Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 16
Capitulo Sete


Notas iniciais do capítulo

E vamos de capítulo novo! (finalmente...)



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BELLA

O mundo girava em câmera lenta. Ou era assim que parecia ser; na verdade, era apenas a minha mente veloz, com muito espaço extra, e meus olhos que captavam cada detalhe, cada fiapo de poeira que se agitava no ar, cada respiração tranquila e constante.

Eles estavam ali diante de mim, como um grande quadro colorido, iluminado pela luz fosca da manhã que entrava pelas janelas no alto do domo sobre nossas cabeças. - Assim como naquele dia no refeitório, vislumbrá-los era como estar sonhando. Suas peles cintilavam discretamente, suas belezas eram de outro mundo. A diferença agora era que eu era tão pálida e brilhante quanto eles, portanto, todos olhavam diretamente para mim, sem rodeios. Ali, naquele torreão, éramos iguais, finalmente. Éramos imutáveis e imortais. E, nossa!, como os meus olhos humanos eram realmente horríveis, incapazes de captar tamanha perfeição de seus traços. Lembrou-me da vez em que vi o rosto de outro vampiro pela primeira vez com os meus novos olhos, chocada com os detalhes que antes não eram evidentes. Olhar para os sete era reviver tais sentimentos de incredulidade, admiração e curiosidade.

Mas tudo isso foi apenas um momento de devaneio, afinal, eles eram somente novos para mim, principalmente com os seus olhos dourados que refletiam a luz como se fossem feitos de ouro líquido. A minha mente tentava comparar os seus “novos” rostos com as lembranças turvas e incertas de vários anos atrás, sem êxito. E então, a confusão tomou conta de cada canto da minha nova mente, me paralisando no lugar. - O que eles estavam fazendo ali? Como chegaram ali? - O pânico tomava conta de mim. - Como Aro encontrou eles eles? E por que procurou eles? Não entendo, nós tínhamos um trato! Se eles estão aqui…

Enquanto a minha mente vasta se preenchia daqueles questionamentos desnorteados e desesperados, meus olhos analisavam cada um de seus rostos com mais atenção, procurando alguma resposta para além da aparência encantadora. Mas os únicos indícios de que algo estava fora do lugar eram suas expressões de desconforto e olhares que gritavam pedidos de desculpas.

Mais questionamentos: desculpas pelo quê? O que eles acham que fizeram de errado? Era eles que não deveriam estar ali! Por quê…?

Então meus olhos saltaram para Aro, sua postura rígida e olhos atentos em mim, como se esperasse uma reação, e eu entendi. E era tão óbvio que me senti a pessoa mais burra e ingênua da face da terra, mais do que cada humano que serviu, serve e servirá a este castelo em troca de ter suas esperanças vãs atendidas, mais do que Jacob e a luta para me manter ao seu lado como sua companheira, mais do que a minha peleja para permanecer viva e segura em um mundo cercado pelo sobrenatural que me perseguia até que o meu coração parasse de bater. - Estava mais do que claro para todo mundo ver que eu havia caído na armadilha de Aro, tudo porque o meu desespero falou mais alto.

O que esperar de um acordo feito com chantagens e ameaças?, uma vozinha sussurrou dentro de mim. Se Aro fosse tão honrado com as suas promessas, teria respeitado a lei desde o início e dado cabo a você e à Natalie, não teria? Vocês eram uma ameaça ali, as humanas que sabiam demais. Nenhuma ponta solta, querida. Ninguém seria poupado. Nem mesmo o seu sacrifício eliminaria este delito.

Ninguém seria poupado…

E agora isso? Uma mentira e uma armadilha? Eliminação em massa? Era esse o fim deles, dos Cullen? Eu teria que assistir eles serem penalizados e dizimados?

Aro prometeu o perdão. E se ele prometeu, eles não deveriam estar ali. Convite de amigos?! Era o que Aro tinha dito. Isso era coincidência demais.

Ele prometeu.

Senti o meu corpo inteiro vibrar, ainda com o olhar sobre Aro. Minha visão escureceu e se tornou vermelha como o sangue de cada um dos humanos com os quais fui alimentada.

Ele prometeu.

Estava ciente dos outros guardas ao meu redor. Sabia que avançar sobre Aro me mataria, mas eu estava disposta a correr este risco. Era uma recém-criada, era mais rápida e mais forte do que qualquer um ali dentro. Três passadas. Três passadas longas e eu poderia partir o pescoço dele em dois.

