Jardim Tempestuoso escrita por Maeva Warm


Capítulo 3
Capítulo 03 - Violetas 3


Notas iniciais do capítulo

Ian Stewart - Alexander Skarsgård
Anne Spencer - Ashley Greene
Ralph Smith - Jackson Rathbone
Daisy Storm - Ana Brenda Contreras
Nathan Storm - Jacob Tremblay



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Com o adiantamento das minhas aulas e algumas do Lewis, não precisaria ir até a base onde os pirralhos estavam, podendo concentrar-me no trabalho que deve ter acumulado em minha sala no prédio da agência.

Franzo levemente o cenho quando desligo o carro, ao chegar no estacionamento, percebendo que era a primeira vez que chegava sozinha em mais de seis meses. Bufo irritada, usando mais força do que o necessário para fechar a porta ao sair. Percebi certa surpresa no rosto de alguns agentes que encontrei pelo caminho, o que me fez revisar minha agenda quando entrei em minha sala apenas para ter certeza de que não havia errado o dia de estar ali.

Nem havia sentado em minha cadeira e batidas na porta quebraram meu precioso silêncio. Autorizo a entrada de seja lá quem fosse o infeliz que me incomodava, sendo surpreendida com a presença de Ian.

— Folga dos pirralhos?

Questiono divertida, até mesmo um pouco irônica, uma vez que mal o encontrava na base (que já podia ser considerada minha segunda casa, de tanto tempo que passava lá).

— Mal lembro da existência deles. — Seu desagrado era visível, porém não havia nada a ser feito quanto a isso. — Tenho novidades para você. Edgar sempre arruma meios de acabar com nossa paciência e ainda me pergunto o motivo de ainda não ter pedido transferência. — Suas palavras me confundem por não terem qualquer sentido e me limito a ficar em silêncio, aguardando maiores explicações. A pasta preta em sua mão, que não havia percebido até então, é colocada sobre a mesa ao meu lado. — Até pediria desculpas por sobrecarregar você e Hollie com minha ausência, mas acho que isso compensa qualquer falha.

Sem esperar por minha permissão, Ian senta em uma das cadeiras diante de minha mesa enquanto eu permanecia de pé. Como não havia muitas formalidades entre nós, os que faziam parte do secretamente chamado "esquadrão especial Weller", não me vejo na obrigação de ser educada com ele, portanto pego a pasta e olho o conteúdo em seu interior.

— Foi o máximo que consegui em tão pouco tempo. As últimas informações não fizeram qualquer sentido para mim, então não soube que rumo tomar para avançar. V, pode parecer precipitado da minha parte, mas começo a pensar que alguém muito próximo a vocês quer a sua cabeça ou a do Fred e não está se importando se para conseguir uma, seja preciso arrancar a outra.

Não retiro meus olhos dos papéis dentro da pasta desde o momento em que ele sentou-se, evitando expressar qualquer emoção a cada palavra proferida por ele. Um gosto amargo surge em minha boca ao ouvir minhas suspeitas mais íntimas sendo verbalizadas por outra pessoa. Meu silêncio e cabeça baixa são os sinais para que Ian despejasse tudo que estava guardando, atenta a cada informação complementar solta por ele para considerá-las quando fosse analisar a situação.

— O problema é que vocês são dois bastardos que não dispensam a oportunidade de irritar alguém até o limite!

Sua reclamação e a irritação em sua voz me fazem ignorar o assunto no momento, sabendo que não chegaria em lugar algum com ele estando tão estressado. Ian era o mais gentil de todos nós e vê-lo reclamando tanto de seus companheiros me dá uma base de quão delicado era o caso. Minha prioridade passa a ser tirá-lo daquela bolha de emoções, então ergo minha cabeça devagar, com um sorriso desdenhoso se formando em minha face ao encará-lo.

— Inveja, Stewart?

Apoio a perna esquerda sobre a mesa e inclino meu tronco para frente, deixando meu rosto quase na altura do seu. Ignoro os pensamentos confusos que passam por minha mente ao olhar com atenção para seus olhos azuis acinzentados. Sem demonstrar qualquer oscilação, concentro-me em provocá-lo.

