Jardim Tempestuoso escrita por Maeva Warm


Capítulo 1
Capítulo 01 - Violetas 1


Notas iniciais do capítulo

Os capítulos serão divididos pela flor que estiver narrando, reiniciando quando mudar o ponto de vista, mas seguindo a linha temporal.

Violet Storm/Narcisa Lola Storm - Marlene Favela
Frederick Lewis (Fred) - Norman Reedus
Orchid Storm - Catherine Zeta-Jones
Edgar Weller - Jon Hamm
Hollie Bell - Elisabeth Harnois



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Retiro os pés de cima da escrivaninha quando o despertador começa a alarmar e levanto da cadeira, indo desligar o objeto barulhento. Encaro os números luminosos mudando, ainda pensativa sobre o caso que parecia tão simples no início, mas que se revelara uma dor de cabeça dos infernos. 

A carta de minha mãe ainda permanecia intocada, repousando ao lado do despertador e meus olhos, depois de alguns minutos observando a hora passar, se desviaram brevemente para ela. Tinha certa noção do conteúdo escrito, pensando, provavelmente pela milésima vez, se deveria ou não abri-la e ficar mais irritada. Um suspiro escapa por meus lábios ao ter certeza de que se não enviasse uma resposta para Orchid durante o dia, ela sairia da fazenda e viajaria os quase duzentos quilômetros apenas para gritar seu drama de sempre. O formato irregular das letras chama minha atenção, denunciando que minha adorável mãe estava bastante irritada quando a escreveu. Fato esse que se confirmou à medida em que fui lendo o conteúdo (que se resumia em exigências sobre um relacionamento, eu estar ficando velha demais para lhe dar netos e a regra da família onde meus irmãos só poderiam casar depois que eu o fizesse).

Jogo o papel de qualquer jeito sobre o criado mudo, decidindo tomar banho e ir trabalhar antes que perdesse a hora. Termino de fechar o cinto quando chego na sala de estar, bem a tempo de ouvir as batidas contra a porta. Reviro os olhos por não ter tempo de tomar café da manhã e me apresso em ir abrir a porta, antes que minha companhia resolvesse quebrá-la. De novo.

— Trouxe comida? — Questiono assim que abro a porta e vejo o homem escorado no batente, com sua expressão mal humorada de sempre.

— Alguém tem que te alimentar, ratinha. — Ao terminar de me provocar, Fred levanta o braço, mostrando a sacola que trazia.

— Vou pegar minha bolsa.

Pego a sacola de sua mão e retorno para o interior da casa apenas para pegar minha bolsa, que havia deixado no pequeno escritório localizado quase no fim do corredor. Abro a embalagem ainda no cômodo de poucos móveis, comendo dois dos pãezinhos contidos ali, para não dar o gostinho ao Lewis. Arqueio a sobrancelha ao vê-lo sentado no sofá, prestes a se servir do whisky que sempre comprava para ele.

— Se chegarmos atrasados, vou dizer que a culpa é sua. 

— Eu não ligo.

Bufo ao começar a me irritar com a indiferença habitual de meu parceiro, ficando tentada a descontar nele a raiva causada pela carta de minha mãe. Sem fazer mais nenhum comentário, ajeito a alça da bolsa em meu ombro e sigo para fora, caminhando sem pressa até o carro preto estacionado em frente ao meu jardim. Abro a porta do passageiro e jogo minhas coisas no banco de trás, optando por terminar de comer o que ele me trouxe assim que sento no banco.

Olho sem muito interesse as mensagens em meu celular, mantendo o silêncio durante todo o trajeto até o prédio da agência. Sentia seus olhos me observando a cada oportunidade, mas não queria conversar e nem comentar sobre meu mau humor. Faltando apenas dois quarteirões para chegarmos em nosso destino, uma mensagem chama minha atenção e meu semblante se altera um pouco.

— Lewis, não havíamos prendido o bastardo que fez a emboscada? — A pergunta saiu baixa e era possível perceber a dúvida em meu tom de voz. — O que diabos ele está fazendo no restaurante que inaugurou antes de ontem? — Amplio a foto que me foi enviada e sequer aguardo um comentário do homem ao meu lado para continuar com as perguntas que passam por minha mente. — De que infernos ele conhece minha irmã?