Ele prometeu!

Eu não conseguiria colocar fogo em seu corpo decrépito, deixaria de existir antes de ter esta oportunidade. Mas Aro sentiria um pouco do gosto das consequências de ser um grande canalha, mais canalha do que a minha inocência permitia enxergar.

Permiti que o desejo de sangue tomasse conta do meu corpo e me agachei em posição de ataque. Foi um movimento rápido, acompanhado de um rosnado gutural que reverberou pelas paredes. Carlisle não estava mais no meu caminho, mas eu tomaria cuidado pois ele ainda estava muito próximo, não queria o machucar.

Antes que eu me lançasse pelo ar, ouvi alguém berrar. Era Edward. Sua voz, assim como sua aparência, era linda, e se espalhou pelo meu corpo como ondas frescas, causando formigamentos. Por um milésimo de segundo, aquilo me distraiu, tirando do meu estado de animosidade, mas não foi o suficiente. Eu ainda desejava a cabeça de Aro e a teria.

Avancei, mas fui interceptada a meio caminho da segunda passada, a pouquíssimos metros dele. Podia ver, no reflexo de seus olhos leitosos, meu rosto, coberto por uma máscara grotesca de fúria enlouquecida, os dentes escancarados, os olhos negros como o buraco em que eu estava enfiada há dias. Ver a mim mesma daquele jeito teria me deixado assustada, mas não agora. Não quando eu sabia o que tinha que fazer. - Levei mais um milésimo de segundo para entender o que estava me parando com tanta eficiência. Não havia nenhum guarda, todos ainda estavam paralisados em seus lugares, chocados demais com a cena; era Emmett e Jasper. Eles me seguravam pelos braços, puxando-os para trás em um aperto de aço. Era desconfortável, entretanto, eu não liguei. Meu alvo estava logo à minha frente, bastava que eu desse mais alguns passos e o teria em minhas mãos.

Forcei movimento, e então estávamos cercados, com guardas bloqueando qualquer possível avanço meu. Uma guarda pegou Aro pelos braços e o afastou, colocando-se a sua frente. Outros fizeram o mesmo com os irmãos, levando-os para perto de suas cadeiras na parede. - Aquilo me enfureceu mais; como aqueles desgraçados poderiam afastar Aro de mim? Ele não escaparia, nunca!

Levei mais um segundo para entender porque nenhum outro guarda tinha posto a mão em mim - eu ainda tinha Aro em minha mira - : Edward e Rosalie estavam ao nosso redor, mantendo os guardas longe com rosnados de ameaça e empurrando quem tentasse chegar perto. Ninguém de fato avançava, provavelmente esperando alguma ordem específica dos anciãos, mas os três apenas nos encaravam atônitos, como se fossemos uma espécie de espetáculo bizarro nunca antes visto. A falta de reação era incomum da parte deles, dado o histórico de rápida ação a qualquer deslize meu que ultrapassasse os limites da boa convivência e do respeito mínimo.

Diferente dos filhos, Carlisle usava apenas da força e da voz para manter os guardas longe:

— Não ataque! Por favor, não machuquem-na! - Ele implorava, olhando diretamente nos olhos de cada um dos três irmãos Volturi.

Implorava por mim?!

Rosnei de novo, dessa vez não por causa da raiva, e sim por frustração. Carlisle não tinha que me proteger, se colocar à frente de todos para me manter segura.

Sacudi-me como um cão raivoso preso a uma corrente na esperança de me soltar, mas Jasper e Emmett eram muito fortes juntos. Senti quando ambos firmaram mais os pés no chão para me manter presa no lugar.

Emmett bufou por causa do esforço.

— Para com isso, Bella. Vai arrancar os próprios braços desse jeito. - murmurou Jasper, e eu senti uma leve onda de calma me cobrindo, tirando o véu vermelho de meus olhos.

Fazia muito tempo, mas eu ainda me lembrava do que ele poderia fazer. Berrei:

— Não ouse me manipular! - E dei um puxão do lado dele. Por pouco, ele não conseguiu me conter; Emmett o ajudou no último instante.

