar com Hollie, porém com essa tempestade, acho que vou ficar em casa mesmo. Por quê? — Fecho os olhos para aproveitar o cafuné, ainda mantendo-me alerta ao meu redor.

— Ia te chamar pra dormir na minha casa. Amanhã vou ter que sair pra fazer um favor ao Edgar. Queria me certificar de que vai estar bem alimentada antes de ir, mas se já tem planos, não tem problema.

Estranho o convite repentino, já que se ele iria passar o dia longe, o costume era que dormisse em minha casa.

— Vai passar quantos dias fora? — Não altero minhas expressões ou a forma relaxada em que me encontrava.

— Talvez uma semana.

Permaneço em silêncio, ficando repentinamente de mau humor. Abro um dos olhos quando sinto sua mão afastar do meu cabelo, entendendo o motivo quando a porta é aberta e Damon entra carregando uma bandeja com três copos. Recebo o copo que me oferece, saboreando devagar a bebida quente. Sem mais nada a fazer, esperamos a tempestade diminuir para retornarmos ao prédio da agência.

— A equipe do meu irmão é uma droga! — Damon acaba o silêncio agradável que havia se instalado entre nós. — Só chegou longe porque as outras equipes nem a considerou uma ameaça! Bell tem que ensinar os dela a ter mais paciência ou vão morrer nas primeiras missões. — Sua irritação era visível e bebi mais um gole do meu chocolate quente.

— Quantos precisamos aprovar, no mínimo? — Questiono desinteressada, deixando meu copo sobre a mesa para pegar as pastas novamente.

— Metade. 

Olhando nota por nota, comentário por comentário, sorrio para Damon ao concluir que teríamos cerca de setenta por cento de aprovação. Não era o melhor resultado em uma década, mas devido às circunstâncias, era o melhor que tínhamos.

— Então não há motivos para se preocupar. Temos três equipes com chances de aprovar todos os integrantes; somente dois dos seus dez correm risco de não serem aprovados e metade da equipe do Ian está pré-aprovada. A equipe de Hollie só precisa entender um pouco mais de estratégias. A única realmente preocupante é a do Dean. — Ignorando sua cara feia, pego o copo para terminar minha bebida. — Por que não troca de equipe com ele por uns dias? Ainda temos duas semanas para o teste final.

O silêncio tomou conta da sala mais uma vez. Estava quase dormindo quando o telefone tocou. A tempestade já havia amenizado, porém a chuva ainda estava forte para sairmos dali. Fred atendeu e colocou no viva-voz para que Damon e eu também ouvíssemos, avisando que a pessoa que ligou poderia falar diretamente.

"— Senhores, senhorita, o senhor Weller pediu para avisar que podem guardar as pastas no arquivo e irem para suas residências quando a chuva amenizar. Os novatos já estão sendo instalados na base para a próxima parte do treinamento. Senhor Lewis, senhor Weller pediu também para lembrá-lo que a chuva não pode ser um empecilho para seu compromisso de amanhã."

Com  a conclusão de mais uma etapa, amanhã seria folga para todos, exceto Fred, e eu aproveitaria o dia para descansar, uma vez que era provável a equipe Lobo ficar sob meus cuidados durante a ausência do Lewis. Quando a chuva finalmente passou, já era tarde da noite. 

Sabendo que ele não teria muito tempo para descansar, não lhe dei opção para recusar ao pegar a chave do carro de sua mão e entrar no lado do motorista, o obrigando a ir do lado do passageiro no trajeto até sua casa. Como eu não tinha quase nenhuma habilidade culinária, fiz uma sopa de legumes para jantarmos assim que chegamos. Era o prato mais nutritivo que sabia fazer, pois a outra opção era chá com torradas. Diferente do que acontecia em minha casa, as refeições na casa de Lewis ocorriam  na mesa e com pouca conversa. Terminado o jantar, o empurrei para seu quarto para garantir que iria descansar o máximo possível. Encostei-me no batente da porta e fiquei o olhando, de braços cruzados, até que ele deitasse e dormisse. Lewis tinha problemas com insônia e havia perdido a conta de quantas noites passei acordada para velar seu sono, depois de ele apagar por exaustão. Reviro os olhos quando ele vem em direção à porta, pronta para lhe dar uma bronca e mandá-lo ir dormir, sendo surpreendida quando ele para de frente para mim e me abraça, encaixando seu rosto na curva de meu pescoço. Sua respiração fica um pouco mais demorada, o que me faz pensar que estava inalando o cheiro de meu perfume.

