Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 17
Capítulo Oito




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BELLA

 

— Vocês ficarão em um quarto no subterrâneo. - Anunciou Abner enquanto segurava a porta do elevador para que entrássemos. - Partiremos para a vila mais distante, ao norte, e de lá, iremos para Florença.

Assentimos. Era o procedimento padrão para nós. Florença era uma cidade turística, portanto, constantemente agitada. E em cidades agitadas, há sempre uma ou outra pessoa desaparecida. Um crime sem solução para fazer os policiais locais suspirarem e se lamentarem, para depois se esquecerem.

Natalie ainda não havia soltado o meu braço. Ela me puxou com entusiasmo para dentro.

Vê-la feliz era um acalento. Ao menos uma de nós parecia estar mais à vontade e não tanto sobrecarregada. Mas estou falando de Natalie. - Natalie, a artista. Natalie, a rainha do melodrama. Natalie, a que nunca desanima mesmo quando a situação é desanimadora. - Todos os sinais do meu corpo diziam que ela estava fingindo, mas eu não podia fazer as perguntas certas ali, em um ambiente em que outros guardas poderiam aparecer a qualquer momento e nos ouvir. Pelo menos nas masmorras estaríamos cercadas por pedras e Abner e Gabriela pareciam não ligar muito para nós. Nem estavam abalados com o meu mal-comportamento diante dos anciãos.

Precisava fazer Natalie falar. Eu vi como ela ficou quando estávamos na cela, quando fomos atacadas e quase mortas. Apesar de seu constante otimismo e energia, ela não era invulnerável. Vê-la não demonstrar nenhuma sombra de remorso ou de dor sobre nossa nova condição, não era… humano? Será que esta palavra ainda se aplicava a nós duas? Éramos nós mesmas em certa medida, ainda: Natalie com sua impulsividade e sua euforia desenfreada e eu com a minha teimosia. Mas e o resto não contava? Havia me tornado uma máquina de reação rápida e violenta e, tenho que admitir, na maioria das vezes eu gostava. Sabia pouco sobre a Natalie, mas o pouco que eu havia ouvido falar era que se Heidi não tivesse cuidado, ela escapava de suas mãos e fazia o que achava melhor. Não era de brigar, porém, tinha uma sede avassaladora e quase ou tão enlouquecida quanto a minha quando não estava mantendo o foco.

É, “humanidade” não era algo que fazia parte de nós por completo, agora. Havia a resignação em matar de minha parte, o amor e a amizade dela por mim e de mim por ela. Mas, assim como as lembranças que se apagaram, boa parte do que éramos e do tínhamos se tornaram poeira espacial, rodopiando em algum lugar por aí, inalcançáveis e indistintas. Não podíamos mais retornar para as nossas famílias, retomar as vidas que nos pertenciam, pois tudo havia morrido conosco naquela maldita cela de pedra fria. Aquela era a nossa realidade e teríamos que lidar com ela.

E, estranhamente, os Cullen agora faziam parte dela.

Eis a minha nova preocupação; não apenas matar apenas o que me cabia, sem exageros, aprender e ficar na linha para não virar cinzas, e permanecer longe de Aro e suas palavras doces e ardilosas. Agora eu precisava me preocupar com sete indivíduos que um dia julguei serem apenas devaneios da minha cabeça. Quase me fiz convencer disso, pelo bem da minha sanidade. Se não fosse pelos os meus sonhos e a marca de mordida de James, eu teria engolido a minha própria história. - E pensar que abri mão de tudo para salvá-los, concordei com (quase) tudo que Aro exigia de mim, apenas para perceber que tinha sido enganada. E era isso que mais me enfurecia: não apenas a falta de caráter de Aro e o desrespeito às suas promessas. Saber que eu havia sido uma tola era a pior das sensações e só me irritava mais.

Quando me tornei tão ingênua? Provavelmente, isso deve ter começado quando aceitei ter algo mais sério com Jacob, e desde então foi só ladeira a baixo. Talvez eu devesse ter ido atrás de um psicólogo ou psiquiatra, como Charlie havia me sugerido. Ser trancafiada em uma sala branca e acolchoada teria sido melhor do que dar esperanças ao Jake e permitir que a minha mente se deteriorasse ao ponto de acreditar na conversa fiada de um cara esquisito que mora em um castelo como se fosse o rei do mundo. Teria sido um fim mais digno, e tanto Natalie e os Cullen estariam seguros e não sofreriam com as consequências das minhas escolhas tolas. - Ah, se o mundo perfeito existisse…

— Você parece desanimada. - comentou Gabriela, tirando-me dos meus pensamentos melancólicos.

Ainda estávamos no elevador. Faltavam poucos andares até chegarmos aos túneis, aqueles com os quais eu estava bem familiarizada. Gabriela me observava atentamente pelo reflexo do metal, ainda de costas para mim. Natalie também me analisava minuciosamente, porém, me olhando diretamente; podia ver por minha visão periférica. Abner fingia estar distraído, acompanhando a mudança dos números no painel acima das portas duplas.

Parei por meio segundo, refletindo sobre o adjetivo com o qual ela me classificava. - Estava furiosa, desesperada, aflita, resignada, cansada, triste… Desanimada? Bem, desde que eu havia chegado naquele castelo, desânimo nunca mais fez parte do meu vocabulário. Se eu não estava com raiva, estava entediada. Se eu não estava entediada, estava curiosa, aprendendo mais um pouco sobre as atividades diárias e locais escondidos. E se eu não estava curiosa, estava com sede… e assim em diante.

— Não há desânimo vivendo dentro destas paredes. - falei, sorrindo amarelo para ela. Temia que se abrisse um sorriso que revelasse os dentes, fosse parecer mais uma ameaça do que uma cordialidade.

— Srta. Isabella sendo otimista? Essa é nova. - brincou Abner, mas não em um tom rude como os outros. Parecia que estava querendo me animar.

Dei de ombros.

— É “Bella”, e eu não estou sendo otimista. Apenas falando a verdade. - “Otimismo” também não fazia mais parte do meu vocabulário, e nem era por causa da transformação forçada.

Saímos do elevador. Depois do espaço aberto para os elevadores, haviam várias bifurcações. Seguimos pela indicada anteriormente, chegando aos benditos quartos. Estes não possuíam grades, como a maioria. Apenas as beliches eram iguais e havia uma porta de madeira comum. Os lençóis estavam limpos, recém-trocados; uma das muitas tarefas estranhas que os empregados humanos tinham que desempenhar. Fiquei surpresa quando soube que eram humanos que faziam isso pois nunca ficava o cheiro deles ali. Um guarda me explicou que era porque a higiene tinha que ser impecável e isso incluía evitar que fluidos corporais ficassem para trás. O fato dos túneis terem um bom sistema de ventilação também ajudava a dispersar o cheiro.

Abner e Gabriela ficaram do lado de fora.

— Acomodem-se como desejarem. Estaremos por perto. - disse Abner e saiu. Gabriela acenou e foi embora também. O som de seus passos sumiram na distância.