— Não faça mais isso, Jazz. - Uma voz delicada de sinos de vento o repreendeu. Era Alice. Ela entrou no meu campo de visão, os olhos muito arregalados mas distantes sobre mim. Ela estava acompanhada de Esme. Ambas estavam claramente apreensivas com a situação e cautelosas comigo, visto a maneira que se movimentavam com cuidado ao meu redor, mantendo uma distância segura. Alice estava triste, sem aquela aura mandona de sempre que ela tinha, o que a envelhecia consideravelmente, e Esme claramente estava prestes a chorar e tinha as mãos unidas sobre o peito, como se me ver naquele estado a estivesse magoando. Afinal, eu era a vampira fora de controle ali. Ver elas tão afetadas me desmontou mais um pouco e parei de fazer tanta força para sair. - Isso só vai deixar ela mais irritada e não vai nos ajudar. - Ela sorriu para ele, um sorriso triste.

Mesmo relutante, Jasper colaborou e manteve sua influência longe de mim, mas não as suas amarras.

Alice lançou-lhe um olhar de agradecimento e depois me encarou. Foi o tempo de meio segundo, mas aquele olhar foi como o transbordar de eras sobre nós duas. Nele, ela se desculpou, disse o quanto estava com saudades e o quanto me amava. Vi no reflexo de seus olhos a minha expressão animalesca se transformar em algo mais brando, porém, não menos irritado. Minha mente tinha espaço o suficiente para sentir todo tipo de sentimento ao mesmo tempo. Eu quis chorar, como Esme que lutava para não o fazer, e ainda desejava matar Aro. - Pela minha visão periférica, pude ver quando sua expressão mudou de espanto para o vazio. Caius também voltou a reagir normalmente, adquirindo mais uma vez a ira com a qual eu já estava acostumada. Marcus se acalmou e voltou a expressão apática de sempre, agora com um leve sorrisinho nos lábios, como se estivesse se divertindo com a cena; esta última avaliação não tinha como ter certeza, era somente um palpite.

Alice rompeu o silêncio:

— Eu sei que não esperava nos ver aqui, Bella, mas não precisa se preocupar; ninguém está em perigo aqui. - murmurou ela docemente e muito confiante, e eu teria acreditado nela se não tivesse finalmente me dado conta de quem de fato Aro era.

— Você, Alice, é uma péssima mentirosa. - Minha voz estava rouca de estresse. Voltei a encarar Aro que observava tudo em silêncio. - Péssima, mesmo.

— Essa garota! - Caius gritou, apontando o dedo em haste para mim, como a garrafa de uma bruxa. - Essa garota ameaça com o olhar! Isso já passou dos limites há muito tempo! Muito! - Ele tremia a cada palavra; estava assustado? Eu quis rir, mas não estava com humor o suficiente para isso.

— Caius, por favor, seja sensato. - Era Carlisle quem falava. Ele mantinha a voz em um tom calmo, mas audível a todos. - Bella é uma vampira jovem. Despertou para esta nova vida há poucos meses. Não é do dia para noite que ela aprenderá a se controlar…

— E nos arriscar a ter uma das nossas cabeças, mãos, ou qualquer parte dos nossos corpos arrancados em mais um episódio de fúria dela?! Essa garota é terrível e um perigo a qualquer um aqui dentro! - Caius ainda berrava, a voz cada vez mais aguda e irritante. Seu corpo vibrava tanto que pensei que fosse desmontar.

Esme, a esta altura, já tinha se deixado levar pelas emoções e soluçava. Edward mantinha os olhos longe de mim, mas, para a minha surpresa, parecia em sofrimento também. Rosalie, Jasper, Alice e Emmett ouviam tudo em silêncio e de cabeças baixas, como se não pudessem falar. Aquilo me causou um desconforto enorme. Ninguém merecia estar sofrendo por mim ou mesmo se arriscando para me defender. Não estava certo. Eu deveria estar sozinha ali. Era esse o maldito trato!

Caius se aproximou de Aro:

— Aro, isso já está insustentável. Livre-se de uma vez por todas dela. Da maneira que achar melhor: matando-a, mandando-a embora, qualquer coisa!

Aro o silenciou com um gesto simples. Afastou a guarda que o protegia e se aproximou do círculo de vampiros que nos cercava, seus olhos vermelhos e profundos sempre me acompanhando.

Senti uma mão delicada e pequena me tocando na base da bochecha. Aquilo me assustou e sibilei para quem quer que fosse, tentando me afastar automaticamente, mas ainda estava presa. Era Esme. Ela estava horrível. Era quase uma tortura olhar para ela, pranteado por mim.

— Me desculpe, querida. - E deu um passo para trás, para me dar espaço.