— Boa noite, ratinha.

Um toque suave é deixado em meu ombro após o sussurro rouco ser pronunciado. Da mesma forma que se aproximou, ele afastou-se e, quando consegui reagir, Fred já estava deitado em sua cama e respirava devagar. Balancei a cabeça para não pensar no que raios tinha acabado de acontecer ali e segui para o quarto ao lado, depois de verificar que estava tudo bem com ele, para deitar na cama e dormir.

Permaneço de olhos fechados por um tempo após acordar, esperando que o despertador toque. Tento não pensar que não dormi o suficiente, reunindo um pouco de coragem para erguer minhas pálpebras. Quando me acostumei com a luz do ambiente, estranho a ausência da mesa de cabeceira em estilo provençal que ficava ao lado da minha cama. Lembrando que havia dormido na casa do Lewis, sento-me na cama, apoiando as costas na cabeceira para terminar de despertar. 

A escrivaninha localizada de frente para a cama continha uma bandeja com o que parecia ser meu café da manhã. Afasto os lençóis do meu corpo, evitando uma queda desastrosa logo nas primeiras horas do dia, para ir até a escrivaninha, onde encontro um papel dobrado embaixo da xícara. Assim que pego o papel, puxo a cadeira para me sentar e desdobro o mesmo, suspirando ao ler as linhas contidas ali.

 

Ratinha, 

Vou tentar voltar logo, mas não posso garantir nada, então já avisei ao Edgar que cuide da sua alimentação enquanto eu estiver fora.

Não seja teimosa e nem passe muito tempo no trabalho. Talvez não consiga atender o telefone, por isso não fique irritada.

Coma tudo.

Até breve,

         F.L.

Amasso o papel e o jogo no chão, irritada pela forma infantil a qual sou tratada. Havia ironizado sobre virar babá de pirralhos, mas Frederick parecia querer deixar bem claro que eu sempre seria uma pirralha em sua percepção. Não via necessidade em seus cuidados excessivos, uma vez que ele já havia salvo minha vida e poderia deixar de me tratar como se a qualquer momento eu fosse desmontar. A contragosto, obedeço sua última ordem apenas para que a comida não estragasse ou atraísse insetos para a casa dele.

Com a louça lavada e guardada, saí da casa em que dormi e segui para a minha, que ficava duas casas antes. Aproveitei o dia de folga para cuidar do meu jardim e assistir alguns filmes. Na parte da tarde recebi a visita de Tony, Oliver e Lis, que não demoraram muito, pois deveriam estar na base antes das dezenove horas. Havia orgulho em minha voz quando elogiei o desempenho deles até agora. Era o treinamento mais pesado já realizado em todos os anos de operação da agência e eles conseguiram estar entre os sete melhores. Ocupar essas posições era a garantia de integrar um esquadrão diferenciado quando concluíssem o treinamento. Enquanto os demais aprovados serão enviados em missões mais simples no início, os sete melhores serão designados para missões do mesmo nível que nós, os instrutores. Como não havia nada para fazer após o jantar, liguei para minhas irmãs e meu humor piorou ao saber que Daisy estava próxima demais de um colega de trabalho. Antes que ela inventasse de passar o telefone para nossos pais, me despedi e encerrei a chamada, querendo apenas o conforto de minha cama para não pensar na onda de má sorte que parecia se aproximar cada vez mais rápido. Temia não sobreviver a cada novidade e enlouquecer.

Diferente do que imaginei, tive uma noite de sono tranquila e sem sonhos, o que contribuiu para que meu humor melhorasse durante boa parte do dia. Como os resultados do teste já haviam sido entregues aos demais instrutores, chamei minha equipe e a Lobo para uma reunião em momentos diferentes, repassando todos os pontos a serem melhorados e fazendo os elogios merecidos. Estava quase saindo da sala quando percebi a aproximação do Werner mais novo. Esperei que ele falasse algo, sem ter ideia do qual seria o motivo para uma conversa em particular.

— Professora, nós iremos nos tornar uma equipe só ou o Fred volta antes do exame final?

Continuo o olhando em silêncio, ponderando se responderia ou não sua pergunta. Diante da minha falta de resposta, o garoto leva a mão até sua nuca e parece meio sem jeito ao bagunçar o cabelo.