— Prometo que levaremos você para aprender alguns truques na próxima vez. Palavra de escoteira!

Levanto a palma direita aberta, em um juramento aparentemente solene, e mantenho a esquerda segurando a pasta com firmeza. Sorrio ainda mais ao vê-lo bufar e reclamar.

— Você nem é escoteira, V!

— Não sou. Mas você é tão certinho que deve ter sido, então entendeu o que quis dizer. — Aceno com a mão, que ainda estava erguida, em descaso e descanso-a sobre minha coxa ao assumir um tom mais relaxado. — Se me convidar para jantar, ainda posso te ensinar uma coisa ou outra.

Mordo o lábio segurando a risada ao acompanhar seu corpo tensionando e um leve tom rosado tomar seu rosto. O silêncio que começava a se instalar é quebrado por sua tosse repentina e apenas aguardo, sem desviar meus olhos dos dele.

— Violet, você… você… você é inacreditável!

O desespero em sua voz me diverte ainda mais, embora eu ainda mantenha minhas expressões relaxadas. Levanto a mão que segurava a pasta para deixá-la visível.

— Não foi você quem disse algo sobre estar perdido?

Só então rio abertamente, afastando-me da mesa para guardar o material que ele me deu em um compartimento localizado atrás do quadro de margaridas.

Havia aberto mão de quase dois metros quadrados do tamanho original de minha sala, além de ter enfrentado uma extensa reunião com Edgar e o presidente Porter para convencê-los a permitir as alterações que queria fazer, pagando de meu próprio bolso a reforma. Em momento algum me arrependi das mudanças após a conclusão da reforma, tendo tantos compartimentos ocultos que qualquer pessoa desistia de tentar encontrá-los ou explorar seus interiores após meia hora de busca. Provavelmente apenas Fred e Edgar conseguiram decorar tudo que havia ali, além de mim.

— Enquanto Fred estiver fora, te alimentar é responsabilidade do Edgar. — Ian, com certeza, falou isso na intenção de me irritar, sabendo que o cuidado excessivo de minha dupla era quase um assunto proibido. — E não quero morrer de indigestão por comer suas iguarias.

— Não sou um pet para ser responsabilidade de ninguém! — Aperto sua bochecha, como fazia com os pirralhos, ao retornar à mesa. — E Edgar é um cretino que só faz as vontades do Lewis por não ter outro amigo além dele. Não vamos ignorar o fato dele gostar de me irritar, é claro.

Finalmente sento em minha cadeira, abrindo a segunda gaveta para pegar a garrafa que ficava escondida ali. Coloco os pés sobre a mesa, cruzando os tornozelos, e olho para Ian após abrir a garrafa.

— Até te ofereceria um gole, mas não tenho copos aqui e você não quer provar minha saliva.

Levo a garrafa até meus lábios e bebo um gole sorrindo ao ver o rosto e parte do pescoço do loiro ficando rosados. Contei quatro segundos até ele levantar e sair da minha sala como se fugisse de seu pior pesadelo.

— Depois eu quem sou o furacão…

Guardo a garrafa, sem vontade de continuar bebendo o líquido incolor, e ligo o computador para começar meu trabalho. Meus olhos seguem direto para o calendário no canto inferior da tela, fazendo um suspiro escapar com a preocupação que volta e meia tomava meus pensamentos.

— É melhor dar algum sinal de vida nas próximas vinte e quatro horas, Lewis. Ou vou caçar você em cada buraco desse planeta.

Murmuro antes de desviar minha atenção para o e-mail que havia recebido sobre as atividades de um cassino na parte oeste da cidade. Demoro um pouco para entender que aquele seria o teste de minha equipe, mas logo inicio a divisão de tarefas de acordo com o perfil e habilidades observados em cada um.