Eu quis dizer para ela parar de se desculpar, que quem estava tendo a ação errada era eu, porém, as palavras não saiam. Era como se de repente um gigantesco nó fechasse a minha garganta.

Houve uma pequena comoção do meu lado esquerdo. Um pequeno empurra-empurra e então uma figura baixinha e muito agitada surgiu por entre os mantos escuros: Natalie. Ela driblou Rosalie, passando por debaixo de seus longos braços, deslizando no chão de pedras e parando bem na minha frente, quase dando um chega-para-lá na Alice. Mas, obviamente, prevendo que Natalie estava se aproximando, Alice se afastou no momento certo, dando o espaço necessário.

— Oi! - Um sorriso do tamanho de meio mundo iluminava o seu rosto enquanto cumprimentava a todos os Cullen com um pequeno aceno. E depois seus gigantes olhos piscaram para mim. - Oi. - sussurrou, balançando-se um pouco, como ela sempre fazia quando estava prestes a explodir de entusiasmo.

Meu queixo caiu. E de mais outros que observavam, também.

— Olá…? - murmurou Emmett.

— O que você está fazendo? - Eu queria socar Natalie. Como ela poderia aparecer assim na minha frente, em meio a toda aquela confusão, e transbordando felicidade?!

— Eu queria te ver. - disse ela inocentemente. - E falar com você.

Senti a minha mandíbula travar.

— Não é hora para isso. - falei entredentes.

— Eu sei que não é, mas não é o que você está pensando. - Natalie disse, colocando as mãos, uma de cada lado, no meu rosto. O toque me irritou, mas eu ainda estava imobilizada. Só pude mostrar os meus dentes a ela. Isso não a abalou. - Mas você está exagerando aqui, confie em mim.

— Confiar em você? - Foi a minha vez de gritar, no limite da minha paciência. - Eu posso confiar em você, em qualquer um que cruze o meu caminho, mas nunca nele. Esse verme, esse lixo de existência…! Ele mentiu para mim! Ele mentiu que estaríamos todos seguros. Foi o nosso acordo!

— Eu nunca mentiria, Isabella. - Aro deu mais alguns passos para frente. Relutantes, os guardas abriram caminho. Ele me olhava com ternura e isso me enojava. - Mas eu ainda precisava saber…

— Saber o quê? Quem você deveria perseguir quando mudasse de ideia? - Eu gargalhei sarcasticamente. - A única coisa com a qual você deveria se preocupar era o nosso acordo. Minha palavra, minha garantia. Nada mais!

— Bella, por favor. - Carlisle se aproximou e pôs a mão em meu ombro. - Isso é um mal-entendido.

— Ele fez uma ameaça. - Eu o encarei gelidamente. - Ameaçou perseguir vocês se eu não colaborasse e aceitasse me transformar. Não era para nenhum de vocês estarem aqui. Já basta eu ter arrastado a Natalie para isso.

— Eu não estou chateada, tudo bem? - Interviu Natalie, voltando ao tom bobo de antes quando me cumprimentou. Mas isso não desviou a minha atenção o suficiente dos Cullen; nenhum deles demonstrou estar surpreso com a minha pequena revelação, como se já soubessem. - A vida aqui não é tão ruim. Tem as sensações estranhas e a sede maluca… mas é fácil de lidar, quando se está prestando atenção no que se faz.

— Poupe-me do seu discurso motivacional. Isso não muda nada do que ele fez.

— Foi um convite amigável, Bella. - garantiu-me Carlisle. - Ninguém foi arrastado até aqui à força, se é o que supõe.

— Sim, Bella querida, estamos todos bem. - Esme parecia mais composta e até tentou sorrir. Rosalie se aproximou de Emmett. Edward permaneceu atrás de Carlisle, como se estivesse tentando se esconder de mim. Por mim, tudo bem; não sabia se estava pronta para encará-lo nos olhos novamente.

— Não há nada com o que se preocupar. Estão todos seguros aqui dentro. - disse Aro pesarosamente. - Sinto muito que tudo isso pareça uma grande quebra do nosso acordo, mas eu garanto a você que ninguém deste clã será tocado.

— Aro, pare com essa complacência. Ela ia matar você. - Caius cuspia fogo pelos olhos.

— Mas não o fez, graças aos nossos bons amigos. - Ele sorriu com aprovação para Emmett e Jasper. Quis arrancar aquele sorrisinho com as unhas. Demônio falso! - Bons amigos que passaram uma estadia especial em nossas instalações.