— Não me leve a mal! Não estou duvidando ou menosprezando sua liderança, mas sua equipe é um pouco… fresca, se comparar com o jeito da minha equipe e acho que não vou me adaptar bem…

Cruzo os braços e encaro o jovem com mais atenção, inclinando levemente minha cabeça para o lado esquerdo antes de lhe responder.

— Perdoe-me por não atender suas expectativas com minha equipe, Bruce, porém sugiro que observe mais o comportamento de serpentes. Elas são silenciosas e esperam o momento certo para dar o bote, uma característica fundamental para vencer predadores maiores. — Baixo meu olhar de seus olhos para o lobo bordado no peito de sua camisa cinza, sorrindo de lado ao completar. — Não precisa se preocupar quanto à sua equipe. Convivi com Lewis o suficiente para saber como um lobo age, especialmente lobos solitários. Nem sempre terá sua matilha por perto, Bruce. Aprenda desde já a se virar sem ela.

Ergo a mão direita e dou dois tapinhas em sua bochecha, mantendo um sorriso falso no rosto ao dar-lhe as costas e sair da sala. Parecendo ter combinado com o primo de me irritar para acabar com meu raro bom humor, Dylan estava em pé ao lado da porta, com um pé apoiado na parede. Assim que notou minha presença, ele se afastou da parede e veio em minha direção.

— Violet, você vai assumir os Lobos? — A ansiedade em sua voz me fez pensar o que esses pirralhos achavam que era o nosso trabalho. — Nós observamos como eles agiram no teste e temos algumas sugestões para cooperação. Claro que eu não gostei muito disso por ter que trabalhar com Bruce, mas Lis me convenceu de que a agilidade e força deles são bem-vindas em futuras situações. Vai nos desgastar menos e podemos finalizar usando até metade do tempo.

Pega de surpresa pela seriedade utilizada pelo garoto e a adaptação à nova situação, permito que finalize suas falas e passo meu braço por seus ombros, o puxando para o dormitório das Cobras.

— Garoto, você acaba de fazer sua equipe ganhar dois pontos positivos. Continuem assim e vão me fazer chorar na cerimônia de conclusão. — Aproximo meu rosto de sua orelha para lhe confidenciar algo. — E não chorei nem mesmo na minha.

Descemos um lance de escadas no fim do corredor para chegarmos até a área dos dormitórios. Aceno com a cabeça para Hollie, que estava fechando a porta amarela quase no fim do corredor estreito e vinha em direção às escadas. Antes que ela chegasse até nós, Dylan abre a porta verde, revelando a sala comum das Cobras. Afasto-me dele para iniciar a ronda diária. Não havia nada fora do lugar e o sofá preto não continha marcas de sujeira ou pequenas áreas mais fundas, indicando que os pirralhos levaram meu aviso à sério e não estavam colocando as patas no sofá tão caro. Como recompensa pelo desempenho no teste, libero alguns canais da tv a cabo para eles assistirem séries e filmes; além de solicitar algumas guloseimas pelo rádio quando faço a lista de reposição da geladeira e armário. Sigo para a porta do lado esquerdo, fazendo observações sobre a limpeza e organização do quarto feminino. Repetindo o mesmo processo na porta do lado direito, onde se localizava o quarto masculino, concluo a inspeção e deixo alguns recados e lembretes no mural que ficava ao lado da entrada.

Como estava responsável por outra equipe, peço desculpas aos meus aprendizes por não ficar jogando conversa fora após a ronda e sigo para a porta cinza, suspirando quando faço o pedido de reposição e noto não saber as preferências dos jovens que habitavam aquele dormitório. Finalizada a tarefa, sento-me no sofá branco, analisando a decoração mais rústica da sala comum e não consigo deixar de concordar com Bruce sobre as diferenças dos times, lembrando a decoração minimalista e sofisticada da equipe Cobra. Convido os integrantes que apareciam para sentarem comigo e levo boa parte da tarde conhecendo melhor a equipe de meu parceiro. 

Quatro dias passaram rapidamente, sem qualquer notícia de Fred. Por mais que detestasse admitir, sua equipe era mais habilidosa do que a minha, porém eram muito individuais, o que fazia a minha ter melhores resultados. Um sorriso se forma em meus lábios quando Edgar elogia a união e sintonia de minha equipe durante a avaliação semanal. Após a visita dele, sigo para a sala onde a parte teórica é ensinada. Deixo a maleta que continha algumas armas brancas sobre a mesa do docente e sento sobre a tampa, cruzando as pernas e apoiando o cotovelo em meu joelho. Descanso o queixo em meu punho direito, suspirando entediada pelas últimas atividades.