A pequena esmeralda em meu anel chama minha atenção, trazendo com sua existência as preocupações que constantemente empurrava para o fundo de minha mente. Não era estúpida ao ponto de não entender que as constantes menções de Lewis eram questionamentos silenciosos sobre sua localização e até mesmo bem-estar, já que ele não passava mais do que doze horas em alguma missão longe de mim e eu fazia o mesmo com ele. Não havia nada a ser feito além de esperar mais algumas horas. Era o prazo limite que ele deu a mim e a meus companheiros quando fomos oficializados como seu esquadrão. Agir antes disso seria quebrar sua confiança e duvidar de sua capacidade. 

Retirei o anel e joguei dentro da primeira gaveta da mesa, decidida a me concentrar por completo no trabalho que tinha a fazer e no que estava acumulado, parando apenas quando Edgar passou pela minha sala para deixar o almoço que havia comprado para mim e me obrigado a comer. Depois que ele saiu, peguei a pasta que Ian trouxera e um bloco de notas adesivas novo. Um mapa do estado estava aberto sobre a mesinha de centro e vários papéis pareciam estar espalhados aleatoriamente ao redor dele. A medida que ia conferindo datas e locais, riscos e notas adesivas eram adicionados ao mapa. Cerca de duas horas depois, uma expressão extremamente desgostosa era vista em meu rosto. O modus operandi que ia se apresentando era desconhecido por mim, eliminando a suspeita sobre cada um de nossos inimigos. Sejam os abertamente declarados ou os mais discretos. Nem mesmo Sanders parecia ser o responsável direto pela emboscada e as palavras de Ian retornaram aos meus pensamentos quando coloquei alguns pontos de interrogação em torno do nome de Lewis. Sua demora em retornar não parecia tão segura quanto antes.

Com cuidado, arrumo os papéis e o mapa dentro da pasta. Levanto para ir até o computador, não perdendo tempo em sentar para verificar o sistema de rastreio que somente Lewis e eu tínhamos acesso. Tamborilo os dedos sobre a mesa, impaciente por ter que esperar o satélite buscar o sinal dele. Arranho a madeira para tentar conter a mistura de sentimentos que me toma ao ver o ponto azul piscando tão próximo ao ponto roxo. Raiva e alívio se destacavam mais quando processei que ele estava em sua própria sala. Fechei o sistema e logo peguei novamente a pasta preta, saindo de minha sala em passos rápidos.

Não levo mais do que vinte segundos para abrir a porta próxima à minha, entrar e fechá-la com um estrondo. Caminho decidida até a mesa de trabalho, dando a volta para sentar sobre a madeira escura sem me importar se os papéis ali eram ou não importantes. Estendo a pasta em sua direção, sabendo que não era necessária nenhuma palavra para expressar minha irritação e o quanto o homem à minha frente estava encrencado.

— Boa tarde para você também, ratinha! — Embora sua voz fosse suave, o sarcasmo estava presente. — Sim, você pode entrar e ficar a vontade para me contar como foram esses dias em minha ausência.

Estreito os olhos para analisar seus traços, buscando alguma alteração que justificasse as pausas em sua fala e a rouquidão a mais. Bufo por perceber que se havia algum machucado, este seria interno ou estaria oculto por suas vestes e acabaria, sem querer, o machucando ainda mais se tentasse examiná-lo, devido a raiva que sentia.

— Não sou mais sua aluna, Lewis! — Rebato impaciente, jogando a pasta ao meu lado sobre a mesa. — Não preciso de sua autorização para entrar aqui. — Abro a pasta e mostro o mapa com algumas marcações. — Veja. Esses locais circulados são possíveis esconderijos. Os que tem um "X" foram os locais em que algum dos nossos caiu e, se olhar bem a data, eles parecem se movimentar como se estivessem em ziguezague. — Aponto com o indicador cada local mencionado após ver que levantou e sentou ao meu lado sobre a mesa, apoiando a pasta aberta em sua coxa esquerda. — Não acredito que seja isso, mas que tenham se dividido e estejam nos encurralando. O próximo ataque deve ser aqui, porém eles devem ter informantes aqui dentro e podem saber que suspeitamos de algo. Então eles devem mudar a rota e atacar bem aqui.