— Ele fugiu há quatro dias. — Sua resposta foi simples e direta, mas sua voz estava carregada de todo o ódio que eu sabia estar sendo oculto. — Qual irmã? Se for a Lola, ela se acha a própria rainha do inferno, não me surpreende que se conheçam.

Sem interesse para discutir sobre a desavença entre ele e minhas irmãs, entrego-lhe o celular quando estaciona, permitindo que analise a foto do suposto casal sentado na parte externa do restaurante de frutos do mar. Liberto-me do cinto de segurança e me inclino para pegar a bolsa na parte de trás, apoiando-a em meu colo enquanto aguardo por qualquer comentário de sua parte.

— Liga pra Lola e tenta descobrir alguma coisa. Já coloquei uma equipe atrás dele, mas parece que vou ter que ir pessoalmente cuidar disso. — Ergo a mão para pegar o celular quando me devolve, arqueando a sobrancelha quando noto que não solta o aparelho. — Ninguém vai tocar em você enquanto eu estiver aqui. Falei com Edgar e você vai treinar os novatos a partir de hoje. Não pegue leve com eles.

Mordo o lábio e encolho um pouco no assento, relembrando a emboscada em que nosso esquadrão foi eliminado quase por completo. Meu olhar logo recai sobre a cicatriz em seu pulso, puxando o aparelho de uma vez ao lembrar que havia outras em seu tórax, cobertas pela camisa acinzentada, todas causadas quando ele me salvou há um mês. Ignorando o sorriso sarcástico em seu rosto, abro a porta e saio do carro, andando um pouco apressada rumo à entrada lateral do prédio vizinho ao estacionamento.

Meu humor estava ainda pior, pois era a primeira vez em que trabalharíamos separados desde que entrei na agência de detetives, três anos atrás. Embora tivesse odiado Frederick desde que o vi pela primeira vez, ele era a única pessoa em que confiava plenamente ali. Além das missões bem-sucedidas e do fato de sermos vizinhos; no último mês havíamos recusado sermos integrados em um novo esquadrão, passando a trabalhar em dupla. Nenhum dos dois gostava de demonstrar qualquer tipo de sentimento, mas era mais do que claro a importância daquela equipe. Foi a primeira equipe que Fred liderou e eu era uma novata. Então algo deu errado, fomos pegos em uma emboscada e, de oito pessoas, somente ele e eu sobrevivemos. Desde então nossa convivência passou a ser mais pacífica, embora ainda existam bastante provocações entre nós.

Ignorei alguns colegas no caminho até minha sala, jogando minha bolsa de qualquer forma sobre a mesa e pego uma garrafa que escondia em um fundo falso na segunda gaveta. Sentada na cadeira, apoio os pés na mesa e destampo a garrafa, bebendo o líquido diretamente do gargalo.

— Esse é o seu grupo de pirralhos. Seus horários novos estão aí dentro também. — Fred jogou uma pasta próxima aos meus pés e apenas olhei para a mesa antes de beber mais um gole. — Edgar vai fazer uma reunião com os instrutores desse semestre. Esteja na sala dele em meia hora. Te vejo lá, ratinha.

Sem dizer qualquer outra palavra ou esperar alguma reação minha, o homem alto saiu da mesma forma em que entrou. Suspiro antes de guardar a garrafa. Sentada de forma adequada dessa vez, pego a pasta e leio as informações contidas em cada ficha, fazendo anotações em um bloco de notas vez ou outra. O som do telefone interrompe minha análise, mas não tiro meus olhos da ficha de uma das novatas ao pegar o aparelho para atender a chamada.

— Storm.

Me identifico assim que apoio o telefone entre meu ombro e ouvido. Reviro os olhos com a voz mandona de Edgar do outro lado, desligando assim que ele avisa que falta somente eu para iniciar a reunião. Guardo a ficha na pasta novamente e a coloco em uma das muitas aberturas secretas da minha sala antes de sair. Torcia para que nosso chefe não falasse sobre muitas coisas e nos liberasse logo, afinal, eu deveria encontrar os pirralhos depois da reunião.