Embora tenha gostado de ensinar esses pirralhos a pensar, estar em campo era completamente mais agradável. Um suspiro escapa sem que eu perceba, resultado dos pensamentos preocupantes que rondavam minha mente e não compartilhava com ninguém. O responsável pela morte do meu antigo esquadrão estava por aí e, segundo as informações fornecidas por velhos conhecidos, seus movimentos indicavam que ele estava tentando começar uma vida honesta. Bastardo! Conhecia Joshua o suficiente para saber que essa calmaria significava perigo.

O som da porta sendo aberta chama minha atenção, mas não altero minha posição. Contenho a vontade de revirar os olhos ao acompanhar os alunos que sentavam-se na frente. Sento de forma ereta somente quando Aimee Dubois entra na sala e vem entregar-me uma barra de chocolate. Recebo o doce e aperto sua bochecha com força, dando um tapa leve no local em seguida. O gesto se repete com Evangeline Black, Katrina Lis Storm, Dylan Werner, Steve Way, Annelise Harper, Alec Becker, Odette Moore, Vladmir Kozlov e Jacob Berry.

— É seu aniversário, professora Storm? — A voz de Megan Popps soa quando todos se acomodam e a encaro esperando que explique o motivo da pergunta repentina. — Apenas fiquei curiosa por sua equipe lhe presentear com doces.

— Bem observado, senhorita Popps. — Respondo-lhe com o que parecia ser um elogio, mas tanto os integrantes da equipe Cobra quanto os da equipe Lobo, já me conheciam o suficiente para perceber o desprezo em meu tom. — É um assunto da equipe Cobra. Caso fosse algo para conhecimento geral, teria sido comunicado às demais equipes com antecedência. A data de meu aniversário é irrelevante para seu treinamento, portanto foque em saber apenas aquilo que será necessário para passar nos testes.

Com todos sentados, inicio a aula explicando as melhores formas de esconder as armas que havia levado, dando uma atenção maior nos canivetes e adagas. Os orientei sobre como identificar e quebrar tudo que fosse possível improvisar como objetos pontiagudos em emergências, sentindo-me satisfeita por ter dado aquela aula, já que Lewis provavelmente os ensinaria a partir para o soco. A turma era formada por muitas meninas e elas teriam desvantagem em lutas corporais, assim como eu, Odile e Anne tivemos. 

A lembrança de Odile me levou a prestar um pouco mais de atenção em Odette. A garota era como uma cópia angelical da irmã mais velha e estava sob meu comando. Os mesmos cabelos negros, olhos azuis muito claros, a pele clara e o nariz delicado me deixavam desconfortável e com o sentimento de culpa. De todos os pirralhos, Odette trazia a sensação de que sua presença era pesada demais. Fora meu irmão e primos, ela era a única que praticamente vi nascer e crescer. Odile era minha melhor amiga desde meus três anos e havia decidido não ter mais contato com sua família depois da emboscada. Fred e meus pais brigavam comigo por meus pensamentos, mas não conseguia parar de achar que fui uma das responsáveis pela morte dela. Éramos da mesma equipe, eu sobrevivi e ela não.

Pisco os olhos, saindo do mar de memórias e culpa para olhar a hora e encerrar a aula. Giro o anel em meu anelar direito de forma inconsciente, sentada novamente sobre a mesa enquanto observava os pirralhos se organizarem para sair. Como se tivesse visto a escuridão de meus pensamentos, Odette permanece na sala e se aproxima em passos lentos, torturando-me sem saber, já que não conseguia listar algum assunto que fosse relevante para uma conversa particular.

— Violet, sei que detesta falar sobre assuntos pessoais no trabalho, mas parece que está me evitando, então preciso quebrar uma de suas regras. — Ouvir a voz suave me dá a sensação de levar um soco no estômago por não conseguir evitar compará-la com a voz levemente rouca de sua irmã. Ver os lábios rosados movendo-se, em vez dos costumeiros avermelhados, ao jogar meu erro em minha cara me deixa ainda mais desconfortável. Cruzo os braços em frente ao corpo, aguardando que ela despeje seja lá o que tem a dizer. — Gostaria de saber se posso passar o feriado na casa dos seus pais, com você e sua família, independente do resultado do teste. — A pergunta me pega de surpresa e não consigo emitir som algum, continuando a observá-la. Não deixo de fazer uma careta ao ver seu gesto de colocar o cabelo atrás da orelha de forma tímida, algo totalmente contrário à Odile. — Não culpo você pelo que aconteceu. Seu afastamento só deixa as coisas mais dolorosas e difíceis, entende? É como se eu tivesse perdido minhas duas irmãs.