Natalie se desprendeu de mim e foi sentar no chão, apoiando as costas na cama. Os seus movimentos eram elegantes, porém, as pernas ágeis e os braços soltos se conservavam como parte do conjunto de sua aparência jovial, fazendo-a parecer mais nova do que de fato era. O cabelo ondulado agora tinha curvas mais pronunciadas, chegando a formar cachos nas pontas, e a leve luz das velas fazia ele brilhar como se tivesse sido esfregado com um pouco de pó dourado, mas sem perder o negro natural. A pele ainda tinha um fundo amendoado, mas agora era tão pálida quanto a minha. Qualquer um diria que ela tinha entre catorze e quinze anos, e não mais de vinte. Sua musculatura estava mais aparente, mas sem perder a feminilidade. Ela sempre foi naturalmente mais atlética do que eu, e mais “reluzente”, por assim dizer. - Era um alívio saber que isso não tinha mudado muito; uma conexão besta com a antiga realidade. Eu não havia me olhado no espelho muitas vezes, entretanto, sabia que também estava linda e sabia que muitas das minhas características não haviam desaparecido. O que me impedia eram os olhos, tão vermelhos e tão vivos, mais do que o da maioria, do tipo que causam pesadelos. Explicaram-me que era porque sou nova e que a cor iria escurecer com o tempo. Mas ainda sim, eu não gostava deles e por isso os evitava. Minha garganta constantemente em chamas e seca era lembrete o suficiente do que havia me tornado.

Natalie, que também me avaliava abertamente, de repente apontou para a própria garganta e engoliu em seco.

— Isso também está incomodando você? - perguntou inocentemente. Seus olhos estavam negros por causa da sede.

Geralmente, eu me concentrava em não pensar na agonia, mas mencioná-la trouxe o incômodo à tona, me fazendo engolir em seco também.

— Não o tempo todo. - murmurei, indo me sentar ao seu lado, mantendo alguns centímetros de distância dela. Por mais que tivesse andando até ali de braços dados, ainda não estava pronta para ter outro contato físico espontâneo. Felizmente, ela não insistiu. - Tenho outros problemas para me preocupar.

— Sinto muito. - Sua voz falhou. - Vocês estão nessa situação por minha culpa. - Natalie olhava para frente, fazendo bico, como se estivesse tentando segurar o choro.

— Acho que já disse que isso é minha culpa. - falei, dando um peteleco na ponta de seu nariz. Não deve ter doído, mas o susto ajudou ela a se recompor. - E teria acontecido comigo mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou outra. É por isso que tem andado tão quieta e sem falar comigo? Achou que eu estava com raiva de você?

Natalie balançou a cabeça com força e abraçou os joelhos, apoiando o queixo sobre eles.

— Isso foram ordens. - fungou. - Eu precisava me estabilizar antes de chegar perto de você. Heidi me obrigava a ficar quieta. Demorou para que ela me libertasse das ordens dela. É horrível… ter alguém na sua mente te obrigando a fazer coisas que não quer.

— Agora sabe como é lidar com você diariamente. - brinquei.

Natie me olhou pelo rabo do olho.

— Não tem graça. - choramingou.

— Eu sei que não tem. Desculpa. - Suspirei. - Entendo como você se sente, tendo partes de si apagadas incessantemente por terceiros.

— Pelo menos você tem a opção de resistir, com essa mente que nada deixa escapar ou transparecer. - Natalie ajustou a postura para que ficasse ereta e se virou para mim, praticamente colocando as pernas dobradas sobre as minhas. - Como faz isso?

Tive que lutar contra o impulso de me retorcer e me afastar. Natalie já estava sensível o suficiente com a situação toda; como eu suspeitava desde o início, mas pelos motivos equivocados.

Foquei em apenas responder:

— Não tenho certeza. Alguns têm teorias. Não entendo muito bem como os poderes funcionam, apenas que alguns de nós têm. - Tinha ouvido as mais variadas teorias fantasiosas de quase todos os membros, mas nada que se encaixasse cem por cento na característica de “mente silenciosa e impenetrável”. - Os anciãos têm as suas suspeitas, mas estavam pensando em chamar um velho conhecido deles para averiguar com precisão suas análises ao longo dos meses e me analisar, também. Ele tem um poder que detecta outros poderes, ou algo assim. - dei de ombros. Essa conversa tinha acontecido semanas antes e o assunto morreu logo em seguida. Se este tal conhecido estava a caminho ou não, nada foi mencionado. E para mim, não tinha problema algum. Já havia aceitado que a minha cabeça funcionava de um jeito completamente diferente da maioria. A ignorância era um fardo fácil de carregar.

— Hum… - murmurou Natalie, mordendo o lábio inferior e inflando as bochechas. Era a sua expressão de “super concentração”. - Heidi diz que tenho poderes, também. Um “dom”, é o nome que ela usa. Que posso perceber os desejos das pessoas e manipulá-los a um certo nível, mas que não posso exagerar, senão causo mal estar nas pessoas. - Ela fez uma careta e parecia com vergonha. - Às vezes é difícil não causar danos quando a minha vontade é mais intensa do que a da outra pessoa. Ainda estou descobrindo os meus limites.

— E você não consegue sentir nada vindo de mim, suponho.

— É como um espaço vazio, em branco. Não que isso seja ruim ou preocupante. É apenas incomum. - Natalie cruzou os braços, como se os fatos a deixassem frustrada.

Uma risada escapou dos meus lábios, involuntariamente.

— Do que está rindo? 

— De você. A mente anormal e em branco é a minha, mas é você quem fica aborrecida. - Eu ri mais uma vez. A situação era realmente engraçada e curiosamente familiar, como se estivesse se repetindo, porém, não conseguia me lembrar de onde eu havia ouvido palavras semelhantes. Talvez fosse apenas a minha imaginação criando uma impressão falsa misturada às lembranças difusas.

Natalie revirou os olhos e suspirou.

— Pelo menos você é imune a minha influência maluca. Hoje eu falhei em ficar na minha, de novo. Ainda bem que Heidi não estava por perto. Ela iria me colocar na coleira novamente por uns bons dias, ou semanas! - Natalie tinha uma expressão de quem estava nauseada ao extremo.

Franzi o cenho.

— E o que aconteceu?

Ela pôs o rosto sobre as palmas da mão, como se o movimento fosse ajudar a se acalmar um pouco.

— Eu machuquei ele. - Sua voz era um sussurro, mas eu podia ouvir claramente.

— “Ele” quem? - perguntei, de repente aborrecida. Seu tom de voz não me agradava nem um pouco.

Ele.— Natalie enfatizou a palavra, e eu entendi. - A energia dele e da garota de cabelo escuro eram tão caóticas que o meu impulso foi querer ajudar, querer criar ordem. Mas não deu certo. Eu quase o derrubei. Não foi nada físico, mas tenho certeza que entrei na cabeça dele com força.

Lutei para manter a minha respiração lenta e não deixar a raiva me dominar. Sabia que Natalie não havia machucado Edward de propósito, mas me enfurecer era uma reação automática.

— Como isso aconteceu? - perguntei, tentando parecer o menos afetada possível. Natalie era vítima das circunstâncias ali, também, e tão imatura quanto um recém-criado poderia ser. Só o fato de demonstrar sinais claros de vergonha já era o suficiente para confirmar que ela não havia feito de propósito.

— No elevador. - Ela ainda mantinha o rosto escondido. A voz estava embargada de tristeza. Isso me quebrou um pouquinho. - Heidi e eu fomos receber eles nos corredores mais abaixo, os que levam até as propriedades mais distantes. Como éramos muitos, tivemos que nos dividir. Foi impulso. Não é todo dia que vejo sentimentos tão genuínos.

— O que quer dizer com isso, Natalie?