Ao passar pelo quarto andar, onde se localizava a sala de Edgar, paro em frente à primeira sala à direita, observando pela janela de vidro o rosto dos quase setenta novatos. Todos pareciam concentrados e focados nas orientações básicas. Reconheci o rosto dos dez que estariam sob meus cuidados em pouco tempo, mas não tive qualquer impressão significante sobre eles. Lembrando da reunião, retomo minha caminhada até a sala de Edgar, batendo na porta assim que chego. Respiro fundo duas vezes quando recebo a autorização para entrar, na tentativa de melhorar meu humor e não brigar com ninguém. A palma de minhas mãos estavam suando demais e tive um pouco de dificuldade em girar a maçaneta. Quando, enfim, entro na sala decorada com móveis de cor escura e objetos prateados, passo rapidamente o olhar pelas pessoas presentes, sem conseguir imaginar como conseguiríamos algum resultado satisfatório com os pirralhos.

— Desculpem o atraso! Ainda estou digerindo a informação de que vou ser babá de pirralhos. — Me pronuncio ao perceber que ninguém falava nada, sorrindo de lado ao ironizar.

— Até outro dia, você era uma pirralha também.

A voz arrogante de Damon Jones rebate meu comentário e meu sorriso aumenta um pouco quando o olho fingindo inocência.

— Você ainda lembra a sensação, Jones? Já devem fazer tantas décadas que você foi um pirralho… Desde a fundação? — Continuo a provocá-lo, sabendo que ele odiava qualquer comentário relacionado à sua idade.

O som de uma batida soou na sala e todos olhamos na direção do barulho, vendo as feições irritadas de Edgar.

— Chega! Vocês são adultos e profissionais competentes. Não é hora de briguinhas infantis! — Retirando a mão de cima de sua mesa, Edgar caminhou até a mesinha embaixo da janela e serviu-se de uma generosa xícara de café. Ele voltou a falar, mas não deixou de admirar a vista do parque central, que se localizava há alguns quarteirões de nosso prédio. — Devido ao acidente do mês passado, o presidente autorizou a aprovação de uma turma maior. Como as baixas estão cada vez maiores, vocês vão ser responsáveis pelo treinamento geral, em equipe e individual. Melanie, você vai ensinar o básico de enfermagem para eles; Dean, ensine-os a fazer uma averiguação e um interrogatório  decentes; Damon, ensine a eles defesa pessoal; Fred fica com o ensino de armamento e Violet com o de estratégia. Façam eles pensarem além; Hollie, eles acabaram de sair da faculdade, faça um intensivo sobre negociação, perseguição e como obter informações; Ian, ensine tudo que souber sobre disfarces. Quero a nova turma pronta pra estar em campo em três semanas.

Devido à urgência do assunto, Edgar dita a tarefa de cada um sem dar espaço para questionamentos. O silêncio na sala é tão grande que a voz de nosso chefe é somente um pouco mais alta que um sussurro, mas audível a todos. Depois de dividir nossas funções gerais,  o moreno à nossa frente afrouxou a gravata preta que usava e abriu dois botões de sua camisa vermelha. Cada movimento seu é cuidadosamente acompanhado por nossos olhos e, pela primeira vez desde que entrei, vejo pastas coloridas sobre a mesa entre nós. Os dedos longos seguram as cinco pastas que nos são entregues.

— Melanie, equipe Tubarão é sua. — Graham se adianta e pega a pasta azul que está estendida em sua direção. — Dean, equipe Tigre. — O Jones mais novo repete o gesto de Melanie e pega a pasta preta. — Damon, equipe Raposa. — O mais velho dos Jones pega a pasta laranja. — Hollie, equipe Leão. — A pasta amarela logo é pega pelas mãos pequenas da Bell, que não espera uma autorização para abrir o documento e ler o conteúdo. — Ian, equipe Águia. — Restando somente a pasta branca a ser entregue, os demais alternavam os olhares entre Edgar, Fred e eu. Entendendo a dúvida que pairava, nosso chefe sentou-se em sua cadeira antes de explicar. — Fred já levou a pasta dele e de Violet. Ele está com a equipe Lobo e ela com a equipe Cobra.

Recebemos mais algumas orientações sobre como levar o treinamento adiante e, para minha surpresa, o assunto da fuga de Joshua Sanders é mencionado pelo Weller.

— Vocês já devem ter ouvido sobre a fuga do Sanders e são minhas pessoas de confiança, então não vou fazer muito rodeio e ir direto ao ponto. — Enquanto bebia mais um gole de café, Edgar parecia ter envelhecido muitos anos em uma questão de segundos. — Temos traidores entre nós. Alguém fez a gentileza de facilitar a saída não autorizada do Sanders e isso está ficando cada vez mais complicado. Além da segurança de vocês estar em risco, não sabemos até que ponto os vermes que o ajudaram são corruptos. Investiguem isso paralelamente e, Violet, solicitei ao setor de proteção à testemunha que colocasse guardas para proteger sua família. 