Meus olhos se arregalaram, fiquei imóvel e parei de respirar.

— Bella, não vai acontecer nada conosco. - garantiu-me Alice. - Confie em mim.

— Confiar? - Minha voz era um fiapo de som. Eu estava transbordando cólera. Aro os teria com reféns, era muito claro. E Alice estava pedindo para confiar nela?

Ela suspirou, resignada.

— Não nos vemos há tempos, mas sei que jamais esqueceria de que é imprudente apostar contra mim. - Ela cruzou os braços teatralmente e bateu o pé. - Edward duvidou, e olha só para você agora.

— Não começa, Alice. - Edward falou pela primeira vez. Sua voz era um tom que variava entre o morto e o desconforto. Ainda não queria olhar para ele, por mais tentador que fosse.

— Sabe que estou certa, Edward. E, Bella, continuarei estando certa. Por favor, colabore.

— Não sei do que ela está falando, mas acredite, Bella. - disse Natalie, muito convicta. - Eles foram recebidos como qualquer convidado. Não estão aqui sob ameaça. Eu mesma os acompanhei.

— Você continua uma insuportável. - rosnei. 

— Eu não seria Natalie Estrada se fosse menos do que isso. - Ela riu da própria piada.

Revirei os olhos e encarei Aro, que aguardava. A única coisa que pude captar era que estava cauteloso, porém, tranquilo.

O elemento surpresa tinha ido por água abaixo, junto com a minha única oportunidade naquele momento. Os Cullen e Natalie estavam na linha do fogo cruzado. Por mais que eu me esforçasse, Jasper e Emmett eram capazes de me segurar, e o fariam, a fim de evitar qualquer conflito com Aro. - A maré havia se voltado contra mim muito rápido, mais rápido do que a minha mente poderia processar.

Eu não estava pronta para jogar a toalha e desistir, mas não me restava alternativas viáveis.

Cuspi veneno aos pés de Aro; um gesto de desprezo. Ouvi muitos murmúrios de revolta ao meu redor, entretanto, ninguém se mexeu. Nenhuma ordem de ataque havia sido dada.

— Não terei a sua cabeça, meu caro Mestre. - As palavras vieram com desdém, estranguladas. - Podem me soltar. - falei para Emmett e Jasper, mas eles não o fizeram, inseguros. Eles ainda olhavam para Alice, esperando que ela se manifestasse. 

— Sua cínica! - grunhiu Caius.

— Mantenha a calma, meu irmão. Estamos todos bem. - disse Aro na voz doce de sempre.

— Por enquanto. - bufou. Ele não tremia mais. Uma pena; vê-lo tão amedrontado tinha se tornado um evento interessante.

— Acha seguro, Aro? - perguntou Marcus, ainda apático.

— Não temos com o que nos preocupar. - garantiu. - Mas isso precisará ser corrigido, de qualquer forma.

Fiz uma careta; mais tempo trancada em um buraco. Eu já não aguentava mais. A esta altura, os efeitos da privação estavam contaminando o meu discernimento. Não era apenas a restrição de ir e vir, mas também de ir caçar, de me saciar. E por mais que eu odiasse ter que desassociar a humanidade de minhas presas para assim conseguir me alimentar, eu necessitava delas para me manter sob controle. O controle é essencial para ter a minha independência aqui dentro. E “controle” é uma palavra inexistente quando se tem uma garganta queimando como ferro em brasas.

Marcus assentiu e foi se sentar.

— Isso não será necessário. - Edward disse, contornando Carlisle e ficando entre ele e nosso pequeno grupo cercado. Seus olhos passearam por mim por meio segundo, trazendo com eles lamentos, antes de se virar para Aro. Era como eu havia imaginado antes, a reação esperada: o sentimento de culpa que o tomaria por me ver naquele estado, não porque me amasse, mas porque sentia-se responsável pelo meu destino cruel. Sua compaixão me frustrava mais do que me revoltava. Preferiria que não me olhasse, nunca mais. - Bella não precisa voltar para aquele lugar.

Os olhos opacos de Aro cintilavam em sua direção, um grande sorriso se abrindo em seu rosto fino e antigo. Aquele sorriso não me agradava nem um pouco.