Natalie tirou as mãos da frente do rosto e ergueu a cabeça. Ela estava mais composta, mas agora tinha uma expressão cansada. Nada daquela máscara de despreocupação havia sobrado.

— Estar e reivindicar. É o que eu senti vindo do garoto ruivo, porém, sentir minguar muitas vezes. É uma suposição, mas acho que ele estava em estado de negação nessas horas, como se estivesse se recusando a desejar algo. - Ela estava pensativa. - O que é bem triste, pois não eram sentimentos maldosos. Eu saberia dizer se fosse. A perversão dá um gosto horrível na ponta da língua, como de ovo podre.

Minha cabeça dava voltas enquanto eu assimilava o que Natalie estava falando sobre Edward. - “Estar e reivindicar”, mas o quê? Eu? Seria criar esperanças demais. Pelo amor de Deus, nem na minha cara ele olhou por mais do que meio segundo. Natalie é muito nova e inexperiente com a maneira com a qual lida com os próprios poderes. Poderia ter se confundido.

— A garota de cabelos escuros desejava outra coisa… Foi tão intenso que ardeu a minha garganta, mas não como faz a sede. Era como uma febre, eu acho. Como se eu pudesse soprar fumaça. Foi engraçado. Mas o que me pegou mesmo foi o cara loiro que a estava segurando pelos ombros, como se estivesse guiando-a. Nunca vi tanto desejo reprimido. Acabei explodindo no lugar dele. Me senti uma esponja absorvendo tudo e entendi que ele só queria ajudar e eu quis ajudar também, foi quando eu machuquei o garoto ruivo. Foi pavoroso. Ele ficou em choque, eu fiquei em choque e sai praticamente correndo do elevador. - Ela riu, nervosa. - Me senti uma criança fazendo besteira e fugindo para não ser castigada.

— Você não deveria ter feito isso. - Falei, mantendo o tom frio de antes. A essa altura a raiva havia passado, mas eu não estava pronta para deixá-la confortável.

— Eu sei disso. - Natalie fez outra careta. - Pedi desculpas antes de sumir de vista, se isso conforta você. - Suspiro. - E ele não parecia magoado ou irritado, ainda mais quando o foco passou a ser exclusivamente você.

— Você está enganada. Não sou tão especial assim. - Sabia onde ela queria chegar com essas palavras.

— Bella, eles vieram até aqui, se exporam, admitiram a culpa e te protegeram. Isso não é pouca coisa. - Seu rosto se iluminou com um sorriso terno, mas que logo sumiu quando ela viu a minha expressão, apertando os lábios em uma linha fina de irritação. - Tudo bem, pode ser que ele não ame você, como você disse antes, mas com certeza você significa alguma coisa.

— Eles apenas vieram porque não tinham escolha. - Dei de ombros. - Estamos tempo o suficiente aqui para saber que todo convite é sempre uma ordem de convocação. E eles não queriam que houvesse um conflito, afinal, eu só tive conhecimento de tudo que sei por culpa deles. Eles vieram pelo senso de responsabilidade, e não por mim.

Natalie revirou os olhos.

— Eu não sei controlar os meus poderes direito, mas confio nos meus instintos. - Natalie segurou o meu rosto entre as mãos com convicção, como se o contato pudesse me fazer acreditar nela com a mesma intensidade. - E eu sei o que senti naquela sala quando você quase pulou na garganta de Aro. Você não é apenas responsabilidade deles. Você é a razão absoluta para eles estarem aqui.

Senti um grande nó apertando a minha garganta. - Uma sombra indistinta da antiga Bella gritou de euforia comigo, dizendo que eu deveria dar ouvidos àquelas palavras. Mas ela foi rapidamente sufocada pela outra Bella, aquela que estava acostumada a lidar com a realidade dos fatos e acontecimentos: eles haviam ido embora há muito tempo e apenas retornaram à minha vida por minha culpa. E era o peso dessa verdade que me impedia de respirar agora. Eles seguiam o curso de suas vidas tranquilamente, e mais uma vez eu atravessei os seus caminhos somente para lhes tirar a paz. A humana que precisava ser salva do próprio azar. - Ter uma pele dura de ferro e olhos carmesins parecia não ter mudado a minha sorte, afinal.

Natalie, que tinha uma expressão eufórica e esperançosa, logo murchou. Porém, mantinha as mãos no lugar, se agarrando a qualquer esperança que pudesse haver naquele gesto tão vigoroso. - Não era do seu feitio desistir. 

— Você verá com os seus próprios olhos, Bella. Acredite em mim.



— Não pule tão alto, Natalie. Alguém pode ver você. - Eu murmurei, pois sabia que mesmo estando há algumas dezenas de metros à minha frente, com a sua audição perfeita de vampira, ela poderia me ouvir.

Natalie saltou de um prédio para o outro, dando um pequeno rodopio no ar antes de aterrissar no telhado e fazer o mesmo movimento logo em seguida, indo em direção ao próximo e ignorando o meu alerta. Seus movimentos eram como de uma lebre selvagem, rápidos e dinâmicos, e suas risadas eram relaxadas mas contidas para não fazer barulho.

Era quase onze horas da noite em Florença e estávamos próximas dos subúrbios. Não vimos Gabriela e Abner em lugar algum, mas sabíamos que estavam seguindo os nossos rastros, mantendo uma distância confortável. Uma liberdade rara concedida somente por eles. Uma gentileza, ou um teste, para saberem se fugiríamos; provavelmente nunca terei certeza, porém, preferia não pagar para ver.

A esta altura, já estávamos alimentadas o suficiente e havíamos levado os corpos para locais seguros, onde nunca seriam encontrados. Apesar de que, para a nossa força descomunal, os humanos mortos não pesarem mais do que uma pena, o trajeto foi difícil. Primeiro, Natalie quase teve um ataque de histeria quando soltou a sua última presa sob o buraco de uma gigantesca pedra. Nem mesmo a tática de cobrir o rosto da vítima foi o suficiente para ajudá-la a não ficar nervosa. Foi quando ela começou a saltar por aí, uma forma de extravasar os sentimentos negativos, que ela finalmente se acalmou, mas continuou vagando por aí, sem destino e eu a acompanhei.

Não quis atrapalhar o momento dela, visto que eu não estava me sentindo bem, também. Claro, o sangue humano era como uma sacola de gelo despejada sobre carvão em brasas; aplacava a sede e clareava os meus pensamentos. Porém, à medida que a minha mente se assentava no lugar, ela também fazia questão de me lembrar cada um dos rostos retorcidos em pavor, perplexidade, confusão e dor. Rostos de pessoas cujos seus familiares nunca mais veriam de novo nesta vida, assim como Charlie e Renée nunca mais veriam o meu. - A consciência fazia o meu estômago embrulhar e me dava ânsia, entretanto, nada saia. Meu corpo de pedra tinha sido feito para aquilo, para consumir e se saciar, até que não restasse uma única gota de sangue neste mundo. Ele não desperdiçaria algo que considerava tão precioso e tão natural, por mais animalesco e monstruoso que fosse.

“Para a natureza, não existem monstros ou vítimas. Apenas caçadores e presas. Seu corpo é a sua natureza, e apenas a sua mente pode controlar ela.” - Estas foram as palavras de Marcus quando o encontrei na biblioteca há algumas semanas e perguntei sobre a natureza de nossos instintos predatórios. Não era uma pergunta movida por uma ignorância, mas pela curiosidade. Marcus era o menos participativo dos irmãos, quase nunca se expressava. E, por algum motivo, parecia ser o mais sábio de todos eles, sem estar sendo movido por um desejo mórbido de conquista, ganância ou destruição.