Aceno a cabeça em agradecimento, questionando-me se era uma medida necessária, afinal, minha família era conhecida justamente pela excelência dos serviços da empresa de segurança privada que eles possuíam há mais de meio século. Sorrio pelo gesto de amizade, saindo da sala junto com Hollie assim que fomos liberados.

— Então V, já deu uma olhada na sua equipe e futuro esquadrão?

A olho com certo desdém pela pergunta, já que era uma característica minha buscar saber todos os detalhes antes de iniciar qualquer tarefa. Seguimos para a sala em que os novatos estavam, sendo brevemente apresentados a eles. Sem pedir licença, pego a prancheta que estava sobre a mesa do instrutor responsável pelas boas-vindas e orientações básicas deles. Passo os olhos pela lista de chamada e pronuncio os sobrenomes que havia decorado antes.

— Becker, Berry, Black, Dubois, Harper, Kozlov, Moore, Storm, Way, Werner. — Ao terminar de ler os sobrenomes, ergo a cabeça para olhar os seis novatos que se levantaram. — Vocês vem comigo. Estão liberados da apresentação inicial.

Uma garota de olhos escuros e rosto oval ergue a mão de forma tímida. Cruzo os braços, ainda segurando a pasta, e espero seu questionamento.

— Senhorita, a qual Black se refere? Evangeline ou Scott?

Lembrando que eles ainda não deveriam saber a divisão de equipes, descruzo os braços e leio os sobrenomes que estavam repetidos, dessa vez acompanhados pelos nomes.

— Black, Evangeline. Storm, Katrina. Way, Steve. Werner, Dylan. — Coloco a pasta em cima da mesa e viro para sair da sala. — Boas vindas e boa sorte aos demais. Vão precisar.

Escuto os passos atrás de mim e desço para o segundo andar, onde ficava minha sala, ciente de que estava sendo acompanhada por minha nova equipe. Em um gesto involuntário, levo minha mão esquerda até a direita e giro o anel prateado que descansava em meu anelar. Entro em minha sala, deixando a porta aberta para eles, e sigo direto para minha mesa. Ainda sem verificar a situação de todos, pego o telefone e disco o número de um restaurante próximo e que pertencia a um velho amigo.

— Tim? É a V. Prepara uma mesa pra onze em meu nome. Isso, onze. Horário? Consegue para daqui a quinze minutos? Ótimo. Até logo. Besitos. — Desligo o telefone e encaro os dez jovens que me acompanharam. — O almoço hoje é por minha conta, mas não acostumem. Como podem perceber, essa é a minha sala e vocês vão dividir a sala ao lado com a equipe Lobo porque Lewis e eu temos outros trabalhos em dupla pra finalizar. Depois do almoço vou apresentar o prédio para vocês e entregar os documentos que vão ter que decorar cada ponto. Não estou interessada em saber o que fazem ou deixam de fazer, isso é problema de vocês. Porém se forem aprovados vão ser oficialmente meu esquadrão, então espero apenas a perfeição de todos. Caso alguém queira desistir, a hora é essa. Do contrário, podem esquecer a partir de agora família, amigos, vida social e descanso pelas próximas semanas. Dúvidas?

Falo tudo que é necessário, sem qualquer vontade em ser amistosa. Recebendo negativas quanto à existência de dúvidas, começo a caminhar pela sala em direção ao compartimento em que deixei a pasta esverdeada.

— A partir de agora, vocês são meus braços direito e esquerdo. Só podem entrar aqui com a minha permissão ou ordem, exceto em situações de emergência. Esse é o horário de vocês. Sugiro que levem a folha para anotar onde fica o local de cada atividade. Não tolero atrasos e se eu atrasar por mais de uma hora em alguma situação futura, podem colocar o traseiro de vocês pra trabalhar e solucionar o problema. Priorizem sempre concluir a missão e lembrem que ninguém fica pra trás. Meu número pessoal está na parte inferior da folha que lhes entreguei, usem somente em último caso. Uma vez aprovados, podem utilizar para manter contato mais frequente comigo. No treinamento geral, vocês estarão aos cuidados dos demais instrutores sênior, mas qualquer problema que tenham, devem se direcionar a mim. Acho que não há mais nenhuma instrução básica. Vamos almoçar.