— É um prazer finalmente poder conhecê-lo, Edward. - Ele falava com entusiasmo e intimidade. Notei quando a postura de Edward ficou um pouco mais rígida, como se algo a mais o incomodasse. - Ouvi coisas interessantes sobre você. Pena que não pudemos nos falar antes, devido às circunstâncias. - Ele estendeu a mão para Edward, como se fosse cumprimentá-lo. Se eu tinha de fato uma boa memória, sabia que Edward tinha consciência de que aquele gesto não era inocente. Se ele o tocasse, Aro entraria em sua mente e veria tudo.

Sem hesitar, ele apertou sua mão.

— Sinto muito pelo o inconveniente de antes. - Sua voz estava morta.

Inconveniente? Do que eles estavam falando?

— Caius disse que vocês já se desculparam pelo ocorrido, e está tudo bem. - Ele respirou fundo e suas pálpebras tremeram ao fazer contato. Ele podia ver, tudo. - Estamos todos bem, afinal. - repetiu as palavras, como um mantra irritante e muito falso.

Edward concordou com um aceno de cabeça, em silêncio.

— E agora, - Ele arfou e se asfaltou, rompendo contato. - eu entendo. Vocês estão aqui para reparar os erros cometidos. Carlisle, isso é ousado, para dizer o mínimo.

— Não é ousadia. Estamos aqui para fazer uma proposta. E esperamos que seja tolerante o suficiente para considerar. - Edward respondia, apesar da fala de Aro não ser mais para ele.

— Acham que nossos métodos são incompetentes?

— Estamos falando de recém-criados, senhor. - Era Jasper quem falava, atraindo a atenção de todos. - Seus movimentos são previsíveis no campo de batalha, mas alguns acabam se revelando verdadeiras caixinhas de surpresa ao longo da convivência.

— E vocês vieram apresentar uma solução. - Complementou Aro, pensativo.

— O que quer dizer? - perguntou Caius, intrigado

Eu o entendia neste ponto. Também estava ansiosa para compreender o teor daquela conversa, principalmente a parte de “reparar erros”.

Olhei para cada um dos membros da família Cullen, procurando por alguma resposta, porém, todos estavam concentrados em Aro, como se a sua reação fosse a mais importante de todas.

— Este jovem, Jasper, está disposto a nos ajudar com o treinamento de Isabella e Natalie durante a estadia da família em nosso castelo. - respondeu ele ao irmão.

Caius ficou boquiaberto, e eu também. Houve um pequeno burburinho em meio a guarda, alguns incrédulos, outros fazendo piadas. Aos seus olhos, ninguém seria capaz de nos controlar. Nem Heidi e nem Corin haviam conseguido. O que garantia que um forasteiro teria êxito, afinal? - Até eu estava com dificuldades para acreditar nisso. Jasper, com quem não desenvolvi nenhum tipo de ligação, que tentou me matar, mesmo que por acidente, estava querendo me treinar? Por quê? Ele não tinha nenhum tipo de obrigação comigo. Não entendo.

Jasper não ficou calado:

— Já lidei com inúmeros imortais jovens, imaturos e descontrolados. Comandei tropas inteiras deles no campo de batalha nas disputas por território ao sul dos Estados Unidos, e venci todas elas. Posso mantê-los sob o meu controle sem esforço, treiná-los para serem eficientes e não apenas bestas selvagens que mais cedo ou mais tarde irão nos expor. - Seu semblante era impenetrável e exalava orgulho.

— Sabemos que a mente de Bella é uma fortaleza. - Carlisle pôs a mão no ombro de Edward, assentiu para ele e deu um passo a frente, novamente de frente para Aro. - Mas meu filho, Jasper, possui habilidades diferentes das que você tem aqui. Ele será útil. - Ele estendeu a mão para Aro, e este a tocou por míseros dois segundos, sem tirar os olhos de mim, como um aperto de mãos fraco. Mais troca de informações.

— Interessante. - murmurou Marcus, ainda apático.

— De fato. - concordou Aro. - Poderes físicos são bem incomuns.

— Nos permita ter esta conversa. - Carlisle pediu. - Para acertarmos nossos termos.

— Fala como se eu já fosse concordar com a benevolência de vocês. - O tom de voz de Aro denunciava que ele estava incomodado por ter que recorrer à ajuda externa. Durante os poucos meses morando ali, sabia que o seu maior orgulho era a autossuficiência de seus subordinados, além da lealdade cega e absoluta.