Era uma frase que poderia ter diversos significados, desde o autocontrole para não haver exposições perigosas ou até abdicação ao sangue humano, através da racionalidade e da bondade, como fizeram os Cullen. Ou talvez um consolo para o sentimento de culpa estampado em meu rosto ao pensar em todas as vidas que eu vinha tirando. Quando perguntei sobre o real significado, ele apenas sorriu e se retirou da biblioteca, retornando à torre do castelo. Foi frustrante, porém, reconfortante. Era uma incógnita com a qual eu poderia trabalhar e ocupar a minha mente.

— Está tudo bem, Bella? - perguntou Natalie, parando o seu avanço pela noite e esperança que eu a alcançasse em cima de um pequeno sobrado antigo.

Dentro dele, eu podia ouvir o som rítmico de corações batendo e respirações estáveis; humanos dormiam tranquilamente. O som do sangue quente correndo em suas veias fizeram minha garganta coçar, mas eu empurrei a sensação para longe da minha mente, o mais fundo possível. Eu já estava estável.

Aterrissei silenciosamente perto dela, apoiando as pontas dos dedos dos pés em uma calha de ferro. Felizmente, o objeto estava bem instalado e não se soltou, apesar da estrutura da casa ser muita antiga. Subi até o topo do telhado e me sentei. Ali, na área residencial, as luzes do centro agitado eram como um sonho brilhante distante.

— Apenas estava pensando sobre o que nós fazemos. - falei, a voz transmitindo toda a tensão que me cobria os pés a cabeça. - Acha que eles vão aceitar? - perguntei, permitindo-me expressar o que mais preenchia a minha mente.

Uma sombra de confusão cruzou os olhos de Natalie, mas então ela aparentou entender.

— Acho que sim. - murmurou, sentando-se comigo, muito próxima. Desta vez, eu não quis me afastar dela; em vez disso, segurei a sua mão, procurando um conforto que eu não tinha há muito tempo. Pude sentir seu corpo se inflar enquanto inspirava o ar noturno. Era um cheiro limpo que trazia os odores da terra, das árvores e das pedras. Combinava com o seu cheiro doce que lembrava castanhas, romã e hortelã. - Aro não tem muitas alternativas. Graças a você. - Natalie riu.

Tive que rir também. Por mais preocupante que fossem as circunstâncias, ainda havia um toque de ironia e sarcasmo nelas. - Era prazeroso pensar que Aro estava em um beco sem saída, tendo que recorrer a recursos que feriam seu orgulho.

— Três vivas para mim. - brinquei, rindo de novo.

— Mas não acho que ele deixará nós irmos embora. - suspirou.

— Se Caius continuar insuportável no ouvido dele, creio que ele vai mudar de ideia bem rápido. - desdenhei. Aro se esforçava para não transparecer, mas estava cada vez mais evidente que ele estava perdendo a paciência com as reclamações de Caius. E, até onde eu saiba, ele nunca foi de ficar reclamando tanto. Não éramos as únicas a tirar a paz do líder dos Volturi, afinal.

— Caius não tem esse poder todo, sabia? Foi o que Marcus disse quando conversei com ele… - murmurou, pensativa.

Aquilo era informação nova. Não sabia que ela tinha tido contato com Marcus também. Bem, nem sempre era possível estar atenta a tudo o que acontece quando estamos longe uma da outra.

— E o que ele disse? E quando isso aconteceu? - perguntei, confusa.

— Quando eu estava na torre, tive que fazer companhia para ele. Ajudar a organizar livros, mapas, essas coisas. Haviam pergaminhos também, objetos que ele disse que tinham vindo do Egito, em um tempo totalmente diferente do nosso, quando não havíamos nos separado do mundo mortal. - Seus olhos estavam cobertos pelo assombro. - Sabia que os primeiros faraós foram vampiros?

Neguei com a cabeça, chocada. Por mais que eu tivesse acesso ao acervo histórico nos grandes cofres, nunca havia mexido neles, visto que a maioria parecia frágil demais para as minhas mãos, ou simplesmente porque não conseguiria entender o que estava escrito.

— Também fiquei impressionada. - assentiu. - Por isso eram considerados deuses encarnados. Depois que os egípcios saíram do poder daquelas terras, os Volturi tiveram o trabalho de retirar quaisquer documentos que denunciassem a nossa existência e os trouxeram para cá. Marcus me mostrou eles e disse que aquilo valia mais do que todo o tesouro egípcio trancafiado nos museus britânicos, pois é parte da nossa história.

— Com “saíram do poder”, você quer dizer…?

— Sim, eles os aniquilaram. Aro considerava a exposição perigosa desde aquela época, há quase dois mil anos. Poucos sobreviveram pois poucos se renderam. O mesmo aconteceu com a civilização romena.

Franzi o cenho.

— Drácula?

— Uma lenda conveniente, de fato. Alho, cruzes, prata, aversão ao sol, estacas no coração; tudo isso foram os Volturi que inventaram. Para nos tornar mais fantásticos e, ao mesmo tempo, seres capazes de serem derrotados por humanos. Uma falsa segurança.

— E o que isso tem haver com a nossa permanência aqui?

— Marcus não teria permissão para me contar tudo isso, sobre os tesouros e segredos deste lugar, se eles já não tivessem tomado uma decisão definitiva, principalmente Aro.

— Seja clara. - Não estava com paciência para meias palavras.

— Aro quer nos dar os mantos da guarda.

Tudo bem, por isso eu não esperava.

— Está brincando. - Uma risada nervosa e sem humor escapou dos meus lábios.

— Não estou. - Natalie deu de ombros. - Já se passaram dez dias desde que Marcus me disse isso, mas ainda não assimilei direito. Quer dizer, somos um problema constante para eles. Por que nos dar este voto de confiança?

— Exatamente! - Eu me sentia exasperada. Não fazia o menor sentido. A minha respiração se acelerou e a ansiedade tomou conta do meu peito.

— Não sei se as circunstâncias irão mudar depois do que aconteceu hoje, mas se eles aceitarem a proposta da família Cullen, e é o que eu acredito que vai ocorrer, isso será por você. É o que penso. - Natalie parecia estar bem certa do que pensava.

— Eu quase arranquei a cabeça de Aro, o grande líder deles. - grunhi, arfando. - Por que eu receberia um manto?

— Porque você é especial, independente do que faça a ele. Eu posso sentir! - Natalie tocou a ponta do meu nariz. Era o gesto que ela usava com os irmãos quando estava conversando com eles e tinha que ajudá-los a se acalmar. Era um gesto carinhoso.

Outra memória invasiva. Elas eram como um flash, iluminando a minha mente.

— O que eu faço, Heidi faz melhor e sem receios. Mas o que você é, ainda é um mistério. Imune ao que há de mais formidável na guarda. Ele não deixaria você ir, não até saber do que você é capaz.

— E por que ele não deixaria você ir, então? - Minha cabeça se recusava a aceitar aquelas palavras. Não havia nada de especial na minha mente muda. Nada. - Se você é uma ambição menor para ele, tecnicamente, não haveria problema.

Natalie fez uma careta, constrangida.

— Bella, eu não teria para onde ir. - Seus olhos se arregalaram de tristeza, como os de uma criança. - E não acho que meus pais estariam prontos para me receber tão… diferente do que eu era.