Continuo a apontar os locais no mapa, indo da floresta ao sul e das montanhas ao leste até o centro da cidade. Ao não receber nenhum comentário, ergo a cabeça e o encontro olhando para mim. Por um momento pensei que sequer ouvira uma palavra do que falei, mas descarto a ideia quando o vejo pegar uma caneta jogada perto dele e fazer alguns círculos mais a leste de onde apontei sobre a última opção de ataque, além de um número dois. Pelo padrão de espaço temporal, era a quantidade de semanas que demoraria para acontecer.

Por estar com minha atenção nas informações, não vi quando levantou e ficou em pé de frente para mim, me assustando levemente ao sentir o toque áspero de seu dedo em minha pele. Em vez de relaxar, fiquei ainda mais tensa com o toque descendo de minha mandíbula até meu ombro e sua respiração próxima ao meu ouvido.

— Emagreceu. Se não quer ser tratada como minha aluna, cuide-se melhor quando eu estiver fora. — Sua voz sussurrada me confunde ainda mais. — Vá arrumar suas coisas e me espere para irmos. O jantar é por minha conta. Só vou ter uma conversinha com Edgar.

Antes que conseguisse processar suas palavras, Lewis já havia deixado sua sala.

Hijo de puta!

Xingo baixo por me sentir sendo tratada como uma criança novamente, levantando da mesa para sair da sala, porém um objeto negro chama minha atenção. Pego o porta retrato duplo que estava em cima da mesa, olhando para as fotos posicionadas de frente para a cadeira de Fred. Sorrio e sinto toda a raiva se dissipando ao lembrar os momentos gravados ali. De um lado estava a primeira foto de nosso esquadrão e não pude deixar de derramar algumas lágrimas enquanto passava o dedo pelo rosto sorridente de cada um ali, exceto Margot. Ela era a caçula e Fred sempre bagunçava seu cabelo. Seus braços cruzados e o pequeno bico em seus lábios demonstravam toda a sua frustração por ter o belo penteado desfeito no momento em que chegamos em um acordo sobre onde cada um deveria ficar. Os olhos de Anne brilhavam mais do que os de qualquer um ali e me sentia orgulhosa por ter sido uma das responsáveis. Embora Ralph tivesse reclamado na hora, possivelmente pelo fato de eu tê-lo obrigado a colocar seu braço sobre os ombros de Anne, dava para perceber que ele a puxava para mais perto.

Não continuo a olhar os sorrisos imortalizados dos demais por recordar que aquela seria a última missão de Anne. Fecho os olhos por um momento, mordendo o lábio com a nítida memória de nós duas e Odile em meu quarto, esperando o resultado do exame comprado na farmácia, as mãos suadas e unidas. Depois o choro, as brincadeiras e a comemoração na sala da casa de Fred quando contamos sobre a gravidez de Anne. O receio de Ralph em deixá-la nos acompanhar, sua relutância em concordar com aquela última vez e, dois dias depois, os corpos de ambos ao meu lado sem que eu pudesse fazer nada.

Balanço a cabeça, enxugando as lágrimas para logo ver a foto ao lado. Um sorriso mais fraco surge, enquanto a memória da primeira foto que tirei após Fred me informar que continuaríamos apenas como dupla, sem precisar nos separar, preenche meus pensamentos. Com certa dificuldade, minha imagem segurava um javali que acertei quando ele havia me levado para o campo, na intenção de me ensinar a caçar e esquecer o trauma. Era possível ver que minha roupa estava um pouco suja de sangue, mas o sorriso de satisfação em meu rosto e o orgulhoso no de Fred chamavam mais atenção do que esse detalhe.

Sem pensar muito, retirei a segunda foto do porta retrato e a coloquei em cima da pasta que iria levar de volta.

— É tão minha quanto sua. — Justifiquei-me como se Lewis estivesse presente e pudesse ouvir. — E você vai precisar de espaço para seu novo esquadrão.

Sussurrei um pouco hesitante e apertei a pasta em meus braços. Meu olhar recaiu novamente sobre a foto e me apressei em sair dali para pegar minhas coisas. Guardei a foto com cuidado em minha bolsa, sabendo exatamente onde iria colocá-la ao chegar em casa. 