Sorrio para eles e guardo a pasta novamente para logo sair da sala, sem esquecer de pegar minha bolsa, sendo acompanhada pelo grupo. A porta da sala vizinha a minha é aberta e por ela sai a equipe Lobo, sendo acompanhados por Fred.

— Tim?

Seguro a risada com a pergunta de Fred assim que vê minha equipe e, em vez de respondê-lo com palavras, entrelaço seu braço com o meu.

— Onde mais caberia um grupo desse tamanho? — Tiro meu olhar de seu rosto para me dirigir à minha equipe. — É bom que gostem de massa. Não estou disposta a almoçar em outro lugar.

Recebendo risadas como resposta, fomos em direção ao estabelecimento localizado na rua paralela à entrada do prédio. Durante o almoço o clima entre os vinte jovens e nós era descontraído e divertido. Não havia visto os nomes dos participantes da equipe Lobo antes, me surpreendendo um pouco ao ver meu irmão mais novo e um de meus primos compondo o time. Tony, Oliver e Lis (que fazia parte da minha equipe) juntos poderia ser equiparado ao fim do mundo.

Fiquei um tempo distraída ao observar a interação das duas equipes, franzindo o cenho ao sentir um olhar sobre mim. Buscando a origem do olhar, percebo que Fred encarava minhas mãos e vejo a dúvida em sua expressão. Só então notei que girava o anel fino em meu anelar direito, sentindo os detalhes das duas pequenas cobras que circundavam a pedra esverdeada no centro, acompanhada de dois pequenos brilhantes. Minha atenção vai até o pescoço masculino, o que faz uma risada escapar de meus lábios ao entender minha sorte.

As equipes sempre eram representadas por um predador e uma cor. Era costume presentear os novatos com uma joia referente à sua equipe quando eram aprovados no teste final. A joia funcionava como um rastreador, além de ser uma lembrança. Fred possuía um colar com um pingente de prata de um lobo, como se estivesse uivando para a lua, mostrando que seu esquadrão original era a equipe Lobo. A primeira equipe que ele liderou foi a Cobra, tendo que se adaptar ao modo de operar desse predador, enquanto eu lideraria uma equipe do mesmo predador que minha original. O sorriso em meus lábios é debochado e a mão que antes brincava com o anel, agora ergue uma taça de vinho em um brinde. Sua cara se fecha e ele levanta para ir embora. Permaneço no restaurante por mais meia hora com minha equipe, conhecendo os integrantes um pouco mais.

Quando chegamos à agência, os levo até a sala de descanso no primeiro andar e os deixo livres por mais meia hora. Envio a imagem que recebi mais cedo para minha irmã e uma pergunta.

"Quem é esse cara?"

Menos de um minuto depois recebo algumas mensagens explicando a situação.

"É mais fácil você me perguntar se vai chover hoje."

"Isso foi há dois, três dias…"

"Se não mandasse a foto, sequer lembraria desse homem." 

"Não sei o nome." 

"Não conversei por muito tempo."

"Não tivemos nenhum contato além de cinco minutos de conversa." 

"Também não lembro o assunto." 

"Mama está esperando sua resposta."

"Nathan perguntou por você." 

"¡Hasta luego!"

Encaro a tela do celular, um pouco surpresa pela quantidade de mensagens que minha irmã manda em alguns segundos. Um gemido baixo de descontentamento sai de meus lábios. Havia esquecido de responder a carta de minha mãe e, se não ligasse ainda hoje para ela, iria vê-la antes do previsto. Digito uma mensagem maior, para enviar apenas uma vez.

"Esqueci completamente de responder. Gracias por lembrar. Diga a Nathan que logo estarei visitando vocês e que o amo muito, por favor. Cuide-se!"

Fecho os olhos por um momento, ligando para minha mãe e tento não ficar tensa. O som dos toques espaçados são como uma tortura e quando penso que a ligação cairia, escuto a voz irritada de minha mãe fazendo seu drama de sempre.

"— Lembrou que tem mãe? ¡Por Dios! Já estava sentindo palpitações e falta de ar. Diga, ingrata, está esperando o dia de minha morte? Irá derramar lágrimas falsas em meu caixão? Não aguento! Onze horas de dor para dar à luz uma ingrata!"

Respiro profundamente e solto o ar devagar, tentando com todas as minhas forças não perder a pouca paciência que tinha e evitar brigar com ela. Deveria ligar com mais frequência.