— E prefere apodrecer aqui? - Eu estava a ponto de chorar.

— Pelo menos, aqui, eu ainda tenho você. Não gosto da rotina nem de viver trancafiada atrás de muros, mas é melhor do que estar perdida por aí. - Ela deu de ombros como se as consequências de suas escolhas fossem nada. Mas os seus olhos denunciavam a verdade; ela estava aflita e com medo.

Não poderia condená-la; eu também estava assustada. Já era preocupante o suficiente ter os Cullen presos a mim de novo, fosse por vontade própria, como Natalie havia afirmado, fosse por obrigação com as suas antigas responsabilidades. Saber que ela dividia comigo voluntariamente o destino de estar em um ambiente tão perverso e desprovido de qualquer calor, era um peso com o qual eu não estava preparada para lidar.

— Você precisa sair daqui, com ou sem mim. - falei, a voz dura pois era o melhor que eu poderia expressar sem explodir com ela.

Seus ombros arriaram, desanimada.

— Bella, eu estou falando sério. - choramingou. - Não me expulse de sua vida por pena de mim. - implorou. - Você não fez nada de errado.

— E nem nada de certo. - rebati, virando o rosto e voltando a encarar a noite.

Outra memória invasiva: Edward terminando comigo na floresta, dizendo que a nossa relação tinha ido longe demais. Me dei conta de que estava próxima de fazer algo parecido com ela, obrigando-a a me abandonar. Meu coração, imóvel como uma pedra de gelo, doeu e afundou no peito. - Como Edward tinha conseguido fazer aquilo, dar um basta a tudo com tanta facilidade e frieza? Ter esta pequena constatação, de que ele havia sido minimamente indiferente, fez a minha agonia triplicar, misturando a dor antiga à dor nova.

Natalie puxou a minha mão para ela, me fazendo olhar em seus olhos de novo. Natie havia abandonado a expressão de tristeza. Agora parecia determinada e impaciente.

— Nós entramos nessa juntas, e vamos sair dela juntas, por mais culpada que você se sinta. - Ela me deu um beijo na bochecha e apoiou a cabeça em meu ombro. - Somos irmãs. Podemos não dividir as mesmas origens, mas dividimos o mesmo destino.

— Natalie vampira é estranha. - comentei.

Por quê?! — exclamou ela, se afastando de mim para me encarar com uma expressão engraçada, ignorando que sua voz estava alta demais por causa da surpresa.

— Muito séria. Quando a parte irritante e mandona vai voltar?

Natalie estreitou os olhos ameaçadoramente para mim.

— Tenha cuidado com o que deseja, Srta. Isabella. - rosnou. - Você pode não gostar do resultado. - ameaçou, mas logo caiu na gargalhada. Tive que tapar a sua boca para parar. Ainda poderíamos chamar atenção de alguém.

Seja lá como for que Edward tenha conseguido, eu jamais poderia partir o coração de Natalie. Éramos irmãs, éramos família. E se eu não podia ter o amor da minha vida (ou melhor, existência) de volta, ainda teria ela e toda a sua sinceridade. Tínhamos entrado no covil dos demônios unidas; sairíamos ou morreríamos nele juntas.

Mas, por mais reconfortante que esta certeza fosse, ela não era completa. E eu sabia bem o motivo. Porém, estas eram ânsias que eu deveria esquecer, por mais que Natalie quisesse alimentar elas. Mais uma vez eu precisava me lembrar que ela era nova em lidar com os seus poderes e poderia estar tendo impressões erradas acerca dos desejos alheios.

Ter esperanças a esta altura era precipitado e não queria aquele buraco no peito me rasgando de cima a baixo de novo. A cicatriz já era dolorosa o suficiente, não precisava continuar sonhando, adormecida ou acordada, com o seu retorno milagroso; já tinha problemas demais para me preocupar com um coração decepcionado.

Continuamos conversando por algumas horas. Não tocamos mais no assunto do meu abalo emocional com relação a ela e aos Cullen, apenas o que era pertinente ao castelo e nossa instrução. Eu ainda não estava acreditando muito que Aro manteria a sua decisão de nos tornar parte da guarda definitivamente, mas Natalie estava irredutível, tanto por isso quanto sobre as intenções de Edward, principalmente, e a família. Tive que concordar parcialmente com ela, dizendo que poderia haver a possibilidade, mas que precisava de uma prova concreta. - Admito que meu peito se aqueceu um pouco com a ideia, mas logo tratei de jogar gelo por cima. Ainda não estava pronta para as esperanças arriscadas.

A resposta não foi inteiramente satisfatória para Natalie, entretanto, bastou para que ela ficasse quieta e parasse de tentar de implantar ideias na minha cabeça. A partir desse momento, a conversa se concentrou no bendito manto que ganharíamos e quando isso aconteceria. Cogitei que se fosse para acontecer, seria depois de um treino adequado e que trouxesse satisfação a todos. Ainda não conseguia acreditar que Jasper realmente havia se oferecido de tão bom grado. Será que isso foi uma ideia própria ou alguém sugeriu a ele? - Teria que perguntar para saber.

Próximo da uma da manhã, Gabriela apareceu para nos chamar e dizer que estava na hora de retornar. Perguntamos onde estava Abner e ela disse que o companheiro tinha recebido ordens de última hora. Foi um retorno silencioso até o castelo, mas muito mais confortável, tanto pela conversa necessária que tive com Natie, quanto por nos afastarmos do palco de nossa última desgraça predatória.

Por estar tarde da noite, não precisamos usar os túneis de acesso ao castelo. Seguimos pelos campos silenciosos, exceto por um ou outro animal noturno que vagava atrás de alimentos. Era lua nova, portanto, tínhamos conosco apenas a luz das estrelas. Lembrou-me dos tempos morando em Phoenix com a Renée e de nossos longos passeios exploratórios. - Um dia, subimos de carro as colinas que formavam o grande vale que abrigava a cidade. Assistimos ao pôr do sol e as luzes noturnas se acedendo, e logo em seguida, as estrelas. Foi um dos nossos últimos passeios meses antes de eu ir morar com Charlie. Toscana não era uma região desértica como o Arizona, mas tinha um céu quase sem nuvens tanto quanto, permitindo uma visão perfeita do espaço. As estrelas tem disso, nos lembrar de o quão insignificantes somos diante de toda imensidão do universo, fazendo com que cada dilema intrínseco parecesse meros sopros banais. Olhar para elas nesse momento, quando tudo parece desabar (de novo) sobre minha cabeça, trazia uma estranha sensação de paz e conforto. Por mais que ser uma vampira me torne praticamente um ser eterno, uma hora este universo trará um jeito único e inevitável para acabar com esse sofrimento, varrendo cada controversa como poeira espacial.

— Você parece estar tendo pensamentos mórbidos. - Natalie interrompeu os meus pensamentos assim que avistamos da colina íngreme na qual repousava Volterra. Assim como a maioria das casas pelas quais passamos, a cidade inteira estava completamente adormecida.

Dei de ombros.

— Mais ou menos. - Não queria compartilhar com ela minhas divagações. Ela não as absorveria da melhor maneira e poderia pensar no pior. - Estava apenas tendo uma lembrança humana. - Contei-lhe pois não era uma mentira e era um assunto seguro para discutir.

Natalie ficou pensativa por meio segundo.