Devido a minha mania de ficar rodando o anel em meu dedo, só notei que estava sem ele quando cheguei na porta lateral do prédio. Praguejei por ter que subir e descer as escadas novamente, já que o elevador havia acabado de fechar e subir. Não demorei muito em minha sala, me retirando assim que a joia estava novamente em meu anelar. 

Em minha pressa para chegar ao estacionamento a tempo, não noto a presença de outra pessoa no corredor e esbarro em alguém mais alto. Me preparava para sentir a dor em minhas costas e quadril pela provável queda, porém braços musculosos circulam minha cintura, impedindo a colisão com o chão.

— Cuidado, docinho! — Reviro os olhos quando reconheço em quem esbarrei, mas não faço qualquer esforço para ser liberta suas mãos. — Quando quiser um abraço, pode ser mais sutil e falar.

— Oh! Perdão pelo mal entendido. Quando quero um abraço, peço a quem realmente consegue me passar segurança. — Alfineto o Jones mais novo, sorrindo no momento em que ele afasta seus braços devido às minhas palavras. — Nervoso com o teste dos pirralhos? Soube que o que tiver menos aprovados vai ter que cuidar do caso Scrat.

Rio maldosamente e dou dois tapinhas em seu rosto, acenando enquanto me afastava e retomava minha caminhada até o estacionamento. Aperto a alça da bolsa de forma inconsciente ao ver Lewis encostado no carro, de braços cruzados e com feições nada amigáveis. O empurro com delicadeza ao me aproximar, dando a volta para entrar no lado do motorista por não conseguir movê-lo um mísero centímetro sequer.

Sentada em frente ao volante, coloco a bolsa no banco detrás antes de prender meu cabelo em um coque frouxo. A porta do meu lado direito bate com força e a chave surge diante de mim. Sorrio enquanto pego o objeto, segurando o pulso masculino para que ele não afastasse a mão e evitasse a mordida que dou na parte abaixo do polegar. Ainda sorrindo, viro levemente a cabeça para a direita e pisco o olho, ligando o carro para seguir rumo às nossas casas.

O trajeto inteiro foi realizado no mais profundo silêncio, dando a sensação de que o tempo havia corrido mais lentamente do que o habitual. Com a visão periférica noto que solta o cinto de segurança por perceber que estávamos chegando em minha casa, porém continuo dirigindo e só estaciono na garagem da casa do homem ao meu lado. Desligo o veículo, deixando a chave na ignição, e bato a porta com força ao sair, abrindo a porta traseira para pegar minha bolsa antes de seguir até a minha casa, sem dar-lhe qualquer atenção. No momento, a única coisa que me interessava era tomar um bom banho para tirar o perfume barato do Jones que estava grudado em minha camisa azulada. 

Uma fina camada de poeira começava a tomar conta dos móveis, resultado de quase uma semana sem faxina. Retiro o celular de dentro da bolsa e ligo para minha irmã, sabendo que ela seria uma alma caridosa e me ajudaria na faxina. Contenho o impulso de revirar os olhos ao ser atendida após o quarto toque. Uma ligação minha deveria ser atendida o mais rápido possível, de acordo com nosso código de irmandade.

"— Só tenho dois minutos, V. Se não for muito urgente, te retorno em uma hora."

A voz de Daisy soa ofegante e as palavras foram praticamente cuspidas de uma vez. Estranho seu comportamento, contudo deixo o assunto para depois, sabendo que ela realmente desligaria em menos de dois minutos.

— Não é muito urgente. Preciso de ajuda para fazer uma faxina completa na minha casa. Pensei que você poderia me ajudar, mas parece que as coisas estão complicadas para ti. — Enquanto explicava o motivo de minha ligação, ia retirando minhas vestes dentro do quarto. — Está com problemas, Isy?

"— Não!" — Afasto o aparelho de meu ouvido para encarar a tela, tentando entender o motivo para minha irmã ter negado tão rapidamente. "— Quero dizer, só estou ocupada com a correção de alguns trabalhos. Nada demais. Sábado vou estar aí. Tenho que desligar. Mi corazón es tuyo!"