Suspiro sem precisar de mais palavras suas para entender sua mensagem. Se fosse o contrário, Odile estaria ainda mais presente na vida de meus irmãos para que eles não sofressem minha perda e eu estava abandonando a única irmã dela. Sorrio de lado antes de descruzar os braços e descer da mesa. Puxo a garota para um abraço, afastando sua franja para beijar sua testa.

— Você é sempre bem-vinda na minha família, Odette. Eu é quem não estava presente nas últimas comemorações. — Explico e a solto, apertando suas bochechas como punição por desobedecer uma regra. — Desculpe por deixá-la sozinha por tanto tempo. Vou deixar passar dessa vez. Não acostume.

Quando ia sair da sala acompanhada por Odette, percebi que alguém continuava sentada na terceira cadeira da fileira do canto. Franzo o cenho ao reconhecer Georgina, acenando para Odette seguir para fazer seja lá o que ela tenha no cronograma dela, enquanto vou até a garota silenciosa. Sento na cadeira em frente a dela e a encaro.

— Desembucha qual o problema, Lewis. Minha cota diária de babá dócil já foi batida. — Quebro o silêncio ao esgotar minha paciência.

— Onde está meu tio? — Inclino a cabeça, questionando-me mentalmente se essa garota tinha alguma deficiência intelectual. — Não me olhe com essa cara! Ele disse ao papai que estaria em casa no meu aniversário e até agora não deu notícias.

— E por quê diabos você acha que sei onde ele está? Ou até mesmo que iria te dar essa informação? — Questiono em um tom frio, sem saber se o que me incomodava mais era a arrogância no tom da loira, a demora incomum de Fred ou eu não saber a resposta daquela pergunta. Ainda que não fosse responder à pirralha a minha frente. — Comece a aprender de agora, Lewis. Seu tio não dá satisfação a ninguém e, se vai realmente fazer parte do próximo esquadrão dele, a confiança é crucial. Atualmente, a única parceria dele sou eu e posso te garantir que não estou minimamente preocupada com a ausência dele. Se ele disse que vai estar em casa no seu aniversário, apenas prepare a festa. Se ele realmente estivesse encrencado, eu já teria compartilhado com você e sua equipe a situação. Passe no teste final e ele te ensina como manter seu esquadrão informado.

Sem esperar qualquer reação dela, levanto da cadeira e saio da sala, jogando a chave para Ruby, assistente de Edgar, que vinha na direção das salas de aula.

Como não teria nenhum compromisso após essa aula, optei por ir até o dormitório da minha equipe e verificar como eles estavam. Tinha total confiança de que todos seriam aprovados no teste final, mas a ansiedade poderia ser uma pedra no sapato.

Ao entrar pela porta verde, encontro somente Odette, Steve e Lis sentados entre as poltronas e o sofá. Afasto as pernas de Steve e sento ao seu lado no sofá, iniciando uma massagem em seus tornozelos. Ele era um bom garoto, mas tinha como defeito ser um Way levemente preguiçoso.

— Preocupados? — Questiono sem qualquer emoção em minha voz, recebendo negativas dos três.

— Todos estamos tranquilos com o teste final. — Steve responde minha dúvida. — Se forem situações como as que tivemos até agora, vai ser moleza. Só tire a chuva das opções, se puder. Meu corpo dói até hoje só de lembrar.

— Sem chuvas pra vocês. — Não pude deixar de rir com o pedido inusitado. — O teste final é um pouco mais realista. Vocês vão receber uma missão simples e executá-la com perfeição. — Paro os movimentos da massagem e apoio minhas costas no sofá, relaxando um pouco mais. — Percebi que estão agindo mais em conjunto. Melhor não evitarem as ações individuais. É uma boa estratégia, porém a maioria das missões e trabalhos precisam de duplas agindo na mesma sintonia. — Dou um tapinha nos pés de Steve, indicando que ele deveria retirá-los de cima de minhas pernas. — Mas isso é algo que vamos ajustar depois que passarem!

— Violet, quando receber o anel, vou poder usar o da minha irmã junto?