— São lembranças estranhas, não acha? Não consigo lembrar de nada em detalhes. É difícil. - comentou, um pouco irritada.

— É por causa dos nossos sentidos. - expliquei. - Quando éramos humanas, nossas percepções eram muito limitadas em comparação ao que temos agora. É como tentar ver através de um mar de lama. - Fiz uma careta.

Natalie assentiu.

— A minha vontade é de nunca mais ter que revisitar estas lembranças, mas não sei… Não parece certo simplesmente ignorá-las. Sinto que vou acabar esquecendo delas. - murmurou enquanto escalávamos os muros até o topo, apoiando as pontas dos dedos entre as frestas.

Gabriela, que estava quieta durante todo o percurso, falou:

— Não acho que deveriam esquecer suas antigas vidas. - disse ela com convicção, o que era incomum pois ela sempre agiu de forma apática conosco e com os outros guardas, até mesmo com Aro e os irmãos. - Se estas pessoas eram importantes para vocês, elas não merecem seus esquecimentos. Seria como traí-las.

Nós duas a encaramos enquanto ela seguia a frente, ainda subindo, portanto, não podíamos ver o seu rosto, apenas ouvir sua voz.

— E você tem alguém especial assim? - perguntou Natalie antes que eu mesma pudesse questioná-la sobre o significado e intenções reais de suas palavras. Elas eram muito diferentes dos discursos que ouvimos ao longo dos meses, sobre desapegar de nossos antigos propósitos e abraçar o que havia de novo para nós dentro da guarda.

— Tenho. - respondeu assim que chegamos na parte superior dos muros. Ela olhou para nós assim que a alcançamos. Havia em seu semblante um olhar de ternura que nunca imaginávamos que poderia vir dela, fazendo, inclusive, Natalie ficara boquiaberta. Continuou: - Mas não temos tempo para histórias. Estão esperando por você.



A secretária humana do turno da noite veio nos recepcionar no saguão do castelo. Ela usava um conjunto de saia e terno azul turquesa que combinava com a sua pele muito branca e rosada. O cabelo loiro estava amarrado em um rabo de cavalo bem apertado no topo da cabeça e os sapatos pretos brilhavam com o verniz impecável. - Ela parecia um pouco agitada, pela respiração um pouco acelerada e as pupilas dilatadas, o que era incomum para a sua postura habitual sempre tão profissional.

— O Sr. Aro e seus convidados estão esperando as senhoritas na biblioteca. - disse ela, a voz um pouco tremula, o que fez seu rosto se aquecer um pouco. - Fui designada para acompanha-las. Por aqui. - gesticulou ela, mesmo que já soubesse que conhecíamos o caminho.

Ao meu lado, Natalie riu e abanou o rosto teatralmente assim que a humana se virou e começou a andar até a ampla escadaria logo após dos elevadores.

— Bem, meninas, vejo vocês mais tarde. - disse Gabriela, rindo de Natalie e indo embora.

Começamos a seguir a secretária que estava com problemas de se manter equilibrada no salto enquanto subia os degraus de pedra encerada.

— Qual é o problema dela? - cochichei para Natalie em um volume que eu sabia que a mulher não nos ouviria. Já estava ficando agoniada com a visão e quase me oferecendo para ajudá-la a se equilibrar, mas sabia que isso seria motivo de vergonha para ela. Para os humanos daqui, ser perfeita era requisito primordial para ser aceita como um dos guardas. Infelizmente, para os Volturi, bastava que os humanos fossem tolos o suficiente para ficarem de boca fechada pelo tempo necessário até que não houvesse outra utilidade para eles que não fosse a alimentação.

Natalie riu de novo.

— Seja lá o que aconteceu, fez acender nela o que há de mais selvagem nos instintos de uma mulher. - Ela riu de novo. - Ela está excitada. - explicou quando notou a minha cara de confusão.

— E por quê?

— Talvez ela tenha achado um dos Cullen atraente, quem sabe. - Deu de ombros. - Qualquer que seja o motivo, vai acabar custando sua carreira maravilhosa de capacho. Talvez nem passe dessa noite, se continuar nesse ritmo. - Seus olhos traziam uma expressão vazia ao dizer estas palavras, os lábios comprimidos em uma linha fina. Já tinha visto esta expressão quando estávamos nos alimentando. Era ela tentando enterrar qualquer sentimento negativo que pudesse a estar atormentando.

— Espero que não. - comentei, tentando evitar que um calafrio subisse pela minha espinha.

Natalie assentiu e ficou quieta.

Após a longa marcha de pernas levemente bambas da secretária, chegamos a porta da biblioteca. Lá dentro, nenhuma voz poderia ser ouvida, apenas a respiração de quatro pessoas. Eu ainda não tinha tido tempo de gravar com precisão o cheiro dos Cullen, mas sabia que os outros dois presentes ali dentro eram Aro e Caius.

A secretária deu dois leves toques na porta e esperou.

— Entrem. - disse Aro em sua voz suave de sempre, porém, audível para os ouvidos da humana.

Ela abriu as grandes portas duplas e deu espaço para que entrássemos.

A biblioteca era um grande circulo, dividido por grandes prateleiras feitas de madeira de carvalho escuro que formavam círculos menores em meia lua em volta do centro. Era no total doze fileiras circulares, além das prateleiras embutidas nas paredes. No centro da biblioteca, uma grande mesa de mogno de cinco metros de diâmetro, e em seu tampo estava esculpido um mapa estelar completo. A data estava gravada como sendo do ano de 1467, cujo o autor daquela obra era um escultor desconhecido para mim, apesar de ter feito um trabalho impecável.

Não havia cadeiras, portanto, todos estavam de pé ao redor da mesa, do lado oposto à entrada, perto da grande janela de vitrais. Aro e Caius estavam sem os seus mantos, e ao lado deles estava Carlisle e Jasper. Ambos levantaram a cabeça para nos encarar assim que entramos em seu campo de visão. Jasper mantinham uma expressão neutra porém relaxada, Caius também demonstrava estar neutro, entretanto, sua postura muito ereta denunciava o seu desconforto. Carlisle abriu um sorriso cordial para nós duas e Aro, um sorriso de deleite.

Tive que me conter para não rosnar, como um cão raivoso. Segui a estratégia de Jasper e fiquei na minha, tentando parecer mansa. Natalie apenas acenou, como parecia ser seu comportamento habitual ali dentro.

— Boa noite. - disse Natie, sendo educada por nós duas. Ela respirou bem fundo quando ficou ao meu lado, analisando cada rosto na nossa frente, provavelmente sentindo o clima do seu jeito.

— Senhoritas, queiram se aproximar, por favor. - disse Caius.

Dessa vez não consegui me controlar e ergui uma das minhas sobrancelhas. - Caius, sendo educado e gentil? Que bicho tinha mordido ele? - E então o olhar sagaz de Jasper cruzou o horizonte, junto com um meio sorriso travesso que logo desapareceu sem deixar rastro. Estreitei os olhos para ele e ele piscou para mim. - Eis ai o bicho!

Toda essa dinâmica durou uma fração de segundo.

— Sei que as circunstâncias começaram de maneira adversa, mas creio que podemos conversar tranquilamente agora, já que os ânimos foram acalmados. - disse Jasper.

Franzi o cenho.

— Sim, podemos. - concordei, indo em direção a eles, circulando a mesa, com Natalie logo atrás de mim, ainda respirando fundo, sacudindo um pouco as mãos com uma ansiedade contida.