Sem esperar por minha resposta, a chamada é encerrada. Seguro a maçaneta da porta do banheiro com mais força, não demorando em ligar para minha irmã gêmea. Diferente de Daisy, Lola atende antes do segundo toque.

"— ¡Hola, mi vida! A que devo a honra de sua ligação?"

Dessa vez não consigo me conter e reviro os olhos com a falsa cordialidade de Lola. Recolho as peças que vestia antes e agora se encontravam espalhadas pelo chão, as colocando no cesto das sujas dentro do banheiro, demorando a responder propositalmente.

— Sabe o que está acontecendo com Daisy? — Vou direto ao ponto, ativando a opção do viva-voz e deixando o aparelho sobre a pia. Mantenho a porta de vidro do box aberta, de modo que pudesse ouvir a voz de Lola enquanto tomava banho. — Acabei de falar com ela e tinha algo estranho. Não consegui identificar o que era.

"— Me ligou durante o banho? ¡Hija de… mi madre!" — Minha risada é baixa, sabendo que isso irritaria ainda mais minha irmã e não queria que ela desligasse.

— Pra você ver o quão séria é a situação. Ela estava falando muito rápido e parecia ofegante. Até desligou na minha cara! — Desligo o chuveiro para me ensaboar e ouvir o que Lola poderia me informar.

"— Talvez seja algo do trabalho. Nathan me contou esses dias que ela estava envolvida com alguma atividade extracurricular na escola. Deve ser algo relacionado à plantas, já que ele me pediu algumas mudas dos meus narcisos para levar e me convenceu a conseguir o adubo especial da Lótus."

O tom sereno e despreocupado de Lola me tranquiliza, já que era bem provável que Daisy tenha entrado em algum projeto que fizesse seus preciosos alunos aprenderem algo além do conteúdo didático. Termino o banho e enrolo a toalha em meu corpo, enxugando bem as mãos para segurar o celular novamente.

— Ela não é professora de História? O que diabos vai fazer envolvida com plantas? — Caminho até o guarda-roupa, pegando aleatoriamente uma das blusas de moletom que havia tomado de Tony e um short mais folgado. — Isso não deveria ser atribuído a quem ensina Biologia?

"— Parece que estão construindo uma estufa para eles aprenderem a cultivar flores, frutas, legumes, hortaliças… Formando os futuros agricultores do país." — Quase conseguia imaginar Lola apoiando o queixo na mão, completamente entediada. "— Ninguém melhor do que uma Storm para ensinar sobre flores e cuidar delas. Só espero que Nathan não invente de querer entrar nisso. Só há espaço para meus narcisos aqui."

Escuto um barulho aparentemente vindo da sala e decidi encerrar a ligação.

— E nós sabemos muito bem que o único motivo para isso é por ser as flores do seu nome. Lola, chamei Isy para me ajudar na faxina aqui em casa e ela vem sábado. Desmarque seus compromissos e venha também. Ou apenas traga Nath e o deixe com as tias preferidas dele. Vou atrás de algo para comer. Se não jantou ainda, aproveite e finja que sou uma boa irmã e te lembrei de se alimentar. Besos, Lolita. Mi corazón es tuyo.

"— Eu tenho um filho, V! Sempre me alimento no horário para aproveitar os poucos momentos que tenho com ele, mas vou fingir que você cuidou de mim. Besos, mi vida. Mi corazón es tuyo."

A ligação é encerrada e pego a pistola que mantinha guardada na mesinha de cabeceira. Descalça, caminha até a sala sem fazer barulho e ergo as mãos, apontando a arma para seja lá quem estivesse ali, mas não encontro ninguém. Um som alto vem da cozinha e sigo até lá, ainda com a arma apontada para frente. Suspiro ao reconhecer Fred, baixando a arma e voltando para o quarto na intenção de guardá-la novamente. Retorno para a cozinha e apoio o corpo no batente da porta, observando cada movimento seu em busca de algo no armário mais baixo.