— Há outra alternativa? - perguntou distraidamente Natalie. Ninguém esperava que ela fosse se meter, entretanto, não me surpreendia. O momento exigia que os negociadores tivessem tato, portanto, a maioria estava calada para não se envolver. Natie não poderia listar “ter tato” como uma de suas características, nem mesmo entre as secundárias. - Se os senhores querem a minha opinião, parecem ser intenções de ajuda perfeitamente sinceras. Bem melhor do que um buraco debaixo da terra. Não acha? - Ela sorriu docemente, como sempre fazia quando queria persuadir um falso amante. Reconhecer tal faceta nela teria me feito sorrir.

Outros segundos de momento tenso enquanto as rodas das engrenagens da mente de Aro giravam. Alguém suspirou de alívio; era Alice. Os ombros rígidos de Edward arriaram um pouco.

Aro falou:

— Nós iremos deliberar. - disse, acenando para Caius e Marcus. Juntos com os dois irmãos, Aro formou um círculo. - Enquanto isso, peço que nossos convidados se acomodem em aposentos adequados. - Ele instruiu sua guarda, dando as costas para nós. - Quanto a Natalie e Isabella, levem-nas para se alimentar. Já passou muito tempo.

Um coro de “sim, mestre” soou pelo torreão. Como um enxame de abelhas sincronizado, os guardas excedentes se dispersaram. Alguns poucos restaram para cumprir as ordens dadas.

— Vocês já podem soltá-la. - Um dos guardas, Abner, se aproximou. Ele era tão alto quanto Jasper e Emmett, mas muito mais largo. Lembro-me de vê-lo em minha cela, de novo quando a transformação estava quase no fim e quando ela acabou. Diferente de Félix, Abner não era um sujeito de humor ácido. Muito pelo contrário: era tranquilo e formal, e sempre trazia consigo um semblante gentil. Das poucas vezes em que estive em sua presença, não foi como se houvesse um peso de arrependimento sobre mim. Uma presença reconfortante e serena, como um rio despertando sob a névoa de uma manhã fria. Me fez questionar algumas vezes o motivo de alguém como ele estar ali.

Logo atrás dele estava Gabriela, sua companheira. Ela também era tranquila, mas mantinha distância boa parte do tempo, como se preferisse se esconder; ou esta era a impressão que transmitia. Ela era linda em muitos aspectos, até mesmo em seus traços quase selvagens. Talvez fosse o cabelo revolto, ou as pernas muito fortes que lembram as de um felino da floresta. Ainda me questiono sobre sua atitude estranha enquanto o veneno queimava a mim e a Natalie por dentro, mas nunca tive oportunidade de perguntar. Nem sei se quero saber.

Jasper e Emmett largaram os meus braços, permitindo que eu me mexesse de novo. Meus olhos ainda estavam nas costas de Aro, mas eu estava muito mais tranquila naquela altura. Ainda estava com muita raiva, porém, havia outras prioridades. Primeiro de tudo: os Cullen. Eu não engolia aquela história de “visita amigável”. Eu já havia sido enganada antes. O mesmo poderia estar acontecendo com eles. Segundo ponto: Natalie. Depois de meses sem termos contato, tê-la perto de mim causava um misto de alívio, euforia e preocupação. Natalie sempre foi uma ótima atriz, ela poderia estar mentindo agora, sobre estar tranquila com sua nova condição. Assim como eu, Natie havia perdido coisas importantes, não só a mortalidade. Não havia um dia em que eu não pensasse nos meus pais e como eles estavam lidando com o meu desaparecimento. A família de Natalie deveria estar sofrendo também. - E terceiro ponto (e não menos importante): Edward e a distância que ele mantinha entre nós. Não que eu estivesse ansiosa para falar com ele, mas vê-lo tentando se ocultar atrás de Carlisle, como uma assombração, era no mínimo irritante. Se ele não queria mais contato algum comigo, por que foi até ali e me defendeu como os outros? Mais uma vez, minha mente respondeu: “por pena”. Não havia outra lógica. Afinal, não tinha mais nada entre nós há muito tempo.

— Peço que vocês vão com eles. - continuou, indicando os guardas que iriam acompanhar a família. - Eles os acomodarão em quartos confortáveis.

— Obrigado. - agradeceu Carlisle. - Não se preocupe conosco, Bella. Estamos todos seguros. - Sorriu, como que para me acalmar. Não é surpresa nenhuma dizer que não funcionou. Aro se aproveitava da ingenuidade das pessoas, poderia estar fazendo o mesmo com ele. Mas Carlisle era um vampiro experiente, muito mais velho do que a maioria de nós naquela sala, fora que já havia vivido com os Volturi uma vez. Sabia do terreno em que estavam pisando. Além do que, ele tinha Alice e Edward. Não seriam pegos desprevenidos em uma armadilha, tive que reconhecer.