— Mama, por favor, acalme-se, sim? Não esqueci da senhora, apenas tive muito trabalho esses dias. — Antes que ela mencione a carta, mudo o foco para as novidades na agência. — Acredita que vou liderar minha primeira equipe? Lis faz parte dela. Ela combina mais com a imagem de uma leoa do que uma serpente, mas acredito que se sairá muito bem.

"— Liderar uma equipe? Agora sim irá esquecer que tem mãe mesmo! Por quê não crava logo uma adaga em meu peito e me poupa de todo esse sofrimento?"

— Mama, mi mamacita, por favor… — Suspiro para não encerrar a chamada em meio ao lamento dela. Apoio meu cotovelo na mesa e inclino um pouco a cabeça, o suficiente para esfregar o espaço entre minhas sobrancelhas. — Achei que ficaria feliz que estou mais perto de Tony e até de Lis e Oliver. Vou vê-los todos os dias e, dependendo de quantos forem aprovados, a visitarei com meus protegidos. Algum deles pode ter um irmão ou primo mais velho…

De repente a chamada fica em silêncio. Passados alguns minutos, afasto o aparelho de meu ouvido para me certificar de que a ligação não havia caído. Sabendo que acertei o ponto crucial, recosto-me na cadeira e ergo as pernas para as apoiar na mesa, cruzando logo os tornozelos. Quando penso em desligar, a voz de minha mãe rompe o silêncio.

"— Está considerando o que lhe falei ou tenta me enganar? Mi vida, concordei que fosse para esse emprego porque pensei que era apenas uma aventura. Não desperdice sua juventude arriscando sua vida! Logo essa energia acaba e quem estará ao seu lado para cuidar de você, cariño?"

A voz doce de minha mãe era uma de minhas fraquezas. Sou tão acostumada com seus dramas e gritos que nunca aprendi a lidar com sua amabilidade. Olho para cima, respirando fundo mais uma vez ao ouvi-la me chamando pela forma carinhosa a qual nos ensinou que deveria ser direcionada apenas à pessoa que entregaremos nosso coração.

— Meu trabalho é muito importante para mim, mama. Não estou buscando ser a vilã na vida de Daisy ou Tony. Lola sequer se importa com isso, uma vez que ela já tem Nathan. Minnie e Sue são novas demais para pensar sobre isso. Então, a menos que Daisy ou Tony tenham algum interesse romântico, prefiro aproveitar a liberdade que tenho no momento. Prometo que estarei em casa no feriado, tudo bem?

"— Um ano, vida. Tem um ano para encontrar alguém que te interesse. Se não escolher alguém, terá de aceitar o rapaz que papa e eu escolhermos. É minha palavra final. Lembre de avisar quantas pessoas trará no feriado. Mi corazón es tuyo."

— Mi corazón es tuyo.

Repito nossa pequena declaração de amor e a chamada é encerrada. O celular repousa em meu colo e permaneço de olhos fechados por um bom tempo. A porta é aberta e o barulho de conversa animada invade minha sala. Não faço qualquer movimento, aguardando que eles silenciem e acalmem-se para retomar o tour.

— Um ponto negativo para todos. Aqui não é um mercado para entrarem de qualquer forma! Prestem muita atenção em todas as minhas palavras, em especial se for alguma orientação ou ordem, pois não gosto de falar duas vezes a mesma coisa. — Abro os olhos para encarar cada um deles quando o silêncio reina novamente. — Qual a emergência para entrarem em minha sala sem minha permissão ou ordem? Quatro pontos e estão fora, sem nem mesmo prestar o exame final.

Como imaginava, não há uma resposta para qualquer uma de minhas palavras, portanto me levanto e caminho até a porta, sendo seguida por eles.

O expediente termina sem qualquer problema e meu humor melhora bastante apenas por isso. Meu irmão e primos estavam dividindo um apartamento na direção oposta à minha casa, então só me restou despedir-me deles e seguir até o carro de Fred. Pego o bloco de notas e a caneta em minha bolsa quando o homem não aparece. Escrevia mais algumas observações sobre minha equipe, concentrada em não deixar nenhum comentário de fora, quando uma sombra cobre o papel e uma mão áspera repousa em minha cintura. Não preciso levantar a cabeça para saber quem é, continuando minhas anotações em silêncio.

— Quer jantar na sua casa, na minha ou paramos em algum lugar no caminho?