Estranho quando ele levanta com uma caçarola na mão esquerda e uma travessa média de vidro na mão direita. A caçarola é colocada sobre o fogão e ele abaixa novamente, não demorando muito para se erguer segurando a tampa. Somente quando ele se virou para colocar a travessa sobre a bancada da ilha de cozinha é que nossos olhares se encontraram. Não saí da posição em que me encontrava, ao contrário do homem que pega algo na bancada e caminha em minha direção.

— Ratinha, vamos agir como os adultos que somos, conversar e resolver qualquer merda que esteja acontecendo aqui. — Sua proposta parece razoável e a barra de chocolate que me oferece, revelando o que ele pegou na bancada, sinaliza sua intenção de apaziguar a situação. — Eu vou cozinhar o risoto para jantarmos e você me conta o que te irritou. O que acha?

Pego a barra de chocolate que me oferece, abrindo a embalagem e mordendo um pedaço. Mantenho o silêncio e como o doce sem tirar os olhos dele. Afasto da porta apenas para jogar a embalagem na lixeira, me aproximando de Lewis para falar o que me incomodava.

— Não precisa fazer nada disso. Você deveria estar usando seu tempo com seu novo esquadrão. Daqui a três dias eles vão fazer o teste final e precisam mais de você do que eu. — O silêncio que inicia após minhas palavras é incômodo demais, então decido finalizar o assunto de uma vez por todas. — Sua obrigação comigo era somente por ainda sermos uma dupla e você sempre ia além do necessário, mas sua última atitude deixou bem claro que nossos caminhos são diferentes agora. Vou deixar a pasta que Ian me deu em cima do sofá e estou fora desse caso. Estou sem fome. Boa noite.

— Do que está falando, ratinha? — Sua voz sai mais grave do que o comum e a pergunta é feita pausadamente.

Cruzo os braços para evitar que, de alguma forma, me puxe ou me prenda ali.

— Prefiro que me chame de Violet. Logo vai ter alguém para enrolar os alvos e servir de distração, não quero misturar as equipes.

Antes que pudesse processar suas ações, mãos grandes, quentes, calejadas e trêmulas seguravam ambos os lados de meu rosto e olhos muito azuis me encaravam com seriedade.

— Parece que tenho que ficar explicando o óbvio pra você. — Pelo seu tom de voz era possível saber que ele estava muito irritado e tentava se controlar. — Você é a minha ratinha, entendeu? Não existe e nem vai existir outra. Nós seremos uma dupla até depois da aposentadoria e isso não está em debate. Os únicos pirralhos ali que merecem um pingo da minha atenção são Tony e Ginny. — Tento desviar o olhar do seu, não querendo ver as emoções que transparecem em seu rosto, mas suas mãos me seguram com firmeza. Embora não machucasse. — E o único motivo para isso é o fato de Tony ser seu irmão e importar pra você e Ginny ser minha única sobrinha. Nenhum deles vai substituir você e os outros, ratinha. — A pressão de suas mãos e suas feições suavizam. — Nós somos a única coisa que o outro tem, é claro que vou cuidar de você mais do que de qualquer outra pessoa! Tinha acabado de chegar quando você entrou como um furacão na minha sala. Não tive tempo nem mesmo para pegar o telefone!

Reviro os olhos, agradecendo internamente o fato de ter um tom dourado em minha pele e não ser possível perceber meu constrangimento, já que era provável que não conseguisse mais olhar em sua face se ele me visse corada.

— Violet, não é um novo esquadrão que vai preencher o vazio que temos. Conheço você o suficiente para saber do que está com medo. — Sinto seus lábios em minha testa e levo minhas mãos até seus pulsos para afastar as suas de meu rosto. — Não vou morrer. Não vai me perder. Não vai deixar de ser minha ratinha. — Cada sentença proferida é seguida por um beijo em minha testa, como se estivesse selando uma promessa. — Agora seja uma boa garota e espere eu terminar o jantar. Ainda estou curioso pra saber como esses pirralhos se viraram na minha ausência.

Ao ficar livre de suas mãos, vou até a geladeira para pegar água, preferindo fazer a mesma coisa de sempre: fingir que nada aconteceu.