Tentei retribuir sua gentileza, entretanto, as palavras pareciam todas erradas na minha cabeça. O que eu deveria dizer? Que era bom vê-los novamente? Para tomarem cuidado?

— Tudo bem. - foi a única frase que consegui proferir friamente sem me desconcertar. Tudo que vinha à minha mente era um apelo emocional desesperado. Nem de longe era o mais adequado transparecer. Só daria o que o Aro demonstrava querer: uma Bella desesperada e com receio do futuro.

Eu não daria esse gostinho para ele.

Carlisle assentiu e tocou o meu ombro ao passar para seguir sua escolta. O gesto era gentil e deliberadamente lento, como que para não me pegar desprevenida. Mesmo assim, não pude evitar de tensionar o meu corpo inteiro. Era uma reação automática. Estava há tanto tempo sendo tocada e arrastada contra a minha própria vontade dentro daquele castelo que os meus instintos reconheciam o mais leve contato como uma ameaça ou uma invasão.

Os outros o seguiram, sobrando Alice por último. Ela carregava um olhar triste e choroso, como quem ainda quisesse pedir desculpas. Era o que eu sentia que ela queria fazer, mas sua palavras foram:

— Outra hora nós conversamos. - E saiu também.

Agora éramos nós quatro, além dos irmãos, cujo círculo formado estava mais distante agora, perto dos grandes tronos. Haviam dois guardas ao lado de uma das colunas de sustentação. Eles conversavam tranquilamente em seu idioma natal. Eu não os compreendia.

— Temos que ir, também. - anunciou Abner. - Ainda está de dia, então vamos ter que ocupar algum quarto e aguardar até que o crepúsculo chegue.

— Sem problemas. - cantarolou Natalie, batendo palminhas, borbulhando de entusiasmo. - Teremos bastante tempo para pôr a conversa em dia. - Ela me cutucou com o cotovelo, como sempre fazia para quebrar o gelo comigo; apesar da visão turva, eu lembrava da sensação irritantemente divertida.

Dessa vez, ela me arrancou uma risada espontânea, e isso me chocou, fazendo o som sair estrangulado e desaparecer abruptamente assim que saiu, como um engasgo. Era estranho rir de verdade. Não lembro de ter feito isso depois de acordar daquele pesadelo infernal de ser queimada viva.

— Como consegue estar tão feliz? - perguntei, tentando manter a pose carrancuda e a arrastando para acompanhar Abner e Gabriela para fora do torreão. Lembrava que às vezes era necessário fazer isso quando ela estava eufórica. Sua mente se concentrava tanto na euforia que ela simplesmente esquecia um ato simples como andar. Temia que aquilo não tivesse mudado nela.

— Uma mulher tem direito de estar feliz por ter a melhor amiga de volta. - declarou exasperada, como se a minha pergunta a ofendesse. Quando estávamos no corredor, Natalie se soltou de mim e enganchou o braço no meu, como sempre fazia. Mais uma vez, eu tensionei mas não me afastei. - E eu não sou mais uma criança desligada. Não precisava ficar me puxando.

— Só fiz isso por precaução. - comentei, sorrindo um pouquinho. - Velhos hábitos custam a morrer. 

Ela riu, uma risada alta e musical.

— Acho que não mudamos tanto assim, no fim das contas.

— Acho que não... - concordei, deixando-me levar por seu humor destoante de todo o clima tenso de poucos minutos atrás. Era como uma lufada de ar fresco e quente, o anúncio da chegada de uma chuva em pleno verão. Não me fazia esquecer por completo de todos os problemas que haviam caído como bombas sobre mim, mas era uma distração eficaz e uma felicidade genuína.

Assim como Natalie, eu estava feliz por tê-la por perto de novo. Outro sentimento estranho que não parecia mais fazer parte do que sou, porém, que ainda havia fragmentos vivos dentro de mim. Quando se passa tanto tempo sentindo que está morrendo aos poucos, acontecimentos deste tipo são incomuns.

Ainda sim, esta felicidade não era capaz de extinguir as minhas preocupações.


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que continuam acompanhando.
Não esqueçam de deixar a opinião de vocês nos comentários. São sempre muito importantes para mim.

Até o próximo capítulo!



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