Nos colocamos entre eles, que abriram espaço. Aro fez menção de que ia pôr a mão em meu ombro, mas dei um passo para o lado, me aproximando mais de Natalie. - Acho que o recado foi bem dado pois ele não tentou avançar de novo. Apenas deixou a mão cair ao lado do corpo e manteve a postura.

— Como as senhoritas já sabem, esta reunião foi arranjada para decidir o futuro de vocês duas. - Começou Aro em um tom de voz solene. - Tivemos muitos problemas nos últimos meses e, principalmente nas últimas horas, e queremos dar um basta nisso o quanto antes.

— Sei que Edward fez muito mal a você, Bella, e sei que acha que estamos aqui a força, mas a realidade é bem diferente. - falou Carlisle, com um semblante de culpa idêntico ao que tinha no torreão horas atrás. - Estamos aqui por ele e, acima de tudo, por você. Edward não queria que as coisas chegassem a este ponto e está aflito com os possíveis desenrolares daqui para frente, por isso nos oferecemos para ajudar.

— E por que ele não está aqui? - perguntou Natalie, a voz aguda de estresse. Mais uma vez, a pergunta que eu queria fazer mas que não estava disposta a perguntar, temendo a resposta que viria.

Carlisle refletiu por um momento.

— Edward não quis estar presente para não inflamar os ânimos. - disse Jasper secamente. - Vimos como reagiu com a presença dele hoje. Não era o tipo de sentimento adequado para o momento.

— Isso não faz o menor sentido. - rebati, ficando irritada. Mais uma vez Edward parecia estar tentando se esconder ou buscando um pretexto estúpido para não me encarar. - Então é isso, vai nos treinar?

— Recém-criadas como vocês duas precisam de uma supervisão adequada. - interrompeu Caius, impaciente. - Jasper Cullen terá o nosso pleno aval para controlar e treinar vocês duas, sob a condição de haver um dos nossos presentes em seus treinamentos, a fim de garantir a eficiência de seus ensinamentos. Aro já comprovou sua plena capacidade, agora basta saber se fará da forma adequada.

— Estamos dando um voto de confiança único, Carlisle. - murmurou Aro seriamente. - Poder colaborar conosco é um privilégio.

— Eu sei. - assentiu Carlisle. - E quanto a decisão delas…?

Aro negou com a cabeça.

— Esse assunto não lhes convém…

— Do que vocês estão falando? - perguntei, interrompendo a conversa bruscamente. Já tinha visto aquela novela antes, sobre os outros decidindo o meu destino por mim, e não tinha acabado bem.

— Estão falando sobre os mantos? - sussurrou Natalie, trazendo de volta o nosso assunto anterior.

— Os mantos são assunto para outro momento. - insistiu Aro.

— Então é verdade? - Arregalei os olhos para ele.

Senti uma mão forte agarrar o meu braço. Era Jasper, provavelmente sentindo a minha raiva crescer a níveis incontroláveis. Desta vez eu não reclamei quando ele usou os seus poderes para me acalmar. Não estava a fim de uma briga no momento, não com Natalie, Carlisle e Jasper tão próximos para se machucar.

— Outro momento, por favor. - implorou Aro, os olhos compassivos.

Eu não acreditava nada neles, mas não iria conseguir muita coisa sendo insistente.

— Tudo bem. - grunhi.

Aro assentiu, satisfeito.

— Vocês precisam se trocar. Suas roupas cheiram a poluição  da cidade e sangue humano. Creio que isso será desconfortável ao nosso convidado. - orientou ele, referindo-se a Jasper.

— Obrigado. - agradeceu Jasper.

— Vocês sabem o caminho. Creio que não precisam mais de escolta. - concluiu Caius a contragosto.

— Sim, nós sabemos. Vamos? - perguntou Carlisle.

Olhei para Aro, que apenas sorriu.

— Podem ir, crianças. Estão dispensadas.

Do lado de fora, Natalie tocou a minha mão para chamar atenção.

— Meu quarto ainda fica na torre. - cochichou ela. - Volto assim que estiver de roupas limpas, tudo bem? - E disparou pelo corredor, sem esperar pela minha resposta e me deixando a sós com os dois Cullen.

Um silêncio desconfortável se seguiu por alguns segundos.

Carlisle suspirou e sorriu.

— Creio que vocês dois têm muito o que conversar. Nos falamos outra hora. - disse ele. - É bom ver você de novo, Bella. - Ele parecia estar sendo sincero.

— O senhor também. - murmurei, sem jeito.

E ele se foi.

— Bem, - comecei, tentando quebrar o clima estranho. - podemos ir andando até o meu quarto e ir falando, se não tiver problema para você. Só tente não chegar muito perto, para não incomodar a sua garganta. - completei, indo em direção as escadarias que levavam de volta aos elevadores, com Jasper logo atrás de mim. Como a maioria dos aposentos dos guardas, meu quarto ficava na ala oeste, na base da torre, mas sem acesso ao corredor principal, senão por passagens ocultas nas paredes e no chão. Poderia usar elas e seguir pelo caminho mais curto, como Natalie tinha feito ou ir para o outro lado corredor? Poderia, mas não queria ser repreendida por estar mostrando um segredo do castelo para um forasteiro.

Jasper sorriu fazendo uma careta.

— Só concordei porque não queria ser mal educado. - admitiu. - Sangue humano não me afeta mais como antigamente. Grandes mudanças aconteceram em meia década, para todos nós.

— Isso é verdade. - concordei. - Agora eu não durmo. Já não fazia isso muito antes, mas piorou uns dez mil por cento. Sabe se o Dr. Cullen conhece um bom neurologista que me indique os remédios certos? Estou precisando.

Isso o fez gargalhar.

— O seu problema, Bella, com certeza está muito além de não conseguir mais dormir. - Ele ficou sério. - Do que vi hoje e do que Caius relatou sobre os últimos meses…

— Caius é dramático e aumenta as coisas. - grunhi, apertando o botão para chamar o elevador.

— …a sua condição é, intrinsecamente, vinculado a um estado de tensão constante. - concluiu, sem dar ouvidos ao meu comentário. - E essa tensão é como uma panela de pressão, sempre prestes a arrebentar o pino de segurança. Basta uma pequena alteração…

— E eu mando tudo para os ares. - completei, grunhindo. As portas do elevador se abriram e nós entramos. - E o que vai consistir esse treino? Me deixar dopada que nem  Heidi faz com a Natie? - Apertei o botão do terceiro andar.

— Não, isso não tem eficácia alguma. - disse ele. - Na verdade, não consigo compreender como um grupo tão antigo e experiente não conseguem lidar com recém-criados. Quer dizer, alguns foram transformados pelos próprios Volturi. Não faz o menor sentido.

— Carlisle não lhe contou sobre Chelsea, sobre Corin? As duas são especialistas nisso, em manter os guardas na linha. Heidi é apenas uma caçadora, não uma domadora. - As portas se abriram e seguimos pelo corredor. Era um pouco longo e o meu quarto era um dos últimos. Seguimos em uma velocidade humana. - Ela só ficou encarregada por Natalie por serem muito parecidas acerca de habilidades, mas ela está quase implorando por alguém que assuma esse problema por ela.

— Considera a sua amiga um problema?

— Não! - parei de repente, elevando o tom de voz. - Natalie não é uma pessoa problemática, é só uma garota difícil.