— Tenho quase certeza de que Harry e Richard preferiram sua presença…

Engasgo com a água que bebia, rindo ao lembrar dos galanteios dos rapazes citados. Respirando fundo, me recomponho e encosto na bancada da ilha, ingerindo o restante do líquido aos poucos.

— Oh! Não duvido que eles peçam transferência de esquadrão se passarem. — O sorriso leve some de meu rosto ao recordar de um fato isolado que, a princípio, não tinha qualquer importância. — Fred, esbarrei no Dean quando estava saindo da minha sala e uma ideia passou pela minha cabeça. — Meu olhar estava um pouco perdido, já que eu estava distraída, mas o som da garrafa de vinho batendo em algo me desperta. Franzo o cenho por notar que o homem segurava o copo de medida com mais força do que o necessário. — Por mais que detestamos os pirralhos, estamos nos esforçando para que eles passem. Dean é o único que parece não se importar com o trabalho, como se não estivesse interessado que eles sejam oficializados. O que aconteceu com o esquadrão anterior do Dean?

— Mortos. — A resposta direta e curta me deixa ainda mais confusa. — Jones participou de cinco esquadrões e, de alguma forma, ele era deixado de fora em duas missões e uma parte morria em cada missão. Edgar e eu estamos de olho. Achamos que existe uma chance alta de todos os pirralhos da equipe dele morrerem no teste final. — Seu olhar se direciona a mim por um momento. — A maioria na agência acha que é azar ou alguma maldição. Eu acho que é suspeito.

— Acha que ele pode estar envolvido nas mortes?

— Não. Acho que ele está sendo protegido.

Refletindo sobre as possibilidades que surgiram, fico em silêncio por um longo tempo. Pisco os olhos ao perceber que estava sentada à mesa de jantar, suspirando por ter ficado tão imersa em pensamentos que nem mesmo senti quando Fred me conduziu até lá. Recebo o prato com um pouco de salada e logo me irrito ao ver que o prato de minha companhia estava servido com bastante risoto. Alterno meu olhar de um prato para o outro, dispensando qualquer regra de etiqueta ao trocar os pratos e levar uma boa quantidade do prato principal à boca. Assim que engoli a comida, tenho que recuar um pouco a cabeça para recusar a porção da salada que é levada aos meus lábios.

— Vamos ratinha! Precisa de ferro e vitaminas.

Não teria como escapar, então abri a boca e mastiguei as folhas esverdeadas a contra gosto. Empurro o prato para frente quando noto que era a primeira vez que fizemos uma refeição na sala de jantar de minha casa. Desconfortável com as mudanças, levanto e sento no colo de Fred, em claro deboche pela forma que ele me trata.

— Fui uma boa menina e comi tudo que você ofereceu, sem reclamar. Podemos partir para a sobremesa! — Sua risada alta me faz bufar. — Estou falando sério!

— Sei disso ratinha. Apenas não seria você, se não exigisse seus preciosos doces. Levante-se para que eu possa ir buscar.

Volto para minha cadeira depressa, tamborilando os dedos na mesa enquanto aguardava seu retorno. Passo a língua pelos lábios ao ver a travessa média, que ele colocara sobre a bancada anteriormente, cheia de churros acompanhada por uma taça com chocolate.

— Chocolate a la taza. Sobremesa espanhola é a melhor opção.

Sabia que seus olhos estavam sobre mim, mas os meus estavam concentrados demais no doce. Pego um dos churros, mergulhando no chocolate e trago aos lábios, mordendo com alegria a sobremesa que não comia desde a infância. Depois de comer quase metade dos churros, lembro da existência de Lewis e sorrio quando vejo o canto de sua boca sujo de chocolate. Levo meu polegar até o local, limpando com a ponta do dedo e logo lambendo o resquício que ficara em meu dedo.

— Estou de folga amanhã, possivelmente graças a você, então se quiser ficar aqui, é só trocar a coberta da cama. Vou dormir, mas pode deixar a louça que lavo quando acordar. Ainda quero estar fora do caso.

Reforço minha decisão, levantando da cadeira e depositando um beijo em seu rosto antes de seguir para meu quarto.


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