A pergunta repentina de Odette me pegou de surpresa, assim como sua atitude de vir falar comigo após a aula. Um suspiro pesado sai de meus lábios ao recordar a conversa que tive com Fred alguns dias antes.

— Não, querida. Lewis e eu decidimos não usar mais nossos anéis quando oficializarmos nossos novos esquadrões. — Tento não gaguejar ou tremer enquanto explico, buscando palavras para não magoar a garota a minha frente. — Sei o quanto é importante para você, já que foi a única coisa da Odile que pudemos entregar, contudo, é um lembrete amargo da nossa falha. Ainda estamos investigando o que aconteceu naquela missão e olhar constantemente para o anel do nosso esquadrão só tiraria a minha concentração e do Lewis no hoje. E isso pode custar a vida de vocês. Já chega de mortes.

Encerro o assunto sem a mínima vontade de explicar mais. Steve, como sempre, reclama de sua má sorte amorosa e a implicância de suas primas e irmã quanto às suas escolhas de vida. Os cães desprezíveis dos Way conseguiam me enojar a cada nova descoberta. Lis permaneceu o tempo todo quieta e de cara fechada, como sempre acontecia quando eu estava presente, produzindo o som irritante ao estalar a língua no céu da boca após meia hora (uma mania dela que era quase sua marca e eu odiava), para logo levantar e pegar um livro na estante que ficava ao lado da porta do dormitório masculino, compondo a decoração da área de estudos.

— Hey, Violet! — Steve me chama e quebra parte do clima estranho que começava a se instalar entre nós. — Parece que você conhece um monte de gente por aqui. Agentes secretos não deveriam ser anônimos? Daqui um tempo vão estar te pedindo autógrafos!

— Sim e não. — Coloco o braço sobre o encosto do sofá para poder apoiar minha cabeça com maior conforto ao olhar para ele. — É importante conhecer as pessoas certas. Mais ainda é ser conhecido por elas. Fora que alguns novatos são parentes de conhecidos. Os Storm são meus parentes diretos; minha família odeia a sua, então você e seus primos não são estranhos para mim; Georgina é sobrinha do Frederick; Dean e Hollie estudaram comigo na faculdade; a irmã mais velha de Odette era minha melhor amiga desde que eu era muito nova e acho que a Rose da equipe Tubarão é minha parente de algum grau. — Explico brevemente minha relação com alguns dos funcionários da agência, incluindo os novatos. — Não sou exatamente famosa.

Nossa conversa teve uma breve pausa, pois a porta fora aberta e por ela passaram Evangeline e Dylan, ambos logo se uniram a nós.

— Aproveitando que metade da equipe está aqui, já aviso que meu tempo com vocês acabou. — Falo sem rodeios, não vendo necessidade para despedidas ou palavras banais. — As aulas que fiquei responsável já foram concluídas e, caso Lewis não retorne antes do teste final, Weller vai assumir as aulas restantes. Aprendam e revisem o máximo que puderem, pois só vão me ver novamente se passarem. — Inclino a cabeça ao direcionar meu olhar para Lis. — Espero que isso não seja um motivo para você fazer corpo mole ou vou puni-la por envergonhar nossa família em cada reunião no Solo. Claro que não é obrigatório passar no teste, apenas leve isso a sério. — Tornando a olhar os outros, levanto do sofá. — No dia seguinte ao teste, haverá a cerimônia de entrada e teremos o feriado nacional. Já conversei com o Weller e consegui uma semana de "férias" pra vocês. — Faço aspas com os dedos indicadores e médios ao citar as férias. — Usem esse tempo para se instalarem na cidade. Se tiverem qualquer problema quanto a isso, me procurem. Conheço algumas casas que têm tamanho suficiente para abrigar vocês e ficam próximas ao centro e ao prédio da agência. Vocês são minha primeira equipe, então me deixem orgulhosa ao ponto de não querer outra. — Aperto a bochecha de cada um e aceno em despedida, saindo do dormitório e do imóvel em seguida.

Esbarro com Melanie na saída, aceitando seu convite para uma noite de garotas no pub de sempre. Hollie nos encontraria lá e levaria Agatha e Mary com ela. Éramos um grupo estranho, que mal trocava algumas palavras no trabalho, mas não demoravam em se tornarem melhores amigas depois de alguns drinques. Balanço a cabeça discretamente, com um sorriso no rosto, espantando as lembranças das últimas saídas que tivemos e concentro-me em observar o caminho enquanto a Graham dirigia.


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