— Difícil de lidar?

— Difícil de controlar. - corrigi. Continuei andando. - Estou convivendo com ela há três anos. Sempre achei a Alice mandona e convencida em alguns momentos, mesmo a amando muito, mas Natalie é no mínimo cem vezes pior. Sem brincadeiras. - Eu ri. - Apesar de ser um pé no saco, ela tem sido uma boa amiga, não me deixando ficar maluca de vez. - ironizei. 

Jasper bufou.

— Alice ficará com ciúmes. - brincou.

— Alice supera. -  Dei de ombros. - Ela superou antes, vai poder fazer isso de novo.

— Bella… - murmurou.

— Não, Jasper, sem desculpas. - Eu conhecia aquele tom de voz vindo dele: a voz das explicações. - Já remoí isso por anos. Não quero outro problema martelando na minha cabeça, por favor.

— Mas você está enganada. - Ele foi incisivo e eu tive que me virar para olhá-lo pois tinha ficado para trás ao parar de me acompanhar. - Alice não abandonou você e sempre foi uma boa amiga, mais do que imagina.

Respirei fundo, tentando pôr a minha cabeça no lugar. Eu podia sentir a sensação inquietante crescendo, pronta para abrir o rasgo novamente.

— Mas isso é um assunto para vocês duas discutirem depois. Sei que parece que estamos tentando nos esquivar de você, porém, este é apenas o espaço que estamos te dando para você conseguir absorver tudo que está acontecendo, o que aconteceu e o que acontecerá. - Jasper estava bem sério.

Um estalo aconteceu dentro da minha cabeça

— Então não adianta nada eu perguntar para você sobre o que o seu irmão quis dizer por “inconveniente” mais cedo. - Era a única fala entre eles dentro do torreão que ainda não havia ficado clara para mim.

Jasper assentiu.

— Assunto pessoal de vocês. Tudo no seu tempo. - Ele sorriu. - Mas é claro, temos o nosso próprio assunto para discutir.

— Claro, os treinos. - deduzi.

— Não. - Jasper parecia estar procurando as palavras corretas por dois segundos, encarando-me enquanto estávamos ali ainda parados no meio do corredor. - Não sou de fazer discursos longos. Juro que ensaiei e refiz minhas palavras algumas dezenas de vezes, mas nada que soasse adequado.

— Está divagando.

— Eu sei. - Ele riu. - Me perdoe, Bella, por ter estragado o seu aniversário. E ter tentado te matar no processo.

Nossa!

— Não precisa se desculpar. - gaguejei. - Sei que foi um acidente, e sei por experiência própria o quão difícil foi para você se controlar. Deveria ter tomado mais cuidado.

Ele sorriu, desta vez um sorriso amplo.

— Gentil como sempre. Não é à toa que o Edward se apaixonou por você. Alguém diferente de nós e que não nos enxergava como monstros. Por um tempo, pensei em você apenas como uma ameaça, mas depois entendi a cabeça de meu irmão e a de Alice. Me perdoe por isso também, por ter estragado o relacionamento de vocês.

Eu ri, sem humor.

— Não tem porquê justificar as atitudes de Edward. Aliás, nunca houve um relacionamento. - Me virei e continuei andando, marchando em direção a penúltima porta. - Eu era apenas uma distração.

— Foi o que ele disse para você? - Ele realmente parecia surpreso.

— Não nesses palavras, mas foi o que eu entendi.

— Meu irmão foi cruel com você. Mas deve ter sido com boas intenções.

Abri a porta e entrei, deixando-a aberta para que ele pudesse entrar também. Era um quarto pequeno, tamanho três por três, com uma cama de solteiro, uma escrivaninha, uma cadeira e um armário, além de uma pequena janela acima da cabeceira da cama que se abria ao girar o painel de vidro multicolorido. Havia um espelho também ao lado do armário, mas me livrei dele assim que foi possível.

— Creio que a boa intenção dele foi de não deixar que eu continuasse sendo feita de trouxa. - rebati, incomodada com o rumo da nossa conversa. Me sentei na beira da cama e tirei os sapatos, chutando-os para debaixo da cama.

Jasper estava sério, pensativo.

— Edward estava mais preocupado em não deixar você morrer.

Gargalhei, duas vezes. Dei um salto e abri a porta do armário, procurando roupas elásticas. As cores eram horríveis (tons variados de cinza e preto, vermelho e sépia), mas logo eu tinha em mãos o que precisava. Dobrei-as em cima da cama, e apanhei uma toalha nas gavetas.

— Edward às vezes esquece que eu sou imã para problemas, como ele próprio disse uma vez. Eu morreria, com ou sem ele perto de mim.

— Mas não morreu. - insistiu.

Me virei para ele, parado a dois passos da porta, parecendo uma estátua.

— E com certeza não foi porque ele foi embora. - Me concentrei ao máximo para não deixar a minha respiração sair do controle. Haviam mágoas que eu estava prestes a despejar em cima de Jasper, mas ele nada tinha haver com elas, mesmo se considerando um dos motivos para elas existirem. - Essa foi uma escolha oferecida a mim: o veneno ou a morte, não somente minha e de Natalie, mas a de vocês também.

— Então eu devo acreditar que nossa dívida com você está paga. Obrigado, Bella. - Ele fez uma pequena reverência com a cabeça, a voz coberta por uma gratidão inesperada.

Dei um passo para trás, perplexa.

— Imagino que queira privacidade agora. - observou ele, gesticulando para as roupas. - Estarei no torreão. Durante o dia, este é o único espaço que teremos para treinar. Vejo você em alguns minutos, tudo bem?

Assenti.

Jasper deu as costas para mim, mas antes de desaparecer de vista, ele falou comigo sobre o ombro:

— Compreendo a sua mágoa e ressentimento com o meu irmão, e que será difícil querer falar com ele de novo em breve, mas, por favor, converse com Alice. - pediu. - Ela está mal há meses pelo o que aconteceu com você.

— Ela viu? - perguntei, surpreendida com a ideia de que ela ainda tinha visões sobre o meu futuro, mesmo estando há tanto tempo longe uma da outra.

Jasper assentiu.

—Seja dura com ela, mas ao menos lhe dê a oportunidade de se explicar sobre o que aconteceu depois daquela última ligação. - Seus olhos carregavam dor, uma dor incomum para ele, e algo semelhante ao desespero ou talvez raiva.

Engoli em seco, sentindo a garra arranhar sobre a cicatriz em meu peito.

— Tudo bem.

— Obrigado mais uma vez. - E partiu, me deixando sozinha com os meus pensamentos conflitantes.

A cicatriz estava doendo. Eu podia sentir as unhas sobre ela, arranhando a pele, procurando onde não haveria resistência, a brecha que me levaria a ter esperanças. Já sabia, desde a conversa que tive com Natalie, que me permitir acreditar seria uma tolice e um risco o qual eu já não estava mais disposta a correr.

Não sem antes ter a plena certeza de que eu não estaria sendo enganada por minha ingenuidade.

Eu falaria com Alice primeiro, lhe daria a oportunidade que Jasper praticamente me implorou antes de ir. - Se ela estava tão mal assim pelo o que aconteceu comigo, acho que valeria a pena sentar e escutar.

Jasper não inventaria isso, inventaria?


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Notas finais do capítulo

Por favor, comentem o que acharam do capítulo. Opiniões são muito importantes.

Obrigada por acompanhar! ♥ ♥ ♥



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