A voz grave e rouca surge em um sussurro em meu ouvido. Desde o que ocorreu com nosso esquadrão, não sentia fome ou qualquer desejo por comida e, nas últimas duas semanas, Fred tomou como responsabilidade cuidar da minha alimentação. Apesar de já estarmos nessa rotina há alguns dias, ainda não me acostumei com o tratamento diferente. O telefonema de mama vem em meus pensamentos e não consigo evitar erguer a cabeça para olhar em sua face. Os fios escuros caíam sobre seu rosto, de forma desleixada, e estavam quase na altura de sua boca; os pelos crescendo nas laterais de sua mandíbula despertavam minha curiosidade sobre como ficaria sua aparência além do costumeiro cavanhaque; os lábios finos ostentavam um sorriso quase imperceptível; as marcas abaixo dos pequenos olhos azuis denunciavam a insônia constante. Ergo minha mão para afastar os fios da frente de seu rosto, os colocando atrás de sua orelha.

— Está na hora de cortar o cabelo. Não dá pra ver seus olhos assim. — Não respondo sua pergunta, esperando que se afaste para que possa entrar no carro. Diferente das minhas expectativas, Fred aproxima mais seu rosto do meu, deixando nossos lábios separados por poucos centímetros. — Conversei com mama hoje. Só vamos logo para minha casa que não tenho energia pra nada.

Sabendo do pequeno conflito que eu tinha com minha mãe, meu parceiro se afastou e entrou no carro, permitindo que eu entrasse também. Ficamos em silêncio por mais algum tempo, parados no estacionamento que logo seria trancado.

— Sei que você gosta do trabalho, mas eu não estou disposta a passar a noite aqui, então se não for agora, avise-me. Ainda dá tempo de pegar um táxi.

O trajeto de volta foi feito ao som de clássicos do rock, mas não dei muita atenção às músicas por estar concentrada nas minhas anotações. Assusto-me com a porta ao meu lado sendo aberta de repente, guardando o bloco de notas na bolsa antes de sair. Jogo a chave de casa para Lewis e caminho até o canteiro com minhas violetas. Converso brevemente com as flores, pedindo desculpas pelo meu descuido com elas e prometendo que logo faria a poda que elas precisavam. A primeira coisa que percebo ao entrar em casa é que o sofá havia sido expandido, algo que eu não gostava muito. Deixo a bolsa no aparador e meus passos vão em direção ao móvel. Não consigo evitar revirar os olhos quando vejo a figura do Lewis sentado confortavelmente no sofá. Como estava sem disposição alguma para discutir, limito-me a sentar ao seu lado, esticando as pernas e apoiando a cabeça em seu ombro. Assim que meu braço passa por sua cintura, seus dedos acariciam minha pele exposta.

— Pedi pizza. Vai querer falar agora ou minha paciência precisa acabar antes?

Sua voz quebra o silêncio e me faz refletir. Dois meses atrás, se alguém sugerisse que um dia conversaríamos pacificamente, seria taxado como louco. Agora, aqui estamos nós! Não somente conversando pacificamente como trocando afeto e confidências. Fico inquieta com sua pergunta, mas o toque em minha testa tranquiliza minhas emoções e exponho meu desagrado.

— Na melhor das hipóteses, continuo na agência por mais um ano e meio. Na pior, fico somente por um ano. — Achando que ele não entendeu o que falei devido ao silêncio que se seguiu, explico melhor a situação. — Mama me deu o prazo de um ano para encontrar alguém para me casar. Caso não escolha, terei que aceitar o casamento com quem ela e papa decidirem. Duvido muito que alguma das opções aceite que eu continue trabalhando.

O silêncio me incomodava. Fred sabia o quanto esse assunto me irritava e sempre zombava quando a regra da minha família era mencionada, resultando sempre em discussões entre nós. Tinha quase certeza de que o homem ao meu lado havia adormecido quando sua voz em um tom frio me surpreende e até assusta um pouco.

— Já disse que ninguém vai tocar em você enquanto eu estiver aqui.

Sua frase não fez sentido algum, mas preferi ficar em silêncio. Após a pizza chegar, nossa conversa foi somente sobre as duas equipes e, como já havia imaginado, sua intenção era liderarmos ambas como uma só. Era tarde da noite quando parei de falar e simplesmente deitei de forma mais confortável no sofá cama, adormecendo quase no mesmo instante.


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